Do contrato de consórcio empresarial

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22/04/2019 às 19:00
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9. Personalidade Jurídica

Como já foi indicado anteriormente, o consórcio não tem personalidade jurídica[16], mas recebe do ordenamento a condição de sujeito para a prática dos atos inerentes ao desempenho de suas finalidades, exemplificada pela inscrição no CNPJ. O consórcio possui, então, legitimidade ativa e passiva para estar em juízo e firmar contratos. Contudo, para entrar em juízo contra outras consorciadas, em função do inadimplemento de obrigações consorciais, será necessário constar expressa autorização contratual.


10. Fundo do Consórcio

O consórcio, apesar de não ter personalidade jurídica nem patrimônio próprio, poderá ter um fundo próprio, uma vez que há quem invoque a teoria unitária patrimonial de Pontes de Miranda. De acordo com ele:

“Justamente por estarem afetados à realização dos fins consorciais, os bens havidos pelo consórcio formam um fundo patrimonial separado, inacessível aos credores das consorciadas por dívidas não relacionadas, e tampouco aos próprios sócios”. [17]

Seria, então, um fundo apartado do patrimônio das consorciadas que, de acordo com Carvalhosa[18],

“Tem (...) o consórcio autonomia patrimonial, visto que os recursos atribuídos pelas consorciadas à administração do consórcio constituem patrimônio que, funcionalmente, destaca-se do das consorciadas durante todo o período de duração do consórcio. Assim, as consorciadas não têm ingerência sobre esse patrimônio afetado pelo consórcio durante sua existência.”

A legislação brasileira adotou uma posição neutra, não proibindo a formação deste fundo[19].


11. Participantes

Em relação a quem pode participar do consórcio, a lei estabelece que “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.[20]” A doutrina critica a presença obrigatória de uma S/A e esclarece que a menção às companhias se deve ao fato do contexto de uma lei que rege as S/As, mas que trata de institutos que não se aplicam apenas a elas[21].

Quanto à possibilidade de arquivamento de consórcios formados por duas sociedades de natureza civil, o Parecer 721/83, de 27/9/83, da Procuradoria Regional junto à JUCESP, firmou o entendimento de que é possível. Vide:

“Trata-se de arquivamento de consórcio, formado por duas sociedades de natureza civil, o que ensejou dúvida quanto à legalidade do arquivamento no registro do comércio. Examino. 1. (...) 2. A lei não faz qualquer restrição à participação de sociedades de fins civis; ao contrário, ao usar a expressão sociedades, sem qualquer adjetivação, não deixou ao intérprete a possibilidade de limitar o instituto apenas às sociedades mercantis”.

Outro assunto relacionado à participação no consórcio diz respeito às pessoas físicas. A prática revela a existência de inúmeros consórcios de que participam pessoas físicas (empresários individuais, consultores ou profissionais especializados). Neste caso, de acordo com Carvalhosa, seria possível mas estaríamos frente a um consórcio de natureza civil. Para fazer essa conclusão, ele se valeu da definição de consórcio da ABNT, norma NG-577 de 1977, item 3.2.1.11, que assim dispõe: “Consórcio: associação, com responsabilidade solidária ou não, de duas ou mais pessoas físicas e/ou jurídicas, as quais, com ou sem constituição de uma nova empresa, se unem para execução de determinado serviço ou obra”.


12. Responsabilidade das Consorciadas

Um assunto que merece destaque é a responsabilidade das consorciadas. A lei estabelece que:

“Art. 278, § 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.[22]

Desta forma, há responsabilidade direta dos consorciados, sem limitação e sem presunção de solidariedade.

Contudo, a doutrina novamente faz críticas à lei, argumentando que “Teria sido de melhor aviso adotar o sistema inverso, acolhido pela Ordenação francesa n. 821 de 1967: a regra seria a solidariedade, que pode no entanto ser afastada (...)”, como versa Fábio Konder Comparato. Luiz Gastão esclareceu que:

“A principal motivação para essa solidariedade não ser presumida em lei – mas sim eventualmente convencional, fixada no contrato de consórcio – é que muitos consórcios internacionais de obras públicas não seriam realizados no Brasil se essa solidariedade fosse presumida”[23].

Desta forma, caso não houvesse esse empecilho, a lei provavelmente teria estabelecido referida presunção.


13. Requisitos Essenciais, Não Essenciais e Úteis

O contrato de consócio, conforme estipula a lei, deverá possuir requisitos essenciais e poderá ter requisitos não essenciais e úteis. Dentre os requisitos essenciais, podemos destacar o objeto, duração, endereço, foro, direitos, obrigações e prestações específicas dos consorciados, recebimento de receitas e partilha de resultados; contabilização do consórcio.

A lei estabelece que “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.”[24], de modo que a primeira questão relaciona-se ao uso do termo no singular. A doutrina esclareceu que isto não impede que o objeto seja constituído por mais de um empreendimento, desde que determinados[25]. Em relação à duração, discute-se também a admissibilidade dos consórcios duradouros. Neste sentido, para Mauro Rodrigues Penteado, o: “Objeto do consórcio deverá ser explicitado de forma precisa e completa, o que não impede que tenha a duração que melhor se ajuste à colaboração comum visada pelas partes”.[26]

Quanto ao endereço e foro, temos que o endereço é o local, próprio ou coincidente com a sede de uma das consorciadas, onde será centralizada a atividade comum, sobretudo para fins administrativos e para relações com terceiros. Por outro lado, foro é o local para dirimir dúvidas que possam surgir entre os participantes. A lei das sociedades anônimas estabelece que “Art. 279, Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.”[27] Ocorre que, por se tratar de entidade não personalizada, não há que se falar em sede, mas simplesmente em endereço para fins operacionais. Trata-se, portanto, de uma impropriedade da lei[28].

