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Panorama histórico da filosofia política, da antigüidade ao período pós-revolucionário

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16/10/2005 às 00:00

Resumo:



  • O estudo da Ciência Política não se confunde com a Filosofia Política, pois a primeira busca uma abordagem mais descritiva dos fenômenos políticos;

  • Autores como Nicolau Maquiavel dissociaram a política da moral, inaugurando uma nova forma de pensar sobre o Estado e o poder;

  • O contratualismo, representado por pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, buscou explicar a origem da sociedade civil e do Estado através de pactos sociais.


Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

SUMÁRIO: Introdução – 1. A Filosofia Política na Antiga Grécia. – 2. A filosofia política na Idade Média. – 3. A filosofia política renascentista. – 4. Maquiavel: um capítulo à parte. – 5. A filosofia política contratualista. – 6. A gênese da Ciência Moderna. – Conclusão. – Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

            É verdadeira praxe, no universo acadêmico brasileiro, tratar-se a Ciência Política ora como uma série de reflexões de cunho especulativo acerca do sistema de governo ideal, ora como um dado, embora ambas as abordagens sejam equivocadas, do ponto de vista técnico e mesmo epistemológico. A primeira, porque confunde a Ciência Política com a Filosofia Política; a segunda, por apresentar conceitos acabados, como se todo o arcabouço teórico da Ciência Política fosse fruto de uma sistemática constatação, e não de uma construção.

            Daí, cremos, a grande dificuldade apresentada pelo aluno de graduação, ao cursar as matérias de introdução à Ciência Política ou outras afins.

            Este ensaio pretende, em breves linhas, apresentar ao estudante de graduação, recém-saído do Ensino Médio, os conhecimentos e conceitos fundamentais para compreender o processo de formação das idéias políticas contemporâneas, através de uma análise histórica do pensamento acerca dessa temática – a política, desde os antigos gregos até a atualidade. Evidentemente, devido à própria simplicidade a que se propõe, este trabalho se não aterá às minudências do pensamento dos pensadores citados, tampouco preocupar-se-á em apresentar todos os pensadores, a fim de não tornar a leitura complexa e cansativa. Assim, nossa preocupação, ao contrário de formar experts em Filosofia Política, será a de facilitar ao estudante a compreensão dos textos com que deparar-se-á na Faculdade, no sentido de tornar sua leitura mais dinâmica e proveitosa.


1.A FILOSOFIA POLÍTICA NA ANTIGA GRÉCIA

            1.1.O período mítico na Grécia Antiga

            Quando uma sociedade é demasiadamente simples e o grau de racionalidade de seus membros é pequeno, os indivíduos buscam as respostas acerca do mundo e da natureza em entidades sobrenaturais e metafísicas. Essas explicações vão se reunindo ao longo do tempo, e dessa maneira vão surgindo os Mitos, segundo os quais o governo da humanidade está ligado à vontade dos deuses.

            O discurso do mito se estende a todas as atividades desempenhadas pelo indivíduo, desde o seu nascimento, até a sua morte. Nesse mundo mítico, nada é natural: ao contrário, tudo é sagrado, e independe da vontade do ser, já que todo o seu destino é previamente traçado pelos deuses, e deles depende. Cabe, portanto, a esse estado de sacralização determinar quais ritos, leis e princípios normativos todos devem acatar, se quiserem estar em conformidade com a vontade dos deuses.

            O mito é, assim, determinista e trágico, absolutamente pessimista, uma vez que os indivíduos não têm controle sobre seu próprio destino: a determinação deste, cabe aos deuses.

            Foi nessa ordem de idéias que o mito foi o primeiro modelo de construção da realidade, na Antiga Grécia. Ele teve como função precípua, além de explicar a própria realidade, acomodar, tranqüilizar, apaziguar o indivíduo diante de um mundo tão assustador.

            1.2.A transição para a Democracia Ateniense

            Com o passar do tempo, entretanto, as sociedades gregas começaram a se desenvolver, e suas relações tornara-me mais complexas. Os gregos conquistaram os mares e expandiram seu comércio para outros locais, sendo remontado a esse período a criação da moeda. O contato com sociedades e culturas diferentes, levou os gregos à observação de que, em cada local, os indivíduos apreendiam e explicavam a realidade de formas diferentes. O mito, nesse momento, já não explica a realidade satisfatoriamente.

