5. APLICAÇÃO DA TEORIA DA TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA AO MANDADO DE INJUNÇÃO
Com base nessas considerações, cabe-nos nesse momento analisar a aplicação da teoria da tutela jurisdicional adequada à garantia constitucional do mandado de injunção, já deixando, consignado que a associação da ação de direito material à ação de direito processual do direito subjetivo constitucional ao mandado de injunção faz chegar à conclusão de que a tutela jurisdicional mais adequada é aquele que fornece ao cidadão uma norma para solução do caso concreto.
Para tanto, antes de mais nada, é preciso enfrentar alguns empecilhos aventados no julgamento do Mandando de Injunção nº 107.
A posição não concretista, maioria à época do julgamento, estabelecia que a única tutela possível ao mandado de injunção seria a notificação de que o Congresso encontra-se em mora legislativa.
Com ela o Judiciário servia apenas para declarar a inércia legislativa e notificar o Congresso. A decisão seria meramente declaratória, não havendo, portanto, a constituição ou reestruturação de nenhum direito. Essa seria a tutela jurisdicional. Tal posicionamento, arraigado no princípio da separação dos poderes, fez aquele que fornece a mais adequada tutela ao jurisdicionado.
De fato, nossa Constituição, no art. 2º, prescreve que o Judiciário, o Executivo e o Legislativo são poderes independentes e harmônicos entre si. Há com essa norma constitucional a imposição ou o estabelecimento do princípio básico da separação dos poderes.
No entanto, tal norma não pode e não deve ser interpretada ou vista de forma isolada ou absoluta, isto porque, apesar da Constituição prevê expressamente a separação dos três poderes, é possível à existência de uma eventual "interferência" de um sobre o outro.
É necessária que se entenda que, por trás da norma que prevê a separação dos poderes, existe em essência um Estado Democrático de Direito. Tal postulado faz com que haja também, por detrás deste princípio, outros como é o caso da divisão de poderes (share of power) ou o dos freios e contrapesos (check and balances) de um poder sobre o outro.
No Brasil, desta forma, não poderia ser diferente, a Constituição de 1988, previu vários dispositivos que demonstravam claramente esta divisão de atribuições e a este mútuo controle existente entre os poderes. Como exemplo, temos elaboração das leis, função precípua do Legislativo, que conta com a participação do Executivo, através da sanção ou do veto, e eventualmente do Judiciário, através da apreciação de sua inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Pois bem, a idéia que se pode extrair da conjugação dos princípios da separação dos poderes, da divisão dos poderes e dos freios e contrapesos é a de que um poder pode "interferir" no outro, desde que haja autorização da Constituição para tanto.
A idéia, ademais, é a de que a Constituição é a fonte legítima de irradiação dos poderes do Estado, sendo, estes "poderes", nada mais do que uma divisão de atribuições, tarefas, delegadas pela norma jurídica fundamental.
Desta forma, retomando o raciocínio do instituto do mandado de injunção, o pensamento não concretista, baseado supostamente na julgo do princípio da separação dos poderes, de que a tutela correta seria aquele que apenas declara a omissão e notifica o Congresso, não merece acolhida. Tal obstáculo, como se percebe sucumbe quando se entende que por detrás do princípio da separação dos poderes existem outras que, se sopesados, prevalecem.
Acrescente-se a esse arrazoado que há ainda a ser levado em consideração, para o caso do Mandado de Injunção, outro princípio, o do amplo acesso à Justiça, extraído do artigo 5º, XXXV, da CF, demonstrando que a solução deveria ser diferente, ou seja, mais efetiva.
5.1. Avanço do STF quanto à aplicação da tutela jurisdicional adequada no Mandado de Injunção
Corroborando a idéia de que deve haver um avanço da tutela jurisdicional prestada, o STF recentemente trouxe a tona novamente a discussão sobre qual deveria ser o provimento jurisdicional aplicável ao mandado de injunção.
No mandado de injunção 543, impetrado com fundamento na mora do Congresso Nacional em regulamentar o §3°, do artigo 8°, da ADCT, o causídico que o subscreveu pleiteou no STF a reparação pecuniária consistente no pagamento dos valores que os impetrantes teriam direito caso não tivesse sido atingidos por atos institucionais de exceção, informando, outrossim, que para o caso não era mais necessário declarar a mora do Congresso e interpela-lo para elaboração da lei exigida, já que em outro instrumento mandamental aquela Corte já havia feito a mesma coisa.
