Abstract: This paper discusses several issues at the impact of cognitive neuroscience have to do with the current theoretical and methodological edifice of juridical science. Localizing the brain correlates related to moral judgments, using neuroimage techniques (and also studies on brain lesions), seems to be, without doubt, one of the big events in the history of the normative social sciences.The best neuroscientific model of normative judgment available today establishes that the ethical-cerebral law operator counts on, in his neural evaluative-affective systems, a permanent presence of requirements, obligations and strategies, with a "should be" that incorporates internally rational and emotional reasons, that are constitutively integrated in all the activities at the practical, theoretical and normal levels of every process of exercising the law.
Se soubessemos o que é a inteligência, já seja animal ou humana, poderíamos talvez colocar-nos a tarefa de rastrear sua evolução. O certo é que o requisito prévio não se cumpre. "Inteligência", da mesma forma que "mente", "pensamento", "vontade", "intenção" e a maior parte das palavras que utilizamos para falar das ações correntes de qualquer ser humano são conceitos de sentido comum: os utilizamos aceitando a vacuidade de seus significados na medida em que, fazendo uso da introspecção, todos somos capazes de entender a que se referem. Definem, pois, uma condição, uma maneira de ser e obrar como "humano", e que os filósofos levam séculos utilizando a guisa de ponto de partida para construir os sistemas ontológicos de que se ocupa a antropologia filosófica.
O sentido técnico de "inteligência" – ou de qualquer outro dos termos mencionados – é outro. O autor que já estudou com maior profundidade e sutileza os fenômenos mentais humanos buscando realizar um modelo técnico de sua estrutura, Noam Chomsky – seguindo a Hilary Putnam –, sustenta inclusive que quando nos referimos a esses aspectos do que supõe um "ser humano" não é possível ir mais além de uma folk psichology, quer dizer, das aproximações de sentido comum (Chomsky, 1992). Mas, se é assim, então nem sequer o ponto de partida está bem definido. Como poderíamos avançar na busca filogenética de algo que não sabemos exatamente o que é?
Por fortuna as ciências cognitivas têm vindo em nossa ajuda. Graças a elas contamos com uma definição técnica de "mente". A mente é um estado funcional do cérebro, coisa que nos permite não somente estabelecer os correlatos cerebrais da linguagem senão também, como veremos mais adiante, os de outras faculdades mentais. A inteligência cabe entendê-la, portanto, como uma determinada forma de encadear: (I) informações perceptivas – inputs – (II) elementos existentes no armazém da memória para dar sentido a essas percepções e, por fim, (III) ações motoras – outputs. Dito assim, o esquema parece muito simples, embora não o seja de fato.
O modelo de atribuição de estados mentais a outros seres para valorar suas atitudes e suas possíveis reações a nossas respostas motoras, quer dizer, a chamada teoria dos sistemas intencionais que enunciou o filósofo Daniel Dennett (1979; 1987), indica que certos primatas entre os que nos encontramos – mas não somente – alcançam estágios muito complexos de ordem intencional. Pouco a pouco começamos inclusive a entender como são os correlatos cerebrais de tais processos cognitivos.
Cantamos vitória já? Nem por assomo. É provável que saibamos encurtar mais o campo da inteligência/mente/cérebro, mas isso não significa poder dizer como evolucionou.
Dar por boa uma afirmação e explicá-la descrevendo a maneira como se produziu seu trânsito filogenético são propósitos muito diferentes. Não custa muito trabalho aceitar que a vida começou neste planeta há aproximadamente 3.500 milhões de anos, mas daí tão pouco se deduz que seja uma tarefa fácil indicar como apareceram as primeiras moléculas auto-replicantes.
De uma maneira parecida, não custa nenhum trabalho aceitar que a mente humana inclui a autoconsciência. O próprio Descartes construiu seu sistema filosófico a partir dessa afirmação axiomática que o filósofo francês considerava evidente em si mesma. Mas explicar como se produziu a evolução do conjunto mente/cérebro até chegar às capacidades humanas que denominamos com maior ênfase "inteligentes" – como a linguagem de dupla articulação, a moral complexa e a estética a guisa de traços derivados, próprios e distintivos dessa forma de ser do Homo sapiens – supõe e levanta dificuldades ingentes.
