O medo do novo e os requisitos do acordo de não persecução penal e do acordo de não continuidade da persecução penal

22/03/2019 às 23:09
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Novas ideias sempre causam medo e divergências, isso é natural, porque o novo revela o desconhecido e a constatação das nossas eternas ignorâncias, estas podem ser elididas se tivermos a condição de antes de criticar o novo, formos capazes de conhecer.

  1. Introdução:

Novas ideias sempre causam medo e divergências, isso é natural, porque o novo revela o desconhecido e a constatação das nossas eternas ignorâncias, estas podem ser elididas se tivermos a condição de antes de criticar o novo, formos capazes de tentar conhecê-lo. (francisco dirceu barros).

Discorre Douglas Husak que poucos autores, bem informados, estão dispostos a sustentar que a negociação da pena é uma instituição justa. Essa prática foi denunciada como “absolutamente e fundamentalmente imoral”, “um desastre”, “injusta e irracional” e “indignante”. Presumivelmente, a negociação da pena sobrevive porque ninguém sabe como o sistema penal americano poderia funcionar sem ela. A injustiça mais patente se produz quando aqueles que admitem a responsabilidade não violaram a lei de nenhum modo (não cometeram delito), mesmo que seja impossível saber o percentual dos que são, de fato, inocentes das acusações.            O que se sabe, entretanto, é que a negociação da pena contém características estruturais que fazem que se encontre “maravilhosamente desenhada para assegurar a condenação de inocentes”.[1]

Ousamos discordar do renomado autor, porque o sistema de acordos que será adotado pelo Brasil, cria requisitos que tornam, praticamente, impossível que o acordo seja efetivado com pessoas que não violaram a lei de algum modo, a apressada crítica que fazem aos acordos penais previstos no Projeto anticrime, apresentado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro, é baseada no direito alienígena.

No Brasil, teremos um sistema de acordos totalmente diferente do plea bargain americano, do Absprachen alemão e do Patteggiamento italiano, portanto, no nosso sistema, para efetividade do acordo de não persecução penal e o acordo de não continuidade da persecução penal, a proposta deve ser regida por quatro requisitos cumulativos.

  1. VOLUNTARIEDADE OBJETIVA:

O acordo não pode ser realizado por meio de violência física real ou outra técnica de manipulação que a vicie a livre manifestação de vontade do acusado.

É imprescindível, sob pena de nulidade, que o mesmo seja sempre realizado na presença do defensor do acordante.

Defendemos que para dar maior efetividade ao requisito da voluntariedade objetiva, o acordo deve ser sempre gravado em mídia e, antes da assinatura, ser lido pelas partes.

  1. INFORMAÇÃO INTEGRAL

O acordante deve ser informado:

  1. A imputação formulada pelo Ministério público ou querelante;
  2. Consequências máximas dos fatos imputados;
  3. Não obrigatoriedade do acordo;
  4. Benefícios ato de aceite à barganha;
  5. Quais direitos o acordante irá renunciar;
  6. Qual será a punição a ser imposta;
  7. Todas as demais condições do acordo;
  8. Consequência do descumprimento do acordo;
  9. Data de início e final do cumprimento do acordo;
  10.  Outras informações em consonância com o caso concreto.

  1. INDÍCIOS CRIMINAIS VEEMENTES

A maior crítica que faz ao plea bargain americano é a possibilidade do mesmo imputar penas à inocentes, tal risco não é imunizado pelo processo penal tradicional em que todos os direitos e garantias são assegurados aos acusados e mesmo assim ainda convivemos com a possibilidade de erros judiciários.

No Brasil, a adoção do acordo de não persecução penal e do acordo de não continuidade da persecução penal, a hipótese de imputação de penas a inocentes é arrefecida com a adoção do requisito dos “Indícios criminais veementes”.

Com adoção do requisito dos “Indícios criminais veementes” os acordos passam por um grande filtro, qual seja, só será possível a formulação da proposta de acordo, quando já houver indícios veementes de autoria e prova real da materialidade.

Essa exigência é implícita no acordo de não persecução penal ( Artigo 28-A:“Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado circunstanciadamente a prática de infração penal ...”)  e expressa no acordo de não continuidade da ação penal em que só será possível após o recebimento da denúncia (Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa...).

  1. CORRELAÇÃO OU CONGRUÊNCIA ENTRE FATOS NARRADOS E PENA ACORDADA.

No modelo norte-americano, pode o Ministério Público negociar não apenas a pena do acusado, mas também os fatos e imputações que lhe serão direcionadas.

No acordo de não continuidade da persecução penal brasileiro (Art. 395-A), os fatos e a imputação não podem ser negociados, os mesmos já foram antecipadamente submetidas ao juízo de admissibilidade. A lei é bem clara:

Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas.

Se pela confissão do acusado ou surgir outra elementar desconfigurativa do tipo penal antes do início da instrução, o Ministério Público ou o querelante deverão aditar a exordial com escopo de apresentar a proposta de acordo adequada aos fatos narrados.

Neste caso, a proposta só poderá ser efetivada após o recebimento do aditamento.

O chamado de princípio da congruência representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, visto que assegura ao acusado ou querelado, não fazer um acordo por fatos não descritos na peça acusatória, é dizer, o réu sempre terá a oportunidade de exercer, plenamente, o contraditório e a ampla defesa e acordar a pena em limites proporcionais aos limites fáticos.

No acordo de não persecução penal (Art. 28-A), também não poderá ser realizado por fatos não constante no inquérito ou PIC.

Em resumo, deverá haver total correlação dos fatos narrados na investigação ou na denúncia ou queixa e futura pena a ser negociada.

Conforme é possível depreender-se dos requisitos em comento, o sistema de acordos criminais que será adotado pelo Brasil, aproveita a experiência estrangeira, mas adota requisitos que elidirá muito a possibilidade do cometimento de injustiças.

[1] HUSAK, Douglas. Sobrecriminalización. Los límites del Derecho Penal. Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 66. Apud, André Luis Callegari, no artigo “ A injustiça do modelo americano de plea bargain”, postado no https://www.conjur.com.br/2019-jan-10/andre-callegari-injustica-modelo-americano-plea-bargain#_ftn7, acesso em 10-03-2019.

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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