Capa da publicação Regulamentação da profissão do sexo: chega de jogar pedra na Geni!
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Da necessária (e viável) regulamentação da profissão do sexo: já chega de jogar pedra na Geni!

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23/03/2019 às 09:30
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Capítulo 3-Projeto de Lei nº 4.211/2012 e sua justificativa

3.1 Da homenagem a Gabriela Leite

O Autor do referido projeto de Lei, Deputado Jean Wyllys, homenageia a militante da cauda das profissionais do sexo, Gabriela Leite, fundadora da ONG Davida, que por sua vez fundou a grife Daspu, administrado por prostitutas, visando estimular o trabalho desses profissionais em outro ramo e, contribuindo para que as mesmas possam ter a opção de mudar de atividade.

A lei aqui proposta se intitula “Gabriela Leite” em homenagem a profissional do sexo de mesmo nome, que é militante de Direitos Humanos, mais especificamente dos direitos dos profissionais do sexo, desde o final dos anos 70. Gabriela Leite iniciou sua militância em 1979, quando se indignou com atitudes autoritárias, arbitrárias e violentas por parte do Estado que, através da Polícia de São Paulo, promovia perseguições a travestis e prostitutas. Gabriela Leite participou na criação de vínculo solidário entre os profissionais do sexo, na mobilização política dos mesmos e fundou a ONG “Davida”, que tem como missão o fomento de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania das prostitutas; mobilização e a organização da categoria; e a promoção dos seus direitos. A “Davida” criou, por exemplo, a grife DASPU, um projeto autossustentável gerido por prostitutas e que tem por objetivo driblar a dificuldade de financiamento para iniciativas de trabalho alternativo por parte das profissionais do sexo.41

3.2 Da evolução das regras morais protegidas pelo Direito e sua eficácia no caso dos profissionais do sexo

O Projeto de Lei 4.211, apresentado pelo Deputado Jean Wyllys, não é a primeira iniciativa de legalização da ocupação de profissional do sexo e, nesse sentido, afirma ter relação com outros projetos que não tiveram continuidade no Congresso Nacional, além da Lei que regulamenta a atividade das profissionais do sexo na Alemanha:

O projeto de lei ora apresentado dialoga com a Lei alemã que regulamenta as relações jurídicas das prostitutas (Gesetz zur Regelung der Rechtsverhältnisse der Prostituierten - Prostitutionsgesetz - ProstG); com o Projeto de Lei 98/2003 do ex-Deputado Federal Fernando Gabeira, que foi arquivado; com o PL 4244/2004, do ex-Deputado Eduardo Valverde, que saiu de tramitação a pedido do autor; e com reivindicações dos movimentos sociais que lutam por direitos dos profissionais do sexo.42

Tal afirmativa traz ainda, como embasamento importante, as reivindicações dos movimentos sociais que militam na luta pelos direitos das profissionais do sexo, o que demonstra a preocupação do propositor com este seguimento da sociedade, ora marginalizado por uma falsa moralidade, que oficialmente se abstém de regular vários pontos da atividade desempenhada por essas profissionais, e quando não se omite na regulação, criminaliza todos os demais aspectos do exercício da profissão com critério generalizador. Extraoficialmente, no entanto, não só consente a existência desse ramo, como também faz uso de forma deliberada desses serviços:

A prostituição é atividade cujo exercício remonta à antiguidade e que, apesar de sofrer exclusão normativa e ser condenada do ponto de vista moral ou dos “bons costumes”, ainda perdura. É de um moralismo superficial causador de injustiças a negação de direitos aos profissionais cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena. Trata-se de contradição causadora de marginalização de segmento numeroso da sociedade.43

Assim como menciona, de forma crítica, é possível afirmar com toda certeza que a intenção do legislador ao tempo da criação do Código Penal era ter como bens jurídicos tutelados em todos os crimes que envolvem a prática dos profissionais do sexo, a moral, os bons costumes, a família e a vida sexual, como aponta Damásio de Jesus ao descrever os objetos jurídicos protegidos no crime do Artigo 229, tipificado como Casa de Prostituição.

