Fases metodológicas do processo, características, conceitos e sistemas de formas processuais

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07/05/2019 às 01:20
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Estudo sobre as fases metodológicas do direito processual, características, conceitos de processo e procedimento, perpassando pelas origens históricas, culturais e políticas das tradições jurídicas para melhor compreensão do sistema vigente.

Resumo: A doutrina tradicional nacional e estrangeira sempre tentou diferençar processo de procedimento e isso se verifica nas diversas fases metodológicas pelas quais experimentou o processo civil ao longo da sua existência, pois diferentes foram as concepções apresentadas a respeito dos seus escopos.

Sumário: 1. O praxismo. 2. O processualismo. 3. O instrumentalismo. 4. O neoprocessualismo. 5. Conceitos de processo e procedimento. 6. Sistemas das formas processuais. 7. As tradições jurídicas. 8. Conclusão. Referências.


1. O praxismo

Durante longo período, o processo foi encarado como mero procedimento, simples sucessão de atos e formas2. Trata-se da primeira fase metodológica do processo civil denominada de praxismo.

O praxismo correspondeu à pré-história do direito processual civil, porquanto atinente à época em que o direito processual civil não era considerado um ramo autônomo do direito3. Naquele contexto, o direito processual era visto como simples procedimento (procédure), uma sucessão de atos decorrentes da emanação do próprio direito material4 e destinado a permitir a aplicação do direito material violado5. Tratava-se de época em que o direito material não se distinguia do direito de ação, por isso o procedimento tinha por escopo servir ao direito material violado6.

No praxismo, o direito processual era classificado como mero compartimento do direito civil, não passando de uma projeção deste, pois o processo vivia sob a influência direta do civilismo, sendo inclusive disciplinada a sua dinâmica por princípios de direito civil.

A atividade judicial era restrita e até mesmo relativizada pela aplicação do princípio dispositivo, cuja característica principal era a minoração dos poderes instrutórios do julgador, posto que a atividade de produção das provas nos autos ficava a cargo exclusivamente pelas partes7. Tratava-se da jurisdição e do processo a serviço do cidadão, já que a parte, diretamente interessada na solução daquele litígio, canalizaria o processo para uma solução mais rápida. Registre-se, historicamente, que esta fase metodológica compreendeu todo o período que antecedeu à fase do cientificismo, englobando, portanto, o período dos glosadores, pós-glosadores, jurisprudência culta, enfim, até meados do Século XX8.


2. O processualismo

Somente a partir da concepção de Oskar Büllow foi sistematizada a teoria do processo como relação jurídica, sobressaindo-se a autonomia da relação processual9. Paula Sarno Braga relata que a ideia de relação jurídica processual foi inicialmente concebida por Hegel e, posteriomente, invocada por Bethmann-Holweg, mas foi o alemão Oskar Büllow quem, de fato, desenvolveu e sistematizou a teoria do processo como relação jurídica10, publicando sua obra “Teoria das exceções dilatórias e dos pressupostos processuais”.

Trata-se da segunda fase metodológica intitulada processualismo, pois estabelecidos os fundamentos da autonomia do direito processual, distinguindo-se a relação jurídica processual da relação jurídica de direito material. O processo não é mais um meio através do qual as partes, a partir da autonomia privada, exercem seus direitos; agora, o processo é disponibilizado pelo Estado às partes, submetidas que estão ao poder jurisdicional estatal11.

Nesta fase, também denominada de cientificismo, leciona Sarno12 que Büllow identifica o processo como uma relação jurídica autônoma, progressiva e de direito público, não se confundindo com a relação jurídica material deduzida em juízo, posto que possui sujeitos próprios (partes e juiz), objeto próprio (prestação jurisdicional) e requisitos (pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo), encontrando-se em desenvolvimento gradual para conclusão (prestação jurisdicional), diferentemente da relação material já concluída13.

Bülow parte do pressuposto de que processo é relação jurídica e, nessa ideia, identifica questões afins com as demais relações jurídicas, a partir das quais apresenta definições dos sujeitos processuais, objeto e fatos para a caracterização14.

Sucessivamente à fase liberal do processo, o cientificismo do século XX15 revelou um maior protagonismo judicial, com uma postura mais ativa do juiz, conferindo-lhe amplos poderes discricionários para gerir o processo, com o escopo principal de acelerar o trâmite processual16, sem interferir na sua imparcialidade e independência. Nessa fase, o processo era substancial e formalmente rígido e uniforme, porém conduzido pelo impulso oficial.


3. O instrumentalismo

Entretanto, em razão do encarceramento e limitações dos conceitos processuais, distanciando o processo civil da realidade e contexto social, surge a terceira fase, intitulada de instrumentalismo, tendo por principal precursor no Direito brasileiro Cândido Rangel Dinamarco17.

