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A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro

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08/04/2019 às 15:03
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HISTÓRICO DA TEORIA GERAL DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Coube a Claus Roxin, precursor da teoria, indicar sua árvore genealógica. Segundo ele, quem primeiro introduziu, no âmbito do Direito, o conceito da imputação de uma conduta a um resultado como problema de cunho jurídico (e não naturalístico) foi o civilista Karl Larenz, em 1927. Esse autor definira o conceito de imputação para o Direito em sua tese de doutorado, intitulada A teoria da imputação de Hegel e o conceito de imputação objetiva (Hegels Zurechnunglehreund der Begriff der objektiven Zurechnung). Nessa obra, Larenz demonstra intensa preocupação em estabelecer os pressupostos jurídicos adequados para determinar quais consequências de nossos atos podem nos ser atribuídas como obras nossas e quais são obras do acaso (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

No ano de 1930, Richard Honig trouxe para o direito penal a mesma preocupação de Larenz, em seu artigo Causalidade e imputação objetiva (Kausalitätund objektive Zurechnung). Honig tomou como ponto de partida a polêmica existente entre a teoria da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da causalidade adequada, no que concerne à busca do critério acertado para se atribuir um resultado a uma pessoa. O autor concluiu que a aferição da relação de causalidade material não poderia ser considerada como um dos aspectos centrais da Teoria do Delito. No lugar de pressupostos causalísticos (ou materiais), deveria o jurista valer-se de requisitos jurídicos para se estabelecer um liame entre ação e resultado.

A Teoria da Imputação Objetiva questiona se o Nexo Causal de Causalidade seria um critério adequado. Para Honig, deveriam deixar de aplicar o Nexo de Causalidade e começar a aplicar Critérios Jurídicos de Imputação> Controle do Curso Causal. Em 1970, quando Roxin escreveu seu primeiro trabalho acerca da Imputação Objetiva, Roxin concordou com a idéia de Honig, mas, ele propôs dois critérios. Roxin percebeu que não seria possível abandonar totalmente o Nexo de causalidade (Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais), não há como abrir mão de um mínimo de causalidade. Se não houver Nexo de Causalidade, o agente não responde, porém, se houver Nexo de Causalidade, ai deve-se observar a Imputação Objetiva.

Claus Roxin, no ano de 1970, escreveu suas reflexões sobre a problemática da imputação no direito penal. Neste momento, Roxin utilizou as bases do pensamento de Honig quanto a rejeição da importância da causalidade material, e elaborou bases para a sua visão da Teoria da Imputação Objetiva.

A principal diferença entre a moderna teoria da imputação objetiva (Roxin) e sua concepção original (Larenz e Honig) consiste em que “primeiramente, a formulação moderna trabalha com a ideia de risco, de perigo, ainda não presente de forma explícita nas primeiras construções; em segundo lugar, a formulação moderna desenvolve uma série de critérios de exclusão da imputação, enquanto as teorias primitivas esgotavam-se, fundamentalmente, em excluir os resultados imprevisíveis”, isto é, cuidavam dos chamados “cursos causais extraordinários” (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

Em seu surgimento, em 1930, por criação de Richard Honig, a imputação objetiva estava limitada ao nexo causal, ficando sua incidência restrita aos crimes materiais e comissivos. Atualmente, há uma tendência para ampliá-la a todos os crimes, mediante o entendimento de que qualquer comportamento socialmente padronizado será considerado objetivamente (independentemente de dolo e culpa) atípico (CAPEZ, 2011, p.122). 


TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA SEGUNDO CLAUS ROXIN

Segundo a teoria da imputação objetiva, desenvolvida por ROXIN em 1970, o resultado deve ser imputado ao autor quando ele ultrapassar o risco permitido, criando um perigo não permitido, e esse perigo se concretizar em um resultado que esteja dentro do âmbito de proteção da norma. De acordo com ROXIN, para que o agente seja responsabilizado pelo dano, não basta apenas a existência do nexo de causalidade, como propõe a teoria da equivalência das condições (conditio sinequa non), é necessário, para, além disso, a existência de um nexo, de aumento do risco, o qual seria apurado através dos critérios por ele desenvolvido na teoria da imputação objetiva (SANTOS; BÜRGEL, 2015, p. 308).

