A indústria 4.0 e a modernização das relações de trabalho

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23/04/2019 às 17:30
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O presente artigo tem a finalidade de apresentar as características, desafios e potenciais da Indústria 4.0, bem como, os principais impactos jurídicos e sua relação com as alterações promovidas na Legislação Trabalhista Brasileira pela Lei n.º 13.467/17.

Resumo: Ao longo dos anos, o homem como ser social acostumou-se a conviver com a ideia de mudanças, revoluções e impactos. Desde os primórdios da sociedade civil as evoluções sociais foram conquistadas através de “lutas” e “revoluções”, faz parte da natureza social humana, e, no mundo do trabalho não é diferente. As transformações relacionadas ao trabalho tiveram início com a Revolução Industrial do século XVIII que foi determinante para o surgimento do Direito do Trabalho, avançando ainda mais com a Revolução Tecnológica e a Globalização. Atualmente estamos diante da Quarta Revolução Industrial, intitulada de “Indústria 4.0”, que se caracteriza pela incorporação de tecnologias emergentes ao ambiente de trabalho, proporcionando ganhos substanciais de produtividade, transformando a natureza do trabalho e gerando impactos nas esferas políticas, econômicas e sociais. Assim,o presente artigo tem a finalidade de apresentar as características, desafios e potenciais da Indústria 4.0, bem como, os principais impactos jurídicos e sua relação com as alterações promovidas na Legislação Trabalhista Brasileira pela Lei n.º 13.467/2017, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista.

Palavras-chave: Indústria 4.0. Organização do Trabalho. Impactos Jurídicos. Reforma Trabalhista.


1. Introdução

A Indústria 4.0 é atualmente um dos assuntos mais discutidos no setor industrial mundial. Contudo, os impactos gerados por tais mudanças nas esferas política, econômica e social, ainda são controversos.

Para entender melhor o futuro do trabalho e do próprio Direito Trabalhista, necessário se faz analisar o passado. Isso porque, o mundo do trabalho tem passado por diversas mudanças ao longo dos anos. Exemplo disso, é a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX) que foi de extrema importância, haja vista que, com o crescimento da industrialização aliado a exploração irresponsável da mão de obra, as condições de trabalho eram péssimas, levando a classe operária a reivindicar por melhorias no sistema. Tais reflexos sociais influenciaram o surgimento do Direito do Trabalho como alternativa ao Direito Civil.

Seguindo, as mudanças nas relações de trabalho avançaram com a Revolução Tecnológica (século XX), a qual fez com que empregadores, empregados e a própria legislação trabalhista se moldassem à nova realidade laboral.

Atualmente estamos diante da chamada 4ª Revolução Industrial, impulsionada pelo conceito ligado à Indústria 4.0, a qual introduz um novo modelo de produção, onde máquinas, ferramentas e processos produtivos estão interligados entre si através de inteligência artificial e pelo uso de internet, visando ganhos substanciais na cadeia produtiva.

Conforme nos ensina Klaus Schwab (2016, p. 1) “estamos no início de uma revolução que está mudando fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos um com o outro”. Contudo esta Revolução se difere das anteriores, fundamentalmente pela velocidade das transformações e pelas grandes variações inerentes ao mundo do trabalho. Ainda, é de se destacar que as demais revoluções apenas foram batizadas com esse nome, após sua incorporação ao tecido industrial, diferentemente da Industria 4.0 que já é chamada de 4ª Revolução Industrial.

Abaixo, imagem ilustrativa das mudanças introduzidas por cada uma das revoluções industriais (FIGURA 1):

FIGURA 1 – Os Quatro Estágios da Revolução Industrial

Fonte: KAGERMANN et al. (2013)

Desde 2011 se iniciou um novo campo de pesquisa multidisciplinar, envolvendo diversas áreas da ciência, bem como governos, empresas, universidades e pesquisadores, com uma vasta gama de possibilidades. Entretanto, apesar do entusiasmo da indústria com os avanços proporcionados pela Industria 4.0, o que se percebe é a ausência de pesquisas e discussões acerca dos impactos sociais causados por tais mudanças.

