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Individualismo como incentivador da violência e o papel do Direito Penal nesse contexto

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07/09/2005 às 00:00
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NOTAS

01 HERDER, Johann Gottfried. Também Uma Filosofia da História Para a Formação da Humanidade. Lisboa: Antígona, 1995. p. 30.

02 "Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do queremos dizer que existem mais possibilidades do que se pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível, ou a algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta (por exemplo, indo-se ao ponto determinado), não está mais lá. Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir-se riscos." LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. pp. 45-46. (grifo do autor)

03 A responsabilidade aqui referida não é somente a jurídica, mas apresenta um sentido lato de assumir qualquer tipo de compromisso.

04 A transdisciplinariedade, nesse trabalho, refere-se à possibilidade de navegar por rios mais largos, ou seja, atingir uma problematização ampla – aproximando-se duma visão da realidade – na procura de respostas ou de visões que transpassam a disciplinariedade. A conexão comunicativa entre as disciplinas fornece o material necessário na busca da realidade, por isso, a importância da transdisciplinariedade.

05 "Vivemos a utopia da sociedade e do corpo perfeito e o enaltecimento das emoções. O avanço fantástico da tecnologia e da neurociência decretou o fim da velhice e da tristeza, mas, em lugar de potencializar o corpo e os afetos, instrumentalizou-os. Saúde e felicidade são mercadorias compradas em prateleiras, sob receita médica. A tristeza, eliminada pelo ombro amigo é substituída pela angústia biológica, curada na solidão do indivíduo com ele mesmo. Estamos viciados em livros de auto-ajuda, esoterismo, malhação. Falamos livremente de nossa intimidade a desconhecidos, valorizamos o tocar, a relação íntima, a exposição do corpo e do ‘eu’, mas esse corpo e esse eu são desencarnados, insensíveis ao outro. Sem o perceber, em nome da liberação das emoções e do exercício da sensibilidade, estamos, sutilmente, formatando e despontencializando nosso ‘conatus’ e aceitando velhos argumentos higienistas, morais e racionais, que só modernizaram sua roupagem. Também, com a ênfase no próprio ‘eu’, desencarnado e solitário, estamos nos afastando das questões públicas, nos mobilizando apenas, como multidão, pelo evangelho e pela música pop." SAWAIA, Bader Burihan. O Sofrimento Ético-Político Como Categoria de Análise da Dialética Exclusão/Inclusão. In: As Artimanhas da Exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. pp. 106-107.

06 "A competição, enfatiza Maturana, é anti-social, hoje e outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal, especialmente o mercado, se assenta na competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas. Essa lógica impede que seja portadora de felicidade e de futuro para a humanidade e para a Terra." BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 111.

07 Neste trabalho não discutirei a questão terminológica de modernidade e pós-modernidade, no entanto, a atualização das afirmações fará o enquadramento teórico, por si só, naqueles que acreditam numa ou outra terminologia/teoria.

08 "As relações sociais existem entre animais, como ocorre com as abelhas, entre as quais há o trabalho em comum, com algumas divisões, de modo que se inicia a marcha – que elas não terminam – para a socieade (senso estrito). Há animais que só admitem a solidão, e repelem contactos, mesmo entre os da mesma espécie, como ocorre com os grilos, com os pintarrochos (ditos cardeais), que vedam entrada no terreno que ocupam, e esses, postos na mesma gaiola, chegam, em luta, até à morte. Há animais sociáveis, inofensivos entre si. Há abelhas que põem as larvas a pouca distância das outras, sem que haja qualquer relação social entre elas. É o caso, por exemplo, da abelha Dosypoda. A escolha do lugar aproximou a colocação, sem que entre elas houvesse qualquer aproximação. Se o lugar muito lhe importa, para a nutrição ou outra atividade, há antílopes que marcam o seu território com secreção da glândula periorbitária em galho de árvore. O cão cheira o lugar a que o levaram, para saber se é de outro. Passa-se o mesmo com peixes." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à Sociologia Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 5.

09 Não distinguirei, neste texto, os termos comunidade, sociedade e nem coletividade, usando-os no sentido de conjunto de pessoas que vivem num ambiente social, ou melhor, que vivem em conjunto num determinado espaço.

10 ORTEGA Y GASSET, José. O Homem e a Gente. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1973. pp. 142-143. (grifo do autor)

11 Geralmente este movimento social serve apenas para aquelas regiões onde os recursos para alimentação eram escassos. Assim era imperiosa a movimentação de todo o grupo. "O nômade é o povo cuja permanência nos lugares é mínima, ainda que oscile em torno de espaço, que é, por assim dizer, o seu território-núcleo, ao passo que tudo mais é complementar. Quando melhora outro lugar e a erva cresce, afluem as tribos pastoris da Ásia e do Sahara. Às vezes são tais migrações, que atingem a quinhentos quilômetros e às vezes mais, como os Larbas entre o Mzab e os mercados de Tienet-el-Had. Os Kirguizes vão dos vales do Ferghana aos planaltos do Alaí. O nomadismo não exclui a noção de território, tanto assim que os povos mais nômades o defendem. Nem tampouco a dos círculos sociais componentes de tal massa ambulante. A deslocação não desfaz os laços sociais." PONTES DE MIRANDA, ob. cit. p. 38.

12 HERDER, ob. cit. p. 18.

13 "No clan, os indivíduos consideram-se parentes uns dos outros, mas só o reconhecem porque têm todos o mesmo totem é o ser animado ou inanimado, quase sempre animal ou vegetal, de que o grupo crê descender e constitui, para ele, emblema ou nome coletivo. Não entrou ainda, pelo menos visivelmente, o elemento territorial definido, o fator espaço-geográfico. Não é ainda o clan local, não é a tribo. Quando a cristalização se faz mais especial e hierarquizada passa-se do clan à família, grupo susceptível de evolução intrínseca; em vez da coexistência descentralizada do clan, vem a mais precisa regulamentação, com a diferenciação do poder e da responsabilidade, que deixam de ser indivíduos." PONTES DE MIRANDA, Introdução à Política Científica. pp. 34-35.

14 "Quando esta forma de solidariedade domina uma sociedade, os indivíduos diferem pouco uns dos outros. Membros de uma mesma coletividade, eles se assemelham porque têm os mesmos sentimentos, os mesmos valores, reconhecem os mesmos objetos como sagrados. A sociedade tem coerência porque os indivíduos ainda não se diferenciaram." ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 288. Classificação de DURKHEIM.

15 COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: Coleção os Grandes Cientistas Sociais. 6. ed. São Paulo: Ática, 1997. (grifo do autor)

16 Os Gregos estabeleceram um sistema político que até hoje surte reflexos em nossa sociedade como exemplo de democracia, logicamente, com algumas diferenciações devido à época. "Nalgumas cidades estabeleceu-se, entre os séculos VIII e VI, um regime democrático; o mais conhecido é o de Atenas, graças aos escritos dos oradores e dos filósofos. (...) Sólon instaura uma democracia, apesar de numerosas vicissitudes, levará o direito ateniense ao auge de seu individualismo com Clístenes e Péricles. Na época clássica da democracia ateniense (± 580 a ± 338), os cidadãos governam directamente, no seio de sua assembléia (ecclesia); exprimem aí a sua vontade votando a lei (nomos), em princípio igual para todos (isonomia). A Assembléia toma todas as decisões importantes, mesmo no domínio judiciário. A administração da cidade é assegurada pelo Conselho (Bulé), composto por 500 cidadãos tirados à sorte em cada ano, e pelos magistrados, quer eleitos, quer tirados à sorte. Comparada às democracias modernas, a constituição de Atenas é no entanto pouco democrática; os escravos não têm nenhum direito, nem político, nem civil; os metecos (estrangeiros instalados na cidade) têm muito menos direitos que os cidadãos. Na cidade de Atenas haveria cerca de 40.000 cidadãos – outros dizem 6000 – porém, centenas e milhares de metecos e escravos." GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. p. 74.

17 "Tomemos um dos mais conhecidos exemplos de evolução. O Egito, mais de cinco mil anos antes de Cristo, já mostrava desenvolvimento considerável; na época paleolítica excedia ao que o homem dos outros países fizera na neolítica. O rio, como elemento geográfico e econômico, modela a vida daquele povo dividido em aldeias e, quiçá, em clans. A inundação fertiliza o solo; mas destrói tudo, aniquila. A inteligência tem de criar expedientes captatórios e de irrigação, desenvolver a indústria do sílex e da cerâmica, lavrar a terra, usar o ouro e o cobre. Gasta-se milênio e meio em tão árduo labor; e de tal esforço da época eneolítica (terminologia de Morgan) sai o esboço de civilização. Os pequenos círculos têm de juntar-se; e integrar-se-ão, com a unificação das aldeias ou clans, os estados ou reinos. Mais tarde virá o reino único. Com a escrita, com a associação dos sinais ideográficos e fonéticos, dilatam-se os recursos da pictografia. É a fase da tradição escrita, era histórica da humanidade." PONTES DE MIRANDA, Introdução à Política Científica. p. 39.