Tanto como para que Richard Lewontin concluisse, ao princípio de um texto seu dedicado a tratar da evolução da mente, que: "If it were our purpose in this chapter to say what is actually known about the evolution of human cognition, we could stop at the end of this sentence" (Lewontin, 1990). Sem embargo, o fato de que saibamos muito pouco sobre a evolução da mente humana não implica em absoluto que faltem propostas especulativas acerca de como teve lugar esse processo. Pois bem, vamos examinar algumas "evidências" com o fim de saber em que terreno pisamos ao falar da evolução e função de nosso cérebro, nossa inteligência, nossa consciência ou nossa mente.
Inteligência operativa e inteligência social: intérpretes de condutas
Para começar, parece que nos encontramos com um enigma de dimensões consideráveis. Primeiro, porque são muitas as teorias acerca do excessivo tamanho de nosso misterioso cérebro que, ademais de evolutivamente custoso e de ser o mais complexo dos objetos que se conhecem no universo (quer dizer, conhecido por si mesmo), não descansa nunca, nem sequer durante o sono.
Grande parte das teorias sugere que os avanços tecnológicos e a fabricação de ferramentas impulsionaram a necessidade de um cérebro grande (Wynn, 1979; Tobias, 1987). A pressão exercida pelo processo de seleção, segundo estas teorias, provém do entorno físico e de outros animais, sustentando que o cérebro humano necessitava ser mais sagaz que o de seus predadores e mais apto para enfrentar as dificuldades de um entorno particularmente adverso.
Decerto que as ferramentas representaram uma grande vantagem para acometer o inimigo e um cérebro maior poderia fabricar utensílios melhores ou facilitar a recoleção de alimentos, mas daí sustentar e concluir que o cérebro deva ser tão desmesuradamente grande como para levar a cabo este tipo de cometido vai uma grande distância. Depois, se a complexidade cerebral é uma função da complexidade instrumental, então os modelos de evolução do conjunto cérebro/inteligência técnica não estão tratando de descrever a filogênese da inteligência senão a evolução dos próprios instrumentos líticos.
Por conseguinte, parece razoável supor que algo distinto motivou o aumento do tamanho de nossa arquitetura cerebral, uma vez que a correlação inteligência/capacidade de fabricação não está demonstrada mais além de qualquer dúvida razoável. Na verdade, essas dúvidas existem e persistem. O tecido cerebral é, para dizer com uma expressão afortunada de Leslie Aiello, muito custoso (Aiello & Wheeler, 1995). São muitos os recursos biológicos e energéticos que há que investir para obter os grandes cérebros que a pressão seletiva impôs no Homo.
Assim que, se não é a complexidade instrumental a responsável de manter essa pressão, quer dizer, tendo por acertada a hipótese de que a inteligência operativa, por si só, não é suficiente para justificar o alto custo da evolução de nosso cérebro (e que também sequer cabe pensar que o mesmo ocorrera de forma acidental), o problema então passa a ser o seguinte: a que tarefa cognitiva há que atribuir o êxito adaptativo dos cérebros que aumentam de tamanho e, segundo cremos, de complexidade, um êxito mais que necessário para justificar o incremento de um tecido cerebral tão custoso?
Uma possível resposta a esta pergunta foi antecipada por Nicholas Humphrey há algum tempo: os cérebros se tornaram grandes e complicados para poder entender as regras muito complexas de convivência social (Humphrey, 1976). Com um detalhe a mais: a aparição na filogênese de inteligências capazes de entender tais regras deve ter sucedido antes da separação das linhagens que conduzem respectivamente a Pan y Homo. Nada nos autoriza a supor que a vida social dos chimpanzés é simples.
