Isenção do imposto predial territorial urbano: IPTU e taxas de serviços urbanos incidentes sobre imóveis afetados por catástrofes climáticas

26/04/2019 às 16:51
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O presente trabalho analisa a isenção de tributos, no caso o IPTU, de imóveis atingidos por enchentes, como forma provisória a real responsabilidade civil do Estado em indenizar quando ocorra omissão estatal.

 

 

RESUMO: O presente trabalho analisa a isenção de tributos, no caso o IPTU, de imóveis atingidos por enchentes, como forma provisória a real responsabilidade civil do Estado em indenizar quando ocorra omissão estatal. O tema abordado se reveste de grande importância, uma vez que em casos de omissão em que o Estado embora alertado, deixe de fazer as obras necessárias para impedir ou diminuir os efeitos de uma catástrofe anunciada, nasce à obrigação do Estado de indenizar os danos sofridos por determinada parcela da população. Além dos crimes de responsabilidade por conduta omissiva em casos de calamidade pública, que pune prefeitos e vereadores previstos no projeto de Lei 601/03 que tramita no congresso, em consonância com a Lei 12.608/12 que versa sobre a Política Nacional de Defesa Civil.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Isenção de tributos. Omissão estatal. Crimes de responsabilidade.

 

INTRODUÇÃO

1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO

             A responsabilidade civil do Estado alcança todas as situações em que o exercício de atividades lícitas ou ilícitas desenvolvidas pelas pessoas jurídicas de Direito Público ou pelas pessoas de Direito Privado prestadoras de serviços públicos viole direitos dos particulares causando-lhes prejuízo material ou moral (FURTADO, 2007, p. 1001).

            As inundações que atingem determinadas localidades na cidade de São Paulo já se tornaram rotineiras. Elas acontecem todos os anos e em áreas já identificadas pelo poder público municipal que não vem adotando medidas preventivas eficientes, limitando-se a tomar providências para minorar o sofrimento das vítimas, se e quando acontecerem os eventos danosos (HARADA, 2017, p.02).

             De acordo com a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) é de responsabilidade do Estado à indenização por danos morais e materiais causados por omissão da municipalidade nos casos de catástrofes climáticas. Por tratar-se de fato recorrente no município, afasta-se a alegação da municipalidade de caso fortuito ou de força maior para eximir sua responsabilidade (Apelação Cível n° 9100996-38.2009.8.26.0000, Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. em 30-01-2012).

            A possibilidade de impor ao Estado a reparação de eventuais danos causados por condutas omissivas é pacífica. Entende-se aqui, no entanto, que a responsabilidade civil do Estado por omissão (inclusive aquelas das quais decorre ineficiência administrativa violadora do direito fundamental à boa administração pública por contrária ao dever de eficiência dele decorrente) é de natureza objetiva (MARTINS, 2015, p 01).

Para Martins (2015), a atuação insuficiente da administração pública pode gerar e gerar-se da não ação. Viola os deveres correlatos ao direito fundamental à boa administração pública, e, de conseqüência, o próprio direito fundamental referido, o comportamento administrativo que seja omisso, por descumprir um dever de agir estatuído para a Administração Pública. A omissão administrativa configura afronta ao próprio direito fundamental à boa administração pública.

2. CALAMIDADE PÚBLICA E OMISSÃO ESTATAL

O Decreto n° 7.257/2010 dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências. O referido Decreto conceitua calamidade pública como sendo uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido (BRASIL, 2010).

O reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo Federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.

A calamidade pública pode ser decretada quando existir danos provenientes de fenômenos naturais, danos à saúde e aos serviços públicos em sua totalidade. Tem que ficar demonstrado o impacto do desastre para a coletividade, não podendo ser apenas impacto individual, e as necessidades relacionadas com recursos humanos, materiais, institucionais e financeiros (MORAIS, 2011, p. 01).

Sem dúvidas, as fortes chuvas são as principais causas de casos de calamidade pública. Enchentes ocorrem em várias localidades do país causando sérios prejuízos morais e materiais, daqueles que a suportam.

Conforme dispõe a Constituição Federal no seu artigo 182 a política de desenvolvimento urbano, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Devido esta determinação urbanística criou-se a lei n° 10.257/2001 (O Estatuto das Cidades e as legislações municipais pertinentes ao Plano Diretor).

As leis citadas acima visam à ordenação do crescimento das cidades, como também a garantia do direito a cidades sustentáveis como o direito à moradia, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao lazer, aos serviços urbanos, transportes e uma justa distribuição nos processos de urbanização. Porém, infelizmente, tal fato foge da realidade. O que há são construções de casas e propriedades em encostas, áreas de risco, de preservação ambiental, terrenos íngremes, propriedades estas em que incide a cobrança de IPTU, ficando demonstrada a concordância dos órgãos públicos com estas edificações (MORAIS,2011, p. 02).

