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Estudo comparativo dos regimes excepcionais no Brasil e na França.

Estados de defesa, urgência e sítio

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14/09/2005 às 00:00
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3 – Conclusão

            Os regimes de aplicação excepcional têm uma importantíssima função de reafirmação do poder do Estado em situações em que as instituições democráticas se encontram fragilizadas ou quando se ameaça a própria existência do Estado. Situações de calamidade pública podem levar a uma paralisia governamental, sobretudo em virtude do demorado procedimento democrático de tomada de decisões. Por essa razão, justifica-se a concentração de poderes no Poder Executivo para enfrentar situações emergenciais.

            Nesse contexto, determinados direitos passam a sofrer limitações temporárias, colocando-se o "bem comum" em posição privilegiada frente às garantias individuais como a liberdade de locomoção, de reunião e de livre expressão do pensamento.

            Algumas dessas restrições são absolutamente indispensáveis ao bom exercício da função de reafirmação do Estado e, por essa razão, repetem-se nos ordenamentos estudados. A importância da análise dos regimes de exceção reside no conhecimento dos meios colocados à disposição do Estado em situações de verdadeira ameaça, para que não se possa incorporar tais espécies de restrições no ordenamento jurídico em momentos de normalidade. O argumento da emergência leva à supressão da análise ponderada e refletida das medidas adotadas e, portanto, somente se legitima em situações-limite, como são aquelas expressamente previstas para a decretação dos Estados de Defesa, Urgência ou Sítio.

            Por outro lado, a utilização do discurso de emergência nas práticas estatais durante momentos de normalidade, uma vez incorporada à atuação estatal solapa instituições como o Estado de Direito e a democracia, levando ao questionamento dos padrões de justiça, eqüidade e decência que pretendemos utilizar para a construção da sociedade brasileira [10]. O uso continuado do discurso de emergência (emprestado das situações excepcionais que justificam a adoção de graves restrições) faz com que a segurança se transforme no único critério da legitimação política.

            Outrossim, é preciso impedir que haja abuso no exercício desses poderes de reafirmação do poder governamental; em outras palavras, é necessário buscar um equilíbrio para que o Estado não se encontre em posição de fraqueza quando surgir uma necessidade imediata, mas que os poderes conferidos não o tornem forte demais com o passar do tempo. Embora tanto o Brasil como a França disponham de instrumentos para o controle do Executivo pelo Legislativo, há mecanismos mais elaborados.

            Um exemplo seria a exigência de quoruns crescentes para a aprovação das contínuas renovações dos regimes excepcionais. No Brasil, há exigência de maioria absoluta ao passo que na França não há disposição expressa, presumindo-se, portanto, a maioria simples dos votos do Parlamento. A adoção de um mecanismo que exigisse constantes renovações, em breves intervalos, e mediante crescentes percentuais de aprovação parlamentar seria mais eficiente para impedir a instituição de um estado de emergência permanente (característica dos totalitarismos modernos).

            A reafirmação dos ideais iluministas de limitação dos poderes e de sua legitimação a partir da liberdade individual afigura-se na atualidade uma necessidade imperiosa. O pensamento da segurança carrega dentro dele um risco essencial. Um estado que tenha a segurança como sua única tarefa e fonte da legitimidade é um organismo frágil; pode sempre ser provocado pelo terrorismo para tornar-se, ele próprio, terrorista.


4 – Bibliografia

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            FRANCO, Afonso Arinos de Melo: Direito de segurança – segurança do Estado e segurança do cidadão. In __________. O som do outro sino: um breviário liberal. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1978.

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            HARIOU, André: Derecho Constitucional e instituições políticas. Barcelona: Ariel, 1971 (trad. José Antonio Gonzalez Casanova).

            HORTA, Raul Machado: Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

            LEITE, Georgte Salomão (org.): Dos princípios constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.

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            TEMER, Michel: Elementos de direito constitucional. São Paulo: RT, 1989.


Notas

            01

- Essa concepção não é unânime e a diferença reside justamente na possibilidade de que um instituto jurídico substitua (ainda que de forma momentânea e ocasional, numa situação de crise) o sistema constitucional de legalidade por outro sistema de "legalidade extraordinária". José Joaquim Gomes Conotilho (1993: 1146) afirma que "o regime das situações de excepção não significa suspensão da constituição (excepção da constituição), mas sim um regime extraordinário incorporado na constituição e válido para situações de anormalidade constitucional". Por outro lado, Afonso Arinos de Melo Franco (1981: 319) recorre ao direito comparado para afirmar que esses institutos constituem uma situação de "excepcionalidade jurídica", ou seja, algo que está fora do jurídico.

            02

- Confira-se, a respeito, a excelente obra de Giorgio Agamben "Estado de Exceção" (São Paulo: Boitempo, 2004).

