Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, surgiu uma polêmica quanto ao tempo máximo de permanência do nome do consumidor inadimplente nos cadastros de proteção ao crédito. Indagava-se se o prazo continuaria sendo cinco anos (previsto no Art. 43 do CDC), ou, agora, seria três anos (previsto no Art. 206, § 3º, VIII, do CC de 2002).
Antes de mais nada, cumpre informar que a disciplina jurídica dos órgãos cadastrais de proteção ao crédito está contida no Código de Defesa do Consumidor. O Código Civil não regulamenta os referidos órgãos. Assim, de plano, a celeuma levantada não teria razão para existir.
Para dirimir qualquer dúvida que possa surgir a respeito do tema discutido, isto é, o prazo máximo de permanência do nome do consumidor em tais cadastros, eis aqui algumas considerações.
A regulamentação legal dos órgãos de proteção ao crédito está inserida no Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente no Art.43, § 1º e § 5º, que enumeram:
"Art. 43. (...)
§ 1º Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 05 (cinco) anos". (grifos nossos).
(...)
§ 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores". (grifos nossos).
Em síntese, o regime adotado para a determinação do tempo máximo de permanência do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, previsto nos dispositivos supracitados, é o seguinte: nenhum dado negativo será mantido em arquivos de consumo por prazo superior a cinco anos (art. 43, § 1º); adicionalmente, veda-se a tais arquivos a conservação do assento, se, em prazo inferior ao qüinqüênio, verificar-se a prescrição da Ação de Cobrança do débito inadimplido (art. 43, § 5º).
O critério prescricional da Ação de Cobrança poderá ser utilizado em benefício do consumidor quando, após o registro no banco de dados, esta vier a prescrever antes do qüinqüênio previsto no CDC.
Enquanto não prescrita a Ação de Cobrança, o nome do consumidor inadimplente pode ser inscrito em banco de dados. Mas no seu quinto aniversário, prescrito ou não o instrumento processual, a informação desabonadora é, de ofício, expurgada necessariamente do arquivo de consumo.
A polêmica ora em questão surgiu com a entrada em vigor do novo Código Civil, mais especificamente diante da redação dada ao seu Art. 206, § 3º, inciso VIII, que reza:
" Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
VIII – a pretensão de haver o pagamento do título de crédito, a contar do vencimento, ressalvada as disposições de lei especial";
O prazo prescricional aludido no referido artigo trata da exigibilidade (pretensão de haver o pagamento do título) do título de crédito, um dos requisitos da Ação de Execução que pode ser manejada no lapso temporal citado. Uma vez operada a prescrição, relativa à Ação de Execução (por ser tratar de título de crédito, e como tal, passível de ser executado), o credor poderá manejar uma Ação Ordinária de Cobrança, que tem prazo prescricional de cinco anos, afim de reaver o seu crédito, na forma do Art. 206, § 5º, I, do Código Civil.
A expressão "ressalvadas as disposições de lei especial" merece atenção redobrada. O cheque, a duplicata e a promissória, que representam a grande maioria dos registros existentes nos bancos de dados dos consumidores, são todos regidos por leis especiais. Assim, sendo disciplinados por leis especiais, os referidos títulos de crédito não tiveram seu prazo prescricional atingido pelo novo Diploma Civil.
O prazo máximo de permanência do nome do consumidor inadimplente nos arquivos de consumo é de cinco anos. Se, porém, neste intervalo ocorrer a prescrição da Ação de Cobrança, relativa ao débito responsável pelo lançamento do nome do inadimplente no cadastro de proteção ao crédito, o registro deve ser imediatamente excluído do referido órgão.
O Art. 43, § 5º é bem claro, o prazo prescricional refere-se à Ação de Cobrança e não à Ação de Execução. Esta tem a prescrição prevista no Art. 206, § 3º, VIII, do Código Civil.
Na tentativa de beneficiar o consumidor foi dada, por alguns, interpretação equivocada do Art. 206, § 3º, VIII, do Código Civil. Como o prazo prescricional previsto nesta norma é de três anos, inferior ao teto para a permanência do registro nos órgão de proteção ao crédito, que é de cinco anos, muitos acreditaram que o primeiro lapso temporal era que iria vigorar a partir de então.
Ocorre que esse prazo de três anos refere-se à prescrição da Ação de Execução, instrumento processual que não é previsto no Art. 43, § 5º (norma legal que regulamenta os cadastros de consumidores inadimplentes). Este dispositivo diz respeito apenas à prescrição da Ação de Cobrança, que é totalmente diversa da Ação de Execução.
Diante do exposto nota-se o quão é infundada a polêmica suscitada. O prazo máximo de permanência do nome do consumidor inadimplente nos órgãos de proteção ao crédito continua sendo de cinco anos. Não foi reduzido, de forma alguma, para três anos, com a entrada em vigor do Código Civil em 11/01/2003.
