O novo Código Civil traz alguma disposição sobre os direitos da personalidade? Diz sobre a aplicação da teoria dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas? Quais os direitos da personalidade que cabem às pessoas jurídicas? Quais as principais conseqüências trazidas com o novo Código sobre a questão dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas?
Com o novo Código Civil essas são algumas das questões que surgem e mercem um debate amplo pelos aplicadores do direito, e a função do presente trabalho é justamente de colaborar com essa discussão.
Definidos como "as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos", e, essencialmente, voltados à proteção da pessoa humana, a Constituição de 1988 trouxe a positivação de diversos direitos da personalidade, como os direitos "à vida, à liberdade, à segurança, à intimidade, à vida privada, à imagem, a direitos autorais, incluídas as participações individuais em obras coletivas, à reprodução da voz e da imagem (os dois últimos, como inovações) (art. 5º, caput, e incs. X, XXVII e XXVIII), assegurando o direito à indenização pelo dano moral, em caso de violação (incs. V e X)".
Como aludido, portanto, a questão da positivação dos direitos da personalidade não é de tanta inovação assim, vez que a Constituição de 1988, refletindo a dita necessária releitura do direito civil conforme a Constituição, acabou por "constitucionalizar" alguns direitos da personalidade, o que é momento do direito não só de exclusividade brasileira, mas sim de tendência de política legislativa no direito comparado, na busca de maior efetividade e proteção a direitos que versam sobre o bem maior de importância: a pessoa humana.
Desta feita, se há muito já se tinha o debate da aplicação dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas, com a promulgação da Carta de 1988, e a não vedação da proteção da honra somente às pessoas naturais, no art. 5º, inc. V, tal levou à interpretação da reparabilidade do dano moral causado à honra objetiva da pessoa jurídica, destacando-a como um atributo da personalidade da pessoa jurídica.
O novo Código Civil traz disposição expressa sobre a aplicação dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas, pacificando a questão, o que trará algumas inovações na técnica jurídica brasileira.
2. Aplicabilidade dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas.
Preliminarmente, mister considerar que a doutrina ainda debate da possibilidade da aplicação dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas.
Com efeito, por exemplo, pietro perlingieri é contrário à tal aplicação, argumentando que há "diversidade das razões de tutela", que, em suma, as pessoas jurídicas refletem interesses patrimoniais, enquanto os direitos das personalidade, em regra, possuem característica notadamente extrapatrimonial.
Assim é expresso o sempre lembrado mestre:
"Os chamados direitos da personalidade e as pessoas jurídicas. É possível remover o equívoco sobre a extensão dos direitos da pessoa humana às pessoas jurídicas. Se a tutela da pessoa humana afunda as suas raízes na cláusula geral presente no art. 2 Const. e qualquer aspecto ou interesse concernente à pessoa é tutelado na medida em que sejam essenciais ao seu pleno e livre desenvolvimento, é também verdade que qualquer interesse referidos às pessoas jurídicas, não somente assume significados diferentes, mas recebe também uma tutela que encontra um distinto fundamento. Para as pessoas jurídicas o recurso à cláusula geral de tutela dos "direitos invioláveis" do homem constituiria uma referência totalmente injustificada, expressão de uma mistificante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a pessoa física é sujeito que tem tutela; a pessoa jurídica é sujeito; ergo, à pessoa jurídica deve-se aplicar a mesma tutela. Daqui uma concepção dogmática e unitária da subjetividade como fato neutro. O valor do sujeito pessoa física é, todavia, diverso daquele do sujeito pessoa jurídica.
É necessário adquirir consciência da identidade apenas aparente de problemáticas como, por exemplo, o segredo, a privacidade e a informação. Estes aspectos assumem valor existencial unicamente para a pessoa humana; nas pessoas jurídicas, exprimem interesses diversos, o mais das vezes de natureza patrimonial. O sigilo industrial, o sigilo bancário, etc. podem também ser em parte garantidos pelo ordenamento, mas não com base na cláusula geral de tutela da pessoa humana. Deve ser recusada, por exemplo, a tentativa de justificar o sigilo bancário com a tutela da privacidade; Esta exprime um valor existencial (o respeito da intimidade da vida privada da pessoa física); aquele, um interesse patrimonial do banco e/ou do cliente."