Dir-se-ia, pois, que uma das principais pressões que conduziram aos humanos a evolucionar na forma em que o fizeram foram os próprios humanos em sua dimensão social. É deveras mais difícil, desde logo, poder predizer o comportamento do próximo que o calendário anual que, por si mesmo, se repete sistematicamente com o passo dos séculos. A corteza frontal alberga funções como a planificação e a toma de decisões que parecem derivadas mais da necessidade de interagir com os membros de um grupo social complexo que da resolução de outros problemas relacionados com o meio ambiente. E de ser assim, é muito provável que a melhor razão existente do grande desenvolvimento neocortical do Homo sapiens deva referir-se a um fenômeno cognitivo ligado ao reconhecimento do outro e à valoração de sua conduta: a inteligência social.
Seguindo o modelo de Dennett (1987), as estratégias que mantém qualquer indivíduo pertencente a uma comunidade na qual se encontra congêneres seus – ou, em geral, qualquer indivíduo A que interaja com outro B – dependem da maneira como A considera que sua própria conduta influirá no que faça B. Os cálculos podem chegar a ser tão complicados no vaivém das expectativas como os que realiza um jogador de xadrez antecipando os movimentos. Está claro, pois, que se alguns primatas são capazes de avaliar o mundo e seu papel nele dessa maneira, as doses de "inteligência" que necessitam com respeito a essas tarefas cognitivas são notáveis.
O conceito de inteligência maquiavélica intenta expressar o rango de processamentos cognitivos necessários para toda espécie que alcance o sistema intencional de terceira ordem proposto por Dennett, em que o indivíduo A atribuiria a aquele outro B com o qual interage a possessão de uma mente o bastante complexa como para albergar desejos e crenças acerca do próprio A. De tal maneira, se supõe que A atuará da menor maneira possível para lograr que B interprete sua conduta – a de A – da forma que A prefere. Somos atores sociais, viria a ser a conclusão, e desejamos manipular aos outros. Mas: quem somos esses "nós"? Os humanos tão somente? O conjunto de humanos e chimpanzés?
O grupo irmão do conjunto Pan+Homo, quer dizer, o grupo biológico mais estreitamente emparentado conosco e os chimpanzés é o gênero Gorila. Os gorilas mantêm grupos sociais com um macho dominante, várias fêmeas e as crias correspondentes, assim que parece que necessitariam um nível de inteligência maquiavélica similar. Os orangotangos, Pongo, são, pelo contrário, animais solitários no que respeita aos machos. Sem embargo, estabelecer aí a barreira da maior inteligência parece ser um tanto quanto inadequado. Sarah Brosnan e Frans de Waal indicaram mediante um experimento muito elegante como os monos capuchinos, Cebus apella, dispõem de um sentido agudo da justiça.
Em condições experimentais, aprendem a intercambiar fichas por comida com seus cuidadores humanos, mas se negam a fazê-lo se o trato oferecido é pior do que aquele com que se brinda a outro mono cujo intercâmbio é por ele contemplado e avaliado (Brosnan & De Waal, 2003). Este descobrimento de que os monos capuchinos estão dispostos a intercambiar fichas por comida mas somente quando o trato é similar ao que se dá a outros indivíduos do grupo abre um amplo campo de possibilidades de estudo que pode relacionar-se à perfeição com as idéias dos etólogos e psicólogos (como Humphrey, 1976) acerca do "porquê" do aparecimento dos grandes cérebros dos primatas.
Com efeito, uma conduta desse estilo põe de manifesto alguma que outra chave interessante acerca do componente emotivo da inteligência e seu peso nos processos de toma de decisões e das ações que levamos a cabo. Coloca-nos diante do fato, por exemplo, que já vai sendo hora de cambiar os modelos matemáticos que descrevem o comportamento humano em termos de cálculo e decisão, com o fim de introduzir neles a variável emotiva. Mas pelo momento não sabemos como fazê-lo, provavelmente porque tão pouco pareça possível dizer-se que saibamos demasiado acerca da maneira como nossos cérebros relacionam sentimentos e juízos.