Vejamos o posicionamento do STJ acerca do tema: "Não podem constar, em sistema de proteção ao crédito, anotações relativas a consumidor, referentes a período superior a cinco anos ou quando prescrita a correspondente ação de cobrança". [01]
Mais uma vez, para reforçar o que aqui foi dito, eis o que diz o ministro Eduardo Ribeiro: "Tenho como certo que a lei visou estabelecer dois momentos para que não pudessem mais ser fornecidas informações, pouco relevando a distinção entre consigná-las e não as poder fornecer, e não as poder consignar. Nenhum dado negativo persistirá por prazo superior a cinco anos. Não importa se referente a não-pagamento de débito ou tenha qualquer outro conteúdo. Tratando-se, entretanto, de dívida não saldada, ocorrendo a prescrição antes do qüinqüênio, cessará a possibilidade de, a seu respeito, transmitir-se informação capaz de acarretar as conseqüências que se cuida no § 5º." [02]
Ainda como forma de dar uma maior sustentabilidade ao que foi explanado, vejamos alguns julgados recentes acerca do tema discutido neste Procedimento Administrativo:
"EMENTA: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO EM CADSTRO NEGATIVO DE CRÉDITO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA DE OMISSÃO. ARTIGO 43, PARÁGRAFOS 1º E 5º DO CDC. PRAZO QUINQUENAL. PRESCRIÇÃO. PRECEDENTES.
1. Inexiste a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC. A norma processual é clara ao fixar as hipóteses, via embargos declaratórios, de mudança do teor do julgado prolatado. São estas: omissão, contradição ou obscuridade. Não é o caso dos autos, porquanto o mesmo não ocorreu em nenhuma delas. Têm tais embargos a natureza, de regra, meramente integrativa, sendo raros os casos em que a doutrina e a jurisprudência aceitam o caráter infringente (Cfr. NELSON NERI JÚNIOR, in "Código de Processo Civil Comentado", São Paulo, Ed. RT, 3ª ed., p. 782D, nota 8 ao art. 535).
2. As informações restritivas de crédito devem ser canceladas após quinto ano do registro (art. 43, § 1º, do CDC). Precedentes.
3. O prazo prescricional referido no art. 43, § 5º, do CDC, é o da ação de cobrança, não o da ação executiva. Precedentes.
4.Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido." [03] (girfos nossos).
"EMENTA: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO EM CADSTRO NEGATIVO DE CRÉDITO (SERASA). ARTIGO 43, PARÁGRAFOS 1º E 5º DO CDC. PRAZO QUINQUENAL. PRESCRIÇÃO. PRECEDENTES.
1 - As informações restritivas de crédito devem ser canceladas após quinto ano do registro (Artigo 43, § 1º do Código de Defesa do Consumidor).Precedentes.
2 - O prazo prescricional referido no art. 43, § 5º, do CDC, é o da ação de cobrança, não o da ação executiva. Assim, a prescrição da via executiva não proporciona o cancelamento do registro.
3 - Precedentes: Resp. 536.833/RS; Resp 656.110/RS; Resp. 648.053/RS; Resp. 658.850/RS; REsp 648.661/RS.
4 - Recurso conhecido e provido". [04]
Ante tudo o que foi explanado, nota-se que o prazo máximo de permanência do nome do consumidor inadimplente nos cadastros de proteção ao crédito não foi alterado, de forma alguma, com a entrada em vigor do Novo Código Civil. O referido lapso continua sendo de cinco anos e tem sua regulamentação própria no Código de Defesa do Consumidor.
BIBLIOGRAFIA
Marques, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Arts. 1º a 74: aspectos materiais / Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Vasconscelos e Benjamim, Bruno miragem – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.
Grinover, Ada Pelegrinni; Benjamim, Antônio Herman Vasconscelos; Fink, Daniel Roberto; Filomeno, José Geraldo Brito; Watanabe, Kazuo; Júnior, Nelson Nery; Denari, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pelegrinni Grinover.. . [ et. al.] – 7ª Ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
NOTAS
01 STJ, 3ª T., REsp 30.666-1, RS, rel. min. Dias Trindade, j. 8.2.93, v.u., DJU 22.393; cf. RT 696/349.
02 STJ, 3ª T., REsp. 14.624-0-RS, rel. min. Eduardo Ribeiro, j. 22.9.92, v.u.; cf. Revista de Direito do Consumidor, vol. 22, abril/junho 1997, p.179.
03STJ, 4ª T., REsp 701.452, RS, rel.min. Jorge Scartezzini, j. 15.2.2005, v.u.DJ 28.3.2005 p.289.
04 STJ, 4ª T., Resp 648.528, RS, rel. min. Jorge Scartezzini, j. 16.9.2004, vu. DJ 06.12.2004 p. 335.