Também contrário à aplicação dos direitos da personalidade à pessoa jurídica é gustavo tepedino, ex-diretor da Faculdade de Direito da UERJ, nos seguintes termos:
"De tais elaborações decorrem, ainda, as teses que, movidas embora pelo louvável propósito de ampliar os confins da reparação civil, consideram indistintamente a pessoa física e a pessoa jurídica como titulares dos direitos da personalidade, a despeito do tratamento diferenciado atribuído pelo ordenamento constitucional aos interesses patrimoniais e extrapatrimoniais.
As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando não atingem, diretamente, as pessoas dos sócios ou acionistas, repercutem exclusivamente no desenvolvimento de suas atividades econômicas, estando a merecer, por isso mesmo, técnicas de reparação específicas e eficazes, não se confundindo, contudo, com os bens jurídicos traduzidos na personalidade humana (a lesão à reputação de uma empresa comercial atinge – mediata ou imediatamente – os seus resultados econômicos, em nada se assemelhando, por isso mesmo, à chamada honra objetiva, com os direitos da personalidade).
Cuida-se, afinal, de uma tomada de posição do legislador constituinte, que delineou a tábua axiológica definidora do sistema e, por conseguinte, da atividade econômica privada. Daí a necessidade de uma reelaboração dogmática, de molde a subordinar a lógica patrimonial àquela existencial, estremando, de um lado, as categorias da empresa, informadas pela ótica do mercado e da otimização dos lucros, e, de outro, as categorias atinentes à pessoa humana, cuja dignidade é o princípio basilar posto ao vértice hierárquico do ordenamento.
Tampouco se pode tomar de empréstimo a ótica individualista e patrimonialista para a solução de conflitos inerentes à tutela da pessoa humana – permeados por bem outros valores. A empresa privada, na esteira de tal perspectiva, deve ser protegida não já pelas cifras que movimenta ou pelos índices de rendimento econômico por si só considerados, mas na medida em que se torna instrumento de promoção dos valores sociais e não-patrimoniais.
Com base em tais premissas metodológicas, percebe-se o equívoco de se imaginar os direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais como categorias neutras, adotadas artificialmente pela pessoa jurídica para a sua tutela (a maximização de seu desempenho econômico e de seus lucros). Ao revés, o intérprete deve estar atento para a diversidade de princípios e de valores que inspiram a pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como comunidade intermediária constitucionalmente privilegiada, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento (privilegiado) para a realização das pessoas que, em seu âmbito de ação, é capaz de congregar."
Entretanto, tal posição não é pacífica, pelo que, favoravelmente, trazemos os ensinamentos do saudoso carlos alberto bittar, Juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, aduzindo da compatibilidade de certos direitos da personalidade às pessoas jurídicas:
"Por fim, são eles plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (C. Civil, arts. 13, 18 e 20), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (como, por exemplo, como o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra)."
Dirimindo tal questão, venceu a tese da possibilidade de aplicação dos direito da personalidade às pessoas jurídicas, optando o legislador do novo Código Civil pelo texto de lei expresso nesse sentido.
3. Direitos da personalidade e pessoa jurídica no novo Código Civil.
Assim sendo, o artigo 52, do novo Código Civil possui a seguinte dicção:
"Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade."
Então, preliminarmente, sem qualquer remessa, vem a seguinte questão: o que "cabe" nessa aplicação "não geral" dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas ?
Nos artigos 11 a 21, o novo Código traz um capítulo especialmente dedicado aos direitos da personalidade; vale dizer, sem notar expressamente às pessoas jurídicas.
Nesses dispositivos, tem-se a proteção dos direitos da personalidade, depois da morte do titular, por seus parentes (art. 12, parágrafo único), direito ao próprio corpo (arts. 13, 14 e 15), direito ao nome (arts. 16 e 17, este último vedando a utilização que o exponha "ao desprezo público", e o 18, vedando a utilização sem autorização), direito ao pseudônimo (art. 19), direito aos escritos, à voz, à honra, imagem e boa-fama (todos no art. 20), vida privada e intimidade (art. 21).
