O princípio da coculpabilidade e a sua aplicação nos tribunais brasileiros à luz da dosimetria da pena

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A teoria da coculpabilidade foi desenvolvida por Eugênio Raúl Zaffaroni. Esse instituto tem a finalidade de atribuir uma parcela de culpa ao Estado quando um agente desprovido de assistência básica e de garantias sociais vem a cometer algum delito.

Resumo: É oportuno salientar que o princípio da coculpabilidade é uma inovação doutrinaria, tendo como idealizador o catedrático Eugênio Raúl Zaffaroni. A tese principal sustentada pelos adeptos a essa teoria é a de que o Estado na hora de aplicar a sanção punitiva, deverá observar a motivação do crime, as circunstâncias e a característica do agente, além dos requisitos já previstos no art. 59. do CP. O princípio da coculpabilidade buscar reparar uma desigualdade material entre os indivíduos que foram desprovidos das oportunidades fundamentais garantidas pela Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Penal. Coculpabilidade. Princípio. Vulnerabilidade. Atenuantes.

Sumário: Introdução. 1. A origem e o Conceito do Princípio da Coculpabilidade. 2. O Princípio da Coculpabilidade no Direito Penal Brasileiro. 3. Princípio da Individualização da Pena. 4. O Cálculo da Pena de Acordo com o Código Penal Brasileiro. 5. Possibilidade de Inserção da Coculpabilidade como Atenuante Genérica no Direito Penal Brasileiro. 6. Da Coculpabilidade às Avessas. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Dentro da perspectiva de crime proposta pelos cursos de Direito Penal, sabe-se que o instituto da culpabilidade é elementar do fato típico e ilícito do qual se busca a penalidade do agente, ocorrendo está por meio das sanções penais dispostas na lei criminal vigente no Brasil.

Porém, a sociedade cria seus próprios padrões morais, que se moldam conforme a época em que se encontram, e com a sociedade pós-moderna a divergência social é quase palpável. Ocorre que esta situação configura um evento evidenciado, em sua grande maioria, nos países emergente e subdesenvolvidos.

Essa realidade socioeconômica reflete no “efeito dominó” gerando exclusão na infraestrutura, educação, saúde, segurança, dentre outros ramos da cidadania. É nesse momento que surge a teoria da coculpabilidade desenvolvida por Eugênio Raúl Zaffaroni.

Assim sendo, nota-se uma pequena aplicabilidade deste princípio nos Tribunais de Justiça no Brasil, com isso, surgem discussões sobre esse instituto. A principal ideia e de atenuar a pena daquele que socioeconomicamente foram desassistidos pelo poder Estatal.

Nesse contexto, o estudo parte da individualização da pena, porém, perpassa pela contextualização do indivíduo penalizado, com aplicação dos Direitos Humanos no contexto penal, bem como se faz a aplicação da dosimetria da pena dentro do ordenamento pátrio.

Oportuno destacar que essa teoria não se encontra positivada no Código Penal, trata-se de discussão doutrinaria idealizada primeiramente por Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli.


1. A ORIGEM E O CONCEITO DO PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE

A coculpabilidade é uma teoria que tem origem histórica na Revolução Francesa, em que o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, como corolário do desenvolvimento em massa do pensamento iluminista, culminou na evolução epistemológica dos direitos fundamentais, inclusive em matéria penal.

Nesse sentido, Bonavides (2001), leciona que a revolução francesa no século XVIII, fora precípua para esculpir todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, abarcando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização.

Em 1790, o médico, Jean Paul Marat (2008), publicou o seu “Plano de Legislação Criminal”, no qual aborda os princípios fundamentais de uma justa legislação, e trata, de forma exaustiva, o aspecto da ordem social e a defesa dos indivíduos marginalizados da sociedade, que não possuíam seus direitos fundamentais garantidos.

Com efeito: admite a tese contratualista, como não podia ser de outro modo em seu tempo, afirmando que os homens se reuniram em sociedade para garantirem seus direitos, mas que a primitiva igualdade social foi rompida através da violência que exerceram uns sobre os outros, submetendo uns aos outros, despojando-os da parte que lhes correspondia (ZAFFARONI, 2004, p. 257).