            03

- Sobre os riscos que esse fenômeno traz para o Estado Democrático de Direito remete-se às obras de Bruce Ackerman "The Emergency Constitution" (New Haven: Yale Law Journal. Volume 113, Issue 5, 2004) e Gilberto Bercovici "Constituição e estado de exceção permanente" (São Paulo: Azougue, 2004).

            04

- Toda a legislação brasileira pode ser encontrada no sítio da internet http://www.planalto.gov.br e a francesa no http://www.legifrance.gouv.fr.

            05

- Embora o "Estado de Guerra" não esteja presente na Constituição de 1988 e em nenhum outro diploma legal, esse instituto jurídico fez parte do ordenamento jurídico brasileiro durante a vigência das Constituições de 1934 (art. 161), de 1937 (art. 166, alínea 2a) e de 1946 (art. 206, II). A Constituição Imperial de 1824 previa um instituto de suspensão de direitos e garantias semelhante aos dos regimes de aplicação excepcional estudados, porém inominado (art. 179, inc. 34 e 35) ao passo que a Constituição Republicana de 1891 falava apenas em Estado de Sítio (art. 80), como também a Constituição outorgada após o golpe militar em 1967 (art. 152).

            06

- A possibilidade de atribuição de poder ao Executivo dissociada de limitações e condições prévias e dotada de enorme vagueza reforça em grande medida a incompatibilidade desses tipos de mecanismos instituidores de regimes de aplicação excepcional com a ordem jurídica, como bem observou Georges Burdeau, citado por Afonso Arinos de Melo Franco (1981: 322): "A doutrina e as instituições jurídicas abriram espaço às circunstâncias excepcionais, por exigência do nosso tempo. O princípio da legalidade atenuou-se de tal sorte que entre o legal e o ilegal se insinuou uma categoria nova: o tolerável. Mas este tolerável não aparece senão porque ele é indispensável e porque ele se impõe em circunstâncias completamente singulares". O risco que tal disposição legal representa para as instituições democráticas é destacado também pelos constitucionalistas brasileiros. Pinto Ferreira (1968: 637) narra que o "Estado de Guerra" (vide nota anterior) foi enxertado na Constituição de 1934 por meio da Emenda n° 1 e, porquanto sua decretação dispensava e existência efetiva de uma guerra além de não possuir os mesmos controles do Estado de Sítio, essa emenda "foi a crisálida do golpe de Estado e da Constituição de 1937".

            07

- Vide nota n° 9, abaixo.

            08

- "O Conselho da República é presidido pelo Presidente da República e dele participam: I - o Vice-Presidente da República; II - o Presidente da Câmara dos Deputados; III - o Presidente do Senado Federal; IV - os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados, designados na forma regimental; V - os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal, designado na forma regimental; VI - o Ministro da Justiça; VII - 6 (seis) cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 (trinta e cinco) anos de idade, todos com mandato de 3 (três) anos, vedada a recondução, sendo: a) 2 (dois) nomeados pelo Presidente da República; b) 2 (dois) eleitos pelo Senado Federal: e c) 2 (dois) eleitos pela Câmara dos Deputados." (Art. 3º, da Lei n° 8.041/90)

            "O Conselho de Defesa Nacional é presidido pelo Presidente da República e dele participam como membros natos: I - o Vice-Presidente da República; II - o Presidente da Câmara dos Deputados; III - o Presidente do Senado Federal; IV - o Ministro da Justiça; V - o Ministro da Marinha; VI - o Ministro do Exército; VII - o Ministro das Relações Exteriores; VIII - o Ministro da Aeronáutica; IX - o Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento. § 1° O Presidente da República poderá designar membros eventuais para as reuniões do Conselho de Defesa Nacional, conforme a matéria a ser apreciada. § 2° O Conselho de Defesa Nacional poderá contar com órgãos complementares necessários ao desempenho de sua competência constitucional. § 3° O Conselho de Defesa Nacional terá uma Secretaria-Geral para execução das atividades permanentes necessárias ao exercício de sua competência constitucional" (Art. 2°, da Lei n° 8.183/91)

            09

- Georges Burdeau (1974: 623) relata a tentativa do chefe do Executivo francês de decretar o estado excepcional inominado a que alude o art. 16 para neutralizar a oposição política enfrentada no parlamento. A iniciativa, contudo, restou frustrada pela reação de determinados políticos, talvez porque se trate do único regime excepcional francês que pressupõe consulta prévia a outros órgãos para decretação.

            10

- Art. 3°, CF "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária".
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Sobre o autor
Thiago Bottino do Amaral

advogado criminalista no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Thiago Bottino. Estudo comparativo dos regimes excepcionais no Brasil e na França.: Estados de defesa, urgência e sítio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 803, 14 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7292. Acesso em: 25 nov. 2024.

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