18 LUHMANN, Sociologia do Direito I. p. 189-190. (grifo do autor)

19 "A outra dificuldade resulta do facto de fingirmos subestimar a diferença de nível entre a nossa cultura e as culturas primitivas. Fazemos pouco caso das diferenças, reais, que as separam de nós. Raramente empregamos a palavra «primitivo» e, contudo, nunca avançaremos no estudo da poluição ritual se não fizermos a pergunta: porque é que a cultura primitiva é sensível à lógica da poluição quando a nossa não o é? A nossos olhos, a poluição é uma questão de estética, de higiene ou de etiqueta, não é grave desde que não provoque qualquer embaraço social. As sanções que a acompanham são sanções sociais – desprezo, ostracismo, tagarelices e, eventualmente, perseguições policiais." DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. Lisboa: Edições 70, s.d. pp. 93-94.

20 "Ao estudar, com o grande interesse que ela desperta, a questão travada no século XVII, a propósito do nosso domínio ultramarino, entre HUGO GROCIO e o português SERAFIM DE FREITAS, tivemos de consagrar especialmente a atenção à parte dos trabalhos destes dois jurisconsultos que se refere à interpretação dalguns textos romanos sobre a condição jurídica do mar." MERÊA, Manuel Paulo. Um aspecto da questão Hugo Grocio Serafim de Freitas (condição jurídica do mar no direito romano). In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Ano II (1915-1916). Coimbra, Imprensa da Universidade, 1915-1916. p. 465. Em nota de rodapé MERÊA continua: "Mare liberum, sive de iure quod Batavis competit ad Indicana commercia é o título do célebre livro de GROCIO, publicado pela primeira vez anônimo, e ao qual o nosso SERAFIM DE FREITAS respondeu no De justo império Lusitano Asiático (Valladolid, 1625)." ob. cit. p. 465. (grifo do autor).

21 "Os círculos são sistemas em que mais facilmente se procede e se exerce a adaptação. Sem os círculos, a adaptação teria de realizar-se, sem graduações, sem defensivas, entre todos os povos. O círculo como que fecha o sistema e neste terão de operar as leis biológicas que derivam da lei geral de adaptação: variedade, hereditariedade, crescente estabilidade e seleção. Aos círculos correspondem novos sistemas de substituição da luta; ao individualismo sucede o coletivismo da nova forma social. Assim, ao círculo-família cabem instintos que levam à vida em comum algo de menos violento e de mais fecundo, que é o amor paterno, materno, conjugal, filial e fraternal. É à família, e não à partícula humana, que vai ser incumbido o máximo de luta, e, quaisquer seriam as vicissitudes, não há negar que o indivíduo está mais protegido do que estaria se sozinho lutasse. Juntai os grupos, e as alianças, as amizades, as afinidades de idéias e de crenças, e logo compreendereis a grande importância das formações coletivas." PONTES DE MIRANDA. Introdução à Política Científica. p. 13.

22 "O ano de 400 viu uma Europa a caminho da fragmentação, o ano de 800 viu uma unidade até certo ponto restabelecida na parte ocidental do continente. Nesse mundo em transformação, a economia sofreu muita mudança, a vida rural foi, em alguns aspectos, modificada e os vínculos comerciais foram rompidos e reformados." HODGETT, Gerald A. J. História Social e Econômica da Idade Média. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 21.

23 "A gradual descentralização de governo e território, a transferência da terra, do controle do suserano conquistador para o da casta guerreira como um todo, nada mais é que o processo conhecido como ‘feudalização’." ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. v. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

24 "1. Alguns dos mecanismos mais importantes que, em fins da Idade Média, foram aumentando o poder da autoridade central de um território podem ser descritos sumariamente neste estágio preliminar. Eles foram, de modo geral, semelhantes em todos os maiores países do Ocidente, e isso pode ser observado com especial clareza no desenvolvimento da monarquia francesa. A expansão gradual do setor monetário da economia a expensas do setor de troca, ou escambo, em uma dada região na Idade Média gerou conseqüências muito diferentes para a maior parte da nobreza guerreira, por um lado, e para o rei ou príncipe, por outro. Quanto mais moeda entrasse em circulação numa região, maior seria o aumento dos preços. Todas as classes cuja renda não aumentava à mesma taxa, todos aqueles que viviam de renda fixa, ficavam em situação desvantajosa, sobretudo os senhores feudais, que auferiam foros fixos por suas terras." ELIAS, O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. p. 19.

25 "Na verdade, nada na história indica que essa mudança tenha sido realizada ‘racionalmente’, através de qualquer educação intencional de pessoas isoladas ou de grupos. A coisa aconteceu de maneira geral, sem planejamento algum, mas nem por isso sem um tipo específico de ordem. Mostramos como o controle efetuado de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos, em autocontrole, que as atividades humanas mais animalescas são progressivamente excluídas do palco da vida comunal e investidas de sentimento de vergonha que a regulação de toda a vida instintiva e afetiva por um firme autocontrole se torna cada vez mais estável, uniforme e generalidade. Isso tudo certamente não resulta de uma idéia central concedida há séculos por pessoas isoladas, e depois implantada em sucessivas gerações como a finalidade da ação e do estado desejados, até se concretizar por inteiro nos ‘séculos de progresso’. Ainda assim, embora não fosse planejada e intencional, essa transformação não constitui uma mera seqüência de mudanças caóticas e não-estruturadas." ELIAS, O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. p. 193.

26 Lógico que dependerá da ocasião, toma-se o exemplo dos duelos que, para honrar algum mal causado, dois homens se enfrentavam, geralmente, observando regras bem definidas.

27 Por exemplo: a distinção entre nobre e burguês.

28 DELEUZE, Gilles. Empirismo e Subjetividade: Ensaios sobre a natureza humana segundo Hume. São Paulo: Ed. 34, 2001. p. 31.

29 "Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero humano." BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 85. Texto referente à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, francesa.

30 A Revolução Francesa veio no sentido de inovar, acabar com as instituições então vigentes e implantar outras, aniquilando os privilégios estamentais, vigorantes no regime feudal. Possibilitou, assim, uma proteção a todos os cidadãos franceses, principalmente aos burgueses. Neste empreendimento revolucionário, importante foi a idéia geral e abstrata tida de Homem, levando, não só à França, mas para o mundo, a intenção da valorização, em relação à antiga idéia, e proteção de direitos. Ver: COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

31 Nota de rodapé número 79 do livro História do Direito Privado Moderno de FRANZ WIACKER, que diz o seguinte: "Lê Lys rouge, cap. VIII, I; no contexto de um requisitório socialista do antigo comunardo Choulette contra a revolução francesa que tinha reservado os seus frutos para a burguesia do terceiro estado: ‘Sim, somos burgueses... Isto significa para os pobres manter e agüentar os ricos na sua ociosidade. Eles têm que trabalhar sob a igualdade majestática das leis que proíbem tanto aos pobres como aos ricos dormir de baixo das pontes pedir pelas ruas e roubar pão. Isto foi um dos frutos da revolução. Pois esta revolução foi pelos tolos e pelos idiotas saqueadores do patrimônio nacional e, no fundamental, apenas conseguiu enriquecer os proprietários rurais e os rendeiros burgueses, pondo no trono a riqueza sob o nome da igualdade. E o que eu aqui digo nunca poderia ser impresso." p. 523.

32 ELIAS, O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. p. 266.

33 "O primeiro deles refere-se ao ofuscamento dos instintos humanos pelo desenvolvimento da cultura. Na verdade, nem todos os instintos foram suprimidos; a criança ao nascer busca o seio materno e instintivamente faz com a boquinha o movimento de sucção. Mais tarde, movida ainda por instintos, procurará utilizar os seus membros e conseguirá sons, embora tenda a imitar os emitidos pelos adultos que rodeiam. Mas, muito cedo, tudo o que fizer não será mais determinado por instintos, mas sim pela imitação dos padrões culturais da sociedade em que vive." LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. 15. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 50.