Modularidade mental
Como o fazem? Um dos aspectos mais complexos e por sua vez mais interessantes para qualquer investigação que se proponha ao estudo das funções do cérebro humano é o caráter modular deste. A idéia de que uma mente é modular implica que os processos mentais estao de alguma forma compartimentados já desde o momento do nascimento, quer dizer, que existem estruturas inatas que definem certos domínios especializados no cérebro por meio dos quais se vai a produzir o conhecimento. A modularidade mental implica, assim, uma estrutura na qual se integram diferentes sistemas do pensamento ou redes neuronais que enlaçam zonas diversas do cérebro. Chomsky fala de vários "órgãos mentais" que se desenvolvem cada um de maneira específica de acordo com o programa genético, da mesma forma como o que ocorre com o desenvolvimento dos demais os órgãos do corpo (Chomsky, 1980). De fato, a proposta hipotética mais decidida e acabada acerca da existência de módulos cerebrais encarregados do processamento de determinadas funções mentais foi realizada dentro do denominado "funcionalismo cognitivo" de Fodor e Chomsky.
Pese as grandes diferenças que levanta a teoria modular de um e outro autor (Cela Conde & Marty, 1998), os principais pontos comuns que cabe considerar para os efeitos deste artigo são: (1) a mente é um estado funcional do cérebro (coisa que implica negar qualquer dualismo que, como o cartesiano, outorgue à mente um estatuto ontológico separado do biológico próprio do cérebro e independente dele); (2) os acontecimentos cerebrais que conduzem às funções mentais o fazem mediante processos computacionais (se baseiam, pois, no estado "ativado" ou "desativado" dos elementos básicos que se interconectam: os neurônios); (3) cada função cognitiva pode considerar-se um "módulo" de nossa arquitetura mental (o equivalente de um "órgão" cujo domínio é específico: linguagem, capacidade numérica, etc.); (4) os módulos funcionam a partir de componentes cerebrais em grande medida inatos (ainda que necessitem de elementos ambientais para chegar, durante a ontogênese do indivíduo, à maturidade dos órgãos mentais).
A modularidade mental tem sido entendida de maneira muito diversa, como dissemos, pelos distintos autores do funcionalismo computacional. A proposta mais interessante aos efeitos do que aqui se aborda é o de Noam Chomsky, por duas razões. A primeira, que sua arquitetura cognitiva é compatível em boa medida com os descobrimentos das neurociências. A segunda, muito relacionada com a anterior, que se dispõe de algumas descrições empíricas acerca dos componentes neurológicos de tais órgãos mentais. Mas antes de entrar neles parece interessante detener-nos a considerar um aspecto crucial: o da interação entre os processos cerebrais e o entorno formado, pelo que a nossa espécie se refere, por um grupo em estreita convivência social.
Detenhámo-nos na consideração de uma função mental muito bem conhecida: a da linguagem. O modelo chomskiano de desenvolvimento da competência lingüística passa pela presença nos componentes genéticos da natureza humana de umas capacidades que outorgam a qualquer recém nascido à possibilidade de desenvolver uma língua determinada. Esses componentes têm que ser tão potentes e completos como para permitir que a linguagem criadora de grande precisão sintática e semântica se logre em um tempo muito breve – uns poucos anos – e sem um programa específico de ensino. Mas os componentes inatos não podem ser tão amplos como para impor a gramática de uma língua em particular. Qualquer criança, da etnia que seja, aprenderá a língua do grupo en cujo seio cresce. A dimensão social da linguagem impõe, pois, suas pautas.
Cabe extender o mesmo modelo de desenvolvimento de competências a outros módulos/órgãos mentais? A resposta parece ser afirmativa. O cérebro alcança sua maturidade durante a ontogenia também pelo que respeita a qualquer outro módulo ou "órgão" mental, e não somente o da linguagem. Parece razoável admitir, portanto, que nossas valorações são, em boa medida, o resultado de dois domínios em permanente estado de interação: (A) um conjunto de determinações genéticas que nos estimulam a manter atitudes morais, a avaliar e preferir, e que pertence ao genoma comum de nossa espécie; e (B) um conjunto de valores morais do grupo que é uma construção cultural, de tal forma que dita construção (e a transmissão) dos valores tem lugar de maneira histórica em cada sociedade e em cada época.