Pesquisas que se preocupam com os efeitos da Indústria 4.0 sobre a relação entre homem e trabalho ainda são escassas. Porém, sendo a matéria-prima do Direito, por excelência, a pessoahumana livre, não necessitada, o Direito do Trabalho é a mais importante e atual das suas manifestações e, por conta disso, deve obrigatoriamente se preocupar com possíveis impactos positivos ou negativos, visando evitar que, assim como nas demais revoluções, o trabalhador seja renegado a condição de mero coadjuvante em meio a uma imensidade de inovações e mudanças, capazes de afetar sobremaneira sua via social.

Com isso, se justifica a importância da presente pesquisa, a qual tem por objetivo apresentar as características, desafios e potenciais da Indústria 4.0, bem como, os principais impactos jurídicos e sua relação com as alterações promovidas na Legislação Trabalhista Brasileira pela Lei n.º 13.467/2017, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista.


2. Contexto histórico

Desde o ano de 2006 o governo da Alemanha buscava estratégias tecnológicas de pesquisa e inovação com o objetivo de tornar seu país competitivamente forte em relação as demais potencias mundiais. Essa iniciativa foi batizada de High-Tech Strategy 2020 for Germany, focando primordialmente em cinco áreas: clima e energia; saúde e alimentação; mobilidade; segurança e comunicação. (CNI, 2016).

Segundo Hermann et al. (2016), o termo Indústria 4.0 surgiu no ano de 2011, durante a Feira Anual de Hannover na Alemanha, através da iniciativa denominada “Indústria 4.0 – uma associação de representações de negócios, políticas e acadêmicas”, defendendo a aproximação da força de competitividade da Indústria de Manufatura Alemã. Tal iniciativa ganhou o apoio do governo, e passou a integrar o High-Tech Strategy 2020 for Germany com o objetivo de liderar a inovação tecnológica, através do Industrie 4.0 Working Group, responsável por desenvolver as primeiras recomendações para a efetiva implementação que foram publicadasem abril de 2013 (Kagermann et al., 2013)

No futuro, as empresas estabelecerão redes globais que incorporem suas máquinas, sistemas de armazenagem e instalações de produção em forma de sistemas ciberfísicos (CPS). No ambiente de fabricação, esses sistemas ciberfísicos compreendem máquinas inteligentes, sistemas de armazenamento e instalações de produção capazes de trocar informações de forma autônoma, desencadear ações e controlar-se independentemente. Isso facilita melhorias fundamentais nos processos industriais envolvidos na fabricação, engenharia, uso de materiais e cadeia de suprimentos e gerenciamento do ciclo de vida. As fábricas inteligentes que já começaram a aparecer empregam uma abordagem completamente nova para a produção. Produtos inteligentes são exclusivamente identificáveis, podem estar localizados em todos os momentos e conhecer sua própria história, status atual e rotas alternativas para alcançar seu estado alvo. Os sistemas de fabricação embutidos são conectados verticalmente com processos de negócios dentro de fábricas e empresas e conectados horizontalmente a redes de valores dispersas que podem ser gerenciadas em tempo real - desde o momento em que uma ordem é colocada diretamente até a logística de saída. Além disso, eles habilitam e exigem engenharia de ponta a ponta em toda a cadeia de valor. (Kagermann et al., 2013, p. 5).

O modelo e conceito implementados pela Indústria 4.0 tem se espalhado para as demais potências mundiais. Dentre esses, os Estados Unidos da América, criaram em 2011 a Advanced Manufacturing Partership (AMP) como objetivo de unir o meio acadêmico às indústrias e ao governo para promover investimentos e pesquisas em tecnologias em ascensão no país. Em 2014, através do programa Accelerating US Advanced Manufacturing (AMP 2.0) foi apresentada uma séria de ações a serem adotadas para impulsionar a capacidade de manufatura avançada dos Estados Unidos da América. (CNI, 2016).

Oportuno mencionar as ações em andamento na China através do programa Made in China 2025 implementado em 2015, estabelecendo diversas metas para os anos de 2020 e 2025 visando atualizar os processos indústrias do país, assim como a Coréia do Sul com o projeto Korea Advanced Manufacturing System (KAMS), com a finalidade de desenvolver processos e tecnologias para o gerenciamento e integração dos sistemas produtivos (CNI, 2016).