34 "Vêm-nos à mente as cenas apavorantes descritas por Malthus, o mundo partindo-se ao meio, deixando vítimas em luta pela sobrevivência. Num tempo não muito distante e num lugar conhecido, aquilo tudo quase aconteceu. De 1929 a 1933, nos Estados Unidos, a mão invisível do livre mercado deu tapas na cara da prosperidade. O desemprego aumentou vertiginosamente de cerca de 3% para 25% e a renda nacional caiu à metade. As construções imobiliárias pararam. Muitos perderam suas casas e seus negócios. A quebra da Bolsa de Valores em 1929, com os corretores pulando para a morte, tornou-se simultaneamente o símbolo e a causa do declínio econômico posterior. Os exuberantes anos vinte perderam o ímpeto, deixando a renda de 1933 mais baixa do que a de 1922. Os trabalhadores engalfinhavam-se pelos poucos empregados disponíveis. As sopas dos pobres proliferaram. E a depressão psicológica acompanhou a depressão econômica." BUCHHOLZ, Todd G. Novas Idéias de Economistas Mortos: O moderno pensamento econômico. São Paulo: Tama, 1989. p. 218.

35 O fôlego deste trabalho não permite que se adentre na questão da implantação do socialismo. Alguns, no entanto, chamam o modelo da União Soviética de comunismo.

36 SANDRONI, Paulo (org.). Novo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1994. p. 127.

37 "Nas palavras de John Kavanagh, do Instituto de Pesquisa Política de Washington, ‘A globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e espetacular com eficiência cada vez maior.’". BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 79.

38 "Se vivemos em (sociedade do) risco, também se poderá dizer que vão-se assumindo os contornos de uma sociedade da insegurança: é precisamente esta que caracteriza o ser dos nossos tempos. A insaciável busca pela segurança afecta, ainda segundo VILLAMOR MAQUIERA, ‘o homem, a família, a sociedade, o Estado e o direito... Demanda-se segurança no trabalho, segurança no futuro, segurança no Estado, segurança do cidadão, segurança social, proteção civil, segurança nacional, seguros privados de toda a índole, segurança econômica. Este apetite pela segurança chega até aos factos da vida quotidiana. Diz-se de uma pessoa que ‘lhe falta segurança’, ou ‘estás seguro do que pensas, do que dizes ou fazes?’. Inclusivamente uma das maiores qualidades da democracia associou-se à segurança, quando se pode dizer que é o leiteiro, sempre que batem à nossa porta de madrugada." FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, "Sociedade de Risco" e o Futuro do Direito Penal: Panorama de Alguns Problemas Comuns. Coimbra: Almedina, 2001. p. 45-46. Apud. VILLAMOR MAQUIERA, Carlos de, "El fenómeno de la globalización como consecuencia del Neoliberalismo", in "Auario de la Facultad de Derecho", Universidad de Extremadura, Vol. 17, 1999; pp. 457-458. (grifo do autor)

39 A ressaltar que o problema sempre precede a solução. Embora seja uma questão de ordem lógica simples isto ocasiona diversas conseqüências, ou seja, os efeitos do problema se postergarão durante o tempo que demorar a encontrar uma solução.

40 "Esta chave não se encontra nas armas – por muito útil e desejável que seja uma diminuição do número de armas, tal não elimina o perigo. Ela reside, como se compreenderá, nos próprios homens que utilizam as armas. Embora isto seja óbvio, nem sempre é, porém, dito clara e distintamente. O perigo assenta, única e exclusivamente, na atitude dos homens uns em relação aos outros. Se fosse possível diminuir a inimizade e a desconfiança entre os dois grupos de Estados e, particularmente, entre as suas camadas dirigentes, o perigo também se atenuaria." ELIAS, Norbert. A Condição Humana. Lisboa: Difel, 1991. p. 128.

41 "O monopólio bem-sucedido dos meios de violência por parte dos estados modernos repousa sobre a manutenção secular de novos códigos de lei criminal, mais o controle supervisório de ‘desvios’." GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. p. 65.

42 "Nem todo o direito é direito estadual. E para darmos o significado mais amplo possível a este conceito – ‘direito estadual’ –, diremos que se subsumirá a essa categoria o jurídico que for ou criado ou reconhecido ou tutelado (garantido coactivamente) pelo Estado. Ora não foram sempre nem são ainda criados pelo Estado amplos, e não dos menos relevantes, sectores do direito. Observa-se que grande parte, se não a totalidade, do direito privado teve historicamente uma origem extra-estadual – produto que foi da actividade jurisprudencial e da autonomia privada." NEVES, António Castanheira. Curso de Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra: Coimbra, 1976. p. 65.

43 "O Direito não é determinado por si próprio ou a partir de normas ou princípios superiores, mas por sua referência à sociedade. Essa referência não é interpretada no sentido tradicional de uma hierarquia de fontes do direito – isto é, a sociedade não substitui o direito natural, se bem que o jurista Ehrlich aproxima-se perigosamente desse raciocínio – mas é compreendida como uma correlação sujeita a modificações evolutivas, e que pode ser verificadas empiricamente como uma relação de causa e efeito. A evolução é sempre concebida como elevação da complexidade social (ou pelo menos suposta não explicitamente) podendo acentuar aqui o papel da dissolução das comunidades tribais e a passagem para a diferenciação funcional, da complexidade do moderno processo econômico, ou das condições de comportamento objetivo-racional em escala mundial. O direito surge então como elemento codeterminante e codeterminado desse processo de desenvolvimento. Ele o fomenta ao adaptar-se a suas necessidades. Essas necessidades, porém apontam para uma maior complexidade e variabilidade social: a sociedade torna-se mais rica em possibilidades; com isso seu direito tem que ser estruturalmente compatível com um número maior de possíveis situações e eventos." LUHMANN, Sociologia do Direito I. pp. 33-34.

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44 "O direito informa a realidade social em que se institui e passa então a ser também elemento e ‘facto’ dessa realidade, mas enquanto ‘direito’ não é facto, ou um facto social como qualquer outro, e sim aquela intenção e fundamento que transcende os factos sociais num sentido de validade. O direito é normativo nesse momento em que é problema de validade e actus de dever-ser, não no momento em que é dado de realidade e factum do ser social. NEVES, Curso de Introdução... p. 64 (Relatório) (grifo do autor)

45 "A coacção estadual ou a organização estadual da coacção não define o direito. Toca-se aqui no modo de vinculação do direito ao Estado que mais insistentemente é afirmado por um largo sector do pensamento jurídico: o seu sector estritamente positivista, antes de mais. O direito distinguir-se-ia de outros complexos normativos por corresponder apenas às suas normas o apoio da coacção organizada institucionalmente pelo Estado, ‘coacção organizada’ de que o Estado teria em princípio o monopólio. Mas é este um critério inexacto – inexacto lógica, teórica e normativamente." NEVES, Curso de Introdução..., p. 69.

46 NEVES, Curso de Introdução..., p. 5-6. (Relatório)

47 "Durante muito tempo foi dominante a tese de que o direito romano não desfrutou antes do fim do século XI de qualquer relevância no Ocidente, tendo-se operado por esta altura um verdadeiro renascimento através da Escola de Bolonha." MARQUES, Mário Reis. Codificação e Paradigmas da Modernidade. Coimbra: Edição do próprio autor, 2003. p. 37.

48 "Existem alguns fundamentos éticos que caracterizam o ius commune, uns extraídos do ius romanum, outro do ius canonicum. Do primeiro, ressaltam os valores da liberdade e da liberdade da propriedade, o que propicia o poder de disposição dos bens na vida (inter vivos) e mortis causa (Voluntas testatoris tanquam lex implenda est), da lealdade contratual e da bona fides. Do segundo, sublinham-se os valores da clementia e da humanitas e a aequitas canonica. Há ainda a acrescentar o valor relevante da personalidade. Mesmo que em termos algo abstractos, a protecção da pessoa no direito romano estende-se desde a esfera doméstica (inviolabilidade do domicílio) até à esfera pública (oposição aos tribunais e magistrados, direito de apelação para a assembléia do povo etc.). Daí que o renascimento do direito romano tenha contribuído para a revitalização de todo o movimento livre na vida social e jurídica. De facto, o respeito pela autonomia privada foi um dos dogmas fundamentais de toda a elaboração do ius commune." MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. pp. 64-65.

49 "O sistema do ius commune foi cerne da experiência jurídica européia até à implementação do jusnaturalismo moderno, até à idéia de que o direito, como produto da razão, pode ser pensado em termos racionais." MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. p. 28.

