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A responsabilidade civil nas concessões administrativas

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10/10/2005 às 00:00
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4- A responsabilidade civil nas concessões administrativas

Feitas considerações acerca da responsabilidade do Estado, visualidade de forma genérica, insta deduzirmos uma das questões centrais de nossa abordagem, e esta reside em sabermos a que regime estão sujeitas as concessionárias de obras ou serviços públicos. O fato de estarem atuando por sua conta e risco mas realizando um serviço ou obra em regime de concessão é elucidativo acerca da determinação da natureza da responsabilidade da concessionária. Haverá incidência do artigo 37, § 6, da CF/88, ou seja, a responsabilidade é objetiva, e se traduz nos exatos termos em que se coloca a responsabilidade do Estado no que respeita aos atos realizados por ele.

Assim é o majoritário entendimento da doutrina como Yussef Said Cahali: "E qualquer dúvida que pudesse remanescer estaria, agora, definitivamente superada diante do amplo elastério do artigo 37,§ 6º, da Constituição Federal de 1988: as pessoas jurídicas também de direito privado, prestadoras de serviço públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa" [27]

Também Hely Lopes Meirelles; "Dispõe o § 6º do artigo 37: ´As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa´. O exame deste dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegatários" [28]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro: "A regra da responsabilidade objetiva exige, segundo artigo 37, § 6º, da Constituição:1- que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; a norma constitucional veio pôr fim às divergências doutrinárias quanto à incidência de responsabilidade objetiva quanto (sic) se tratasse de entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos (fundações governamentais de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos)..." [29]

Celso Antônio Bandeira de Mello: "O concessionário- já foi visto- gere serviço por sua conta, risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do Estado, pois ambas estão consideradas conjuntamente no mesmo dispositivo constitucional...Isto significa, segundo opinião absolutamente predominante no Direito brasileiro, que a responsabilidade em questão é objetiva, ou seja, para que seja instaurada, prescinde-se de dolo ou culpa da pessoa jurídica, bastando a relação causal entre a atividade e o dano." [30]

Na jurisprudência, igualmente encontramos consagrada a tese da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado delegatárias de serviços públicos .No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul :

"ACIDENTE DE TRANSITO. ATROPELAMENTO. MORTE DE CICLISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA PERMISSIONARIA DE TRANSPORTE COLETIVO. ART.37, PAR.6, DA CONSTITUICAO FEDERAL. Culpa exclusiva do motorista do coletivo para o resultado danoso. Culpa in vigilando. Plasmada a responsabilidade objetiva do réu que deverá responder pelos atos praticados por seu agente, eis que este conduzindo transporte coletivo em velocidade incompatível e atravessando o sinal que lhe era desfavorável colheu ciclista, provocando-lhe a morte. Dano moral. É cabível à espécie a indenização por dano moral, fixada em atendimento aos critérios consagrados pela câmara. pensionamento mensal. limite. estudos do IBGE estimam que a expectativa de vida do gaúcho, atendidas as características de cada região brasileira, supera o patamar de 70 (setenta) anos de idade, fixados pela senteça a quo. Pensionamento mensal. Abatimento impertinente dos valores eventualmente pagos pelo instituto previdenciário. Não se pode reduzir do montante devido pela empresa o valor percebido pelos autores do INSS, vez que independentes, pois o primeiro resulta de ilicito civil e o outro relaciona-se com as leis previdenciárias. Apelação não provida. (Apc nº 196182273, Sexta Câmara Cìvel, , TARGS relator: des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 12/12/1996)"

"RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRANSITO. ATROPELAMENTO PROXIMO A FAIXA DE SEGURANCA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONARIA DE LINHA DE ONIBUS. Ausência de prova a elidir a culpa do motorista. parcelas integrantes da indenização. diferentes naturezas jurídicas. dano moral. Adequação para aliviar a dor da vitima e servir como reprimenda para o indenizante. Apelo improvido. (Apc nº 598174720, decima Segunda Câmara Cível, TJRS, relator: des. Antonio Carlos Madalena Carvalho, julgado em 13/08/1998)"

"RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONARIA DE SERVICO PUBLICO EM ACIDENTE DE TRANSITO QUE NAO SE EXCLUI PELO SO FATO DE A VITIMA PEDESTRE ESTAR EMBRIAGADA. O pagamento do seguro obrigatório sobre veículo se faz no percentual da invalidez permanente incidente sobre a base de ate 40 (quarenta vezes) o valor do maior Salário mínimo. deram parcial provimento. (Apc nº 196080964, Quinta Câmara Cível, TARGS, relator: des. Rui Portanova, julgado em 05/09/1996)