O citado autor intenta, em suas primeiras concepções, construir uma teoria geral da imputação objetiva, aplicável aos crimes materiais. Para ele, a imputação objetiva deveria substituir a relação de causalidade, abandonando-se de vez o “dogma da causalidade” (fundado na teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sinequa non) (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

Dito isso, podemos afirmar que a imputação objetiva, na concepção de ROXIN, aqui adotada, fundamenta-se no princípio do risco, segundo o qual um resultado causado por um agente só pode ser imputado ao tipo objetivo se importar a realização de um perigo criado pelo autor, não coberto pelo risco permitido, dentro do alcance do tipo. (ROXIN, Claus. Derecho penal, t.1, p. 364.)

Uma tal imputação objetiva, nos delitos comissivos, é de antemão impossível se o autor não causou o resultado. Quando, por ex.,não se puder comprovar que um determinado medicamento é causa das lesões ocorridas nos pacientes com ele tratados, não se pode considerar que o fabricante do medicamento tenha lesionado alguém.Por causa disso, a teoria do nexo de causalidade (ao menos nos delitos comissivos, os únicos de que aqui se vai tratar) é o fundamento de toda imputação ao tipo objetivo. O primeiro pressuposto de toda realização do tipo é sempre que o autor tenha causado o resultado. Contudo, ao contrário do que antigamente se supunha, para que o tipo objetivo se considere realizado não basta estarem presentes a causalidade e as elementares escritas [...] Como veremos, além do acaso, há outros motivos que podem excluir uma imputação ao tipo objetivo” (ROXIN, 2002, p. 270).


Níveis de Imputação

Inicialmente, para Roxin, a imputação ao tipo objetivo constitui problema ligado aos crimes que exigem resultado desvinculado no tempo e no espaço da conduta do agente.

Um resultado espaço-temporalmente distinto da ação do autor. Nos delitos de simples atividade, como a violação do domicílio (§123) ou o falso testemunho (§154), a imputação ao tipo objetivo esgota-se na subsunção sob os elementos específicos do tipo em questão. [...] Nos delitos de resultado, pelo contrário, é de se decidir de acordo com regras gerais se a lesão ao objeto da ação (por ex., a uma pessoa nos §§ 212, 213, ou a uma coisa, no§ 313) pode ser imputada ao acusado como obra sua; se não for este o caso, não terá ele matado, lesionado, danificado, etc., no sentido da lei (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 263).

Em sua teoria geral da imputação objetiva, Roxin a estrutura a partir de três níveis de imputação (três requisitos jurídicos para se imputar um resultado jurídico a uma determinada conduta). São eles: Criação ou aumento do risco proibido; Materialização do Risco no Resultado; Âmbito de Alcance do Tipo.


Criação ou aumento do risco proibido

Não haverá imputação quando o agente deixar de criar um risco, ou ainda, mesmo tendo criado eventual risco, se o mesmo não for proibido. Também faltará a criação de risco, e, portanto, a imputação objetiva, nos casos em que o autor modificar um curso causal, de maneira a diminuir a situação de perigo preexistente para o bem jurídico. Ou seja, quando embora tenha causado a lesão ao bem jurídico, tiver o agente atuado de modo a diminuir o risco, pois, embora não tenha conseguido impedir o resultado, tenha atuado de forma eficaz e conseguido diminuir os danos. Afinal, se o Direito Penal não pode proibir ações não perigosas, inócuas, neutras e que não acarretem riscos, não poderá proibir ações benéficas para o bem jurídico, que se orientam no sentido de melhorar sua situação.

ROXIN nos traz o exemplo em que A afasta com a mão uma pedra que iria atingir a cabeça de B, de modo que apenas lese levemente seu braço. A lesão no braço, ainda que causal em relação à conduta de A, não lhe será imputada, pois implicou diminuição do risco de uma lesão mais grave41. Pelo mesmo motivo, quem convence um ladrão a furtar não R$10.000, 00 (dez mil reais), mas somente R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não será punível por participação delitiva no furto. (ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Estudos de direito penal, p.109.)

Toda proibição, por importar uma restrição de liberdade, deveexistir em função de uma finalidade que a legitime. Nesse sentido, as proibições impostas pelo Direito Penal só se justificam na medida em que realizem uma finalidade, a saber, a proteção de bens jurídicos. Somente serão legítimas as proibições que sejam idôneas a proteger um bem jurídico. Por essa razão, o Direito Penal somente pode proibir ações objetivamente perigosas, que criem risco a um bem jurídico. (GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 24).

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Só é típica a conduta que de uma perspectiva (ex ante) constitui a criação ou aumento relevante de um risco socialmente não autorizado.