50 "O latim sempre foi utilizado como argumento de combate entre os juristas (argumentum gravissimum). Utilizado por parte dos humanistas na polemica que travaram com os juristas do mos italicus, é agora conveniente ao legislador nacional para afastar Acúrsio e Bártolo." MARQUES, Mário Reis. História do Direito Português Medieval e Moderno. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2002. (nota de rodapé n. 301) p. 168.

51 Ver: MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. pp. 82-83.

52 MARQUES, Mário Reis. História do Direito Português Medieval e Moderno. p. 72.

53 "Factor este, expressão de um humanismo imanentista, que se conjugava directamente com um outro, agora um factor religioso (ou conseqüência de uma certa atitude religiosa) – o qual, sendo decerto correlato anterior factor antropológico, não foi menos dele histórico-culturalmente potenciador. Aludimos ao fenômeno religioso-cultural da secularização. Como se sabe, traduz-se a secularização no reconhecimento da autonomia específica do mundo (do «século») e do homem nele em termos de aquilo que o homem é e faz nesse mundo ser imediatamente imputável à sua liberdade e compreendido como sua responsabilidade. Ou seja, o homem na sua «mundialização» e na sua «temporalização» reconhece-se responsável de si próprio e sujeito de liberdade perante Deus (e perante a Igreja): está perante Deus mediação da sua liberdade e se é membro da Igreja não é menos sujeito do mundo, e não já como necessário reflexo ou directa projecção da ordenação divina."NEVES, António Castanheira. A Imagem do Homem no Universo Prático. In: Digesta: Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. v. 1. Coimbra: Coimbra, 1995. p. 325.

54 MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. p. 355.

55 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. p. 15.

56 GAUER, A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. p. 16.

57 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 1. v. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. pp. 437-445.

58 "Podemos então supor na nossa civilização e ao longo dos séculos a existência de toda uma tecnologia da verdade que foi pouco a pouco sendo desqualificada, recoberta e expulsa pela prática científica e pelo discurso filosófico. A verdade aí não é aquilo que é, mas aquilo que se dá: acontecimento. Ela não é encontrada mas sim suscitada: produção em vez de apofântica. Ela não se dá por mediação de instrumentos, mas sim provocada por rituais, atraída por meio de ardis, apanhada segundo ocasiões: estratégica e não método. Deste acontecimento que assim se produz impressionando aquele que o buscava, a relação ambígua, reversível, que luta belicosamente por controle, dominação e vitória: uma relação de poder." FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 18. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003. pp. 114-115.

59 GAUER, A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. p. 64.

60 "E a verdade é que o absolutismo estatal, paradoxalmente aliado às revoluções inglesas do século XVII e norte-americana e francesa do século XVIII, muito concorreu para a formação das nacionalidades hodiernas principalmente as européias." MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1953. p. 135.

61 Na segunda metade do século XIX e no século XX apareceram reações contra a concepção individualista e liberal da teoria contratualista. COMTE, SAINT-SIMON e KARL MARX, denunciam abusos da liberdade de contratar. O poder econômico se sobre salta a dignidade humana, tornando o Homem escravo de seu próprio trabalho e de sua vontade influenciada pelas necessidades básicas, viu na alienação do seu trabalho a esperança de melhora que realmente não aconteceu. GILISSEN, Introdução Histórica ao Direito.

62 Esta visão do Homem é que "distingue, nitidamente a Declaração de 1789 dos BILLS OF RIGHTS dos Estados Unidos da América. Os americanos, em regra, com a notável exceção, ainda aí, de THOMAS JEFFERSON, estavam mais interessados em firmar a sua independência e estabelecer o seu próprio regime político do que em levar a idéia de liberdade a outros povos." COMPARATO, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 127.

63 "O contrato justifica a validade da ordem social e política e oferece a razão de ser do Estado. O que está em causa é a problemática do fundamento legal. A partir desta legitimidade nascida do contrato, o Estado só reconhece como verdadeiro direito o que é imposto pelas suas leis." MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. p. 457.

64 Vide Giorgio DEL VECCHIO. Lições de Filosofia do Direito.

65 "A ficção do contrato social procurou contar o poder do soberano, mas seu desenvolvimento coerente teve como resultado final desmontar o poder exercido pelo sistema penal, como demonstra o fato de Marat, baseado na mesma ficção, ter desembocado numa visão socialista que deslegitimava todo o sistema penal de seu tempo, e de Feuerbach ter dela deduzido a possibilidade de uma resistência revolucionária. O próprio Rousseau, geralmente citado como fiador desta ficção, extraía dela não ‘um estado liberal econômico’ assentado sobre conceitos quiritários de propriedade, como geralmente se pretende, e sim um ‘estado social’". ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p.

66 MARQUES, Codificação e Paradigmas da Modernidade. pp. 457-458. (grifo do autor)

67 MARQUES, História do Direito Português Medieval e Moderno. p. 172. (grifo do autor)

68 "Ora, não sendo já direito-ser (como era pensado o direito natural clássico) nem evidentemente imposto por um qualquer direito positivo (v. g. por uma qualquer legislação), ou, por outras palavras, tendo-lhe sido retirada a vinculação ontológica sem adquirir vinculação positiva, o direito natural racional (nos vários sistemas de direito natural racional) era simplesmente um projecto axiológico e normativo, mas não, só por isso, direito. Os seus sistemas normativos não eram mais, do que modelos dogmático-racionais a oferecerem-se como projecto-legislativos, um ‘direito positivo ideal’ (ANDRÉ-VINCENT). É que, se esse direito ideal carecia de uma positivação para se tornar realmente direito e a positivação só era pensável ao tempo – como implicava o conceito também de ‘direito positivo’ – pela legislação, pela positivação legislativa (recorde-se o aparecimento significativo então da preocupação teorizadora da legislação, desde FILANGIERI), com isso apenas lhe ficava a possibilidade de uma conversão do seu ideal jurídico (intencionalmente pensado) ao real (efectivamente prático) mediante a sua assimilação e prescrição pelo legislador nas suas leis. E foi o que, na verdade, historicamente se verificou: o jusnaturalismo moderno-iluminista preparou desde os meados do séc. XVIII, e consumou-se, a partir de 1794 (a data do Código prussiano), na codificação. Os Códigos iluministas, e mesmo o pós-revoluciopnário Code civil francês de 1804 outra coisa não foram, fundamentantemente, do que a consagração dos sistemas racionalmente construídos pelo jusnaturalismo moderno-iluminista em positivismo-codificados sistemas legislativos – ainda que decerto com o elemento político coadjuvante quer na intenção dos soberanos iluministas, os ‘déspotas esclarecidos’, a um direito que superasse a crise já então do ius commune, com a sua dispersão, as suas contradições e a sua falta de unidade integrante, por um direito racionalmente sistemático, unitário e estável, quer de objectivos mais directamente revolucionários." NEVES, António Castanheira. A Crise Actual da Filosofia do Direito no Contexto da Crise Global da Filosofia: Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. pp. 26-27.

69 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma cultura no Direito. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2001. p. 234.

70 Para uma visualização da operacionalidade do sistema sobre o constructo autopoiético ver texto apresentado no Doutoramento em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Do Conflito Social ao Litígio Judicial: limites e possibilidades de um constructo autopoiético de Luiz Antônio Bogo Chies.

71 Modernidade exaurida ou não. Hodiernamente contemporaneidade, como foi referida no início.

72 WOLKMER, Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma cultura no Direito. pp. 48-49.

73 NEVES, Curso de Introdução... pp. 74-76.

74 Ver: NEVES, António Castanheira. O Princípio da Legalidade Criminal: O seu problema jurídico e o seu critério dogmático. In: Digesta: Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. v. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. pp. 349-473. Deixa-se, neste texto, tão-somente está breve notícia; isto para sublinhar a mudança de rumo dos institutos principiológicos. A resistência a novas e desconhecidas conseqüências da contemporânea sociedade científica-industrial, de maneira cabal afeta os paradigmas, antes seguros, do projeto irrealizado da modernidade. O estrito legalismo, juntamente, sofre o mesmo processo deletério da legalidade, como não poderia deixar de ser, não no sentido de desaparecimento, mas de reformulação conceitual, quiçá valorativa no condizente a significação do jurídico-penal para a societas e socii.