Entrementes, nasce o princípio da coculpabilidade, que se finca no reconhecimento da quebra do contrato social entre o Estado e o cidadão, quando aquele não cumpriu com seus deveres de guarnecer o básico de subsistência para a sociedade, de modo que se afasta a preponderância punitiva em desfavor do delinquente, dessa forma, o Estado deverá arcar com a sua parcela de responsabilidade do delito. A esse respeito, leciona Grégore Moura.

O princípio da coculpabilidade é um princípio constitucional implícito que reconhece a corresponsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente, o que enseja menor reprovação social, gerando consequências práticas não só na aplicação e execução da pena, mas também no processo penal (MOURA, 2006, p.41)

Na conjuntura pós-moderna, Zaffaroni (2004), foi o principal responsável por disseminar as linhas de pensamento defendidas por Marat, e compreende que o Estado tem responsabilidade sobre o agente que, em situação crítica de vida, venha a delinquir.

Dessa forma, destaca-se o surgimento da teoria da coculpabilidade, a Revolução francesa, século XIII, como marco histórico e Zaffaroni como responsável pela propagação no meio jurídico.

O princípio da coculpabilidade vislumbra uma responsabilidade entre o poder estatal e com o indivíduo que venha infringir nas regras positivadas em abstratas no ordenamento jurídico pátrio. Essa teoria surgiu com vista da omissão do Estado em garantir as obrigações básicas dos direitos fundamentais, elencadas na Constituição de República Federativa do Brasil de 1988.

Nesse sentido, a referida teoria argumenta de que o Estado não cumpriu com o contrato social, deixara o cidadão sem uma educação, saúde, emprego, os quais constituem objetivos fundamentais da CRFB/88, in verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[...]

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[...]

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, s/p.).

Conceitua essa teoria que as pessoas desassistidas dessas garantias não poderão ser julgadas como as demais pessoas que tiveram todas as prerrogativas assistencialistas garantidas pelo Estado.

Dessa forma, é pertinente ressaltar o princípio da isonomia da máxima do pensamento Aristotélico, que a igualdade material deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, tornando-se um equilíbrio entre os nãos iguais. Isto, leva ao princípio da razoabilidade mitigando as injustiças por parte do juízo estatal.

Dentro deste raciocínio, Bonavides (2001), leciona sobre a importância da igualdade material ao descrever que a igualdade não configura mais a igualdade jurídica liberalista, resultando em um novo conceito de Estado. Tem tamanha força na doutrina constitucional vigente que vincula o legislador.

Portanto, a conceituação dessa teoria é a de que o Estado juiz poderá diminuir a responsabilidade do agente criminoso, se entender que o fator para prática delituosa fora a ausência assistencialista estatal no que diz a respeito aos direitos sociais.


2. O PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

De pronto, mister ressaltar que o princípio da coculpabilidade não está positivado no ordenamento pátrio. Diante disso, observar-se-á as hipóteses de aplicabilidade desse princípio, e de como efetivar no caso concreto. Na teoria, essa discussão já tem base sólida de como se daria sua aplicabilidade no sentido de pôr em prática o direito mitigado pelo poder estatal, qual seja, o de considerar as condições socioeconômicas do delinquente no momento da aplicação da pena no caso concreto. Sem esforço, nota-se que tal princípio vislumbra sua aplicabilidade dentro do Código de Processo Penal, que preceitua.

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos.

§ 1º Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez, e em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais (BRASIL, 1940, s/p)

Assim sendo, o legislador cuidou de positivar sobre as oportunidades sociais que o acusado tivera em toda a vida. Destarte, é inegável a positivação de princípio na fase processual, ao contrário do legislador do Código Penal pátrio, o qual não menciona a respeito das oportunidades sociais dadas ao agente. Acentua de forma categórica Moura (2006), que há o reconhecimento do princípio da coculpabilidade no Processo Penal. Todavia, para efetivação desse princípio será necessário, também, o reconhecimento no Direito Penal Brasileiro.

No tocante a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), observa-se o princípio da coculpabilidade de forma implícito, quando menciona os princípios reflexos iluministas: liberdade, igualdade, fraternidade, valores sociais, dignidade do ser humano, à vista disso, Moura (2006), assegura que a Carta Magna também menciona o princípio em estudo.


3. Princípio da individualização da pena

Necessário se faz observar de como é esse princípio dentro do ordenamento jurídico, razão pela qual, facilitará no entendimento na hora da aplicação da dosimetria da pena de acordo com o Código Penal Brasileiro.