No Brasil, em junho de 2017 foi instituído pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) o Grupo de Trabalho para a Indústria 4.0 (GTI 4.0), com o objetivo de elaborar uma agenda nacional de implementação da Indústria 4.0 no país.

O GTI 4.0 conta com mais de 50 (cinquenta) instituições representativas, dentre elas o próprio governo, empresas e sociedade civil organizada, que contribuem sob diferentes perspectivas e ações para a efetiva implementação da Indústria 4.0 no Brasil.

Alguns temas são prioritários. Por exemplo, o aumento da competitividade das empresas brasileiras, mudanças na estrutura das cadeias produtivas, o novo mercado de trabalho, fábricas do futuro, massificação do uso de tecnologias digitais, startups, testbeds, dentre outros.


3. Princípios básicos da Indústria 4.0

A Indústria 4.0 se baseia na combinação de tecnologias aplicadas ao processo produtivo criando as Smart Factories. Os princípios básicos do conceito de Indústria 4.0 são os Cyber-Physical Systems (CPS), a Internet of Things (IoT), a Internet of Services (IoS), robótica avançada, inteligência artificial, Big Data, nanomateriais e nanosensores (SCHWAB, 2016; CNI, 2016; BCG, 2015a).

Ou seja, nas fabricas inteligentes as máquinas, insumos e mão de obra estão totalmente integrados ao longo do processo de produção, o que agrega flexibilidade ao processo produtivo que passa a ocorrer de forma autônoma.

Veja-se a integração entre os processos de fabricação e os sistemas envolvidos, na Figura 2:

Figura 2 – Sistemas integrados no modelo de indústria 4.0

Fonte: Endeavor (2018)

Mesmo que não seja o tema central da presente pesquisa, fez-se necessário compreender suscintamente o conceito dos principais componentes-chave da 4ª Revolução Industrial.

Os CPS (Cyber-Physical Systems) são uma série de sistemas colaborativos incorporados a capacidade cibernética, encontrados no ambiente industrial nas máquinas inteligentes, sistemas de armazenamento e facilidades de produção capazes de trocar informações, desencadear ações e controlar um ao outro de forma autônoma, promovendo melhorias nos processos industriais e no gerenciamento do ciclo de vida dos produtos e da cadeia de suprimentos (KAGERMANN; WAHLSTER; HELBIG, 2013).

Porém, os CPS estão diretamente ligados e dependentes à IoT (Internet of Things) e à IoS (Internet of Services), que são o futuro da internet como conhecemos hoje. Isso porque, a IoT e a IoS possibilitarão que quaisquer objetos do cotidiano estejam conectados a rede mundial de computadores.

Tal integração afetará radicalmente os sistemas de manufatura, uma vez que as máquinas poderão tomar decisões de forma autônoma, bem como, seu controle poderá ser feito remotamente, proporcionando maior flexibilidade, confiabilidade e eficiência às operações, além da redução de custos (ROBLEK; MESKO; KRAPEZ, 2016).

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Já a IoS irá agregar considerável valor à cadeia de suprimentos, haja vista que, permitirá que serviços, principalmente os logísticos, sejam fornecidos de forma integrada à vários canais e participantes (KAGERMANN et al. 2013; HERMANN; et al. 2015).

Assim, percebe-se que onde existir a possibilidade de implementação do conceito da Indústria 4.0, mudanças e obstáculos terão de ser enfrentados, motivo pelo qual, deve ser encarada não como uma revolução tecnológica, mas sim, uma revolução econômica, política e social.


4. Impactos sociais percebidos

Como visto até aqui, com a implementação das novas tecnologias e do conceito de Indústria 4.0 os empregos passarão por grandes mudanças. Tais mudanças serão responsáveis pela extinção de tradicionais postos de trabalho, mas também, pela criação de novas oportunidades.

Seria correto afirmar que a Indústria 4.0 será responsável por uma crise de desemprego mundial? Conforme Frey e Osborne (ABRAMOVAY, 2017)

estão em risco 47% dos postos de trabalho nos EUA, 57% na média dos países desenvolvidos, (da OCDE — Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 69% na Índia, 77% na China e 85% naEtiópia. A destruição tende a ser maior onde a estrutura ocupacional é mais distante da economia do conhecimento”.