Da interação resulta um universo de preferências que não é livre de tomar qualquer caminho. Nossas valorações resultam determinadas a grandes traços pela tendência inata a determinadas condutas, que pode considerar-se a verdadeira fonte dos valores humanos. E parece importante ter esta circunstância em boa conta porque as valorações morais e jurídicas compartidas são as que têm mais probabilidades de êxito no contexto de uma existência essencialmente social, muito particularmente à hora de criar e adequar os preceitos éticos e normativos.
Como sustenta Damasio (2001), os valores éticos constituem estratégias adquiridas para a sobrevivência dos indivíduos de nossa espécie, mas tais habilidades adquiridas encontram um apoio neurofisiológico nos sistemas neuronais de base que executam as condutas instintivas. Os processos cerebrais que têm uma relação com as emoções estão profundamente articulados com os que realizam cálculos de avaliação, mediante o estabelecimento de redes neuronais que conectam o lóbulo frontal com o sistema límbico. Assim que se o juízo moral e ético-jurídico está baseado em raciocínios que provocam cálculos de avaliação, mas também em emoções e sentimentos morais produzidos pelo cérebro, não pode ser considerado como totalmente independente da constituição e do funcionamento deste órgão cuja gênese e aquisição deverá então ser reintegrada na história evolutiva própria de nossa espécie.
Sigamos, pois, por essa linha apontada. Os traços que, ademais da linguagem, distinguem melhor aos seres humanos dos outros primatas são o juízo moral, a estética e as crenças religiosas – para deixar de lado outros também notórios como o sentido musical. Pois bem, os dois primeiros já contam com evidências experimentais acerca de quais são os correlatos cerebrais dos processos cognitivos que subjacem à ética e a estética. Trataremos aquí dos correlatos que no cérebro parecem ditar o sentido do comportamento moral e da justiça, tratando de relacionar e delimitar as possíveis implicações dessas evidências com o atual problema metodológico da interpretação jurídica.
O órgão da moral I: processadores de juízos
A melhor confirmação do papel que joga a emotividade ao enfrentar-se qualquer ser humano com problemas relativos a dilemas morais e aos processos de toma de decisão chegou por meio das investigações levadas a cabo pela neurociência cognitiva.
Desde que Hanna Damasio e seus colaboradores ressuscitaram o caso de Phineas Gage, o engenheiro que, no século XIX, sofreu lesões cerebrais que não lhe mataram mas que arruinaram sua vida por lhe haverem provocado déficits na toma de decisões (1994), se pôs de manifesto a importância das conexões cerebrais existentes entre o córtex frontal e o sistema límbico para poder levar a cabo uma conduta útil em termos de adaptação social (como expressão sutil do tipo de inteligência própria de nossa espécie, a denominada "hipótese do marcador somático"). Mediante o estudo de pacientes com lesões cerebrais se estabeleceu que a amígdala e outras zonas ventrais do cérebro são elementos necessários à hora de realizar juízos sobre a vida social, ainda que seus papéis respectivos sejam distintos nesse processo (Adolphs, Tranel, & Damasio, 1998; Bechara et al, 1999).
Por sua parte, e graças à técnica da ressonância magnética funcional (fMRI) que mede o consumo de oxígênio provocado pelo trabalho dos neurônios, Alan Sanfey e seus colaboradores (2003) identificaram em sujeitos, esta vez sanos, a ativação de uma zona que está relacionada com as emoções – a ínsula anterior – e outra zona frontal encarregada de múltiplas funções entre as que se encontram os juízos realizados frente às alternativas existentes para a ação — o córtex préfrontal dorsolateral.