Entende-se por individualização da pena no momento que o julgador respeitando a lei, atribui as penas em conformidade com as condutas de cada agente. Ante o exposto, mister se faz, que a previsão desse instituto está respaldada na CRFB/88.

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Art. 5º [...] XLI – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento d bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

[...]

XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes. (BRASIL, 1988, s/p.)

Dessa forma, respeitando o princípio da individualização da pena, pode-se dizer que a pena recebida pela prática de uma infração penal deve ser imposta levando-se em consideração as características pessoais do acusado, bem como, as circunstâncias em que o delito fora praticado.

Nesse sentido, contextualiza Moura (2006), que no caso de o Estado reconhecer o princípio da coculpabilidade, propiciaria ao julgador considerar na aplicação execução da pena, outras circunstâncias relevantes que permeiam o delito, ou seja, condições socioeconômicas do agente, desde que estas tenham influências na prática do fato crime.


4. O cálculo da pena de acordo com o Código Penal brasileiro

De início, para melhor compreensão de como o princípio da coculpabilidade insere-se na aplicação da pena, mister detalhar a composição das regras da dosimetria da pena, ou seja, o chamado critério de fixação da pena previsto no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 68, estabelece que “a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59, deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e aumento”.

Nesse contexto, verificam-se três fases, nas quais o juiz deverá observar para prolatar a pena final do acusado. Com essas instruções o magistrado estará vinculado à normativa penal, devendo cumpri-la, sob pena de anulação da lide.

Assim sendo, na primeira fase do cálculo da pena, que é chamada de pena-base, nesta, analisar-se-á as circunstâncias judiciais em relação ao agente bem como os motivos que circundaram para o cometimento do delito. Dispõe o dispositivo em comento.

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (BRASIL, 1941, s/p.)

É nesta etapa que, após a análise das circunstâncias judiciais, apresentada no artigo 59, servirá para indicar o quantitativo das penas a serem aplicadas bem como o regime inicial do cumprimento em estabelecimento penitenciário, como também, de uma possível substituição da pena privativa de liberdade.

Salienta-se, que o julgador não poderá fazer uma análise genérica em relação aos critérios estabelecidos no art. 59, do Código Penal, sendo obrigado a individualizar a cada uma delas, com fundamentação plausível. Esse entendimento se encontra pacificado tanto pelo Supremo Tribunal Federal. (HC nº 102.278/RN, Relator o Ministro Aires Brito. j. 19/10/2010), quanto pela doutrina.

Por sua vez, na segunda fase, terá como referência a pena-base aplicada na fase anterior. Nesta fase, serão levadas em considerações as circunstâncias legais agravantes e atenuantes. Estas estão positivadas nos artigos 61, 62, 65 e 66, todos inseridos na parte geral do Código Penal brasileiro.

Delas, destaca-se primeiramente a reincidência, da mesma maneira em que deverá ter o agente cometido o crime por motivo fútil ou à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido, ou ainda com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio cruel.

De fato, o julgador deverá observar se uma mesma circunstância do tipo penal elementar ou qualificadora da mesma espécie, não foi utilizada já em outra fase, para torná-lo mais grave o delito, haja vista, para não incorrer no princípio bis in idem, o qual é vedado, sob o argumento de que ninguém poderá ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Nesse contexto, leciona tanto a doutrina quanto o STF.

Entretanto, na segunda fase da dosimetria da pena, serão analisadas as circunstâncias atenuantes, arroladas no artigo 65 do Código Penal Brasileiro.

Estas, poderão diminuir a pena do agente, em que no primeiro momento, analisa a idade do agente, ou seja, caso este seja menor de vinte e um anos na data do fato ocorrido ou maior de setenta na data da sentença. Num segundo momento, explorar-se-á se o agente cometeu a infração penal em razão de relevante valor social ou moral.

Logo em seguida, dispõe no caso de ter confessado espontaneamente a prática, perante a autoridade, assumindo a autoria do crime.

Por sua vez, o artigo 66 do mesmo diploma legal prevê que a pena poderá ser ainda aplicada nos casos de circunstância relevante, prévia ou supervenientemente ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

Nessa situação, há uma inominada ocorrência de conteúdo variável. Assim, cabe ao julgador uma análise de discricionária, em relação a atenuar a pena do agente com a presença de uma circunstância não prevista expressamente na lei.