75 "Pois o direito postula uma ordem justa da sociedade e não tão-só uma organização viável ou eficaz da mesma sociedade, tem a ver com o universo espiritual e de sentido, com o dever-ser de uma axiológica validade e com correlativos fundamentos normativos, não apenas com o mundo empírico da factualidade, da eficácia e dos efeitos. O direito é uma categoria ética, não uma categoria «científica» – a sua racionalidade é prático-axiológico, não tão-só técnico-intelectual." NEVES, António Castanheira. Método Jurídico. In: Digesta: Escritos acerca do Directo, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. v. 2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 283-336. p. 330-331. (grifo do autor) Ainda: "Daí também a abertura para o funcionalismo jurídico dos nossos dias em que o normativismo, com o seu formalismo e o seu lógico-sistemátismo se veriam superados. E não apenas isso: a própria autonomia do direito deliberadamente se sacrificaria. Pois na linha do funcionalismo o direito deixa de ser um auto-subsistente de sentido e de normatividade para passar a ser um instrumento – um finalístico instrumento e um meio ao serviço de teleologias que de fora o convocam e condicionantemente o submetem." NEVES, António Castanheira. O Direito Hoje e com que Sentido? O problema actual da autonomia do direito. Lisboa: Instituto Piaget, s. d. pp. 30-31.

76 "La lucha contra el delito es la meta más urgente para un derecho penal entendido preventivamente, es decir, ‘moderno’ como instrumento social funcional para la solución del problema. Pero esta lucha contra el delito es también el programa de una concepción de la historia de la filosofía, que a lograr alguma vez una sociedad en la que no sean necessarios ni el Estado ni el Derecho." HASSAMER, Winfried e MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989. p. 38.

77 "Non si può seriamente contestare il fatto che l’elaborazione sistemática della matéria giuridica offra realmente i vantaggi descritti. Tuttavia resta un malessere che si evidenzia in un problema sempre ricorrente: se il delicato lavoro sistematico della nostra dommatica, abituata ad operare con le più sottili finezze concettuali, non sia caratterizzato da una sproporzione tra l’impegno dottrinale profuso ed il risultato pratico raggiunto. Se si trattasse solo di ordinare, armonizzare ed essere padroni della materia, la controversia intorno al «giusto» sistema dovrebbe apparire poco produttiva." ROXIN, Claus. Politica Criminale e Sistema Del Diritto Penale: Saggi di teoria del reato. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2001. pp. 39-40.

78 "A ação humana é exercício de uma atividade final. A ação é, portanto, um acontecimento final e não puramente causal. A finalidade, o caráter final da ação, baseia-se no fato de que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as possíveis conseqüências de sua conduta, designar-lhes fins diversos e dirigir sua atividade, conforme um plano, à consecução desses fins. Graças ao seu saber causal prévio, pode dirigir seus diversos atos de modo que oriente o suceder causal externo a um fim e o domine finalisticamente. A atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em razão de um fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existente em cada momento. A finalidade é, por isso – dito de forma gráfica – ‘vidente’, e a causalidade, ‘cega’". WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico-Penal: Uma introdução à doutrina da ação finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 27.

79 "Já se referiu neste estudo o perigo para o direito penal de tornar-se um arauto da demanda de segurança numa sociedade fervilhante de riscos e que causa a chamada ‘fuga’ para aquele. Os riscos são enormes, diz-se – expansão desmedida, até se perder de vista o referente matricial, nomeadamente a protecção exclusiva de bens jurídicos – ‘palpáveis ou ao menos substancialmente indentificáveis do indivíduo ou do Estado’, seguindo COSTA ANDRADE, em direcção a um controlo do direito penal pela discussão pública –, administrativação (através do recurso a sanções próprias do direito administrativo, do direito de mera ordenação social, etc.), a criação de leis penais simbólicas, o recurso frequente à criminalização de condutas de perigo abstracto em detrimento dos crimes de dano e mesmo de perigo concreto, o que, aliado à ‘eleição de bens jurídicos vagos ou de amplo espectro’, resulta numa excessiva antecipação da tutela, um determinado efeito analgésico ou tranquilizante do direito penal (no qual pode vir a antever-se um instrumento ao serviço da população insegura e amendrontada), tornando o poder político em uma mulher de César, o qual, invertendo o velho brocardo, se preocuparia mais, e em última análise, em prestar serviço ao parecer do que ao ser." FERNANDES, Globalização, "Sociedade de Risco" e o Futuro do Direito Penal: Panorama de Alguns Problemas Comuns. pp. 71-73.

80 "Essa linha de ‘funcionalização’ seria antecedente lógico, ainda segundo HASSEMER, de uma desformalização que, por seu turno, tem como molde a opção pelo recurso a leis penais, a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, bem como a orientação no sentido de que o discurso penal clássico, assente na imputação individual, é suficiente e mesmo inadequado para servir os interesses de um direito penal moderno, o que dificultaria em muito o prosseguir de um caminho que permita seguir de perto as exigências da sociedade (de risco) hodierna." FERNANDES, Globalização, "Sociedade de Risco" e o Futuro do Direito Penal: Panorama de Alguns Problemas Comuns. p. 73. (grifo do autor)

81 "BECK, na sua obra basilar, refere-se mesmo ao ‘fim dos outros’ nos seguintes termos: ‘até agora, todo o sofrimento, toda a miséria, toda a violência que os seres humanos causavam a outros resumia-se sob a categoria dos «outros» (...). Tudo isto já não existe desde Chernobyl. Chegou o final dos outros, o final de todas as nossas possibilidades de distanciamento, tão sofisticadas: um final que se tornou palpável com a contaminação atômica’". FERNANDES, Globalização, "Sociedade de Risco" e o Futuro do Direito Penal: Panorama de Alguns Problemas Comuns. p. 69. citação de BECK, La Sociedad del Riesgo, p. 11. (grifo do autor)

82 "A tornar o panorama ainda mais preocupante, deve ter-se em conta que, quando a ocasionação de riscos é atribuída a decisões tomadas, estas, por vezes, levam ao tomar de novas decisões, as quais, por seu turno envolvem ainda a tomada de outras, como que a fazer lembrar uma ramificação ou bifurcação de decisões que, de per si, podem, também elas, comportar riscos. Assim, vivemos mais do que nunca em um contexto societário no qual se vive o futuro ‘na forma do risco das decisões’, segundo ensina LUHMANN. O risco é um elemento das decisões, decisões estas que só podem ser tomadas no presente, sendo o risco, portanto, ‘uma forma de descrição presente do futuro, desde o ponto de vista de que tendo e, conta os riscos é possível optar por uma ou outra alternativa.’" FERNANDES, Globalização, "Sociedade de Risco" e o Futuro do Direito Penal: Panorama de Alguns Problemas Comuns. p. 50. citando NIKLAS LUHMANN, Observaciones de la Modernidad. pp. 132-133. (grifo do autor)

83 "A alternatividade luta para que surjam leis efetivamente justas, comprometidas com os interesses da maioria da população, ou seja, realmente democráticas. E busca instrumental interpretativo que siga a mesma diretiva (da radicalidade democrática). O que a alternatividade não reconhece é a identificação do direito tão-só com a lei, nem que apenas o Estado produz direito, nem tampouco que se dê à norma cunho de dogma (verdade absoluta, inquestionável), o que é diverso da negativa da lei." CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Alternativo: teoria e prática. Porto Alegre: Síntese, 1998. pp. 53-54.

84 Importante análise da Lei 9099/95 feita pelo Professor ALEXANDRE WUNDERLICH in: A Vítima No Processo Penal: impressões sobre o fracasso da Lei n° 9.099/95. conferência sobre ´´A participação da vítima no processo penal´´, por oportunidade do 9° Congresso Internacional do IBCCRIM (SP, outubro de 2003).

85 O Estado avoca o jus puniendi e a partir da reconstrução do conflito social – enquanto um fato-penal pretérito - pelo devido processo penal de garantias busca, em caso de comprovação inequívoca da responsabilidade criminal subjetiva, racionalizar o conflito existente entre o desviante e a vítima. Num exercício de resolução de conflito o Estado monopoliza a justiça penal. WUNDERLICH, Alexandre. A Vítima No Processo Penal: impressões sobre o fracasso da Lei n.º 9099/95. ob. cit. p. 6.

86 "Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder." SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 48.

87 "O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a construção de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social." SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 49.

88 Daí a relevância do modelo garantista de democracia constitucional proposto por Luigi Ferrajoli. No modelo do garantismo penal – como sistema jurídico escorado em duas órbitas de sólidos princípios constitucionais substanciais (penais) e instrumentais (processuais) – há uma notória relação de reciprocidade (biunívoca) entre as duas esferas de garantias, que valem não somente por si mesmas, isoladamente, mas também, conjuntamente, como garantia recíproca de sua efetividade. As garantias são imprescindíveis tanto no plano estrutural como no plano funcional. As garantias substanciais só serão efetivas quando forem objeto de uma instrumentalidade na qual sejam asseguradas ao máximo a legalidade penal e processual penal, a imparcialidade, a veracidade e o controle. WUNDERLICH. A Vítima No Processo Penal: impressões sobre o fracasso da Lei n.º 9099/95. ob. cit. pp. 6-7.