Em todos estes estudos se dá por suposto o fato de que o cérebro é o gerador, mediante seus estados funcionais, do que chamamos consciência ou mente. Em realidade não poderia ser de outra maneira: como dizíamos ao princípio, poucos negam hoje em dia que a mente é um estado funcional do cérebro. Mas existe uma diferença sensível entre falar da atividade cerebral em termos vagos e estabelecer quais são as redes neuronais interrelacionadas em um determinado processo cognitivo. Por desgraça a precisão temporal da fMRI não é muito alta, da ordem de entre 2 e 6 segundos, quando os processos de ativação cerebral se medem em milisegundos.
Nesse aspecto, então, o que nos estão indicando a fMRI e a tomografía de emissão de positrons (PET) respeito da ativação cerebral relacionada com juízos que implicam em certa forma o uso de valores morais?
Os resultados dos diferentes estudos já realizados são um tanto dispersos devido, provavelmente, aos diferentes objetivos e supostos de partida dos diferentes grupos de investigadores, coisa que leva a se questionar acerca da validez e adequação de alguns dos desenhos experimentais que lhes serviram de base.
O trabalho de Joshua Greene e colaboradores (2001) se centrou na busca de correlatos neuronais diferenciais para a resolução de dois grupos diferentes de dilemas que se distinguiam pelo modo de chegar a um mesmo resultado. Os exemplos paradigmáticos acerca dos dois tipos diferentes de juízo moral foram os seguintes: um em que os sujeitos se encontram implicados pessoalmente em uma determinada ação (footbridge) e outro que implica uma maior distância pessoal para quem julga a ação (trolley). Greene et al denominam ao primero "moral-personal dilemma" e ao segundo "moral-impersonal dilemma", sendo contudo bastante duvidoso que estas denominações sejam efetivamente as mais adequadas e corretas.
No primeiro caso, de dilema moral impessoal, ao participante no experimento se lhe colocou ante a seguinte situação: dilema tipo trolley – um trem sem controle matará a cinco pessoas se segue seu trajeto. Um sujeito, situado em uma local distante dos fatos, pode desviá-lo, mediante o simples movimento de uma alavanca, para outro trajeto no qual só há uma pessoa, a qual sem dúvida o veículo matará. É correto acionar a alavanca?
No segundo caso (dilema tipo footbridge), de juízo moral pessoal, o dilema segue um guión parecido, com a diferença de qua agora o sujeito está situado em uma ponte sobre a estrada de ferro e tem a seu lado a uma pessoa estranha. Para salvar as cinco pessoas que serão atropeladas o sujeito pode empurrar o estranho desde a ponte para a estrada de ferro – que seguramente morrerá –, detendo assim o trem. É correto obrar assim?
A busca de correlatos neuronais diferenciais teve sua origem em que as respostas aos dilemas por parte dos distintos sujeitos implicados no experimento variavam de maneira substancial. Em resumo, a maior parte dos participantes respondia que no primero caso é apropiado desviar o trem lançando-o em direção ao indivíduo solitário, enquanto que no segundo caso, também de forma maioritária, se opinava que não é apropriado jogar à via ao estranho. Tudo isso pese à obviedade de que o resultado final de ambos dilemas é o mesmo: salvar a vida de cinco pessoas em troca da vida de um só indivíduo.
Para levar a cabo o estudo a equipe de Greene crescentou aos grupos de dilemas tipo trolley – aos que chamou dilemas morais impessoais – e aos tipo footbridge – ou dilemas morais pessoais – um terceiro grupo de dilemas neutros com o propósito de que estes últimos servissem como linha base para comparar os resultados dos outros dois. A heurística utilizada para construir uns e outros foi a de partir dos dilemas paradigmáticos e criar variações sobre eles, processo pelo qual se chegou a estabelecer que os dilemas pessoais deviam conter necessariamente três elementos: 1) implicar um dano corporal; 2) a un individuo ou grupo de individuos particular e 3) de tal forma que o dano não seja uma "desviação" de um dano pré-existente, senão mais bem o resultado da intervenção expressa de quem julga (noção de agência). Os dilemas que carecessem de ao menos um dos elementos anteriores seriam considerados impessoais, de conter juízos morais, ou neutros se se referíam a outro tipo de juízo como pode ser o de utilizar um determinado tipo de ingredientes em uma receita de torta que exige outros.