Esta conduta é defendida por Zaffaroni e Peirangeli (2004), que a interpretam a partir do artigo 66, do Código Penal, que aqui pode aplicar o princípio da coculpabilidade. Por conseguinte, o magistrado permitirá uma análise aprofundada da particularidade do indivíduo, amoldado ao caso concreto, ou seja, individualizando-a, conforme a lei e a subjetividade causal.

Em relação a terceira e última etapa de aplicação da pena, é formada de causas especiais de aumento ou de diminuição da pena conforme propõe o artigo 68, do Código Penal Brasileiro.

Nessa fase, o juiz limita-se a um só aumento, ou uma só diminuição, prevalecendo, entretanto, a causa que mais aumente ou diminua o objeto criminal calculado.

Isto é, o que preconiza o parágrafo único, do artigo 68, do Código Penal. Porém, é importante salientar que nesta etapa a causa de aumento e diminuição já vem tipificada em lei, ou seja, a norma penal secundária já traz o quantum que deve majorar ou minorar a pena. Contrapondo-se às agravantes e atenuantes, das quais são discricionárias ao julgador para mensurar o número que ensejará na pena, ajustando-se ao caso concreto.

Ainda nesta fase, a doutrina e as jurisprudências ratificam quanto à possibilidade de a pena aplicada ultrapassar o mínimo ou máximo estipulado previamente na norma incriminadora.


5. POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO DA COCULPABILIDADE COMO ATENUANTE GENÉRICA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

De pronto, salienta-se que no ordenamento pátrio não traz expresso o princípio da coculpabilidade, mas existem hipóteses de aplicação desse instituto, a partir de interpretação do que a letra da lei menciona, referindo-se a dosimetria da pena.

Nesse contexto, Zaffaroni e Pierangeli, citam o artigo 66, do Código Penal, como possibilidade de aplicação do princípio da coculpabilidade como atenuante inominada, mesmo não prevista no rol do artigo 65 do mesmo diploma legal, mas em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao delito, referindo-se ao que traz o artigo. Dessa forma, continua sua fundamentação ao descrever

Uma circunstância que, lamentavelmente, o texto vigente não menciona de maneira expressa, mas que pode ser considerada por esta via de atenuantes, é a menor culpabilidade do agente proveniente do que se acostumou chamar de “coculpabilidade” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p.791).

Igualmente, defende Moura (2006) que vislumbra outras possibilidades de inserção do princípio da coculpabilidade dentro do Código penal. O doutrinador cita uma hipótese do artigo 59, do Código Penal, menciona que, o juiz atendendo também as oportunidades sociais oferecidas ao autor do delito estabelecerá as penas.

Nesses moldes, a opção não apresenta uma eficácia, razão pela qual, caso fosse reconhecido o princípio da coculpabilidade pelo julgador, este não poderia reduzir a pena abaixo do mínimo legal do tipo incriminador, visto que, nessa fase impossibilita essa benesse.

Ainda, continua com a tese, de que o artigo 65, do mesmo diploma legal, caberia uma nova alínea do inciso III, com a previsão de circunstância atenuante genérica.

Destarte, é que a doutrina majoritária e a jurisprudência se posicionam no sentido de que as atenuantes genéricas não podem diminuir a pena abaixo do mínimo legal, nessa segunda fase.

Outra forma, da tentativa de inserção de tal teoria trazida pelo doutrinador, seria o acréscimo de um parágrafo ao artigo 29, do Código Penal, leciona Moura (2006), que no caso do agente estar sujeito a condições delicadas nas áreas culturais, econômicas, sociais, ou em um estado de hipossuficiência e notória miséria, sua pena será decrescida de um a dois terços.

Das três situações impostas pelo doutrinador, essa seria a melhor opção, visto que segundo ele, a positivação desse princípio tornaria uma maior individualização de pena e uma redução da pena aquém do mínimo legal do tipo incriminador no seu preceito secundário.

Diante disso, mister ressaltar que, existe em tramitação no Congresso Nacional o anteprojeto de Lei nº 3.473, apresentado em 18 de agosto de 2000 pelo Poder Executivo, o qual visa à reforma da Parte Geral do Código Penal brasileiro, em que nessa proposta, a teoria da coculpabilidade está inserida entre as circunstâncias judiciais previstas para a fixação da pena-base, no rol do artigo 59, desse mesmo diploma.