No Superior Tribunal de Justiça:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DESABAMENTO DE POSTE. VÍTIMA FATAL. MÁ CONSERVAÇÃO. AÇÃO PROCEDENTE. - Hipótese em que comprovado de maneira cabal o estado de má conservação do poste de iluminação. culpa reconhecida da ré. - ademais, segundo a constituição federal (art. 37, § 6º), a responsabilidade da empresa de energia elétrica, concessionária de serviço público, é objetiva. recurso especial não conhecido. (Resp 246758/Ac ; Recurso Especial. Dj . Data:27/11/2000, pg:00169 min. Barros Monteiro. Quarta Turma)"

"RESPONSABILIDADE CIVIL.. ATROPELAMENTO PROVOCADO POR MOTORISTA DE ONIBUS PERTENCENTE A EMPRESA PERMISSIONARIA DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 37, PARÁGRAFO 6º., DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. - Inocorrência de afronta ao art. 458, n. II, do CPC, pois o acórdão recorrido contem suficiente fundamentação. - assentada a decisão recorrida em motivação constitucional, adequado, e o recurso extraordinário e não o especial. - pretensão, ademais, de reexaminar matéria probatória em sede inidônea para tanto (súmula n. 07-STJ). Recurso Especial não conhecido (Resp 44980/Mg;min. Barros Monteiro. Quarta turma)"

No Supremo Tribunal Federal:

"CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO ENVOLVIDA EM ACIDENTE DE VEÍCULOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Ação de regresso. Agravo provido para melhor exame do extraordinário. Relator(a) min. Marco Aurelio. Agrag-209782 / SP DJ data-18-06-99 pp-00005 ement vol-01955-03 pp-00626"

Mas assentada a responsabilidade objetiva dos concessionários, surge a questão de localizarmos a responsabilidade do Estado neste contexto. Será responsabilizado objetivamente, como se o ato fora oriundo de to seu? Responderá sempre pelo dano do concessionário? Qual a natureza desta responsabilidade: subsidiária ou solidária?

Aqui, mais uma vez, há de invocar-se, com Celso Antônio Bandeira de Mello, o fato de que o concessionário age por sua conta e risco, e, via de conseqüência, tem de arcar com os riscos da atividade. Por esta ótica, afigura-se sumamente injusto postular uma responsabilidade objetiva e solidária do Estado, pois significaria quase que afastar o risco do concessionário. Deveras, quem podendo acionar o Estado, que será sempre solvável, perderá tempo buscando a responsabilização da concessionária. A colocação do estado em par de igualdade no que tange à responsabilidade de atos decorrentes de concessão, torna a " conta e risco" da beneficiária da concessão uma ilusão.

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Por este motivo é que o autor por último citado afirma, existir uma subsidiaridade da responsabilidade do Estado, que só será acionado, e com invocação de responsabilidade objetiva, em caso de insolvência do concessionário. Afirma não existir, em tal caso, responsabilidade solidária. No caso dos atos alheios ao serviço, sequer haveria de se falar em responsabilidade do Estado.

Mas Cahali vê de outra forma a situação, pois afirma: "Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do disposto no art. 37, § 6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades, desde que a concessão tenha por objeto a prestação de serviço público, atividade diretamente constitutiva do desemprenho do serviço público; responsabilidade direta e solidária, desde que demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização da concessionária possa ser identificada como causa do evento danoso" [31]

Já no que tange aos atos alheios ao serviço, a opinião do autor, exposta no mesmo local, é de que: "Tratando-se de danos oriundos de comportamentos alheios à própria prestação do serviço público (ou privado autorizado),a responsabilidade do Poder Público reveste-se de caráter subsidiário ou complementar, porém, não em função de uma eventual insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa da fiscalização da atividade da mesma".

Como se observa, há um antagonismo entre as posições dos doutos. Enquanto um reconhece subsidiaridade na responsabilidade por atos de execução do serviço ou obra em caso de insolvência do concessionário, o outro, afirma solidária e direta esta responsabilidade. Já quanto aos atos alheios à concessão, um afirma inexistir responsabilidade, e o outro a afirma subsidiária ou complementar, com fundamento na falha na escolha.

Se nos parece que o alvitre de Bandeira de Mello esteja mais correto, pois representa o que melhor traduz uma posição de equilíbrio quanto à responsabilização do Estado. Com efeito, se o serviço é prestado por conta e risco do concessionário, não se pode permitir uma responsabilização direta do Estado, pois estaria tornando este risco um risco a ser suportado sempre pelo ente estatal. Por outro lado, será difícil não ocorrer que a escolha esteja relacionada com o dano, porque sempre será invocável a falha da Administração nesta escolha como causa, ou por outras palavras, será difícil para a Administração afastar a presunção de que houve falha na escolha.