            Aliado a isso, o progresso tecnológico alcançado pelos gregos os levou a superar algumas das limitações que outrora lhe impunha a natureza, fazendo com que os indivíduos fossem, aos poucos, perdendo o "medo" dos deuses.

            Além disso, a crescente complexidade da organização social, trouxe em seu bojo uma série de conflitos interpessoais, para os quais a lei dos deuses já não apresentava solução. Surgiram, assim, as primeiras leis que visavam a regulamentação das relações na cidade, e deu-se o início do processo de substituição das leis divinas pelas leis humanas.

            O grego inventou, assim, a sua própria cidade, em detrimento da cidade dos deuses: surgia a polis.

            (...) O pensamento racional actua como material explosivo já neste primeiro estádio. As mais antigas autoridades perdem o seu valor. Só é verdade o que "eu" posso explicar por razões concludentes, aquilo que o "meu" pensamento consegue justificar perante si próprio. (...) Sem embargo, realiza-se com o aparecimento do

eu racional a superação do individualismo mais rica de consequências: surge o conceito de verdade, o novo conceito duma validade universal no fluir dos fenómenos, perante a qual se tem de curvar todo o arbitrário.

            1.3.A Democracia Ateniense

            A "invenção" da polis foi uma conseqüência direta da "descoberta" da racionalidade pelos gregos. À medida em que os indivíduos a foram dominando, os deuses foram saindo do centro do poder, entrando em seu lugar as Leis, convencionadas pelos cidadãos.

            A partir daquele momento, a condução das ações dos governantes passaram a ser debatidas na agora (mercado, localizado no centro da cidade). O poder de mando, portanto, não se concentrava mais na força; detinha o poder não quem tivesse armas, e sim quem possuísse o domínio da palavra.

            O que implica o sistema da

polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.

            (...)

            Uma segunda característica da polis é o cunho de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social. (...) Tornando-se elementos de uma cultura comum, os conhecimentos, os valores, as técnicas mentais são levadas à praça pública, sujeitos à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como garantia de poder, no recesso de tradições familiares; sua publicação motivará exegeses, interpretações diversas, oposições, debates apaixonados. Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político.

            No bojo dessas transformações, uma outra movimentação ocorreu, dessa vez em termos migratórios. No intuito de ter liberdade para expor suas idéias, os grandes matemáticos, arquitetos, artistas e pensadores dirigiram-se para Atenas, que se tornava um grande centro de cultura, fundado na liberdade de expressão e na condução coletiva dos negócios públicos. Dentre esses pensadores, estava um grupo de "professores de oratória", que eram pagos pelos atenienses mais abastados para ensiná-los a apresentar e defender suas idéias na Assembléia. Esses professores foram chamados de sofistas.

            (...) Como todos os pensadores gregos, os sofistas procuram comunicar algo que tivesse utilidade para a vida. Ensinavam a sabedoria prática; prometiam transmitir o conhecimento da arte de governar os estados e administrar as famílias adequadamente.

            (...)

            Por outro lado, as condições políticas prevalecentes em Atenas, e a sua condição de estrangeiros se combinaram para criar-lhes dificuldades e para distorcer o sentido do que ensinavam. Em sua maior parte, os sofistas eram estrangeiros que residiam em Atenas, como metecos, sob regime de ampla igualdade social, mas privados de privilégios políticos. (...) Todos se tinham instalado em Atenas porque a cidade era o centro intelectual da Grécia, graças à expansão do Império; mas os alunos que tinham em Atenas eram, naturalmente, filhos de famílias ricas, e os ricos naturalmente não eram simpáticos às instituições democráticas que Péricles havia estabelecido. (...) Quando pensamos que os sofistas, ainda que involuntariamente, devem Ter exercido esse tipo de influência política, e quando nos lembramos de que eram estrangeiros, estabelecidos em Atenas sem muita segurança, percebemos imediatamente as dificuldades da sua posição, e o ódio que deviam atrair.

            Percebe-se, portanto, que freqüentar as aulas dos sofistas era um grande privilégio: seus ensinamentos custavam muito dinheiro, e apenas os abastados filhos da oligarquia ateniense podiam pagar.

