4. O exercício da polícia judiciária nos crimes dolosos contra a vida de civil
Pelo que até aqui se aduziu, conclui-se que, na esfera estadual, o crime doloso contra a vida de civil continua a ser crime militar [25], havendo, porém, a competência de julgamento pelo Tribunal do Júri.
Ainda com lastro na Lei Maior, cumpre iluminar que a missão constitucional da Polícia Civil cinge-se, por força do § 4º do art. 144, ressalvada a competência da União, às funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (grifei).
Bem clara, na lógica do subsistema constitucional, a exceção criada pelo legislador constituinte, no sentido de que a infração penal militar ficasse à margem das atribuições das Polícias Civis.
Os crimes dolosos contra a vida de civis, perpetrados por militares dos Estados, ao encontrarem a plena tipicidade no Código Penal Militar [26], serão de atribuição apuratória das autoridades de polícia judiciária militar, entenda-se do Comandante de Unidade e, nos casos de delegação, do Oficial de serviço delegado. Como reflexo, as medidas previstas no art. 12 do Código de Processo Penal Militar devem ser encetadas pelo Oficial com atribuição de polícia judiciária militar e não pelo Delegado de Polícia.
5. Conclusão
Por todo o consignado, pode-se chegar à conclusão de que há duas realidades no que se refere ao crime doloso contra a vida de civil que encontre subsunção no Código Penal Militar (Parte Especial com complemento da Parte Geral): uma em âmbito federal e outra em âmbito estadual.
No âmbito federal, a Emenda Constitucional nº 45/04 não alterou a realidade existente, sendo possível sacramentar que a previsão do parágrafo único do art. 9º do CPM é inconstitucional.
Já no âmbito estadual, a supracitada Emenda contribuiu para o entendimento de que tais crimes permanecem com a classificação de militares, porém com competência de julgamento pelo Tribunal do Júri.
Essa conclusão é perfeitamente aceitável, porquanto a exceção partiu do próprio subsistema constitucional, diferenciando o tratamento por razões que fogem ao escopo deste trabalho.
Como já se alertou no início, o objetivo do raciocínio sobreposto não é o de sacramentar o entendimento de forma intransigente, mas de iniciar uma discussão que pode parecer estéril para os operadores do Direito Penal Militar que militam nas Justiças Militares, mas é de suma importância para aqueles afetos ao exercício da polícia judiciária militar.
Vultus animi janua est!
Notas
01
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2004. p. 598.02
Cf. MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 109.03
ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar – Vol. 1. Curitiba: Juruá, 2001, p. 294 a 300.04
Embora a ação não tenha tido seguimento por ilegitimidade da Associação para propô-la, os votos do relator e dos demais Ministros ao apreciarem o pedido de liminar, que foi denegado, deixaram clara a posição do Supremo Tribunal Federal.05
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 112.06
ASSIS, Jorge César. A Reforma do Poder Judiciário e a Justiça Militar. Breves Considerações sobre seu Alcance. Revista Direito Militar, n. 51, jan./fev. 2005. p. 23 a 27.07
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2004, p. 55.08
MORAES. Alexandre de. Op. cit. p. 563 (grifei).09
MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit. p. 26.10
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. Direito Penal Especial. Direito Penal Comum. Direito Processual Especial. In Direito Militar – História e Doutrina – Artigos Inéditos. Florianópolis: AMAJME, 2002. p. 38 a 45.11
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. Direito Penal Especial. Direito Penal Comum. Direito Processual Especial. In Direito Militar – História e Doutrina – Artigos Inéditos. Florianópolis: AMAJME, 2002. p. 40.12
Idem. Ibidem.13
CARVALHO,Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 79.14
Idem. p. 81.15
Idem. p. 80.16
Idem. p. 81.17
Idem. Ibidem.18
Idem. Ibidem.19
Idem. Ibidem.20
Idem. p. 82.21
Idem. Ibidem.22
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Ob. cit. p. 82. Nessa relação entre Ciência do Direito, com feição de foros sistemáticos, e o direito posto, identifica o autor a importância da descoberta da norma hipotética fundamental, empreendida por Hans Kelsen, porquanto se torna ela "o postulado capaz de dar sustentação à Ciência do Direito, demarcando-lhe o campo especulativo e atribuindo unidade ao objeto de investigação". Ob. Cit. p. 83.23
CARVALHO, Paulo de Barros. Ob. cit. p. 86.24
Vide art. 5º, XXXVIII, "d" da Constituição Federal.25
Para alguns, de acordo com a solução adotada anteriormente, o crime voltou a ser militar.26
A tipicidade dos crimes dolosos contra a vida no CPM merece atenção redobrada, porquanto há que se considerar que, diferentemente do Código Penal comum, não há um capítulo que condense os crimes contra a vida. Nesse contexto, seriam crimes contra a vida apenas o homicídio e a provocação direta ou auxílio ao suicídio, excluindo-se, embora haja entendimentos diversos, o genocídio que seria um delito contra a humanidade e não contra a vida. Deve-se atentar, ademais, que a tipicidade do crime militar é, em regra, indireta, ou seja, não há um pleno preenchimento da tipicidade apenas pela análise da Parte Especial do CPM, devendo-se complementar com a Parte Geral, mormente os dispositivos do art. 9º.