89 FARIA COSTA, José de. Ler Beccaria Hoje. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. v. LXXIV, Coimbra, 1998. p. 103.

90 RECASÉNS SICHES, Luís. Comentário a Uma Obra Póstuma de Ortega. In: O Homem e a Gente: inter-comunicação humana. 2. ed. Ibero-Americano: Rio de Janeiro, 1973. p. 34.

91 O exemplo freudiano foi aventado na intenção de buscar uma diferenciação entre o instinto e a racionalidade. Não, neste exemplo, nenhuma tentativa de discutir teorias da psicanálise ou ressuscitar teorias.

92 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. pp. 52-53.

93 O Prof. Alexandre Wunderlich, destaca de forma percuciente: "O homem é treinado para viver num mundo em que qualidade de vida significa quantidade de coisas. Hoje, não se é reconhecido pelo que se é, mas pelo que se tem." Sociedade de Consumo e Globalização: abordando a teoria garantista na barbárie. (Re) afirmação dos direitos humanos. In: Diálogos Sobre a Justiça Dialogal. CARVALHO, Salo de. & WUNDERLICH, Alexandre (Org.), Lumen Júris, 2002. p. 3. Ainda pode-se citar o próprio KANT: "No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade. O que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades anímicas, tem um preço de ou de sentimento (Affektionspreis); aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade." KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, s.d.. p. 77. (grifo do autor)

94 RECASÉNS SICHES, Comentário a Uma Obra Póstuma de Ortega. pp. 21-22.

95 "E é que a vida não a demos nós a nós mesmos, mas a encontramos precisamente quando nos encontramos a nós mesmos. De repente, sem saber como, nem porque, sem, prévio aviso, o homem se descobre e se surpreende tendo de ser, em um âmbito impremeditado, imprevisto, neste de agora, em uma conjuntura de circunstâncias determinadas." ORTEGA Y GASSET, O Homem e a Gente. p. 81.

96 "Alguns querem designar assim o modo de ser do homem; mas o homem, que é sempre eu, – o eu que é cada um, – é o único que não existe, mas vive ou é vivendo. São precisamente todas as demais coisas, não são o homem, – eu, – aquelas que existem, porque aparecem, surgem, saltam, me resistem, se afirmam dentro do âmbito que é minha vida. Seja isso dito e disparado de passagem." ORTEGA Y GASSET, O Homem e a Gente. p. 80.

97 "Sempre que digo ‘vida humana’, seja o que for, a não ser que eu faça alguma especial restrição, evite-se pensar na vida de outro, e cada uma deve referir-se à sua própria e tratar de tê-la presente. Vida humana como realidade radical é somente a de cada um, é somente a minha vida." ORTEGA Y GASSET, O Homem e a Gente. p. 78. (grifo do autor)

98 Para ORTEGA Y GASSET a intimidade se denomina pela segunda pessoa do singular (tu); o outro é um ser não íntimo e indeterminado. Esta distinção não será usada devido aos propósitos do trabalho. Salvo necessidade no decorrer do texto.

99 "Baste dizer por agora que o corpo do outro, quieto ou em movimento, é um abundantíssimo semáforo, que nos envia constantemente os mais variados sinais, indicações daquilo que se passa no ‘dentro’ que é o outro homem. Esse dentro, essa intimidade não é nunca presente, mas compresente, como é o lado da maçã que não vemos. E aqui temos uma aplicação do conceito de compresença, sem o qual, como eu disse, não poderíamos esclarecer como o mundo e tudo nele existem para nós. Por certo, neste caso, a função da com presença é mais surpreendente. Porque, ali, a parte da maçã, em cada instante oculta, me foi presente outras vezes, mas na intimidade que o outro homem é não me foi feita nem me pode ser feita nunca presente. E, não obstante, a encontro aí, – quando encontro um corpo humano." ORTEGA Y GASSET, O Homem e a Gente. p. 129.

100 "Na solidão o homem é a sua verdade, – na sociedade tende a ser sua mera convencionalidade ou falsificação. Na realidade autêntica do viver humano, está incluído do dever da frequente retirada para o futuro solitário de si mesmo." ORTEGA Y GASSET, O Homem e a Gente. pp. 135-136.

101 "A crise do ethos valorativo vivenciada pelas formas de vida da sociedade contemporânea de massas tem sua razão de ser na profunda perda de identidade cultural, na desumanização das relações sócio-políticas, no individualismo irracionalista e egoísta, na ausência de padrões comunitários e democráticos, senão ainda na constante ameaça de destruição da humanidade e de seu meio ambiente. Tal situação gera uma das grandes dificuldades presentes, que é arquitetar as bases de um conjunto de valores éticos capazes de internalizar o eu individual e o nós enquanto comunidade real. No meio da crise de legitimidade normativa, vive-se a falta de consenso e o impasse em face da diversidade de interpretações sobre o que seja virtude, bem-comum, vida boa ou ação justa. WOLKMER, Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma cultura no Direito. pp. 261-262.

102 NEVES, António Castanheira. Coordenadas de Uma Reflexão Sobre o Problema Universal do Direito – Ou as Condições da Emergência do Direito como Direito. In: Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. v. 2. [Separata]. Coimbra: Almedina, s. d. p. 842. (grifo do autor)

103 "Pode o Jurídico, e mesmo o Direito, como em parte já consignamos acima, mesmo que fenômeno normativo e forma (dimensão de realidade) Jurídica indeclináveis para as sociedades complexas, igualmente converterem-se em potenciais instrumentos de tutela e garantia das semelhanças humanas, sobretudo no plano concreto da vida e do acesso a condições objetivas e subjetivas de existência humana. Tal entretanto exige que a própria complexidade social para essa meta se direcione, vez que então poderão também os fenômenos sociais que a essa complexidade se associam no mesmo sentido se direcionarem." CHIES, Luiz António Bogo. Possibilidades de Crítica à Imanência Social do Jurídico. Revista de Direito da Universidade Católica de Pelotas. No prelo.

104 "Como originarium, o homem não é, pois, redutível à cadeia objectiva e necessária, sucessiva e contínua, das causas e dos efeitos – ainda que como ente bio-psicológico ou numa perspectiva simplesmente ôntica, não lhe esteja decerto subtraído – nem se dilui sem resto na sucessão e impossibilidade dos eventos. Na originalidade de cada homem – outra palavra afinal para a liberdade – vai, aliás, a possibilidade de biografia. O que toca já um outro ponto." NEVES, Coordenadas de Uma Reflexão Sobre o Problema Universal do Direito… ob. cit. p. 863.

105 "A configuração moderna dos valores subordinou o homem a novas regras, por exemplo, o uso do relógio, que estava vinculado ao mundo público e produtivo das cidades. Os valores como uma construção do pensamento, a precisão das máquinas, resultado da aplicação da ciência à indústria como uma supremacia da teoria sobre a técnica mudaram a relação entre o homem e a natureza." GAUER, A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. p. 24.

106 Não descarto a relação afetiva, mas a base de aproximação, em regra, entre as pessoas, se baseia em fatores econômicos.

107 "Não é por acaso que se possa considerar como chave de leitura transversal – e com isso diz-se tanto – a seguinte asserção: «não existe liberdade todas as vezes que as leis permitem que em alguns casos o homem deixe de ser pessoa e se torne coisa» (XX. Violências). O que, em termos de política criminal, quer significar o seguinte: fazei leis que tratem o homem como pessoa e não como instrumento de prossecução de certos e determinados objectivos. Mesmo que a finalidade – poderíamos acrescentar agora à luz das nossas preocupações e dos nossos actuais problemas – seja a afirmação do valor ‘contrafáctico’ da norma." FARIA COSTA, Ler Beccaria Hoje. p. 92. (grifo do autor).

108 "O que se pode efetivamente observar é o seguinte: com a crescente mudança nas relações entre os seres humanos e as forças naturais extra-humanas, estas últimas vão aos poucos perdendo terreno como elemento da noção de um ‘mundo externo’ oposto ao ‘mundo interno’ humano. Em lugar delas, o abismo entre a parte ‘interna’ do indivíduo e as outras pessoas, entre o verdadeiro eu interior e a sociedade ‘externa’, desloca-se para o primeiro plano. À medida que os processos naturais se tornam mais fáceis de controlar, parece que nossa relativa falta de controle sobre as relações entre as pessoas e, em particular, entre os grupos, bem como os insuperáveis obstáculos erguidos contra as inclinações pessoais pelas exigências sociais, se tornam muito mais perceptível. Desse modo, perpetua-se o símbolo metafísico da individualização crescente, a idéia que o indivíduo tem de que seu eu interior está isolado do mundo lá fora como que por um muro invisível..." ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. p. 106.