Em pesquisa realizada pelo CNI – Confederação Nacional das Indústrias no ano de 2016 com 2.225 empresas, sendo 910 de pequeno porte, 815 médias e 500 grandes, a principal dificuldade para implementação da Indústria 4.0 no Brasil é a ausência de trabalhadores qualificados.

Com isso, pode-se concluir que não é o mais forte nem o mais inteligente que irá sobreviver no mercado. Mas sim, quem se adaptar mais rapidamente às grandes mudanças que virão no mundo laboral.

Nesse sentido, estudos realizados na Alemanha, local onde a Indústria 4.0 está mais avançada, pelo Boston Consulting Group (BCG), tendo como parâmetro o ano de 2025 e pelo Institute for Employment Research, objetivando o ano de 2030, concluíram que o cenário mais provável será o aumento de 350 mil empregos, contudo, o Institute for Employment Research alerta para a extinção de 60 mil postos de trabalho no país.

Buscando entender como as mudanças tecnológicas e sociodemográficas afetariam o mundo do trabalho até o ano de 2020, o World Economic Forum realizou em 2015 uma pesquisa global, entrevistando CEO’s (Chief Executiver Officer), CHRH’s (Chief Human Resources Officer) e outros executivos de alto escalação de 371 empresas, em nove setores industriais, espalhadas nos 15 países mais desenvolvidos e emergentes.

Os resultados da pesquisa foram divulgados no ano de 2016 e concluíram que, com a adoção do conceito da Indústria 4.0, 7,1 milhões de empregos serão extintos, enquanto que, apenas 2 milhões serão criados, demonstrando um impacto negativo de 5,1 milhões de postos de trabalho. Ainda, a pesquisa concluiu que, apenas no setor de manufatura e produção mais de 1.6 milhões de empregos direitos serão substituídos por novas tecnologias. Veja-se no quadro abaixo:

Fonte: WORLD ECONOMIC FORUM, 2016, Análise ADVISIA OC&C StrategyConsultants

Contudo, ainda que haja grande controvérsia quanto aos números, uma coisa é consenso, os novos postos de trabalho se concentrarão nos níveis gerenciais e nas áreas que exijam maior qualificação, como por exemplo, ciências exatas, computação, engenharia e arquitetura. Já o maior declínio será percebido nas tarefas simples e rotineiras, suscetíveis a automação.

E como já demonstrado, a necessidade de aperfeiçoamento de competências e habilidades por parte dos trabalhadores é consequência lógica ao aumento do número de postos de trabalho. Edwards e Ramirez (2016) definem esse movimento como uma “reciclagem” do trabalhador, exigindo do mesmo que se adapte as mudanças e novas tecnologias para manter sua condição de empregabilidade e competitividade no mercado.

Outro ponto de consenso, é que cada uma das novas tecnologias inseridas pela indústria 4.0 produz efeitos específicos na dinâmica do trabalho, podendo ser agrupados em seis categorias, sendo elas, deslocamentode mão de obra entre setores e funções específicas; flexibilização do regime de trabalho;alterações nos requisitos de capacitação; melhora na segurança no trabalho e disseminaçãode novas plataformas de relacionamento entre trabalhador e empregador (CNI, 2016).

E nesse ponto se chega a discussão central do presente artigo, ou seja, a necessidade de modernização e adequação da legislação trabalhista brasileira as novas perspectivas do mundo do trabalho.


5. Principais impactos jurídicos da Indústria 4.0 no Brasil e sua relação com a Lei n.º 13.467/2017

O início do trabalho livre e assalariado no Brasil deu-se após a abolição da escravidão no ano de 1888, com a chegada dos imigrantes europeus ao País. Contudo, as condições do meio ambiente de trabalho eram péssimas, iniciando-se as primeiras discussões sobre leis trabalhistas.

Foi apenas no século XIX através da edição do Decreto nº 1.313/1891, que regulamentava o trabalho dos menores de 12 a 18 anos, que as primeiras normas trabalhistas surgiram no Brasil.