Ademais alguns prefeitos utilizam-se da situação para realizar contratos sem licitação, utilizando da situação como álibi. Segundo o artigo 24 da lei de licitações, é dispensável a licitação nos casos de emergência ou de calamidade pública e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.

3. A CIDADE DE SÃO PAULO E SUAS ENCHENTES

Historicamente, a adoção na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, de um modelo de gerenciamento hídrico totalmente artificial, que depende de permanentes e vultosos recursos para sua gestão, manutenção e sustentabilidade, despertaram algum questionamento por parte da sociedade. Porém, uma gestão centralizadora dos mecanismos decisórios sempre prevaleceu, definindo quando e como se devem investir os recursos do erário público.

As enchentes, que periodicamente ocorrem em São Paulo, devem levar a sociedade a questionar sobre o modelo de ocupação urbana utilizada e a influência deste no recrudescimento do processo. No entanto, as enchentes servem, via de regra, como argumento para justificar os investimentos que reforçam o modelo vigente, sem que haja maiores contestações. O reconhecimento de uma situação de caos urbano pode ser utilizado como estratégia discursiva e de ação política para justificar a priorização de investimentos em determinadas áreas da metrópole e no adiamento de outras. Há ainda o inconveniente de que o reconhecimento do caráter prioritário ou emergencial de determinadas obras anti-enchentes possam esvaziar os mecanismos colegiados criados, na década passada, para enfrentar os problemas hídricos (ALVES FILHO, 2006, p 145).

4. ISENÇÃO DE IPTU PARA IMOVÉIS ATINGIDOS POR ENCHENTES

O Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) é um imposto brasileiro instituído pela Constituição Federal cuja incidência se dá sobre a propriedade urbana, ou seja, o IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de propriedade imóvel localizada em zona urbana ou extensão urbana.

A função do IPTU é tipicamente fiscal, embora também possua função social. Sua finalidade principal é a obtenção de recursos financeiros para os municípios, apesar de que ele também possa ser utilizado como instrumento urbanístico de controle do preço da terra (SANTOS, 2011, p. 08).

Isentar o IPTU para imóveis atingidos por enchentes trata-se de emprego de instrumento tributário desvirtuado de sua função arrecadatória que não resolve o problema dos proprietários e moradores de prédios alagados, que ficam relegados a uma cansativa e dolorosa rotina: sofrer prejuízos e incômodos pelas enchentes e receber o benefício da isenção do IPTU no exercício seguinte. Onde há solução dos problemas? (HARADA, 2011, p. 02).

Na cidade de São Paulo foi promulgada a lei municipal nº 14.493/2007, que autoriza a isenção ou remissão do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU incidente sobre imóveis edificados atingidos por enchentes e alagamentos causados pelas chuvas ocorridas no Município de São Paulo a partir de 1º de outubro de 2006.  Porém o valor fica limitado ao teto de R$20.000,00 reais, e o beneficio só é concedido no ano subsequente ao fato ocorrido.

Seguindo o exemplo de São Paulo, inúmeras outras cidades brasileiras lançam mão de isenções tributárias como forma de indenizar os contribuintes pelos danos causados pelas catástrofes climáticas. A lei nº 3.177/2009 da cidade de Gaspar - SC dispõe sobre a isenção do IPTU e das taxas de serviços urbanos incidentes sobre os imóveis afetados pelas catástrofes climáticas, desde que preenchidos os requisitos expressos na lei. A isenção é requerida pelo próprio proprietário do imóvel, submetido à análise da defesa civil do município e perdurará enquanto durar a interdição.

No mesmo sentido a Câmara Municipal da cidade de São José do Rio Preto - SP promulgou a lei complementar nº 500/2016 que se refere a imóveis particulares, residenciais ou comerciais, situados em área atingida por catástrofes, desastres naturais ou intempéries climáticas, assim como os afetados pela execução de obras de grande porte que afete a circulação normal de pessoas e veículos.

O caso chegou a ser discutido pelo TJ/SP, onde foi validada a lei proposta pelo presidente da Câmara da cidade de São José do Rio Preto, que garante isenção de IPTU para imóveis atingidos por enchentes ou desastres naturais. A lei foi aprovada por unanimidade pelos vereadores após as fortes chuvas de janeiro que abriram crateras na avenida. No julgamento do mérito da referida ação, o TJ/SP reconheceu que os vereadores poderiam legislar sobre matéria tributária e inclusive garantir isenções, como a do IPTU para determinados casos.