O interessante não é tanto a resposta que deram os participantes do experimento mas sim as zonas cerebrais que se lhes ativaram de forma distinta quando se enfrentavam aos dilemas morais pessoais, os dilemas morais impessoais e os dilemas sem conteúdo moral. De acordo com os resultados obtidos por Greene e colaboradores (2001), a condição pessoal (footbridge) ativou de maneira significativamente maior o giro medial frontal (áreas de Brodmann – BA – 9 e 10), o giro posterior cingulado (BA 31) e o giro angular nos dois hemisférios (BA 39). Todas essas áreas se consideram relacionadas com o processamento das emoções.
Pelo contrário, os dilemas morais impessoais (trolley) e os neutros moralmente ativaram de maneira significativamente maior o giro medial frontal direito (BA 46) e o lóbulo parietal de ambos hemisférios (BA 7/40), áreas que se relacionam com a memória de trabalho. O resultado indica, pois, uma implicação das emoções nos juízos sobre dilemas pessoais frente ao cálculo presente nos impessoais e os neutros. O trabalho original de Greene e colaboradores foi ampliado mais tarde (Greene et al, 2004) tendo em conta esta vez as respostas dos individuos aos dilemas pessoais, mas sem diferenças dignas de maior comentário.
É possível destacar algumas sombras na interpretação do desenho experimental de Greene e colaboradores (2001). Em primeiro lugar, os correlatos neuronais do juízo associado a dilemas impessoais e neutros foram na prática idênticos com a ressalva de alguns pontos da área BA 7/20 do hemisfério direito. Para completar, o ponto chave onde poderia haver sido possível buscar diferenças adicionias, o córtex orbitofrontal, não se pôde estudá-lo devido a certos artefatos criados pela suscetibilidade magnética. Mas também existem algumas dúvidas de conceito. Ainda que os sujeitos dos experimentos optem por uma solução distinta no caso da alavanca e no da ponte, é mais duvidoso – como sugerem, por outra parte, os próprios autores ao final de seu artigo – que se possa chamar de "impessoal" à ação quando se obriga a sacrificar uma pessoa; e ainda mais digno de suspeita que essas ações impessoais ativem os mesmos circuitos no cérebro que os juízos não morais ao estilo de se é correto utilizar nozes normais em uma receita pensada para nozes de macadâmia. Ou bem a inteligência humana esconde uns certos traços de perversidade e indiferença com relação a sorte de nossos congêneres, ou bem o experimento põe de manifesto chaves mentais distintas a de um juízo moral.
O trabalho de Jorge Moll e colaboradores (2002) ofereceu a tal respeito algumas pistas usando dilemas que implicavam juízos morais (exemplo: o juiz condenou a um inocente), juízos não morais neutros (as crianças obesas devem seguir dieta), juízos não morais mas desagradáveis (limpou a retrete com a língua) e juízos sem nenhum sentido (o turno vital dos sapatos bebidos era irmão). Os juízos morais ativaram o córtex medial orbitofrontal, o polo temporal e o surco temporal superior do hemisfério esquerdo enquanto que os não morais mas desagradáveis o fizeram respeito da amígdala esquerda, o giro lingual e o giro lateral orbital.
Em opinião dos autores, a coincidência neste último caso com as zonas que Greene e colaboradores indicavam como próprias dos juízos morais pessoais aponta à ativação de zonas emotivas não tanto pela necessidade de decidir a moralidade de uma ação como pelas circunstâncias desagradáveis das condutas que se sugerem no experimento, de evidente importância à hora de empurrar a uma pessoa desde uma ponte. Pelo que se refere à ativação ligada ao juízo moral, o trabalho de Moll e colaboradores confirmou pautas já conhecidas como é o da implicação do córtex medial orbitofrontal. Mas o fato de que os juízos morais utilizados não ativassem zonas límbicas e sim zonas ocipitais relacionadas com a visão demonstra a necessidade de se levar a cabo novos experimentos com mais sujeitos e em condições melhor controladas.