A teoria do instrumentalismo defendida por Dinamarco fundamenta-se na necessidade de que o processo alcança resultados práticos equivalentes ao fim ao qual se destina, vale dizer, na sua efetividade e, por isso mesmo, o processo passa a ser um instrumento, um meio para atingir o seu escopo18.

Cândido Dinamarco explica que o direito processual é formal na medida em que impõe formas a serem observadas tanto nos atos de exercício da jurisdição pelo juiz, quanto nos de defesa de interesses pelas partes, penhor da segurança do sistema processual. Entretanto, a regra da instrumentalidade das formas apresenta-se como uma tendência do direito processual civil moderno concebida para flexibilizar as formas e interpretar racionalmente as normas que as exigem, segundo seus escopos a serem atingidos19.

Nesta fase, o processo não é mais visto como uma relação jurídica processual20. Segundo Marinoni, no Estado contemporâneo não importa sequer saber se realmente existe uma relação jurídica processual, pois o processo se estrutura não apenas consoante as necessidades do direito material, mas, também, oportunizando ao juiz e às partes ajustarem-se às particularidades do caso concreto21. Cuida-se da dimensão externa do processo, segundo a qual o processo deve se desenvolver de modo a propiciar a efetiva participação de todos os seus participantes: juiz e partes, relacionando-se com a ideia do devido processo legal22.

Na fase do instrumentalismo, o processo, além de atender às expectativas do direito material, deve dar ao juiz e às partes o poder de utilizar as técnicas processuais necessárias para atender as particularidades do caso concreto23 e alcançar seu fim24. Vale dizer: o sistema processual deve ser estudado à vista dos seus escopos sociais, políticos e jurídicos, da sua função perante o direito material e para a pacificação social; de igual sorte, os atos processuais devem ser analisados em face do objetivo que têm a alcançar25.

O autor ainda realça o abandono das fórmulas exclusivamente jurídicas como a tendência universal quanto aos escopos do processo e do exercício da jurisdição26. As exigências formais legais asseguram determinados resultados. O que importa, sublinha Dinamarco, é o fim alcançado, atingido, e não tanto a regularidade no emprego dos meios27.

Além de adeptos28, a teoria recebe críticas, cabendo mencionar a apresentada por José Joaquim Calmon de Passos, ao destacar que o modismo da ‘instrumentalidade do processo’ camufla, ou conscientemente - perversidade ideológica, a ser combatida, ou por descuido epistemológico - equívoco a ser corrigido29. Calmon de Passos adere ao conceito de processo como um procedimento regulado, um tipo complexo de formação sucessiva, em que os atos que o compõem se sucedem numa ordem pré-fixada e necessária, encadeados e ligados por relação de causalidade, todos eles voltados para um efeito final 30. Por isso, sua crítica contundente à teoria de Dinamarco.31

Apropriado também transcrever o conceito de processo apresentado por Pontes de Miranda como uma série de atos encadeados com mais ou menos coesão tendente à preparação final indispensável à atividade julgadora ou de entrega da prestação jurisdicional32.

A fase da instrumentalidade foi marcada pela possibilidade de elasticidade das formas procedimentais. A ideia central é a de que o direito processual civil revela-se como instrumento a serviço do direito material, atento às necessidades sociais e políticas de seu tempo, superando a perspectiva puramente técnica33.

A teoria formulada por Konrad Hesse34, a força normativa da constituição, reverberou em todos os ramos do direito, inclusive no processo civil35, que também vem sofrendo seus reflexos, resultando na necessidade de observância dos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente assegurados.


4. O neoprocessualismo

A atual e quarta fase da evolução do direito processual civil denominada de neoprocessualismo, em clara alusão ao fenômeno do neoconstitucionalismo, consolida a constitucionalização do direito processual36, fenômeno contemporâneo, caracterizando-se pela revisão dos conceitos processuais dos séculos XIX e XX, a partir das novas premissas do Estado Constitucional e dos direitos fundamentais37.

Atualmente, a realidade doutrinária revela um direito processual constitucional porquanto atento às garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da igualdade, enfim do postulado democrático e das grandes balizas do que se chama justo processo38 porquanto a participação democrática das partes no processo é efetivação do postulado constitucional.

Da ideia de processo jurisdicional como procedimento realizado em contraditório39, como meio de entrega da prestação jurisdicional, resolvendo conflitos, através de um procedimento, sendo esse visto como um desencadear de atos, percebe-se o processo como fruto de um empreendimento coletivo; e não produto de um ato único, do Poder Judiciário40.


5. Conceitos de processo e procedimento

Em cada uma dessas diferentes etapas, os conceitos atribuídos pela doutrina ao processo e ao procedimento ora se distanciavam, ora se estreitavam.

