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Jornada de trabalho:

análise das convenções coletivas e proposta de normatização

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2. JORNADA DE TRABALHO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA

            A jornada de trabalho no Brasil é prevista na Constituição Federal (CF) de 1988. Ela prevê: limite de 44 horas semanais; oito horas diárias; pagamento das horas extras em no mínimo 50% superior a hora normal.

            A legislação infraconstitucional regulamenta a jornada. Nesta arquitetura do ordenamento jurídico, encontram-se: a CLT; outras leis ordinárias; leis especiais para determinadas categorias profissionais; portarias; normas do Ministério do Trabalho e; acordos e convenções coletivas de trabalho.

            Não são todos os países que adotam este sistema para normatizar as relações trabalhistas. Temos um sistema profundamente interventor do Estado nas relações laborais. Paradoxalmente, isso não nos leva a termos empregados plenamente protegidos.

            Além disso, cerca de 50% dos trabalhadores estão hoje fora do mercado formal. Para estes, as leis trabalhistas não são sequer aplicadas, exceto quando procuram a Justiça.

            O modelo intervencionista inibe a ação sindical e a negociação coletiva, na medida em que desloca para a legislação todo o potencial de regulamentação do trabalho e relega à Justiça do Trabalho a solução dos conflitos.

            O atual projeto de reforma sindical (PEC nº 369/05 e Projeto de Lei 369/2005) dá um salto em busca de um modelo mais democrático de relações trabalhistas. Ele fortalece as Centrais Sindicais, a negociação coletiva e a organização no local de trabalho. Possibilita um avanço também nas alterações legislativas do direito material do trabalho, trazendo esta regulação mais para o campo da negociação coletiva que da normatização estatal, adequando-se mais à realidade do mundo do trabalho.

            A legislação atual é muito detalhada, pois falta autonomia para aqueles que estão diretamente envolvidos na relação de trabalho estabelecer suas próprias normas.

            Para não colocar em risco a situação dos trabalhadores não organizados, é fundamental uma legislação de sustento que garanta alguns direitos básicos. A partir deste patamar, a negociação ocorreria em níveis nacionais, por ramos e sindicatos, atendendo às especificidades de cada ramo/ setor.

            Cabe dizer que o tema da jornada pode ser explorado em nível também das negociações tripartites, que envolvem representações dos empregadores, representações sindicais e Estado (Governo).

            Em realidade, o modelo de regulamentação de jornada parte de um pressuposto que é a alteração da estrutura sindical atual. É preciso fortalecer os sindicatos, dando-lhes mais autonomia e liberdade, na medida em que o modelo que se pretende ampara-se na negociação coletiva.

            Neste quadro de mudanças, algumas possibilidades de normatização das relações de trabalho – incluindo aí a jornada de trabalho - poderiam ser estudadas.

            A primeira alternativa é a Contratação Coletiva Nacional articulada. Nesta, durante o período de transição do modelo de relações de trabalho, qualquer contrato coletivo estabelecido entre sindicatos e empresas, ou entre federações e representações empresariais, deverá, obrigatoriamente, estar subordinado e coerente às normas previstas em contratos coletivos de nível nacional em vigor. Somente a partir do estabelecido nesses acordos nacionais é que os sindicatos poderão negociar novos parâmetros que ampliem as conquistas dos seus representados. Os sindicatos que não estiverem filiados às centrais sindicais deverão, compulsoriamente, antes da contratação, estabelecer qual o contrato nacional ao qual estaria subordinada a sua negociação.

            A segunda alternativa é a do direito de negociação proporcional à capacidade de representação sindical. Nesta, durante a transição do modelo de relações de trabalho, o poder de negociação sindical do previsto em lei seria proporcional à representação sindical perante os trabalhadores. Assim, aqueles sindicatos mais representativos – estabelecidos por algum critério legal - teriam um potencial maior para negociar eventuais flexibilizações da lei. O suposto aqui é que estas negociações seriam, em geral, positivas, benéficas aos trabalhadores, na medida em que estariam associadas a novas conquistas. Por outro lado, aqueles sindicatos pouco representativos teriam uma margem menor de negociação. Para estes últimos, haveria uma maior intervenção da legislação de sustento na vida dos trabalhadores por ele representados.

            Exemplo: a legislação de sustento preveria a jornada de 40 horas semanais, mas a possibilidade de compensação semanal poderia ser dada àqueles sindicatos com X% de representação, enquanto que a compensação semestral seria negociada apenas com aqueles sindicatos com Y% de representação.