Destaque-se que os direitos da personalidade, mesmo sendo positivados, não podem ser vistos como amparados somente nesses casos, vez que inerente que são ilimitados, pelo que qualquer enumeração será sempre exemplificativa, dependendo da evolução da sociedade para o nascimento e proteção através da técnica de novos direitos, de pronto já se tem a conclusão que desde que compatível com a estrutura da pessoa jurídica, essa terá o amparo dos direitos da personalidade assim pertinentes, para fins seja de proteção direta de direitos como a honra e boa-fama, art. 20, seja para exigir a tutela de emergência para fins de cessar ameaça a tais direitos, e até, ao pleito de ressarcimento pelas perdas e danos causados por ofensa a tais direitos, art. 12, todos do novo Código Civil.
Assim, se podia soar estranho ao aplicador do direito brasileiro tal questão – dos direitos da personalidade das pessoas jurídicas -, como visto, com o advento do novo Código Civil, isso já é uma realidade insofismável.
Deve-se lembrar que a codificação dos direitos da personalidade é alvo de intenso debate, principalmente por sua característica de direito ilimitado, mas, isso não tem sido obstáculo suficiente para a sua não positivação nos Códigos, como lembra carlos alberto bittar, de disposições sobre os direitos da personalidade no BGB, no Código Português, Suíço, Espanhol, Peruano, e o Italiano, considerado um dos que melhor explana sobre a matéria.
Outrossim, forçoso aduzir que tal proteção dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, notadamente a honra objetiva, já era tese bem aceita em nossos Tribunais, a teor dos incisos V e X, do artigo 5º, da Constituição de 1988.
Assim sendo, a codificação dos direitos da personalidade no novo Código Civil deve ser vista, essencialmente por três elementos a seguir: (i) reflete tendência de positivação com vistas à efetiva proteção, (ii) alcança a pessoa jurídica, no que for compatível, e (iii) não afasta a proteção dada pelos direitos fundamentais, ao revés, conjugam-se na aplicação unívoca de proteção do bem jurídico em tela.
4. Direitos da personalidade aplicáveis às pessoas jurídicas.
"... fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas. .."
Por tal princípio enunciado por bittar, são compatíveis todos aqueles direitos intrínsecos e essenciais à existência da pessoa jurídica, protegendo-se desde o momento de seu registro – nascimento da pessoa jurídica -, até o seu encerramento, protegendo-se, ainda, certos direitos mesmo após tal encerramento. Sobre essa última assertiva, da mesma forma que, por exemplo, a honra de pessoa já falecida poderá ser alvo de proteção a ser requerida pelos parentes – "cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente da linha reta, ou da colateral até o quarto grau" -, nos termos do artigo 12, par. único, do novo Código, com o encerramento da pessoa jurídica, por esse raciocínio de compatibilidade do artigo 52 – dando direitos da personalidade às pessoas jurídicas -, em tese, será admissível a proteção da honra da pessoa jurídica "morta", já com suas atividades encerradas, por seus antigo sócios, e até herdeiros, na mesma ordem fixada no artigo 12, vez que notoriamente podem sofrer conseqüências patrimoniais e extrapatrimoniais tendo em vista participação em antiga pessoa jurídica. Acrescentamos, ainda, que não há disposição no novo Código que vede tal interpretação, aliando-se que toda e qualquer interpretação deve ser fixada aqui no sentido de promover a inovação trazida, dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, bem como por ser a honra direito fundamental protegido constitucionalmente.
Resta, portanto, saber quais seriam os direitos, a priori, aplicáveis às pessoas jurídicas.
Podemos destacar, dentre outros, já que ilimitados, como direitos da personalidade aplicáveis às pessoas jurídicas: honra, reputação, nome, marca e símbolos (direito à identidade da pessoa jurídica), propriedade intelectual, ao segredo e ao sigilo, privacidade, e assim todos que, com o avanço do direito, fizerem-se necessários à proteção dos desdobramentos e desenvolvimento da "vida" das pessoas jurídicas.