A doutrina nacional indica João Mendes de Almeida Junior como o primeiro autor brasileiro a traçar diferença entre processo e procedimento41. Em sua obra produzida no primeiro quartel do século passado, Almeida Jr. assevera que processo é uma direção no movimento, enquanto procedimento “é o modo de mover e a forma em que é movido o acto”; o processo, sob uma perspectiva teleológica, seria um fenômeno imbuído dos fins a serem alcançados, enquanto procedimento se reduziria à condição de técnica42.

Didier Jr. elucida que processo é o conceito fundamental primário da teoria geral do processo jurisdicional e define processo jurisdicional como ato jurídico complexo, através do qual e por meio da atividade jurisdicional estatal, busca-se a produção de uma norma jurídica43.

Paula Costa e Silva observa que processo e procedimento são termos que se referem a uma mesma realidade e servem para definir um mesmo fenômeno; tratando-se de “um conjunto de factos que se sucedem no tempo e que visam preparar um resultado final”44.

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Não por outra razão, ao discorrer sobre norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no Direito Constitucional brasileiro, Paula Sarno Braga pontifica que processo é procedimento de produção normativa que exige contraditório. O contraditório, conquanto não seja elemento indispensável para a existência, revela-se como requisito de validade45. E explicita: ato processual é ato procedimental e integra a cadeia organizada de produção normativa. Por isso, conclui-se que legislar sobre processo significa legislar sobre procedimento porque processo e procedimento são noções indissociáveis46.


6.Sistemas das formas processuais

Ultrapassada a fase privatista, o processo assume uma feição publicista cujas características principais eram a oralidade e a concentração, o impulso processual oficial, o ativismo processual em matéria probatória, a busca da verdade material a qualquer preço, mesmo com sacrifício da imparcialidade do julgador, relegando a segundo plano a iniciativa das partes47 e, em matéria procedimental, revela-se o sistema de legalidade das formas procedimentais, com a decorrente rigidez, contrapondo-se ao sistema anterior da liberdade das formas.

Cuidava-se de uma fase notadamente marcada por um procedimento rígido, minuciosamente detalhado, em que as atividades de todos os sujeitos estavam previamente estabelecidas, sem muita possibilidade de escolha, apresentando-se como uma segurança contra voluntarismos judiciais.

Nesse movimento de publicização processual com excesso de formalismo, limitaram-se os poderes do juiz, aumentando a participação das partes na condução do processo48. As limitações à atividade do juiz no processo chegavam ao extremo de negar-lhe o poder de reconhecer de ofício a ausência de pressupostos processuais, à exceção da competência objetiva e funcional49. Era a fase metodológica em que o processo era visto como mero procedimento, sem autonomia, vinculado ao direito material.

Na linha da corrente do civil law, as formas procedimentais abstratas e gerais previamente concebidas na lei são freios, arreios e impõem limites às vontades e preferências pessoais das partes, evitando principalmente os arbítrios dos julgadores50.

Entretanto, a partir da segunda fase metodológica intitulada processualismo, já abordada neste estudo51, revela-se a autonomia do direito processual, com um exacerbado apego às formas processuais, excesso esse denominado por Amendoeira Júnior de mal, na medida em que impedia a consecução das finalidades do processo52.

Convém realçar que o apego às formas processuais se deu sob a justificativa de assegurar-se aos jurisdicionados as tão almejadas confiança e segurança jurídica. Contudo, a visão instrumentalista do processo autorizou a participação ativa do juiz no processo que sempre se pretendeu mais justo e équo, demonstrando que não há ofensa à confiança, nem à segurança jurídica quando implementados ajustes por ato de vontade das partes, com ou sem a participação do juiz, desde que observado o contraditório obrigatório53.

O CPC/2015 incorpora esse modelo que tem como objetivo principal a busca pela efetividade da tutela jurisdicional54, consagrando o princípio da primazia da decisão de mérito em expressa oposição ao apego exacerbado às formas. É o que se depreende da leitura dos arts. 4º55 e 6º56, além de outros dispositivos, a exemplo do parágrafo único do art. 93257 e do § 3º do art. 1.02958, este último autorizando o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça desconsiderar vício formal de recurso extraordinário e especial interpostos tempestivamente ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.

Trata-se, pois, de notável avanço quanto aos fins do processo, em contraponto às formas engessadas, pois o processo em contraditório59 está renovado não mais unicamente como garantia do direito de resposta, mas no participar do processo e influir nos seus rumos60; direito de influência e dever de debate61, ampliando-se a noção de processo democrático, em contraditório, aqui também já tangenciado.

Cuida-se de um novo modelo de processo com a liberdade de participação das partes na relação processual, denotando um controle judicial sobre a atividade das partes que devem atuar de forma paritária, isonômica e com diálogo entre si e na relação destas para com o Estado-Juiz62, não se limitando a um mero ideal elencado pelo legislador infraconstitucional63.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este estudo é também resultado dos grupos de pesquisas “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito processual”, vinculado à Universidade Federal da Bahia e cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7958378616800053). Esse grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo Contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).

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