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Da necessária (e viável) regulamentação da profissão do sexo: já chega de jogar pedra na Geni!

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23/03/2019 às 09:30
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Considerações Finais

Diante de todo o estudo realizado, a conclusão alcançada foi a de que, ao longo da história, os diferentes aspectos empregados à prostituição levaram à forma como a profissão do sexo é vista (ou ignorada) pela sociedade e pelo Estado nos dias atuais, aonde praticamente todos os setores têm a postura de “ignorar” voluntariamente, a existência das casas e do próprio trabalho em si, tendo ambos um comportamento tolerante na prática e muitas vezes preconceituoso e cruel somente nas palavras.

Assim sendo, é fácil demonstrar que o Estado brasileiro fracassa ao atribuir o sistema abolicionista, que não atribui tratamento jurídico a esta temática, uma vez que através dele são violados vários princípios constitucionais, e permite que o desrespeito a esses mesmos fundamentos se perpetue e se propague em âmbito nacional.

Restam por comprovadas graves violações aos princípios do valor social do trabalho, autonomia da vontade, não discriminação, direito a saúde e, dando suporte a todas essas máculas, o desrespeito a dignidade da pessoa humana, um dos princípios mais basilares de nossa carta magna.

O desrespeito às normas constitucionais são tão claros e tem consequências tão terríveis a uma imensa sorte de pessoas, que se apresentam, por óbvio, todos os requisitos essenciais para o remédio constitucional cabível: a Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão, sendo fator determinante para seu cabimento, a falta de tratamento legal a profissão o que, além causar a mitigação dos direitos de determinado grupo, acaba por transformar o Estado em um verdadeiro promovedor de atos inconstitucionais, colocando em detrimento o princípio da saúde, do livre exercício do trabalho e principalmente aquele que dá suporte a maioria das máximas constitucionais, a dignidade da pessoa humana.

Em análise mais profunda do direito constitucional à saúde, há máximas, dados concretos e fatos que comprovam não somente a violação desse direito básico, mas também a falta que o tratamento correto a essa profissão pode afetar de forma geral a saúde da população e os gastos do Estado com a saúde pública, uma vez que falta, assim como em diversas outras questões que envolvam uma existência saudável ao povo, a visão de prevenção, buscando efeitos futuros que, na maioria das vezes, só são vistos em médio e longo prazo.

Na seara penal, é explícita a falta de aplicabilidade de vários dispositivos do Código Penal brasileiro, dada a perda da necessidade de proteção ao suposto bem jurídico tutelado, bem como a postura tolerante, supracitada, da sociedade e do próprio Estado.

De acordo com o princípio da adequação social, que sempre deve nortear o direito penal, condutas que passam a ser aceitas ou toleradas pela sociedade devem ter seu tratamento, no âmbito criminal readequado à nova realidade obtida pela mutação constante da sociedade e de sua forma de pensar. Assim sendo, conclui-se que certos dispositivos do Código Penal, que tratam da temática da profissão do sexo, perderam sua razão de existir, conforme comprovam até mesmo decisões judiciais e, assim sendo, deveriam ser revogados, como foram os crimes de sedução, rapto, rapto consensual e adultério.

Ao longo das últimas décadas, houve algumas tentativas de legalização da profissão, com os mais diversos dispositivos, porém nenhum deles logrou sucesso além de inspirar o atual projeto de lei Gabriela Leite, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys, que tramita, com muita resistência, no Congresso Nacional.

A partir de uma análise à justificativa e aos dispositivos contidos no projeto, nota-se sua importância e inovação, ao descriminalizar, com certas regras específicas, algumas condutas contidas no Código Penal, porém fica claro que o “possível” futuro diploma carece de aprimoramento, uma vez que, em momentos comete “pleonasmo jurídico”, em outros mostra evidente contradição entre a exposição de motivos e os dispositivos contidos no projeto e, principalmente, não se preocupa em realizar estudo mais aprofundado sobre a efetividade e as consequências que o tratamento previdenciário ao qual visa dar legalidade terão.

Por fim, após todo o estudo, conclui-se que a atual situação no âmbito da prostituição encontra-se em estado alarmante, com tendência de agravamento ainda maior se não tratado da devida forma e, infelizmente, a tentativa materializada que se encontra em curso, por padecer de mais técnica e mais aprofundamento em seus possíveis efeitos e consequências, pode, além de não resolver totalmente o problema, trazer à vida outros que até então não existiam.

Com efeito, mesmo que um desfecho positivo rumo a um caminho mais justo de tratamento aos profissionais do sexo e todos os aspectos que envolvem o exercício da profissão esteja distante, é notável toda a mobilização e luta que surge e se mantém firme ao longo das últimas décadas, mesmo após todas as tentativas falhas, mesmo com toda a hipocrisia por parte de setores da sociedade e por parte do próprio Estado e, em homenagem a essa luta, fica registrado, para fins de reflexão, o poema que inspirou Nelson Mandela em seus anos na prisão e que o deu força, para continuar lutando por aquilo que era certo:

Dentro da noite que me rodeia

Negra, como um poço de lado a lado

Agradeço aos deuses que existem

por minha alma indomável.

Sob as garras cruéis das circunstâncias

eu não tremo e nem me desespero

Sob os duros golpes do acaso

Minha cabeça sangra, mas continua erguida.

Mais além deste lugar de lágrimas e ira,

Jazem os horrores da sombra.

Mas a ameaça dos anos,

Me encontra e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito o portão

Quão repleta de castigo a sentença,

Eu sou o senhor de meu destino

Eu sou o capitão de minha alma.

William Ernest Henley (Invictus)70

Que a luta pela dignidade e direitos dos profissionais do sexo tenha, em si, a mesma força para a conquista de um destino promissor.


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Sobre o autor
Manuel Flavio Saiol Pacheco

Pesquisador, Advogado e funcionário público, graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Campus Três Rios. Atualmente é mestrando em Justiça e Segurança, pela Universidade Federal Fluminense. É Pós Graduado em Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Manuel Flavio Saiol. Da necessária (e viável) regulamentação da profissão do sexo: já chega de jogar pedra na Geni!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5743, 23 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72788. Acesso em: 19 abr. 2024.

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