5. Reparação civil dos danos causados por ofensa aos direitos da personalidade da pessoa jurídica.
O sancionamento, na órbita civil, da ofensa aos direitos da personalidade é o dever de reparar o dano moral causado, sendo que esse, vale lembrar, não é necessariamente uma ofensa a um direito da personalidade, mas sim uma ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial, dentre eles, os direitos da personalidade.
Nesse sentido, a doutrina já tem havido como cabível a reparação do dano moral causado à pessoa jurídica, notadamente contra sua honra objetiva – direito da personalidade -, pelo que a teor dos artigos 12 e 52, já citados, do novo Código Civil, reforço terá também a jurisprudência, que vem sendo franca nesse sentido.
Assim, a jurisprudência, que já teve força no sentido contrário à concessão de reparação de dano moral à pessoa jurídica, firmou-se de forma majoritária pela sua permissão:
"RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos morais - pessoa jurídica - Ao adquirir personalidade, a pessoa jurídica faz jus à proteção legal e estatal à sua honra objetiva, considerada assim a reputação que goza em sua área de atuação. O dano moral puro é aquele em que a ofensa que lhe deu causa não traz reflexos patrimoniais, independendo, sua reparação, da existência de prejuízos econômicos oriundos do ataque irrogado. Recurso conhecido e improvido."
"RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - PESSOA JURÍDICA - ADMISSIBILIDADE - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PROTESTA INDEVIDAMENTE TÍTULO CAMBIAL - FATO QUE ACARRETA CONSEQÜÊNCIAS DANOSAS DE ORDEM PATRIMONIAL À EMPRESA - OFENSA À HONRA OBJETIVA CARACTERIZADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente."
Tanto assim que se tem o entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 227: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
Da mesma forma que assim no que se refere à honra, quanto aos demais direitos da personalidade da pessoa jurídica também é plenamente cabível a sua tutela, nos mesmos moldes a ensejar a reparação, notadamente, dos danos morais causados.
Ainda, quanto à reparação civil, deve-se aduzir que não só prejuízos extrapatrimoniais são causados no momento de ofensas aos direitos da personalidade; podem também ser causados danos materiais, advindos, por exemplo, de perda sensível nos resultados econômicos, provenientes de abalo na honra da pessoa jurídica; incide, nesse caso, a Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça sobre cumulação dos danos moral e material, pelo que admissível na mesma ação o pedido de reparação de todos os danos causados pela ofensa ao direito da personalidade.
Assim sendo, plenamente cabível a ação visando a reparação dos danos causados aos direitos da personalidade da pessoa jurídica.
6. Conclusões.
Diante do exposto, podemos concluir sobre os direitos da personalidade e sua aplicação às pessoas jurídicas no novo Código Civil que:
a)os direitos da personalidade são elencados e protegidos expressamente;
b)há norma de aplicação, no que for compatível, dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas;
c)tal tutela se dará enquanto tiver existência a pessoa jurídica, e em certos casos, até mesmo após encerradas suas atividades, por seus sócios ou herdeiros;
d)os direitos da personalidade são ilimitados, sendo os lembrados no novo Código a título exemplar;
e)no que se refere às pessoas jurídicas, são seus direitos da personalidade todos aqueles atributos inerentes e essenciais a sua existência e desenvolvimento, sendo dever o seu respeito de caráter absoluto, como característica dos direitos da personalidade;
f) podem ser citados exemplarmente como direitos da personalidade aplicáveis às pessoas jurídicas: honra, reputação, nome, marca e símbolos, à identidade, propriedade intelectual, ao segredo e ao sigilo, e privacidade.
g)a tutela dos direitos da personalidade da pessoa jurídica pode se dar em caráter ou de emergência, para cessar lesão ou sua ameaça, ou principal, com vistas à reparação do dano causado;
h)a reparação dos danos causados aos direitos da personalidade da pessoa jurídica podem ser materiais e morais, sendo plenamente cumuláveis.