Art. 59. O juiz atendendo à culpabilidade, antecedentes, reincidência e condições pessoais do acusado, bem como as oportunidades sociais a ele oferecidas, aos motivos, circunstâncias e consequências do crime e ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente à individualização da pena (BRASÍLIA, 2000, s/p.)

Portanto, como mostrou Moura em sua tese, a inclusão desse princípio no artigo 59, não seria muito o eficaz. O fato é que diante da omissão estatal no sentido de não garantir os direitos sociais ao cidadão, o legislador quer o reconhecimento desse instituto, a fim de mitigar a situação daqueles que mais sofrem com essa omissão estatal.

Gravitando, a respeito da possibilidade da aplicabilidade da teoria da coculpabilidade no caso concreto, faz se necessário, divulgar algumas decisões que já fora tratado em relação ao tema em diversos Tribunais de Justiça.

De pronto, há de esclarecer, que ainda existe uma barreira em torno do reconhecimento dessa teoria, razão pela qual, os julgados mencionam a falta de positivação da coculpabilidade no ordenamento pátrio. Ademais uma possível atenuante nesse sentido, seria uma fomentação por parte do poder estatal da prática de mais delitos, expõe a jurisprudência.

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. PRINCÍPIO DA COCULPABILIDADE. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, TENDO EM VISTA AS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO APELANTE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. - O Estado E a Sociedade não podem ser responsabilizados pela criminalidade sob o fundamento da ausência de oportunidades aos indivíduos menos favorecidos, uma vez que o problema da delinquência atinge todas as camadas sociais, e o acolhimento de tal tese implicaria em caos social, impunidade e descrédito da Justiça. - Prestação pecuniária reduzida em razão das condições econômicas do apelante. - Recurso provido em parte.

(4ª CÂMARA CRIMINAL 30/08/2013 - 30/8/2013 Apelação Criminal APR 10024100966472001 MG (TJ-MG) Doorgal Andrada. ACESSADO EM 29/10/2018).

Infere-se, que esse julgado deu provimento em parte dos pedidos, mas não no sentido de reconhecer o princípio da coculpabilidade, razão pela qual, a tese implicaria no desamparo da sociedade e consequentemente, uma desconfiança da justiça. Contudo, por outro lado, o julgado reconhece a condição social do agente como atenuante na hora de fixar a pena da prestação pecuniária, reduzindo o valor a ser pago pelo apelante.

Entrementes, o TRF-1 apresenta argumentos não reconhecendo a aplicabilidade da teoria da coculpabilidade, haja vista, que a sociedade não pode ser penalizada por falta de oportunidades, a qual se encontram certos cidadãos com dificuldades de inserirem no mercado de trabalho, tampouco, servir de excludentes para a prática de delitos.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO DE GASOLINA. ART. 334. DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESNECESSIDADE DE APURAÇÃO DO DELITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO APLICAÇÃO. TEORIA DA COCULPABILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DAS PENAS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44, § 2º DO CÓDIGO PENAL. 1. Materialidade e autoria delitivas demonstradas pelo Auto de Apresentação e Apreensão, pelo Laudo de Perícia Criminal Federal, bem como pela confissão do réu e pelo depoimento das testemunhas arroladas. 2. Inoportuna a aplicação do princípio da insignificância na hipótese por se tratar de crime de contrabando de gasolina da Venezuela. 3. O crime descrito no art. 334. do Código Penal é formal, caso em que a apuração de violação de norma tributária, na esfera administrativa não é condição de procedibilidade da Ação Penal. 4. Não merece acolhida a tese da inexigibilidade de conduta diversa apresentada pelo réu, que alegou que se encontrava em difícil situação financeira e sem emprego fixo. Com efeito, não existem provas da situação de perigo a colocar em risco a sobrevivência do apelante, de modo a justificar a dirimente acenada, ônus esse que cabe à defesa (art. 156. /CPP). 5. A teoria da coculpabilidade deve ser afastada, em face da impossibilidade de divisão de responsabilidade entre a sociedade e o autor de uma infração penal, com fundamento no reduzido grau de autodeterminação do indivíduo. A simples exclusão de determinadas pessoas do mercado de trabalho ou o reduzido número de oportunidades de que dispõem determinados cidadãos não autoriza e nem pode servir como salvo-conduto para a prática de crimes. 6. Redução da pena aplicada na sentença, fixando-se o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, do Código Penal. 7. Substituição da pena [...]