“São a disciplina da vida sexual, de acordo com os bons costumes, a moralidade pública e a organização da família”.44

Tal afirmativa deve ser questionada para que se possa chegar a alguma conclusão sobre a necessidade ou não de determinada lei, a punição ou não ao indivíduo que comete determinada prática, o que nos remeterá a certeza de que determinada norma terá eficácia e, por consequência, sentido em sua existência. Assim sendo, nesse caso específico, é importante que seja esmiuçado, o conceito de moral, como ensina com maestria Cavalieri Filho: “Sociologicamente, a palavra moral exprime o que pertence ou diz respeito a mores: corresponde ao conjunto de práticas, costumes, padrões de conduta formadores de ambiência ética em que se vive”.45

Em continuação a sua explanação, o autor ressalta dois aspectos básicos e importantes sobre moral, a saber seu caráter variável de acordo com cada sociedade e sua mutabilidade ao longo do tempo: “Trata-se de algo que varia no tempo e no espaço, porquanto cada povo, cada cultura, possui sua moral, que evolui no curso da história, consagrando pontos de vista, modos diferentes de agir e pensar”.46

Partindo desse raciocínio, portanto, convém concluir que a mutabilidade da moral está intimamente ligada as condições de tempo e espaço e resulta em mudanças acarretando a reprovação de novas condutas antes não reprovadas, bem como a indiferença ou até aprovação a respeito de atitudes reprováveis em momento anterior, e isso é indicado não só por palavras, expressões do nosso pensamento, mas principalmente pela forma como a sociedade se posiciona frente a determinada situação, através das atitudes de cada cidadão e do Estado.

Tais mudanças morais, em muitos casos, geram a necessidade de alterações no ordenamento jurídico já que tanto a moral quanto as leis emanam da sociedade. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho: “Tanto as normas jurídicas como as morais têm origem e formação inteiramente social, resultando daí a dificuldade de distingui-las. Há numerosos preceitos comuns ao direito e a moral”.47

É de notório conhecimento que muitas pessoas fazem o uso dos serviços dos profissionais do sexo, e, para a maioria das pessoas que não fazem ou nunca fizeram uso, esta atividade tornou-se comum ao cotidiano da vida em sociedade. A aceitação e uso desses serviços transpassa em muito a esfera do cidadão comum, atingindo, inclusive, o alto escalão político do nosso país, como afirma o próprio parlamentar autor do referido projeto de lei: “[...] eu diria que 60% da população masculina do Congresso Nacional fazem uso dos serviços das prostitutas, então acho que esses caras vão querer fazer uso desse serviço em ambientes mais seguros”.48

Tal convicção é expressa pelo parlamentar autor do projeto, de forma exemplificadora, nas justificativas do projeto de lei, inclusive no que diz respeito ao poder executivo, com relação as casas de prostituição, ele aduz que elas “funcionam de forma clandestina a partir da omissão do Estado, impedindo assim uma rotina de fiscalização. Recolhimento de impostos e vigilância sanitária”.49

A aceitação das práticas do que envolve o trabalho dos profissionais do sexo revela leis que caíram em desuso, assim como mostra a necessidade de criar leis e alterar ou revogar as que existem a fim de adequar o ordenamento jurídico as novas concepções sociais, sob pena das leis em vigor caírem em desuso, se tornando somente um emaranhado de normas sem sentido de existir, haja vista as pessoas não sentirem que algo possa ser modificado ou melhorado a partir do cumprimento da lei, como ensina Lila Spadoni, exemplificando tal pensamento, de forma perfeita, com a questão do excesso do limite de velocidade na direção de automóveis:

[...] percebemos que quando as pessoas sentem que podem mudar algo a partir do cumprimento da lei, elas são mais propensas a cumprir ou exigir o cumprimento da lei. Se as pessoas realmente sentirem que a mudança de velocidade habitual com que dirigem seus carros pode efetivamente salvar vidas, elas vão ser mais propensas a mudar suas práticas em favor do cumprimento das leis.50

A luta pela regulamentação da profissão, bem como alterações de leis que hoje dificultam o exercício regular da atividade tem, muitas vezes, sofrido com uma interpretação equivocada de que o que se busca é a estimulação as pessoas a seguir tal carreira, quando, na verdade o que se busca são principalmente a redução dos riscos à saúde tanto dos profissionais quanto das pessoas que fazem o uso do serviço e garantir os direitos elementares das pessoas enquadradas nessa categoria funcional:

O escopo da presente propositura não é estimular o crescimento de profissionais do sexo. Muito pelo contrário, aqui se pretende a redução dos riscos danosos de tal atividade. A proposta caminha no sentido da efetivação da dignidade humana para acabar com a hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso a justiça para garantir o recebimento do pagamento.51