            De qualquer modo, deverá existir uma regulamentação mínima da relação de trabalho. No caso específico da jornada, esta legislação de sustento (que popularmente poderia ser denominada de "legislação guarda-chuva") deverá prever, sinteticamente, as seguintes proteções: a) limite de horas semanais; b) limite de horas diárias; c) intervalo para refeição; d) intervalo entre as jornadas; e) limites de horas suplementares; f) descanso semanal;

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            A cargo da negociação coletiva ficariam, por exemplo: a marcação do ponto; a possibilidade de redução da jornada semanal; a compensação das horas e o banco de horas; a remuneração da hora suplementar; a possibilidade ou não de trabalhar aos domingos; se os intervalos seriam ou não remunerados; a quantidade e a extensão de intervalos intrajornadas; a possibilidade ou não do trabalho noturno e a sua remuneração; as horas in itinere; a supressão de horas extras; os turnos ininterruptos de revezamento; entre outras infinidades de questões que poderiam surgir sobre o tema.

            As normas, conseqüentemente, respeitariam uma hierarquia que partiria da regulamentação legal ampla para as aquelas decorrentes de negociações coletivas em âmbito nacional por ramos e setores, estaduais por ramos e setores e por fim de negociações entre empresas e sindicatos.

            As duas propostas acima poderiam ser complementares também. Assim, além do critério adotado na primeira alternativa – contrato coletivo articulado – os sindicatos somente poderiam negociar, conforme o seu grau de representatividade.

            Essas alternativas são apenas sugestões a serem estudadas. O primordial é que se estabeleça um processo de transição de modelos de regulamentação trabalhista de modo a garantir a proteção ao trabalhador.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. – (Coleção Saraiva de legislação).

            CARRION, Valentim. Comentários à consolidação das leis do trabalho". 27. ed. Atual. Por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2002.

            DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS (DIEESE). SACC – Sistema de Acompanhamento de Acordos e Convenções Coletivas. Disponível em: http/dieese.org.br.

            NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003.

            OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários aos enunciados do TST. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

            PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho; tradução Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 2000.

            Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. São Paulo, Ano 6, nº 8, 2002.

            REDUZIR A JORNADA É GERAR EMPREGOS. Centrais Sindicais/DIEESE. São Paulo, dez.2004.

            SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC. Redução de jornada, limite de hora extra e reorganização do tempo de trabalho. São Bernardo do Campo, 1993.

            ______. Subseção DIEESE. Flexibilização da produção e das relações de trabalho no setor automotivo. Out.1999.

            Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre, v. 15, n. 175, Jan. 2004

            TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Pesquisa de jurisprudências. Brasília, 2005. Disponível em: http//www.tst.gov.br


NOTAS

            01

Esta cláusula também consta da convenção coletiva do Sindicato dos Trabalhadores em Gráfica de Distrito Federal (apenas para os vigilantes).

            02

Semana espanhola é aquela em que o empregado trabalha 40 horas em uma semana e na próxima 48 horas, perfazendo uma média semanal de 44 horas.

            03

Os radialistas do Rio de Janeiro, a cada 30 horas suplementares realizadas, devem compensá-las imediatamente por 30 dias posteriores. O excedente deve ser remunerado como extraordinárias.

            04

Comerciários, alimentação, construção civil, fiação e tecelagem, urbanitários, metalúrgicos, químicos, transportes, petroquímicos, professores, saúde, radialistas, vestuário, rurais, distribuidores de água, gráficos, entre outros.

            5

Acordo estabelecido pela Federação Nacional dos Processadores de Dados e a empresa SERPRO.

            06

Convenção Coletiva do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Radiodifusão do Rio de Janeiro para todo os trabalhadores do Estado.

            07

Acordo entre o Sindicato dos Borracheiros de Pernambuco e a empresa Petroflex; Sindicato dos Químicos da Bahia e DataPrev; Sindicato dos Urbanitários do Paraná e a empresa Itaipu.
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Sobre os autores
Maria da Consolação Vegi da Conceição

Advogada. Mestranda em Direito na UNIMES. Professora de Direito na Fundação Santo André. Coordenadora Jurídica do Sindicato dos Bancários do ABC.

Jefferson José da Conceição

Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. Professor Doutor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Ex-economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro "Quando o apito da fábrica silencia" (Santo André: ABCDMaior, 2008) e um dos autores do livro "O abc da crise" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Maria Consolação Vegi ; CONCEIÇÃO, Jefferson José. Jornada de trabalho:: análise das convenções coletivas e proposta de normatização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 805, 16 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7278. Acesso em: 28 mar. 2024.

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