(QUARTA TURMA e-DJF1 p.426 de 16/01/2013 - 16/1/2013 APELAÇÃO CRIMINAL ACR 1972 RR 0001972-98.2010.4.01.4200 (TRF-1) DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ).

Observar-se, que existe uma grande quantidade de jurisprudência a respeito dessa teoria, porém em sua grande parte, nota-se, que negou provimento, sob a argumentação em comum usado pelos julgadores: é de que não há previsão legal no Código Penal brasileiro, também, não vislumbra como atenuante inominada genérica do artigo 66 do mesmo diploma legal, e que o fato do agente ter uma condição social economicamente mínima, não lhe confere o direito de perturbar a sociedade com a prática de crimes.

No entanto, ao pesquisar sobre esse tema, foi possível encontrar alguns julgados que deram provimento à luz dessa teoria.

Embargos Infringentes. Tentativa de estupro. Fixação da pena. Agente que vive de biscates, solteiro, com dificuldades para satisfazer a concupiscência, altamente vulnerável à prática de delitos ocasionais. Maior a vulnerabilidade social, menor a culpabilidade. Teoria da co-culpabilidade (Zaffaroni). Prevalência do voto vencido, na fixação da pena-base mínima. Regime carcerário inicial. Embargos acolhidos por maioria.

(Embargos infringentes n° 70000792358, Quarto Grupo de Câmeras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, julgado em 28/4/2000).

Nota-se-que, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deu provimento a esse recurso para a fixação da pena base, nas circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal. O argumento usado nesse julgamento, foi o de que o Estado é corresponsável por não suprir o mínimo de condições sociais ao agente, ou seja, corrobora com a tese defendida por Zaffaroni, maior vulnerabilidade social, menor a culpabilidade.

FURTO EM RESIDÊNCIA. CONCURSO DE AGENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. FATO TÍPICO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. Além da inexistência de resultado patrimonial, a ocorrência de crime bagatelar exige análise acerca do desvalor da conduta do agente. A invasão da residência da vítima imprime desvalor à ação, tornando incabível a aplicação do princípio da insignificância. JUÍZO CONDENATÓRIO MANTIDO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE GENÉRICA PREVISTA NO ART. 66. DO CP. RÉU SEMI-ALFABETIZADO. INSTITUTO DA CO-CULPABILIDADE. REDUÇÃO DA PENA. MULTA. ISENÇÃO DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. PENA QUE TRANSCENDE DA PESSOA DO CONDENADO POBRE, ATINGINDO SEUS FAMILIARES. Apelação parcialmente provida.

(Apelação Crime Nº70013886742, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, Julgado em 20/04/2006).

O argumento usado nesse outro julgado, foi no sentido de acolhimento da atenuante genérica do artigo 66, do Código Penal. Entrementes, a justificativa fora a de que o réu estava em uma situação de menosprezo educacional por ser semialfabetizado, responsabilizando o Estado por não cumpriu o contrato social, que é o acesso a todos a educação. Observa-se, que na maioria dos julgados encontrados dando provimento a teoria da coculpabilidade foi no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça não tem admitido a aplicação da teoria da coculpabilidade, sob o argumento de que o Estado não pode ser responsabilizado por práticas delituosas praticadas pelo agente que de alguma forma tem sua condição social aquém do ideal em um país capitalista (STJ-HC: 187132 MG 2010/0185087-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 05/02/2013).

Dessa Forma, vislumbra-se ainda resistência na aplicabilidade dessa teoria. O principal argumento é de que não existe positivação da norma, e sim uma invenção doutrinária.

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Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM. Especialista em Direito nas Relações de Consumo - UCAM. Especialista em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial- UCAM. Diretor e Membro do Conselho Editorial da Revista Tribuna da Advocacia da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins. Professor e orientador da graduação (bacharelado) do curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Ipanema (licenciado). Professor da graduação e da pós-graduação do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins UBEC.

Wilian Rodrigues dos Santos

acadêmico 9ª período do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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