Além dos principais objetivos mencionados, tal regulação visa a tornar-se importante ferramenta de combate eficiente a exploração sexual em todas os seus aspectos e variações: “[...] a regularização da profissão do sexo constitui instrumento eficaz ao combate a exploração sexual, pois possibilitará a fiscalização em casas de prostituição e o controle do Estado sobre o serviço”.52

Não faz nenhum sentido e, portanto, vai de encontro a todas as teorias de combate racional das mazelas sociais, afirmar que a regulação, com a consequente alteração de determinadas leis que coíbem o exercício desta profissão, teria como objetivo o estímulo a mais adesões a carreira, haja vista, principalmente, que a tendência após a revogação da ilicitude de determinada prática, geralmente, por questões econômicas de simples entendimento, inibe a procura pelo exercício de tal atividade, como explica Coyle:

Comece com o fornecimento do mercado de serviços sexuais. Parte da análise simplesmente reflete o caso das drogas ilegais. Uma proibição do governo mantém a concorrência de fora e sustenta uma alta margem de lucro. Então, países onde a prostituição é ilegal, por exemplo, isso serve para elucidar o enigma do impressionante tamanho dos lucros do pornô. O mesmo acontece com material ilegal de pedofilia e pornografia pesada. A proibição restringe a oferta, que é socialmente desejável, pois o consumo de tais mercadorias impões características negativas ao restante de nós, mas aumenta os lucros dos empresários criminosos em vista dos consumidores desse tipo de produto, que, de outras maneiras teriam mais escolhas e parariam um menor preço.53

Na prática, a regularização da profissão e a permissão de sua exploração econômica sem abusos, acaba por ser um combate racional a exploração sexual e a ilicitude em que vivem as casas de prostituição, que não garantem quaisquer direitos sociais ou proteção a condições degradantes, do ponto de vista moral aos profissionais e do ponto de vista de saúde pública a todas as pessoas envolvidas na relação de prestação do serviço. O fim da omissão do Estado, decorrente das edições e implantações legais, presume cumprimento de obrigações legais sujeitas a fiscalizações mais rígidas, coibindo assim atitudes criminosas em busca do lucro acima de tudo.

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3.3 Das criações do Projeto de Lei

O Projeto de Lei Gabriela Leite tenta regulamentar a ocupação de profissional do sexo, mas não se atém somente a esta inovação. Além de trazer a profissão para o mundo jurídico estabelece requisitos básicos para seu exercício, os quais obrigatoriamente devem estar presentes, sob pena de ser caracterizada a atividade como exploração sexual. São requisitos para o exercício regular da profissão: ser maior de 18 anos, absolutamente capaz, que a prestação de serviços não seja exercida de forma forçada e que o serviço seja remunerado, conforme se extrai da redação do Artigo 1 º do Projeto de Lei, “considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de 18 anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”.54

Ultrapassada a criação da figura do profissional do sexo constam do projeto dois parágrafos inseridos ao referido artigo, tendo o primeiro a seguinte redação: “é juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual a quem os contrata”.55

Em análise ao referido parágrafo é necessária uma breve reflexão a respeito do conceito contratos, destacando, principalmente, a obrigatoriedade de estar o mesmo em conformidade com o ordenamento jurídico, tratando-se, portanto, tipicamente, um negócio jurídico, como ensinam Mathias e Daneluzzi:

Contrato é o acordo de duas ou mais vontades consoante a ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o objetivo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. Contrato é, por excelência, o típico negócio jurídico.56

Considerando tais conceitos, se faz necessário, também, ressaltar que todo contrato confeccionado dentro de moldes permitidos no ordenamento jurídico, o que inclui, tratar de objeto juridicamente possível, possui vários princípios básicos, dentre eles, é necessário ressaltar para melhor análise nesse caso específico o pacta sunt servanda, pelo qual o contrato se torna lei entre as partes contratantes e, portanto, está sujeito a tutela judicial, que obrigue sua satisfação, no caso do descumprimento por quaisquer das partes:

Princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda), relativizado pela cláusula rebus sic standibus, decorrente da teoria da imprevisão, pelo princípio da onerosidade excessiva, que, na vigência do Código Civil de 1916, era declarada pelo Poder Judiciário e no Código de 2002, expressamente, prevista no art. 478 – pelo qual o contrato constitui lei entre as partes. Por este princípio as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas.57

Assim sendo, ao inserir no mundo legal a ocupação de profissional do sexo e instituir o contrato de prestação de serviços sexuais através do caput do Artigo 1º, está presente, implicitamente, como caráter intrínseco a exigibilidade do cumprimento do contrato através da tutela judicial, o que faz a redação do parágrafo 1º ser completamente desnecessária por tratar-se, simplesmente, de um “pleonasmo jurídico”, demonstrando, assim, certo desconhecimento por parte congressista autor do projeto, a respeito dos conceitos e características jurídicas dos contratos.