Em 1912 foi fundada a Confederação Brasileira do Trabalho, durante o 4º Congresso Operário Brasileiro, com o objetivo de reunir as reivindicações sobre jornada de trabalho de oito horas, fixação do salário mínimo, indenização para acidentes, contratos coletivos, dentre muitos outros.

A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a tratar de Direito do Trabalho, assegurando dentre outros, liberdade sindical, salário mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas, proteção do trabalho feminino e infantil e isonomia salarial.

Em 1943, com a necessidade de reunir as normas trabalhistas em um único código nasce a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com o fim da ditadura em 1985, e a promulgação da Constituição federal de 1988, as conquistas dos trabalhadores foram restabelecidas. (GOVERNO DO BRASIL, 2017)

Após muitos anos de discussão e estagnação legislativa, foi aprovada, sob duras criticas sociais, no ano de 2017 a Lei nº 13.467 popularmente chamada de “Reforma Trabalhista”, alterando grande parte dos dispositivos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho e buscando adequar a legislação trabalhista a nova realidade das relações de trabalho.

Com o avanço das mudanças introduzidas pela Industria 4.0 no Brasil, diversos dispositivos legais existentes na legislação trabalhista vigente, permaneceram, ou se tornaram obsoletos, gerando a necessidade de revisão e atualização.

Na legislação trabalhista vigente no Brasil, os aspectos que mais foram impactados pela Industria 4.0 até o momento são, jornada de trabalho; local de trabalho; contratação; incentivos à capacitação; Normas Regulamentadoras e negociações coletivas, sendo percebidas com mais clareza através da figura abaixo.

Fonte: Análise ADVISIA OC&C StrategyConsultants

A lei nº 13.467/17 ao modificar pontos fundamentaisdas relações de trabalho, promoveu alterações que vão ao encontro das exigências do novo cenário competitivo do mercado mundial, exigindo ajustes rápidos em razão do grande dinamismo tecnológico.

Certo é que a modernização legislativa, foi passo fundamental para que o país diminua o abismo existente entre os novos modelos de mercado e as leis trabalhistas. Contudo, o avanço e adequação devem ser contínuos, sempre primando pelo bem-estar e garantias ao trabalhador, com o objetivo de aumentar a competitividade brasileira no mercado mundial.

Assim, necessário que se faça uma análise quanto aos principais aspectos trabalhistas afetados pela Industria 4.0, bem como, quais medidas ainda são necessárias para a adequação às novas tecnologias.

5.1. Jornada de Trabalho

Como já demonstrado, a Indústria 4.0 possibilita que os trabalhadores deixem de exercer funções repetitivas durante a jornada de trabalho, uma vez que as novas tecnologias automatizam as funções clássicas.

Assim, havendo automação das atividades predominantemente repetitivas, o trabalhador poderá desempenhar tarefas pontuais, como por exemplo, a inserção dos parâmetros junto ao maquinário no início da linha de produção e o acompanhamento da evolução do trabalho junto a máquina, não necessitando estar fisicamente presente durante as tradicionais oito horas de trabalho diárias. Tal flexibilização, implica que o funcionário esteja disponível em diversos períodos de um mesmo dia de trabalho, conforme demanda de sua função, otimizando o trabalho realizado.

O uso de plataformas digitais também influencia de forma geral a jornada de trabalho. Isso porque, o trabalhador, sabendo das tarefas e do prazo em que necessitam ser realizadas, tem liberdade sobre sua jornada de trabalho.

Salienta-se que, a adequação da legislação acerca da jornada de trabalho é fator decisivo para a implementação das tecnologias inseridas pela Industria 4.0 no Brasil, uma vez que o processo de automação implica, necessariamente, em flexibilização dos horários em que o trabalhador tem de estar fisicamente junto a empresa.

Outro ponto importante é que, com jornadas de trabalho adequadas à sua função, o trabalhador tem a liberdade de conciliar suas atividades profissionais e pessoais, gerando maior comodidade ao mesmo, que se sentirá mais valorizado, disposto e consequentemente será mais produtivo.

A lei nº 13.467/17 promoveu significativas alterações quanto a jornada de trabalho, autorizando por exemplo, que o sistema de compensação de jornada de trabalho seja pactuado através de acordo individual. Ainda, flexibilizou o intervalo intrajornada, o qual pode ser alvo de negociação coletiva, sempre respeitado o limite mínimo de 30 minutos.