5. PUNIÇÃO DE PREFEITOS EM CASOS DE OMISSÃO

A Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional aprovou o Projeto de Lei 601/03, do Senado, que responsabiliza prefeitos e vereadores por omissão ou retardamento na tomada de medidas eficazes em caso de desastres, quando a consequência seja o agravamento da situação. A proposta altera a Lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade. Esses crimes são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação de até cinco anos para o exercício de qualquer função pública. O projeto também altera o Decreto-Lei 201/67, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores. O projeto complementa a Política Nacional de Defesa Civil (Lei 12.608/12), ao incluir, entre os crimes de responsabilidade de prefeitos e administradores públicos, a omissão ou atraso no pronto cumprimento de suas competências quanto à prevenção de desastres sobre os quais tenham sido alertados.

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MATERIAL E MÉTODO

           Para a elaboração do presente trabalho utilizou-se o método de revisão bibliográfica crítica, sendo que tais informações foram retiradas de doutrinas, artigos científicos e jurisprudências pátrias.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

          Portanto, com base nas informações apresentadas pode-se concluir que o conteúdo é bastante controvertido e polêmico em se tratando dos interesses e da responsabilidade da Administração pública perante seus contribuintes.

        O IPTU é um imposto e sua principal função é arrecadotória, porém como foi demonstrado, tal tributo vem sendo utilizado sob forma de isenção tributária, funcionando como uma indenização civil a vítimas de catástrofes climáticas. Catástrofes estas que poderiam ser evitadas com o investimento adequado nas áreas de risco identificadas pela Defesa Civil.

        Ademais vale ressaltar a importância do tema, visto que o projeto de Lei 601/03 que tramita no congresso nacional altera a Lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade, prevê pena passível de perda de cargo, com inabilitação de até cinco anos para o exercício de qualquer função pública, para prefeitos e vereadores omissos ou que retardem a tomada de decisões e medidas eficazes em casos de desastres sobre os quais tenham sido alertados.

       Todavia fica a observação quanto à eficácia da medida de isenção de IPTU para imóveis atingidos por enchentes. Afinal, não seria essa uma medida paliativa? Sim, pois é um direito constitucional e dever do Estado prover moradia, segurança e abrigo aos seus contribuintes, assim como fazer os investimentos necessários, para prevenir que esses eventos ocorram.     Compete à Defesa Civil assegurar a garantia do direito à vida e incolumidade, estar livre do perigo, por meio de um conjunto de ações preventivas, para evitar ou minimizar os desastres e restabelecer a normalidade social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAIS, Laís. Calamidade pública e omissão estatal: limites da Responsabilidade Civil do Estado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <http://www.ambitoJuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9330>. Acesso em ago 2018.   

HARADA, Kiyoshi. Isenção do imposto como sucedâneo a indenização. Harada advogados associados, São Paulo, jan 2017. Disponivél em: < HTTP://www.haradaadvogados.com.br>. Acesso em ago 2018.

SANTOS, Marinaldo dos. Isenção ou desconto do IPTU para imóveis atingidos por enchentes em Pinhais –PR. Universidade Federal do Paraná, Curitiba 2011.

HARADA, Kiyoshi. Imóveis alagados. Isenção do IPTU, uma medida paliativa. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, fev 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8979>. Acesso em ago 2018.

MARTINS, Tamira Almeida. A responsabilidade civil objetiva do estado por omissão violadora do direito fundamental à boa administração pública no ordenamento jurídico brasileiro. e-Pública,  Lisboa ,  v. 2, n. 1, p. 170-184,  jan.  2015 .   Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2183-184X2015000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  27  ago.  2018.

FILHO, Ailton Pinto Alves  and  RIBEIRO, Helena.A percepção do caos urbano, as enchentes e as suas repercussões nas políticas públicas da Região Metropolitana de São Paulo. Saude soc. [online]. 2006, vol.15, n.3, pp.145-161. ISSN 0104-1290.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902006000300012

Sob calamidade, lei permite contrato sem licitação, dizem especialistas 24/09/2010 19h48 - Atualizado em 24/09/2010 20h44 Disponível em: <http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2010/09/sob-calamidade-lei-permite-contrato-sem-licitacao-dizem-especialistas.html>

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O IPTU é um imposto e sua principal função é arrecadotória, porém como foi demonstrado, tal tributo vem sendo utilizado sob forma de isenção tributária, funcionando como uma indenização civil a vítimas de catástrofes climáticas. Catástrofes estas que poderiam ser evitadas com o investimento adequado nas áreas de risco identificadas pela Defesa Civil.

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