Em segundo momento, o parlamentar autor do projeto, insere mais um parágrafo no referido artigo, que merece uma análise mais pormenorizada: “§ 2º - A obrigação de prestação de serviço sexual é pessoal e intransferível”.58

Dar caráter pessoal, também conhecido como intuitu personae, a obrigação de prestação de serviços sexuais, nada mais é do que dar ao sujeito da obrigação a importância principal, isto é, em síntese, o mesmo que dizer que a obrigação de fazer contratada somente poderá ser realizada por pessoa determinada, não podendo ser transferida a terceiro e, por esta característica fundamental faz com que o vocábulo “intransferível” contido no mesmo parágrafo, como característica da referida obrigação, seja desnecessário por tratar-se de algo já implícito nas obrigações pessoais, conforme ensina Fiuza: “Já nas obrigações intuito personae, os sujeitos desempenham papel principal. Se encomendo obra de certo autor, interessa-me a obra, sem dúvida, mas também que seja feita por aquele autor, não servindo nenhum outro.59

3.4 Do combate à exploração sexual e sua diferenciação para prostituição

Através do Código Penal, o legislador implantou um conceito equivocado de prostituição, enquadrando-a como uma forma exploração sexual, ideia essa, presente em vários pontos do referido diploma legal, como por exemplo o caput de seu Artigo 228: “induzir ou atrair alguém a prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém abandone”.60

Tal erro é latente, pois a prostituição nada mais é do que uma prestação de serviços, com remuneração direta ao prestador; ao contrário, a exploração sexual consiste na apropriação, por terceiro, dos proventos oriundos deste contrato. Conforme explica o parlamentar autor do projeto de lei ao explicar a solicitação de alteração do Artigo 230 do Código Penal Brasileiro:

O termo “exploração sexual” foi colocado no lugar de “prostituição alheia” no artigo 230 porque o proveito do rendimento de serviços sexuais por terceiro é justamente a essência da exploração sexual. Ao contrário, a prostituição é sempre serviço remunerado diretamente ao prestador.61

Vale ressaltar ainda, que o conceito de exploração sexual, de acordo com as implantações visadas pelo projeto de lei, não se restringe a esta modalidade, havendo ainda mais duas formas, conforme trazem os incisos II e III do parágrafo único do Artigo 2º do projeto de lei:

Art. 2º (...)

Parágrafo único: São espécies de exploração sexual, além de outras estipuladas em legislação específica:

1.apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro;

2.o não pagamento pelo serviço sexual contratado;

3.forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência.62

Nesse ponto, merece crítica a justificativa do referido projeto de lei, no que tange aos rendimentos oriundos da prestação de serviços, haja vista a absoluta incompatibilidade do Inciso I do Artigo 2 do projeto de lei, com a afirmação trazida em sua justificativa: “o profissional do sexo é o único que pode se beneficiar dos rendimentos do seu trabalho”.63

Conforme o exposto, não existe harmonia e coerência jurídica entre o projeto de lei e sua justifica neste ponto, já que o Inciso II do Artigo 2 do projeto de lei permite a apropriação de até 50% dos rendimentos por terceiro e a justificativa afirma que somente o profissional pode ser beneficiário dos rendimentos da prestação de serviços.

3.5 Da aposentadoria especial

Outra inovação que o projeto de lei pretende introduzir é o direto à aposentadoria especial às profissionais do sexo, conforme versa o Artigo 5 do projeto de lei: “o profissional do sexo terá direito a aposentadoria especial de 25 anos, nos termos do artigo 57 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991”.64

É de fácil compreensão os motivos que levaram o parlamentar a incluir tal direito em seu projeto, já que é notório que a atividade sexual, recorrente, com diferentes parceiros representa risco a saúde, por eventual contaminação com doenças sexualmente transmissíveis.

A exposição a eventuais riscos de contaminação enquadra-se perfeitamente ao critério material para concessão da aposentadoria especial, conforme ensinam Balera e Mussi, “critério material: exercer atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos”.65

Contudo, nesse raso tratamento previdenciário que o projeto de lei traz, não se vislumbra algo que faça muito sentido, além do critério material já mencionado.