109 GAUER, A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. p. 37.

110 "Em palavras mais simples, toda a pessoa é, em certo sentido, um estranho, um marginal num aspecto ou noutro; não pertencendo a qualquer entidade ‘total’ mas forçados a inter-agir com muitas dessas entidades, os ‘indivíduos são ainda mais induzidos a interpretar a diferença entre eles próprios e o meio ambiente... em termos da sua própria pessoa, pelo que o ego se torna o ponto focal de todas as suas experiências interiores e o meio ambiente perde a maioria dos seus contornos’." BAUMAN, Zygmunt. A Liberdade. Lisboa: Estampa, 1989. p. 70.

111 "Do ponto de vista de Luhmann, esta alienação de toda e qualquer pessoa em relação a todo e qualquer ‘sub-sistema’ dentro da sociedade, abre um vasto espaço para o desenvolvimento individual e permite que a vida interior do indivíduo alcance uma profundidade e riqueza nunca atingidas em condições de rigoroso controlo comunal. Porém, por outro lado, a alienação mútua dos indivíduos põe em dúvida a própria continuação da comunicação inter-pessoal; na verdade, um discurso e um acordo significativos tornam-se improváveis. Para que a comunicação aconteça apesar disto, as experiências interiores dos seus intervenientes organizadas à volta de pontos focais separados têm de ser validadas inter-subjetivamente, isto é, socialmente. Segundo Luhmann, esta validação é na verdade consumada numa sociedade moderna através do amor: um meio de comunicação consentido e apoiado, em que os intervenientes que inter-agem reconhecem reciprocamente a validade e relevância da experiência interior uns dos outros – cada parceiro encarando a experiência interior do outro como real, tomando-a como motivo de sua própria acção." BAUMAN, A Liberdade. p. 71.

112 "Pode-se compreender agora como a psiquiatria da pós-modernidade se constrói na direção definida da pesquisa e interesse clínico pelas perturbações funcionais do humor, sejam estas depressões ou síndrome do pânico, na medida em que nestas perturbações do espírito, o sujeito não consegue ser cidadão na sociedade do espetáculo. Com efeito, panicados e deprimidos são fracassados na cultura do narcisismo, pois não conseguem ocupar a cena teatral da sociedade com o peito inflado e o eu obeso de si mesmo e dizerem decididamente: Cheguei." BIRMAN, Joel. Mal-Estar na Atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001. p. 247.

113 "A vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis – não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite." BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 90.

114 "De Nova York, a doutrina da ‘tolerância zero’, instrumentos de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda – o que se vê, a que causa incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de insegurança ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência –, propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. E com ela a retórica militar da ‘guerra’ ao crime e da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem-teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros - o que facilita o amálgama com a imigração sempre rendosa eleitoralmente." WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 30. (grifo do autor)

115 Expressa-se, mais ou menos, assim a crise paradigmática humanista: "Pode ocorrer, disse um pedante e escrupuloso moralista, que eu respeite e trate com distinção um homem altruísta: não por ele ser altruísta, no entanto, mas porque me parece ter o direito de ser útil a outros à própria custa. Em suma: a questão é sempre quem é ele e quem é aquele. Num homem feito e destinado ao comando, por exemplo, abnegação e retraimento modesto não seriam virtude, mas um desperdício de virtude: assim me quer parecer. Toda moral não egoísta, que se toma por absoluta e se dirige a todo e qualquer um, não peca somente contra gosto: é uma instigação a pecados de omissão, uma sedução mais sob a máscara da filantropia – e precisamente uma sedução e injúria para os mais elevados, mais raros e privilegiados. É preciso forçar as morais a inclinar-se antes de tudo frente à hierarquia, é preciso lhes lançar na cara sua presunção, até que conjuntamente se dêem conta de que é imoral dizer: ‘o que é certo para um é certo para outro’. Assim pensa meu bonhomme [bom homem] e pedante moral: não merecia talvez nossas risadas, exortando assim as morais à moralidade? Mas não se deve ter razão demais, quando se quer ter os que riem do seu lado; um pouco de falta de razão faz parte inclusive do bom gosto." NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 127.

116 "Com efeito, a acusação fundamental que Marcuse faz à sociedade altamente desenvolvida, e em particular à americana, é de ser desumana. E é desumana porque coloca e mantém o homem num meio irracional e repressivo e, portanto, em contraste com suas prerrogativas fundamentais: a razão e a liberdade." NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti-Humanismos: Introdução à Antropologia Filosófica. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 199. (grifo do autor)

117 "O que os povos democráticos ou em que o Estado é democrático e liberal têm de fazer, como fim principal, é diminuir a desigualdade humana. Os Homens são desiguais, mas é preciso que, em vez de continuar ou aumentar a desigualdade, se façam menos desiguais. Têm de ser preparados e educados, alimentados e vestidos, e terem casa, de modo que possam produzir mais, concorram para melhor sorte comum, a maior colaboração social e a menor criminalidade." PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, Liberdade, Igualdade: Os três Caminhos. Campinas: Bookseller, 2002. p. 771.

118 "Nesta perspectiva, a sociedade não passa de um agregado de indivíduos, uma vez que não há um bem comum que possa ser assumido por todos como uma meta compartilhada, de modo a que a vida em sociedade possa ser como um empreendimento comum. Se cada indivíduo possui fins e valores que lhe são próprios, nada devendo à sociedade, não é difícil verificar o caráter anti-natural de toda forma de cooperação social, tornando os demais ou irrelevantes para a realização dos fins do indivíduo ou apenas meios para a implementação dos mesmos." BARZOTTO, Luis Fernando. Modernidade e Democracia. In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo, UNISINOS, 2001. p. 142.

119 "Percebe-se nítida simetria entre as propostas político-criminais propugnadas pelos MLO e pelos arautos da ‘Tolerância Zero’: ambos postulam o incremento da repressão penal. Todavia, enquanto estes primam pela repressão à criminalidade de rua e bagatelar, entendendo como único meio de prevenção do caos e da desordem social, aqueles reivindicam alta punibilidade às graves lesões de bens jurídicos interindividuais (v. g. criminalidade de sangue, delitos sexuais e criminalidade patrimonial violenta)." CARVALHO, Salo de. As Reformas Parciais no Processo Penal Brasileiro. In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo, UNISINOS, 2001. pp. 312-313.

120 "E articula nesses" – Murray – "termos categóricos e política penal que deve acompanhar a retirada social do Estado: ‘Um sistema judiciário não tem que se preocupar com as razões que levam alguém a cometer um crime. A justiça está aí para punir os culpados, indenizar os inocentes e defender os interesses dos cidadãos que respeitam a lei.’ Em termos claros, o Estado não deve se preocupar com as causas da criminalidade das classes pobres, à margem de sua ‘pobreza moral’ (o novo ‘conceito’ explicativo em voga), mas apenas com suas conseqüências, que deve punir com eficácia e intransigência." WACQUANT, As Prisões da Miséria. p. 50.

121 "La stessa denominazione del movimento internazionale della c.d. difesa sociale («défense sociale») basta a chiarire il suo obiettivo ed il suo contenuto. Poiché nessun sistema di tutela sociale da noi conosciuto è tale da soddisfare de fornte alla criminalità e ai suoi indesiderati effetti collaterali, la politica criminale trova da sempre il suo centro di gravitá nel rinnovamento del diritto penale, nella riforma dell’amministrazione giudiziaria e del sistema delle pene." KAISER, Gunter. Criminologia. Criminologia Política Criminale Dirrito Penale. Collana diretta da Frederico Stella. Sezione III, v. 1. Milano: Giuffrè Editore, 1985. pp. 32-33. (grifo do autor)

122 "A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo." Penalidade, segundo o autor, é o conjunto de práticas, instituições e discursos relacionados à pena e à pena criminal. WACQUANT, As Prisões da Miséria. p. 7. (grifo do autor) A terminologia usada pelo autor de Primeiro e Segundo Mundo, ao meu ver, ficou no passado, pois com o fim da União Soviética, acabou a tripartição de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Passou-se a usar a seguinte terminologia: países desenvolvidos e subdesenvolvidos e/ou em desenvolvimento.

