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Individualismo como incentivador da violência e o papel do Direito Penal nesse contexto

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07/09/2005 às 00:00
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Conclusão

Nesse momento conclusivo, cabem algumas considerações que se pode inferir do exposto no decorrer do trabalho. Não restam dúvidas do recheio detalhista que o assunto levanta; a começar pelo título e percorrer as linhas, numa inconstante procura de um "porto seguro". Exatamente a teleologia do Direito Penal de tornar-se um "porto seguro", um ponto de segurança para a sociedade-individualista; um socorro resgatador dos perdidos na miserabilidade do comezinho da produção cultural da contemporaneidade. Segurança e confiança [136] são palavras que dão o sentido ao Direito Penal repressivo. A idéia de ordem emerge imediatamente com a de institucionalização, prefigurando-se na estabilização do caos indeterminante das diferenças do ser humano, transformando-o em cosmos. Uma fixação de conceitos e estruturas que orientam o movimento dos diferentes com sua autonomia-liberdade, purificando as impurezas, ou seja, reduzindo o perigo, com medidas de profilaxia de choque; quando há falha nas medidas profiláticas surgem remédios últimos de controle, o Direito assume, em certas situações, esta funcionalidade.

Outro ponto de exaustão foi o enfoque de crise, de instabilidade, de insegurança, de perigo, de impureza, de risco, etc. Estas palavras cumprem o papel de ressaltar a dispersão de paradigmas de apoio, como um farol que guia as embarcações nas proximidades da costa. A falta desta "luz" apresenta-se como a problemática a ser analisada. O Penal é escalado para cumprir esta função, mas é cabal a lembrança da sua própria ontologia de resolução de conflitos, ou seja, a eleição deste mecanismo que lida basicamente com um quadro de violência é admitir que o social tem sua estruturação sobre os alicerces do conflito. A suposta veracidade deste argumento, hobbesiano, leva a admissão de insuperação e, ainda mais, à perspectiva de acirramento da violência. O inverídico nesta sustentação encontra-se na conjuntura de sociabilidade do Humano, haja visto as sociedades de constituição simples e a formação, mais instável, da sociedade de constituição complexa. A própria necessidade do outro desmente Hobbes. O que se sucede são fatores que desequilibram as relações sociais; em períodos de intermitência irregular há quebra de segurança e acontecem crises radicais de mutação extremada, tocante ao seio social. [137] A sociedade também não corrompe o homem (ROUSSEAU), a interação, como dito, pende para um lado ou para outro, por vezes inclina para o social e outras para o individual. Na atualidade a acentuação está ao individualismo, principalmente, após a secularização e fortaleceu-se com o enfraquecimento do Estado de Bem-estar Social. A crise dos direitos de primeira e segunda geração demonstra faticamente esta condição. A solidariedade, característica da classe operária, exteriorizada nos movimentos reivindicatórios de melhores condições sociais esvanece-se no mundo material.

No focalizar o indivíduo, é conjuntural a sociedade; condição sine quo non da existência de ambos. Um, invariavelmente, é necessitado do outro. Uma figura não se mostra sem as cores da outra dimensão, seja do indivíduo para sociedade ou a sociedade para o indivíduo. Esta correspondência tende a confundir, numa busca histórica ou mesmo numa análise atual a extensão da influência de um sobre o outro. Mas, o resgate a ser frisado é no desenvolvimento, ou melhor, envolvimento do eu com o outro, a possibilidade do nós e a violência, então, trata-se de uma visão antropo-sócio-jurídica. Quando usa-se a relação entre o eu e o nós, está-se diante de uma relação social e antropo-individual. É a atuação de um sobre o outro, comunicativamente, que forma esta atmosfera de interação, seja, para o bem para o mal. Se para o bem ter-se-á "paz", se para o mal a "violência"; a predominância de uma sobre a outra nas bases sociais demonstrará a dinâmica determinante.

Sem outras considerações que desviam o foco, no trabalho foi sempre ressaltada a imbricada inter-relação individual e seu paradoxo; como última observação paradoxal, é, nesta sociedade individualista e reducionista, a formalidade funcionalizadora do processo econômico, que surge, derivada da complexidade epistemológica, a exigência da confiança no outro-técnico. A figura do técnico goza do sinônimo de confiança. O conhecimento, mergulhado num vertiginoso vale profundo, assume ares de intangibilidade se for superficialmente arrogado. Logo, pela impossibilidade de se ter conhecimento profundo em várias áreas do saber e da inevitável interligação (interdisciplinaridade) entre essas, essência se faz a figura do outro-técnico. Nessa relação encontrarão alicerces na confiança do conhecimento do outro. [138] Enlace, também, sustentado pela necessidade e materialidade da satisfação da necessidade, por exemplo: auxílio de um técnico em informática; no entanto, o Humano, contemporaneamente individualista, depende, sem outra opção, de socorrer-se com o outro; uma outra problemática surge nessa relação, que tem suas bases em aspectos puramente material, a prestação do serviço e sua respectiva recompensa. Não há o aprofundamento da relação, que fica na superficialidade do materialmente considerado.

Essa questão como as demais levantadas, no decorrer do trabalho, e não pormenorizadas, ficam, desde logo, para a oportunidade tempo-espacial adequada a serem tratadas. São questões relevantes, merecedoras de investigação [139] minuciosa; questões chave que possibilitam o acesso a outras dimensões da violência e das dinâmicas sociais, antropológicas, jurídico-penais, econômicas, políticas, etc. A transdisciplinariedade é a metodologia da compreensão da complexidade contemporaneamente posta. Mas isso não implica a sedimentação da verdade, de respostas definitivas, mas implica a seriedade, sem dúvida, da vontade de procurar respostas, de desenvolvimento de projetos, de pesquisas reveladoras, de investigações profícuas, da seriedade de instituições incentivadoras de pesquisas e da competência dos profissionais envolvidos, todos cooperativamente.

Em suma: chega-se à extenuante incógnita do rumo a ser seguido. A escolha do caminho não se apresenta numa opção diminuta, pelo contrário, além da direita ou esquerda (sem conotação política) há, à frente, inúmeras trilhas a serem percorridas. As pedras que ter-se-ão de remover dependendo da estrada escolhida. Mas, mesmo nesta parábola de pedras (obstáculos) quem caminha, raciocina, esforça-se em superar os obstáculos é o Homem; é, portanto, com a saúde de suas "pernas" e raciocínio de sua cabeça que será percorrida a estrada até o próximo cruzamento. É de sua responsabilidade a escolha e o percurso; são devidos à condição física e mental a possibilidade de superação de obstáculos. Os obstáculos não surgirão no caminho somente para impedir a passagem do viandante. Então a responsabilidade do caminhar antropo-sócio-jurídico-cultural é somente do Homem como eu-nós.


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Sobre o autor
Guilherme Camargo Massaú

especialista em Ciências Criminais pela PUC/RS, em Pelotas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSAÚ, Guilherme Camargo. Individualismo como incentivador da violência e o papel do Direito Penal nesse contexto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7249. Acesso em: 23 abr. 2024.

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