Os crimes contra a família e seus reflexos na sociedade atual

29/04/2019 às 10:54
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Os crimes contra a família, destacam-se neste artigo, no rol dos crimes contra a assistência familiar - Abandono material e abandono intelectual pois refletem diretamente na sociedade atual.

A família é o primeiro grupo social do qual o indivíduo faz parte, e nela acontecem as primeiras e principais aprendizagens para a vida em sociedade, razão pela qual “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226 da CF/88). Neste grupo social, os pais assumem a responsabilidade pelo bem-estar dos seus membros, devendo “assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art. 229 da CF/88).  Ainda segundo a Lei Suprema, art. 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Veja que a proteção garantida no art. 226 vem se desenhando nos dispositivos seguintes, quando a Carta Magna determina as responsabilidades da família, da sociedade e do Estado para com a instituição familiar. Essa proteção estatal interage com os demais diplomas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais o Código Penal (CP), datado de 1940 que, embora defasado, vem se alimentando de modificações ao longo da sua história. No âmbito familiar, o CP reservou todo o Título VII para tratar dos crimes contra a família tipificados nos artigos 235 a 249, os quais estão capitulados em 4 grupos: I contra o casamento; II contra o estado de filiação; III contra a assistência familiar; IV contra o pátrio poder, a tutela e a curatela. A este conjunto de crimes, pode-se acrescentar o artigo 136 que cuida dos maus tratos.

Dos crimes acima elencados, destacam-se neste estudo, dois crimes entre aqueles elencados no rol dos crimes contra a assistência familiar - Abandono material (art. 244)[1] e abandono intelectual (arts. 246 e 247)[2] - por entender que, embora os demais crimes contra a família tenham efeitos sociais, estes se destacam pela consequência danosa na vida das crianças e adolescentes desassistidos material e intelectualmente pelos seus genitores.

[1] Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo [...]

[2] Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. [...]

Art. 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida; II - frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; III - resida ou trabalhe em casa de prostituição; IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública.

Isso se sustenta no posicionamento de Jesus (2014, p.262), quando alude que o objeto jurídico dos crimes contra a assistência familiar é a proteção do organismo familiar, no que concerne ao apoio material devido reciprocamente pelos parentes. Tem o legislador em vista o dever de assistência recíproca estabelecido pela lei civil, sancionando-o com a pena, uma vez que a falta de seu cumprimento, além de gerar a desagregação da família, ainda pode levar seus membros à mendicância e eventualmente à delinquência.

Corroborando desse entendimento, Farias Júnior (2000, p. 1), disserta que:

A criminalidade é uma extensão da marginalidade do menor e esta é uma extensão da marginalidade e da desagregação familiar, esse processo de marginalização apresenta toda uma cadeia evolutiva, iniciando-se com a intenção do menor no mundo do marginalismo social e culminando com a sua integração no submundo da criminalidade, que é o grau máximo da marginalização social.

Com base na compreensão dos autores supramencionados, entende-se que os crimes contra a família aqui sublinhados refletem diretamente na sociedade atual, cujas consequências podem visualizadas em números publicados pelo Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo (Sinase), revelando que o perfil do adolescente em conflito com a lei, se dá nas seguintes proporções: 76% estão na faixa etária entre 16 e 18 anos; 51% não frequentam a escola; 81% viviam com a família na época da internação; 12,7% vem de família que não possui renda e 66% a família possui renda inferior a dois salários mínimos.

No tocante ao abandono intelectual, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2015, p. 1) explica que ele ocorre de duas formas: quando os pais não garantem a frequência escolar dos seus filhos e quando permitem que eles frequentem ambientes impróprios, como casa de prostituição, casa de jogos, conforme texto ipsis litteris:

Quando o pai, a mãe ou o responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho sem justa causa. O objetivo da norma é garantir que toda criança tenha direito à educação, evitando a evasão escolar. Dessa forma, os pais têm a obrigação de assegurar a permanência dos filhos na escola dos 4 aos 17 anos. Outra forma de abandono intelectual por parte dos pais estabelecida pelo Código Penal é permitir que um menor frequente casas de jogo ou conviva com pessoa viciosa ou de má-vida, frequente espetáculo capaz de pervertê-lo, resida ou trabalhe em casa de prostituição, mendigue ou sirva de mendigo para excitar a comiseração pública.

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Sobre o assunto, Mirabete. (2001, p.40) esclarece que o sujeito ativo do delito de abandono intelectual é apenas os pais, lamentando-se, na doutrina, a não inclusão dos tutores, depositários etc. Não se exige, porém, que os filhos estejam em companhia dos pais para obrigá-los a prover a educação daqueles; basta que detenham ainda o pátrio poder, ou, nos termos da nova lei civil, o poder familiar.

Nesse cenário, Jesus (2015), chama a atenção para o dever de solidariedade entre a família, cujo fundamento está relacionado com os fundamentos da República Federativa do Brasil que versa sobre a dignidade da pessoa humana (art. 1º inciso III), e sobre os seus objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, pertinente à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I).

Por fim, imperativo se faz compreender que todo ser humano precisa ser devidamente assistido nas suas necessidades básicas que lhe permitam uma vida correta e digna nos moldes estabelecidos pela sociedade em que vive, cuja assistência é de responsabilidade do Estado, da família e da sociedade em geral, sobretudo em relação aos menores de 18 anos que ainda não podem garantir o seu próprio sustento.

Desse modo, infere-se que os crimes contra a família refletem diretamente no seio social, uma vez que não se pode dissociar família e sociedade, tendo em vista que aquela é a base desta. Portanto, tudo o que é produzido no ambiente familiar vai culminar em algum efeito na sociedade, seja positivo ou negativamente, sendo que no caso em tela, o efeito é danoso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro; Casa Civil / Congresso Nacional, 1940.

______. Constituição da República Federativa, de 1988. Brasília: Casa Civil/ Congresso nacional, 1988.

CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Entenda a diferença entre abandono intelectual, material e afetivo (2015). Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/ cnj/80241-entenda-a-diferenca-entre-abandono-intelectual-material-e-afetivo. Acesso em: 10 set 2018.

FARIAS JÚNIOR, João. Manual de Criminologia. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2000.

JESUS, Damásio de. Código Penal anotado. 22.ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte geral. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006

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Sobre o autor
Paulo Alfredo Moraes

Bacharel em Direito - Unibalsas. Pós graduado em Ciências Penais, Direito Público e Criminologia - Uniderp. Mestrando em Direito Penal - Unifsa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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