123 BUCHHOLZ, Todd G. Novas Idéias de Economistas Mortos: O moderno pensamento econômico. São Paulo: Tama, 1989. pp. 203-204 (grifo meu)

124 "De Nova York, a doutrina da ‘tolerância zero’, instrumentos de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda - o que se vê, a que causa incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de insegurança ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência -, propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. E com ela a retórica militar da ‘guerra’ ao crime e da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários), sem-teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros – o que facilita o amálgama com a imigração sempre rendosa eleitoralmente." WACQUANT, As Prisões da Miséria. p. 30. (grifo do autor)

125 BAUMAN, Globalização..., p. 54.

126 Isto está como a caça as bruxas, seres estranhos que tornam impuro o espaço público: "Por cierto que entonces Alemania se había quedado atrás en comparación com Francia, pêro cien años después, y durante los siglos XVI y XVII. Estuvo a la cabeza en la superstición de brujería. Durante más de dos siglos, niños y ancianos, hombres y mujeres, sabios y gente del pueblo, pobres y ricos, feos y hermosos, fueron llevados a la cámara de tortura y a la hoguera; su número se supone fué de varias decenas de milhares. Sólo en el siglo XVIII, bajo la influencia de la Ilustración (Aufklärung) fué disminuyendo lentamente an Alemania la locura de las brujas." RADBRUCH, Gustavo e GWINNER, Enrique. Historia de la Criminalidad (Ensayo de una Criminología Histórica). Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1955. p. 178.

127 BAUMAN, Globalização..., p. 69.

128 WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 99. (grifo do autor)

129 A sociedade é uma espécie de Panopticon: "O Panopticon era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura, etc. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. Para Bentham esta pequena e maravilhosa astúcia arquitetônica podia ser utilizada por um série de instituições. O Panopticon é a utopia de uma sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que atualmente conhecemos - utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade onde reina o panoptismo." FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002. p. 87. (grifo do autor)

130 "Além dos problemas teóricos e metodológicos relativos à definição de criminalidade e ao conceito de ‘realidade social’, que influenciaram o surgimento do labeling approach na sociologia criminal, não só do interior da literatura específica, mas também de outros setores da moderna sociologia, influenciaram não pouco sobre o deslocamento do ponto de partida, do comportamento desviante para os mecanismos de reação e de seleção da população criminal dos últimos decênios, relativas a dois novos campos de investigação: a) a criminalidade de colarinho branco; b) a cifra negra da criminalidade e a crítica das estatísticas criminais oficiais." BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 101.

131 BAUMAN, Globalização..., p. 56. (grifo do autor)

132 "Por todo ello, no es raro que no sólo en el lenguaje cotidiano, sino también en las expresiones técnicas se asocien ‘criminalidad’ y ‘delito’ con la idea de ‘lucha’. El delito se concibe como un ‘mal’. La criminalidad como una ‘enfermidad infecciosa’ y el delicuente como un ser ‘dañino’. La opinión pública, tal como se trasluce sobre todo en las ‘encuestas’ periodísticas, muestra una actitud ‘belicosa’ y en base a este sentimento se elabora la política. Cuanto más a, enezantes son o se consideran determinados delitos, tanto más materialistas son las exigencias que se imponen en su tratamiento. Esta tendencia hacia una lucha sin cuartel parele casi general en ámbitos como los del terrorismo y el tráfico de drogas, constituyendo un ‘Derecho Penal para enemigos’ es decir, para determinadas formas de criminalidad o determinados tipos de delincuentes, a los que se priva incluso de las tradicionales garatías del Derecho penal material y del Derecho processual penal." HASSAMER e MUÑOZ CONDE, Introducción a la Criminología y al Derecho Penal. p. 37.

133 Haja vista a configuração do Código Penal Brasileiro. Destaca BAUMAN, citando Thomas Mathiesen: "Hoje sabemos que o sistema penal ataca a ‘base’ e não o ‘topo’ da sociedade." Globalização... p. 131.

134 Seguindo o pensamento de PROUDHON expressado por GURVITCH: "Se tivesse que à seguinte pergunta: Que é a escravatura? e respondesse simplesmente: É o assassinato, o meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não necessitaria de um longo discurso para mostrar que o poder de privar um homem de seu pensamento, vontade e personalidade é um poder de vida e de morte e que, fazer de um homem um escravo, é assassiná-lo." GURVITCH, Georges. Proudhon. Lisboa: Edições 70, n.d. p. 72.

135 "Infelizmente, a sentença absolutória não é capaz de devolver-lhe o tempo, pois sua flecha - em que pese a relatividade diria EINSTEIN - é irreversível, ao menos por ora. Logo, pouco ou nada é capaz de fazer a absolvição para amenizar a mácula deixada no rastro de um processo indevido, pois não lhe devolve o tempo." LOPES JR., Aury Celso L. O Tempo e a Prisão: Parecer lançado no Conselho Penitenciário do Rio Grande do Sul. In. Revista Transdiciplinar de Ciências Penitenciária. v. 1, n. 1, jan.-dez. Pelotas: Educat, 2002. p. 247.

136 "A segurança ontológica é uma forma, mas uma forma muito importante, de sentimento de segurança no sentido amplo em que empreguei o termo mais atrás. A expressão se refere à crença que a maioria dos seres humanos têm na continuidade de sua auto-indentidade e a na constância dos ambientes de ação social e material circundantes. Uma sensação da fidedignidade de pessoas e coisas, tão central à noção de confiança, é básica nos sentimentos de segurança ontológica, daí os dois serem relacionados psicologicamente de forma íntima." GIDDENS, As Conseqüências da Modernidade. p. 95.

137 "Para onde quer que nos voltemos, deparamos com as mesmas antinomias: temos uma certa ideia tradicional do que somos como indivíduos. E temos uma noção mais ou menos distinta do que queremos dizer ao pronunciar o termo ‘sociedade’. Mas essas duas ideias - a consciência que temos de nós como sociedade, de um lado, e como indivíduos, de outro - nunca chegam a coalescer inteiramente. Sem dúvida temos consciência, ao mesmo tempo, de que esse abismo entre os indivíduos e a sociedade não existe na realidade. Toda a sociedade humana consiste em indivíduos distintos e todo indivíduo humano só se humaniza ao aprender a agir, falar e sentir no convívio com outros. A sociedade sem os indivíduos ou o indivíduo sem a sociedade é um absurdo. Mas, quando tentamos reconstruir no pensamento aquilo que vivenciamos cotidianamente, é constante aparecerem lacunas e falhas em nosso fluxo de pensamento, como num quebra-cabeça cujas peças se recusassem a compor uma imagem completa." ELIAS, A Sociedade dos Indivíduos. p. 67.

138 "Nas sociedades modernas, em contraste, não interagimos comumente com estranhos como ‘pessoas todas’ da mesma forma. Em muitos cenários urbanos, particularmente, interagimos mais ou menos de forma contínua com outros que ou não conhecemos bem ou nunca encontramos antes - mas esta interação assume a forma de contatos relativamente efémeros." GIDDENS, As Conseqüências da Modernidade. p. 84.

139 É preciso pensar: "Segundo parece, há muita gente que não pode perdoar às ciências da natureza o facto de terem desencantado a natureza. Também isto pertence à humana conditio. Creio que, no contexto do que tenho para dizer, não deixa de ser importante mencionar expressamente este facto. Muitos homens dizem que querem saber a verdade, que querem saber como é, efectivamente, o mundo em que vivem. No entanto, observando com mais rigor, revela-se com frequência que o mundo, tal como ele é realmente, está longe de corresponder aos desejos humanos. Quando se apercebem disso, muitos homens ficam assustados com a verdade recuam. Preferem embalar-se nos seus sonhos e enganar-se a si próprios. Esta é, de facto, uma das questões centrais da existência humana: será que se quer ver o mundo, na medida do possível, como ele é realmente, mesmo quando se revela pouco satisfatório do ponto de vista emocional, e se verifique que não está feito como se desejaria? Ou preferiremos envolver-nos nos nossos desejos e ideais como num agasalho quente que nos protege do frio da vida, correndo o risco de que a realidade não desejada irrompa um dia, subitamente, nos sonhos acalentadores, de modo a termos depois de continuar a viver amargurada, desigualdade e cinicamente dos sonhos perdidos e dos ideais carcomidos e despedaçados?" ELIAS, Norbert. A Condição Humana. pp. 15-16. (grifo meu)

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Sobre o autor
Guilherme Camargo Massaú

especialista em Ciências Criminais pela PUC/RS, em Pelotas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSAÚ, Guilherme Camargo. Individualismo como incentivador da violência e o papel do Direito Penal nesse contexto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7249. Acesso em: 10 mai. 2024.

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