Pois bem, diante do caso concreto, os Ministros do STF ampliaram o alcance da tutela jurisdicional do mandado de injunção, dando-a, desta forma, maior efetividade no plano prático, não obstante, falte um longo caminho para sua plena utilização.
A título de exemplo dos avanços trazidos no referido mandado de injunção, todos os Ministros se posicionaram pela desnecessidade de declaração de mora do Congresso Nacional e, conseqüentemente, de sua interpelação. Apesar de deixarem bem claro que este entendimento só se aplicava aos casos em que a norma já havia sido objeto de mandado de injunção.
Num segundo momento divergiram os Ministros quanto aos resultados práticos do mandado de injunção. Formaram-se novamente duas correntes: aqueles que pretendia dar total eficácia ao instrumento mandamental, entregando de imediato o bem de vida almejado pelos impetrantes e aqueles que reconheciam o direito ao bem de vida, entretanto, remetia os impetrantes às instancias ordinárias para busca-lo.
Em que pese ser o posicionamento esposado na segunda corrente mais eficaz e social, ambas as correntes fazem com que seja criada para o caso concreto uma norma temporária que supre a ausência legal. Em outras palavras, os posicionamentos adotados pelo STF nos autos desse Mandado de Injunção levam em consideração a necessidade de uma tutela jurisdicional adequada. Começa-se a entender que deve haver uma necessária conjugação entre os princípios da separação dos poderes, que não é absoluto, e a ampliação do acesso à justiça.
De fato, a meu sentir, parece que se analisado sob o prisma da tutela jurisdicional adequada, a corrente que estabelece ser possível por meio do mandado de injunção entregar ao jurisdicionado o próprio bem de vida almejada é a mais adequada, posto que, satisfaz imediatamente o direito da parte, concretizando, portanto, o princípio do efetivo acesso à justiça.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das colocações apresentadas nesse trabalho, percebe-se que algumas considerações devem ser levantadas:
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Para se iniciar as discussões sobre a tutela jurisdicional adequada do Mandado de Injunção, os intérpretes devem estar fulcrados em duas premissas: a primeira é a de que o instituto constitui garantia constitucional, lapidada no artigo 5º, LXXI, da CF, portanto, na forma do parágrafo primeiro deste mesmo artigo, deve ser-lhe dada aplicação imediata e a segunda é que a interpretação da tutela jurisdicional do Mandado de Injunção deve ser a mais ampla possível, posto estarmos interpretando uma norma inserida no núcleo duro da Constituição de 1988 como cláusula pétrea.
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O Intérprete da norma constitucional também deve ter a premissa de que a tutela jurisdicional efetiva do Mandado de Injunção, dada pelo STF, com a possibilidade de criação de norma temporária para o caso concreto, não fere o princípio da separação dos poderes. Isto porque, a amplitude do referido princípio permite que haja uma mútua fiscalização de um poder sobre o outro, ou seja, permite que se aplique o princípio dos freios e contrapesos, visando evitar o absolutismo de um poder.
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No terceiro momento do processo de interpretação, cabe ao intérprete associar, de forma a maximizar, tanto a norma que cria o Mandado de Injunção quanto àquele que prevê a amplíssima tutela jurisdicional, ou o amplo acesso à Justiça.
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Com isso, no processo de raciocínio silogístico, com os acréscimos de uma concepção ideológica de acesso à justiça material, pode se chegar às teses de que, primeiro, o mandado de injunção precisa de uma tutela jurisdicional adequada, depois, a tutela jurisdicional adequada consistiria na criação de uma norma temporária aplicável à situação concreta de imediato.
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Notas
1 STF – Pleno – MS n° 22.164/SP – Rel. Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206.
2 Apud José Afonso da Silva pág. 189.1999.
3 CANOTILHO. J.J Gomes. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 367.
4 Mandado de Injunção n° 372-6. Rel. Ministro Celso de Melo, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1994, p. 25.325.
5 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 15ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 1999.
6 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004. p 132
7 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4ª ed. Ed. Malheiros. São Paulo – 2000, p. 191.
8 §3° - Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério do Aeronáutica n. S-50-CM5, de 19 de junho de 1994, e n. S-285-GM5, será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser a lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.