Outra mudança significativa quanto a jornada de trabalho, é a possibilidade de acordo individual para jornada 12x36, não necessitando de licença prévia. O trabalho em regime parcial também foi adequado, passando a ser entendido como aquele que não exceda a 30 horas semanais, bem como, a instituição de contrato de trabalho intermitente.

5.2. Local de Trabalho

É certo que, em havendo flexibilização e adequação da jornada de trabalho, necessariamente, o local de trabalho também sofrerá mudanças.

A presença física do trabalhador novamente é mitigada, uma vez que, com o Big Data e as tecnologias em tempo real, é possível que o mesmo esteja conectado às máquinas, realizando diagnósticos do trabalho feito e do estado em que o equipamento se encontra. Nesse caso a presença física do trabalhador seria necessária apenas em caso de falhas ou para a programação do equipamento.

Segundo pesquisa do CNI 81% dos trabalhadores se interessam pela flexibilização do local de trabalho. Na Alemanha, estudos apontam para a adoção de medidas através da “Lei das alternativas de jornadas de trabalho” que, além de favorecer jornadas com horários flexíveis, também incentiva a flexibilização do local de trabalho (BMAS, 2016).

Contudo, tendo em vista que a legislação brasileira anda a passos lentos para a modernização, é necessário que se redobre o cuidado ao rever as questões atinentes a flexibilização de jornada e local de trabalho, sob pena de prejudicar o trabalhador. Salienta-se que todas as mudanças devem respeitar o limite de horário máximo para jornada de trabalho.

Nesse aspecto a principal alteração promovida pela lei nº 13.467/17 diz respeito a possibilidade de realização de teletrabalho ou home office, entendido como aquele em que o trabalhador presta seus serviços fora das dependências da empresa, utilizando-se de novas tecnologias de comunicação e informação.

5.3. Contrato de Trabalho

Com o avanço das novas tecnologias da Indústria 4.0 algumas atividades industriais são drasticamente impactadas. Isso porque, a utilização de sistemas mais complexos e modernos implica na contratação de mão de obra especializada. Algumas dessas plataformas, possibilitam a contratação de profissionais autônomos habilitados a opera-las.

Vale salientar que muitas empresas brasileiras já terceirizam certas atividades, como tecnologia da informação, limpeza, desenvolvimento de software, contabilidade e assessoria jurídica. A realização de parcerias produtivas entre empresas, com a terceirização de certas atividades gera impactos positivos para ambas as partes.

Com isso a terceirização se torna uma estratégia de negócio inerente ao dia a dia das empresas brasileiras, visando aumentar a competitividade junto ao mercado mundial, pois alia as diversas técnicas de produção à grande eficiência e expertise de profissionais específicos.

Nesse sentido, o Brasil evoluiu positivamente com a entrada em vigor das leis nº 13.429/17 e 13.467/17, prevendo expressamente a possibilidade de terceirização de quaisquer atividades, inclusive a atividade principal da empresa. Cumpre salientar, que os dispositivos legais se preocuparam com os direitos dos trabalhadores terceirizados, dispondo expressamente sobre as garantias asseguradas.

Tais alterações ainda instituíram a possibilidade de contratação de trabalhador autônomo, mesmo que com exclusividade e de forma continua, sem caracterizar a condição de empregado, desde que cumpridas todas as formalidades legais.

5.4. Incentivo a Capacitação

Conforme já demonstrado, a falta de mão de obra qualificada já é apontada como um dos principais obstáculos a adoção da Indústria 4.0 no Brasil. Assim, a capacitação de profissionais é imprescindível para evitar a escassez de mão de obra qualificada para lidar com as inovações tecnológicas, bem como, reduzir o número de “desemprego digital”.

Com relação ao incentivo a capacitação, a reforma trabalhista inovou ao excluir das verbas salariais os valores gastos pelo empregador com educação e qualificação do empregado1.

Contudo, algumas medidas ainda se mostram necessárias para a efetiva implementação da Indústria 4.0 no Brasil, como o monitoramento das demandas de trabalho e habilidade necessárias, permitindo investimentos na capacitação especifica dos trabalhadores para uma realocação eficiente e a existência de cursos de capacitação em horário diverso a jornada de trabalho, dentre outras.