A escolha de A ou B para a concessão será sempre causa indireta do evento. Ademais, a posição de Cahali quanto aos atos alheios estende por demais a responsabilidade do Estado. Que tem a Administração com atos estranhos à concessão? Ora, o concessionário, fora da execução da concessão, encontra-se em par de igualdade com qualquer outra pessoa privada. Não se pode empolgar a responsabilidade do Estado por atos estranhos ao serviço ou obra, pois é em função da execução da concessão e dos atos a ela relacionados que surge a sua responsabilidade.

Desta forma, consideramos mais correta a posição que vê subsidiaridade na responsabilidade do Estado pelos atos de execução da concessão, e irresponsabilidade do ente concedente quanto a atos estranhos.


5- Conclusão

À luz do direito vigente, em especial o artigo 37, § 6º, da CF/88, e hoje, do Novo Código Civil, artigo 43, é de se reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado. Esta responsabilidade não é, contudo, absoluta, vigendo a teoria do risco administrativo em contraposição à teoria do risco integral. Isto se deve ao fato de que há circunstâncias nas quais o reconhecimento de uma responsabilidade integral, ao argumento da repartição dos ônus pela atividade administrativa, implicaria fonte de iniqüidades, como v.g, nos casos de culpa exclusiva da vítima ou eventos naturais incontroláveis.

No que diz respeito às concessões, a mesma regra de equilíbrio implica afastar uma responsabilização direta do Estado. Esta pode surgir em caso de insolvência, como preconiza Celso Antônio Bandeira de Mello, ou seja, antes há de se exaurir a força patrimonial do concessionário. Tal responsabilidade verterá somente quanto a atos próprios à execução da concessão, não se estendendo a atos externos.

Assim há de ser, porquanto se por um lado o concessionário atua em serviço ou obra pública, por outro, corre contra si o risco desta atividade.


Notas

  1. Direito administrativo Brasileiro, Malheiros, 17ª ed. 1992, p. 169.
  2. Cf Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13ª ed., p. 671.
  3. Iden Ibiden, p. 391.
  4. Hely Lopes Meirelles, op. cit, p. 170-171.
  5. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo Brasileiro, Atlas, 13ª ed. 2001. p. 210-211.
  6. Hely Lopes Meirelles, op. cit, p.338
  7. Ver Yussef Said Cahali, Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros, 2ª ed. 1996, p. 17.
  8. Op. cit, p. 18.
  9. Di Pietro, op. cit, p. 513.
  10. Cahali, op. cit, p. 20.
  11. Cretella Júnior, O Estado e a Obrigação de Indenizar, n. 33, p. 70, apud, Cahali, op. cit, p. 21.
  12. Meirelles, op. cit, p. 555, Di Pietro, op. cit, p. 515.
  13. Paul Duez, La responsabilité de la Puissance Publique, 1927, p. 15, apud Meirelles, op. cit, p. 555.
  14. Complementa Celso Antônio Bandeira de Mello que: " O argumento de que a falta do serviço (faute du service) é um fato objetivo, por corresponder a um comportamento objetivamente inferior aos padrões normais devidos pelo serviço, também não socorre os que pretendem caracterizá-la como hipótese de responsabilidade objetiva. Com efeito, a ser assim, também a responsabilidade por culpa seria responsabilidade objetiva (!), pois é culposa ( por negligência, imprudência ou imperícia) a conduta objetivamente inferior aos padrões normais de diligência, prudência ou perícia devidos por seu autor" (Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. p. 810)
  15. Bandeira de Mello, op. cit, p. 812.
  16. Admitida por Meirelles, op. cit, p. 556.
  17. Admitidos por Di Pietro, op. cit. P. 515.
  18. Para uma compreensão histórica da responsabilidade civil do Estado em nosso ordenamento, ver Cahali, op. cit, p.28-30e Bandeira de Mello, op. cit, p. 831 et seq.
  19. Hely Lopes Meirelles, op. cit. p. 360
  20. Cahali. Op. cit, p.35.
  21. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13 ed. , 2000, p. 819.
  22. Op; cit, p. 820.
  23. Responsabilidade Civil, Forense, 3 ed., 1992, p. 133
  24. Direito Administrativo Brasileiro, Forense, 2º ed., 2000, n.º 485, p. 634
  25. Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros, 2º ed. 2º tiragem, 1996, p. 44.
  26. Op. cit, p. 805-806
  27. Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros, 2ª edição1996, p. 155.
  28. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros. 17ª ed. 1993, p. 558.
  29. Direito Administrativo, Atlas,13ª ed., 2001, p. 517.
  30. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13ª ed. 2001, p. 669
  31. Cahali, op. cit, p. 151.
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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A responsabilidade civil nas concessões administrativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 831, 10 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7400. Acesso em: 22 dez. 2024.

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