A primeira crítica é ao fato de se conceder a aposentadoria aos 25 anos de exposição, algo que terá efetividade e aplicabilidade quase que completamente nula, dadas as faixas etárias médias dessas pessoas, bem como o tempo médio no exercício da profissão.

Ao analisar os dados sobre faixas etárias das profissionais do sexo, fornecido pelo Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais, tem-se os seguintes dados:

Faixa etária: A idade média das profissionais do sexo é de 20 a 29 anos, representando 47% desta população. Em segundo lugar, estão as mulheres entre 30 e 49 anos (41%). Cerca de 8% das mulheres têm entre 17 e 19 anos.

Tempo de profissão: 57% estão na profissão há menos de 5 anos, 20% têm entre 5 e 9 anos de trabalho e 23% têm 10 anos ou mais na profissão.66

Assim, constata-se que 53% das mulheres, profissionais do sexo, tem entre 17 e 29 anos e 41% de 30 a 49 anos.

Combinando a idade mínima para exercício da profissão e o tempo para aposentadoria colocado pelo referido projeto de lei, com os dados da pesquisa, chega-se a um cálculo simples para demonstrar o grave risco de falta de efetividade da futura norma. Ao somar 18 anos de idade a 25 anos de trabalho, a profissional se aposentaria, no mínimo, aos 43 anos, não se aplicando assim, a no mínimo 53% das mulheres, seguindo somente o critério de faixas etárias colocadas pelos dados levantados.

Situação mais alarmante surge ao considerar o tempo médio de profissão que a pesquisa traz, com 23% somente, trabalhando a mais de 10 anos na área. Portanto, podem ser afastadas de plano, somente por essa segunda linha, 77% das profissionais, sem levar em conta que, dentro do percentual com mais de uma década de trabalho, não foram mencionadas as que têm 25 anos ou mais de profissão.

Assim sendo, é viável concluir, de forma cristalina, que não haverá aplicabilidade neste ponto da lei, devendo seu autor extirpar tal artigo, ou buscar alternativas para a correta adequação da aposentadoria especial. Por derradeiro, é importante trazer à tona algumas particularidades sobre aposentadoria especial, como lecionam Balera e Mussi:

A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social, do tempo de trabalho permanente, não ocasional e nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante o período de 15, 20 ou 25 anos.67

Confrontando tal ensinamento com a já colocada negativa de intenção presente na exposição de motivos do referido projeto de lei, de que “o escopo da presente propositura não é estimular o crescimento dos profissionais do sexo”,68 encontra-se gritante conflito, uma vez que a instituição da aposentadoria especial aos 25 anos estimularia a essas pessoas a cumprir o tempo de trabalho permanente para aposentadoria, aumentando assim o seu tempo de permanência em tal atividade.

Além disso, seguindo com os ensinamentos de Balera e Mussi, a respeito do laudo técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, é necessária a comprovação da exposição a agentes nocivos para fins de aposentadoria especial, nos termos da seguinte lição:

No referido laudo técnico deverá constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva, de medidas de caráter administrativo ou de organização de trabalho, ou de tecnologia de proteção individual, que elimine, minimize ou controle a exposição de agentes nocivos aos limites de tolerância, respeitado o estabelecido na legislação trabalhista.69

Ao confrontar tais dados necessários com o único Artigo do projeto de lei que institui e trata da temática previdenciária especial, percebe-se a insuficiência do futuro diploma lega nesse âmbito, pois seu autor deveria ter tratado de questões de prevenção e combate dos agentes nocivos aos quais os profissionais do sexo são expostos, como por exemplo a obrigatoriedade de fornecimento de preservativos com padrões de qualidade atestados por órgão competente e a obrigatoriedade de realização de exames médicos periódicos, direcionando a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas aos órgãos de vigilância sanitária, Ministério do Trabalho e demais entidades competentes a cada área.

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Sobre o autor
Manuel Flavio Saiol Pacheco

Pesquisador, Advogado e funcionário público, graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Campus Três Rios. Atualmente é mestrando em Justiça e Segurança, pela Universidade Federal Fluminense. É Pós Graduado em Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Manuel Flavio Saiol. Da necessária (e viável) regulamentação da profissão do sexo: já chega de jogar pedra na Geni!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5743, 23 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72788. Acesso em: 19 abr. 2024.

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