Breve análise sobre a teoria tridimensional do direito de Miguel Reale

07/03/2019 às 08:54
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A teoria tridimensional do direito elaborada por Miguel Reale trata da relação dialética entre fato, valor e norma e constitui em uma grande contribuição do jurista brasileiro à academia jurídica mundial.

INTRODUÇÃO

Os estudos acerca dos fundamentos da teoria tridimensional do Direito não são hodiernos. Perpassando pelas mais diversas nuances do direito ao longo do tempo, as ideias sobre essa tridimensionalidade foram amadurecendo. Nesse ínterim, tem-se a contribuição do jurista brasileiro Miguel Reale para tal florescimento, que através de seu estudo sobre a tridimensionalidade do direito propôs uma das mais célebres teorias de direito mundialmente reconhecidas.

O presente estudo dispõe-se a analisar, portanto a Teoria Tridimensional do Direito elaborada pelo jurista filosófico brasileiro Miguel Reale bem como suas nuances, principais características e reflexões que a configuram como uma das mais importantes teorias jusfilosóficas de impacto internacional.


1  DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

Para Miguel Reale (1999), ao analisar-se fenomenologicamente a experiência jurídica o Direito é estruturalmente tridimensional, sendo percebido como elemento normativo, que disciplina os comportamentos individuais e coletivos, que pressupõe uma situação de fato que se refere a valores determinados.

Ocorre que, não existe uma dinâmica estática entre tais elementos. Como assevera o autor, acontece na verdade “apenas um predomínio ou prevalência de sentido, e não uma tripartição rígida e hermética de campos de pesquisa” (REALE, 1999, p. 510).

Desse modo, ao analisar tal conjuntura entra-se no estudo das espécies das teorias tridimensionais, quais sejam o tridimensionalismo específico e tridimensionalismo genérico. Segundo Reale (1999), é possível entender o tridimensionalismo específico como a real admissibilidade do entendimento da pesquisa acerca do Direito através da reflexão conjunta dos três elementos. Senão vejamos:   

o que denominamos tridimensionalismo específico assinala um momento ulterior no desenvolvimento dos estudos, pelo superamento das análises em separado do fato, do valor e da norma, como se se tratasse de gomos ou fatias de uma realidade decomponível; pelo reconhecimento, em suma, de que é logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o Direito que não implique a consideração concomitante daqueles três fatores. (REALE, Miguel, 1999, p. 513, grifo nosso)

Como menciona SANTOS (2015), através da história é possível perceber que o Direito nem sempre foi analisado sob a ótica unitária dos elementos, fato, valor e norma, mas sim analisado de forma setorial e unilateral.  A partir do segundo pós-guerra, surgiram então as primeiras teorias acerca da dinâmica dos três elementos fato, valor e norma de forma correlacionadas, surgindo desse modo a chamada tridimensionalidade genérica. Sendo esta entendida como:

concebe cada um dos três elementos, de forma abstrata ou separada, fazendo corresponder a cada um deles, um ramo distinto e autônomo do saber jurídico, qual seja: (fato) o sociologismo jurídico; (valor) o moralismo jurídico; (norma) normativismo jurídico. Não reconhecendo, portanto, que exista uma correlação ou implicação entre estes três fatores como algo essencial ao direito. (SANTOS, Thiago, 2015, p.online)

Thiago Henrique Santos demonstra ainda que o jurista brasileiro Miguel Reale não é adepto de tal corrente, visto que este “se insurgiu contra a generalidade, sustentando que o Direito é tridimensional, quer o estudo seja filosófico, sociológico ou científico, sendo que a diferença entre eles se dá sob a perspectiva de análise” (Santos, 2015, p. online)

Dentre os fundamentos da teoria da tridimensionalidade do direito realizada por Miguel Reale há a marcante característica do culturalismo, que é facilmente percebida pelo reconhecimento do autor, ao analisar a tríade fatorial da teoria, a necessidade de análise da realidade social e cultural onde ela se apresenta.

A teoria correlaciona três elementos interdependentes entre si que tornam o Direito uma estrutura social axiológico-normativa. Esses três elementos são como citado outrora: fato, valor e norma. Como ressalva  Álvaro Gonzaga e Nathaly Roque (2017) esses fatores devem estar sempre em referência ao âmbito cultural-social da sociedade :

É buscada, na Teoria Tridimensional do Direito elaborada pelo professor Reale, a unidade do fenômeno jurídico, no plano histórico-cultural, sem o emprego de teorias unilaterais ou reducionistas, que separam os elementos do fenômeno jurídico (fato, valor e norma). Veja-se, portanto, no decorrer desta exposição, o desenvolvimento, os tipos e a profundidade da proposta do professor Miguel Reale, que apesar de ser uma proposta para se observar, indagar e pensar o fenômeno do Direito impressiona pela sempre atualidade e capacidade de possibilitar uma interpretação correta da realidade jurídica. (GONZAGA, Alvaro; ROQUE, Nathaly; 2017. p.online, grifo nosso).

Assim, busca-se através do reconhecimento histórico-cultural e do afastamento de teorias simplistas e reducionistas uma interpretação mais correta, segundo o jurista, da realidade jurídica.