O primeiro nível de imputação requer que o sujeito tenha produzido (ou aumentado) um risco relevante e proibido, caso contrário (riscos irrelevantes, permitidos ou diminuídos), ter-se-á um fato penalmente atípico. Roxin indica como riscos irrelevantes os “riscos gerais da vida” (p. ex., induzir alguém a praticar paraquedismo, na esperança de que um dia o aparelho falhe e a vítima faleça, ou incentivar uma pessoa a realizar viagem de automóvel por uma estrada perigosa, visando a ocorrência de um acidente fatal). Desta forma, quem se aproveita de tais riscos não pode ser considerado responsável pelo resultado, já que este não pode ser tido como obra sua (GONÇALVES, 2012, p. 263).

Didaticamente, GRECO explica o referido critério: prognose, porque é um juízo formulado de uma perspectiva ex ante, levando em conta apenas os dados conhecidos no momento da prática da ação, póstuma, porque, embora sejam considerados apenas os dados ex ante conhecíveis, é uma análise feita depois da prática do fato, e objetiva, porque parte dos dados conhecíveis por um observador hipotético. (GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 30.)

Portanto, não haverá imputação objetiva em três situações:

  1. Diminuição do Risco: Se a conduta é dirigida a reduzir um risco já existente melhorando a situação do bem jurídico.
  2. Aumento Irrelevante do Risco Criado.
  3. Risco Permitido: Não há imputação objetiva se a conduta mesmo aumentando significativamente o risco ao bem jurídico está dentro dos limites do risco permitido.

Haverá um risco permitido quando:

  1. Forem atendidas as normas de segurança;
  2. Princípio da Confiança: O agente realiza a conduta corretamente, confiando que os demais envolvidos também o farão.

Quem dirige um automóvel de acordo com as normas legais oferece a si próprio e a terceiros um risco tolerado, permitido. Se, contudo, desobedecendo às regras, faz manobra irregular, realizando o que a doutrina denomina “infração de dever objetivo de cuidado”, como uma ultrapassagem perigosa, emprego de velocidade incompatível nas proximidades de uma escola, desrespeito a sinal vermelho de cruzamento, “racha”, direção em estado de embriaguez etc., produz um risco proibido (desvalor da ação). Esse perigo desaprovado conduz,em linha de princípio, à tipicidade da conduta, seja a hipótese, em tese, de crime doloso ou culposo. Significa que não há um risco proibido para os crimes dolosos e outro para os culposos. O perigo é o mesmo para todas as espécies de infrações penais. Assim, se o autor, no trânsito, realizando uma conduta produtora de um risco desaprovado, causa um acidente com morte de terceiro, há imputação objetiva da conduta e do resultado jurídico (JESUS, 2011, p.322).

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. VÍTIMA - MERGULHADOR PROFISSIONAL CONTRATADO PARA VISTORIAR ACIDENTE MARÍTIMO. ART. 121, §§ 3º E 4º, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. 1. Para que o agente seja condenado pela prática de crime culposo, são necessários, dentre outros requisitos: a inobservância do dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e o nexo de causalidade. 2. No caso, a denúncia imputa ao paciente a prática de crime omissivo culposo, na forma imprópria. O teor do § 2º do art. 13 do Código Penal, somente poderá ser autor do delito quem se encontrar dentro de um determinado círculo normativo, ou seja, em posição de garantidor. 3. A hipótese não trata, evidentemente, de uma autêntica relação causal, já que a omissão, sendo um não-agir, nada poderia causar, no sentido naturalístico da expressão. Portanto, a relação causal exigida para a configuração do fato típico em questão é de natureza normativa. 4. Da análise singela dos autos, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, verifico que a ausência do nexo causal se confirma nas narrativas constantes na própria denúncia. 5. Diante do quadro delineado, não há falar em negligência na conduta do paciente (engenheiro naval), dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-o sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança exigíveis ao desempenho de sua atividade, que mesmo em situações normais já é extremamente perigosa. 6. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese. 7. Com efeito, não há como asseverar, de forma efetiva, que engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites para os quais tal risco seria juridicamente tolerado. 8. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta.(STJ - HC: 68871 PR 2006/0233748-1, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 06/08/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:  DTPB: 20091005 - DJe 05/10/2009).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Rodrigo Pivato. A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5759, 8 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73079. Acesso em: 29 mar. 2024.

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