5.5. Normas Regulamentadores do Ministério do Trabalho e Emprego (NR’s)

As Normas Regulamentadoras (NR) são disposições complementares à legislação trabalhista, que consistem em obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos tanto por empregadores como trabalhadores, visando garantir um trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho.

A elaboração das NR é realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego adotando o sistema tripartite paritário por meio de comissões compostas por representantes do governo, de empregadores e de empregados.

Ocorre que, com o avanço da tecnologia através da robótica, tarefas maçantes e difíceis, capazes de gerar danos ao trabalhador ou acidentes de trabalho, passam a ser realizadas por robôs, excluindo o trabalhador de tais riscos.

Dentre as Normas Regulamentadoras vigentes, podemos citar como as mais impactadas pela Indústria 4.0 a NR-12 e NR-17. A NR-12 dispõe sobre referências técnicas, princípios fundamentais e medidas deproteção para garantir a saúde e segurança física dos trabalhadore, estabelecendo requisitos mínimos para a prevençãode acidentes, nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos.

Já a NR-17 dispõe sobre a ergonomia no trabalho, ou seja, estabelece parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalhoàs características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança edesempenho eficiente.

Porém, ainda que as NR visem a proteção dos trabalhadores, atualmente acabam impedindo que novas tecnologias sejam implementadas junto ao parque fabril. Como exemplo citamos os robôs colaborativos, projetados para interagirem com o trabalhador, dividindo o mesmo espaço físico, possuindo sensores para cessar seus movimentos caso haja risco ao trabalhador. Estas disposições dificultam a adoção de novas tecnologias e acabam impactando de forma negativa os resultados e a produtividade da empresa. (CNI, 2016).

Assim, para que haja harmonia entre a utilização de novas tecnologias e a segurança dos trabalhadores, a legislação brasileira deve ser atualizada, elaborando-se um texto normativo que contemple a interação homem-máquina.

5.6. Negociação Coletiva

Segundo nos ensina Teixeira Filho (2000), negociações coletivas são modalidades de autocomposição de conflitos trabalhistas, ou seja, as partes envolvidas entram em consenso para resolver o impasse. Tais negociações podem se dar através de acordos ou convenções coletivas.

Por serem ferramentas de negociação entre um grupo de trabalhadores e seus empregadores, sofrem influencia de todos os aspectos trabalhistas impactados pelas mudanças proporcionadas pela Indústria 4.0, e se mostram como um instrumento eficaz e útil a adequação das condições de trabalho às novas tecnologias.

Afinal, são os empregados e empregadores que conhecem a sua realidade e tem capacidade para promover adequações benéficas para ambas as partes. Foi-se o tempo da antiga ideologia de que o empregado estava totalmente submetido aos mandos e desmandos do empregador sob pena de perder seu emprego.

Atualmente, os trabalhadores são vistos pelas empresas como colaboradores para um objetivo final, por que cada vez mais os trabalhadores e empregadores estão conscientes de seus direitos e deveres dentro do mundo do trabalho.

Nada mais justo, do que permitir as partes envolvidas que disponham sobre as condições de trabalho dentro das suas necessidades e realidade, desde que cumpridas todas as formalidades legais.

Nesse sentido, o Brasil evoluiu positivamente ao alterar as disposições da CLT através da lei nº 13.467/17, prevendo a prevalência dos acordos e convenções coletivas, sobre matérias específicas, salvaguardando as questões mais complexas envolvendo por exemplo, o salário mínimo, remuneração do trabalho noturno, dentre outros.

Assim, a valorização das negociações coletivas são ferramenta hábeis e necessárias para a implementação da Indústria 4.0 do Brasil. Através do fortalecimento da relação de confiança entre trabalhadores e empregadores, será possível adequar as condições de trabalho as suas necessidades e realidade de forma harmoniosa e benéfica, sendo fundamental que as negociações coletivas assumam a importância a elas conferida pela Constituição Federal da República.

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado no programa de especialização em Processo e Direito do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), sob a orientação da Me. Karina Socal Cervo, como requisito parcial a obtenção do título.

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