Nessa perspectiva registra-se o caráter manifestado na teoria de Miguel Reale qual seja o do culturalismo jurídico. Everaldo Gonzalez (2000) afirma inclusive que a Teoria Tridimensional do Direito é a principal manifestação do culturalismo jurídico do jurista Miguel Reale:

na Teoria Tridimensional do Direito há uma dimensão ontológica, pela qual Reale disseca o ser jurídico, há uma dimensão axiológica, pela qual Reale demonstra que a essência do fenômeno jurídico é sempre e necessariamente valorativa e, portanto, cultural. Por fim, há uma dimensão gnosiológica, que representa a esfera normativa, isto é, a forma própria de conhecimento do ser jurídico, que é a realidade normativa. (GONZALEZ, Everaldo. 2000. p. online)

Diante disso, Miguel Reale consegue extrair da relação entre os três fatores da teoria do Direito o fato de que não se pode olvidar a realidade jurídica a qual se apresenta, de modo que o caráter valorativo é conexo ao cultural.

Segundo Everaldo Gonzalez (2000), “a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, deve ser compreendida no contexto do culturalismo jurídico, isto é, de que o Direito é filho da cultura humana, algo que decorre do processo existencial dos indivíduos e da coletividade”. Desse modo, o culturalismo jurídico constitui um os fundamentos significativos na construção da teoria do jurista filosófico brasileiro, fornecendo valorosa reflexão acerca dos elementos do Direito e sua relação com a realidade normativa e social.

Ademais, Miguel Reale por outro lado não se apoia somente no idealismo e em teorias abstratas, mas defende um Direito mais atento à realidade à qual está inserido:

Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor (REALE, 2003, p.91)

Contudo, como mister salienta Igor Antônio Augusto (2012) mesmo diante do historicismo intrínseco à teoria de Miguel Reale, não pode esta ser considerada relativista, como poderia tentar ser vista a priori. A aparência do relativismo é demonstradamente vencida pelo que Reale (2003) chama de “constante axiológica”, quais sejam os valores pertinentes do homem como a liberdade, a vida, igualdade, inerentes à própria condição humana.

     Larissa Linhares Santos (2010) constata que pela teoria tridimensional de Miguel Reale:

o Direito seria compreendido pelo resultado de um movimento dialético, de um roteiro que está sendo escrito a cada minuto, submetido as mudanças e aos acontecimentos que oscilam todo tempo. É com esta visão que as normas devem ser analisadas, visando atender as expectativas do universo axiológico e com o objetivo de alcançar o bem comum de toda a sociedade (SANTOS, Larissa. 2010, p. online)

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      Assim, mesmo diante de um aparente relativismo o que se tem na realidade são constantes inerentes ao próprio ser humano e, por conseguinte à sociedade, que então devem ser apuradas para que o Direito não se torne apenas teorias abstratas e sem a maior praticidade que ele possa alcançar. A relação concomitante entre os três elementos visam, portanto implicitamente reconhecer essas constantes contornando o movimento dialético ao qual pertence.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

  Diante das considerações acerca da teoria tridimensional do direito elaborada por Miguel Reale, tem-se que a relação dialética entre fato, valor e norma constitui em uma grande contribuição do jurista brasileiro à academia jurídica mundial, ao reconhecer o caráter importantíssimo do culturalismo à dinâmica entre tais fatores, que nada mais é que o reflexo da realidade cultural-social na qual o Direito, como corpo normativo está inserido.

Sendo sempre analisado pela tríade fato, valor, norma, e sem a superioridade específica de cada um sobre o outro, o Direito é, portanto, não relativo, mas sim sujeito a mudanças. Esse movimento dialético dos três elementos é a forma pela qual devem ser vistas as normas jurídicas, distanciando-se assim de um mero relativismo.

A célebre visão é de suma importância para a aplicação do Direito, dando abertura para novos caminhos se assim estes surgirem e a ótica unilateral do fenômeno normativo não mais seja suficiente para tal demanda.    


REFERÊNCIAS

AUGUSTO, Igor Antonio Michallene. O que é a Teoria Tridimensional do Direito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11825>. Acesso em mar 2018.

GONZAGA, Alvaro de Azevedo, ROQUE, Nathaly Campitelli. Tridimensional do Direito, Teoria. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/64/edicao-1/tridimensional-do-direito, GONZAGA, Alvaro de Azevedo, ROQUE, Nathaly Campitelli. Tridimensional do Direito, Teoria. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/64/edicao-1/tridimensional-do-direito,-teoria-teoria. Acesso em mar 2018

Gonzalez, Everaldo Tadeu Quilici. A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale e o novo Código Civil Brasileiro. Unimesp, 2000. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/4mostra/pdfs/145.pdf  Acesso em: 14 março de 2018.

Reale, Miguel, 1910-2006 Filosofia do direito / Miguel Reale. - 19. ed. - São Paulo Saraiva, 1999.

Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003.

SANTOS, Larissa Linhares Vilas Boas. Teoria Tridimensional do Direito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 77, jun 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7833>. Acesso em mar 2018.

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Sobre a autora
Morgana Gomes de Carvalho

Advogada. Graduada em Direito pelo Instituto De Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho. Pós-graduada em Direito e Processo Constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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