Outros requisitos essenciais ao contrato de consórcio são os direitos, obrigações e prestações específicas dos consorciados. Tendo em vista que a lei prevê que as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, importante se faz a inclusão e definição precisa das obrigações e responsabilidade de cada uma das consorciadas. O penúltimo requisito essencial indicado pela lei é a previsão sobre o recebimento de receitas e partilha de resultados, bem como a contabilização do consórcio.

Por fim, previsões sobre a administração e representação do consórcio também são necessárias e, via de regra, são exercidas pela sociedade líder do consórcio. Como bem indicado por Wanderley Fernandes:

“Dentre os entes despersonificados, a representação não é exclusividade do consórcio, sendo reconhecida pela ordem jurídica, ao condomínio edilício, representado pelo síndico, ao espólio, representado pelo inventariante, à massa falida, representada pelo administrador”.[29]

Além dos requisitos essenciais, temos também os requisitos não essenciais que, apesar de não serem obrigatórios, são indispensáveis, como indica Carvalhosa. Como exemplo, podemos destacar a designação do consórcio, para identificar o contrato de colaboração, revelando ou não os seus participantes e objeto, a taxa de administração, que é a contraprestação recebida pelo consorciado a quem for atribuída a administração do consórcio e as formas de deliberação.

Cumpre esclarecer, todavia, que nem todos os doutrinadores apontam a designação do consórcio como um requisito não essencial, sendo seu nome de extrema importância para sua individualização e funcionamento. Além disso, a própria Administração Pública, em diversos dispositivos legais, já declarou a obrigatoriedade da designação dos consórcios que com ela se relacionam.

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Existem também os requisitos úteis, que a doutrina encoraja que sejam incluídos no contrato, como as hipóteses de resilição parcial e exclusão dos consorciados, as condições de admissão de novos participantes e as sanções pelo descumprimento das obrigações assumidas.


14. Aspectos Concorrenciais e Tributários

Para concluir o presente trabalho, cumpre destacar alguns aspectos concorrenciais e tributários referentes aos consórcios. Em relação à concorrência, a doutrina aponta a existência de um paradoxo, uma vez que os consórcios podem representar ao mesmo tempo uma ampliação da competição (em licitações), um modelo ideal para empresas que não queiram crescer, fundir-se ou incorporar-se a outras e, também, um risco para a concorrência, caracterizando-se pelo fenômeno concentracionista e marcado pela desvirtuação e abuso do propósito do consórcio.

Wanderley Fernandes abordou o assunto de maneira clara e precisa, elucidando que:

“Existe risco que concentração de empresas em consórcios acarreta para a concorrência (frustra a competitividade e eleva preço final). Por outro lado, em licitações, a admissão de consórcio pode ampliar a competição, na medida em que viabiliza a participação de interessados que não reuniriam individualmente as condições mínimas de concorrer, aumentando o número de propostas” [30]

Mauro Rodrigues Penteado, por sua vez, assim discorre acerca deste fenômeno concentracionista:

“Iniciado a partir da segunda metade do século passado, com a revolução Industrial, o mencionado processo, tenente às fusões e incorporações das unidades produtivas, representa hoje, como diz Comparato, “uma espécie de fatalidade”, sendo, a um só tempo, motor e emanação da era tecnológica” [31].

E continua:

“O consórcio situa-se concomitantemente no bojo ou à margem do fenômeno da concentração empresarial: a) para Haussmann, o consórcio seria uma modalidade concentracionista, marcada pela centralização da administração, em relação de coordenação, decorrente da comunhão parcial de interesses, b) para outros especialistas, o consórcio situa-se à margem de tal processo, constituindo-se em modelo ideal para as empresas que não queiram crescer, fundir-se ou incorporar-se a outras e, ao mesmo tempo, desejem experimentar as acima apontadas vantagens da concentração.”[32]

A Lei nº 12.529 de 2011 reestruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e cumpre-nos destacar alguns de seus artigos, quais sejam:

“Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; 

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e 

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.” [33]

“Art. 90.  Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: 

I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; 

II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; 

III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou 

IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. 

Parágrafo único.  Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.” [34]

“Art. 53.  O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica a que se refere o art. 88 desta Lei deverá ser endereçado ao Cade e instruído com as informações e documentos indispensáveis à instauração do processo administrativo, definidos em resolução do Cade, além do comprovante de recolhimento da taxa respectiva.” [35] 

Na formação de um consórcio, as empresas devem atentar, portanto, a não violar a lei da concorrência, para que não sejam penalizadas.

Finalmente, em relação aos aspectos tributários, temos que os consórcios praticam legalmente atos configuradores da hipótese de incidência de distintos tributos. Assim, quando praticam a materialidade descrita constitucional e legalmente, adquirem a condição de sujeito passivo do imposto[36].

A Lei nº 12.402/12, Art. 1º firmou entendimento:

“As empresas integrantes de consórcio constituído nos termos do disposto nos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento, observado o disposto nos §§ 1º a 4º.”

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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