            Vários são os caracteres dos ensinamentos dos sofistas, e inúmeras foram as conseqüências daqueles para o regime político ateniense. Entretanto, para os fins a que se propõe este trabalho, poder-se-ia eleger algumas dentre as principais características desses ensinamentos, que tiveram uma repercussão maior e mais sensível sobre a democracia vivenciada em Atenas:

            a)os sofistas procuravam demonstrar que o importante não era conhecer a verdade, e sim convencer o outro de que o orados estava com ela;

            b)o bom orador, em sua concepção, era aquele indivíduo que sabia persuadir qualquer um, sobre qualquer coisa;

            c)os sofistas apresentavam uma técnica de convencimento que impunha conseqüências gravíssimas ao desenvolvimento da política;

            d)sua principal tese era: "todo conhecimento é relativo; não existe um conhecimento verdadeiro, e se existe, é impossível ao homem Ter acesso a ele".

            1.4.A decadência da Democracia Ateniense

            Vários motivos concorreram para a decadência da democracia ateniense, dentre os quais, citamos:

            a)a superficialidade do discurso sofístico;

            b)a relatividade como condição do exercício político;

            c)a construção de um saber fundamentado na opinião;

            d)a participação política dos herdeiros da velha oligarquia ateniense;

            e)a aliança entre a velha oligarquia ateniense e a oligarquia militar de Esparta;

            f)a derrota militar de Atenas para Esparta.

            A História demonstra que, quando um sistema entra em crise, algum tipo de revolução acontece. É nesse exato momento, quando ocorre o enfrentamento do homem com ele mesmo, através do questionamento, que se busca e galgam novas respostas.

            A decadência da democracia ateniense se estendeu a uma decadência religiosa, moral, ética, social e política, instalando na sociedade uma crise que a Grécia jamais superou.

            1.4.1.Sócrates

            Foi nesse contexto que Sócrates (469-399 a.C.) se eternizou, pelo seu questionamento acerca do pensamento disseminado pelos sofistas.

            Sócrates é o santo e o mártir da filosofia. Nenhum outro grande filósofo foi tão obcecado com o viver corretamente. Como muitos mártires, Sócrates escolheu não tentar salvar a própria vida, quando provavelmente o poderia Ter feito mudando suas atitudes. (...) E, diferentemente dos santos de toda e qualquer religião, sua fé consistia não em uma confiança na revelação ou em uma esperança cega, mas em uma devoção à razão argumentativa. Nada além disso, segundo a maioria, seria capaz de movê-lo.

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            O pensamento de Sócrates, em si, não tem grande relevo para o pensamento político. Nesse sentido, sua maior contribuição foi legar sua forma de questionar a Platão, seu discípulo.

            1.4.2.Platão e "A República"

            Platão (427-347 a.C.) foi o primeiro a estudar a política sob uma perspectiva "científica". Ele percebia que a polis estava "contaminada" pelas idéias dos sofistas, e buscou uma maneira de "curá-la" desse mal, através da racionalidade.

            Em seu livro A República, Platão desenvolveu seu pensamento político, através da descrição do que seria, em sua concepção, a forma ideal de governo. Para Platão, a educação era a base da vida social, e sua importância era tão grande, que deveria ser assumida exclusivamente pelo Estado. Através da educação, cada homem poderia desenvolver suas aptidões, e os que chegassem a se tornar filósofos (esse seria o mais alto grau de racionalidade atingível), seriam incumbidos do governo do Estado.

            Platão não desejava restaurar nenhum sistema político. A experiência havia mostrado que, nem a oligarquia, nem a monarquia, nem a teocracia, nem a democracia funcionavam bem ("funcionar bem", para Platão, significava "ser justo"). O que Platão pretendia era, em verdade, criar uma forma de governo perfeita, baseada exclusivamente na racionalidade. O grande equívoco de Platão foi imaginar que os filósofos, por supostamente terem o domínio da razão, não fossem capazes de cometer injustiças. Seu projeto político jamais foi posta em prática.

            1.4.3.A "Política" segundo Aristóteles

            Aristóteles (384-322 a.C.), é tido como o mais erudito e sábio dos filósofos gregos. Familiarizou-se com todo o desenvolvimento do pensamento grego anterior a ele.

            Em seu livro Política, Aristóteles intentou reaproximar o exercício da política ao exercício da ética, na busca de restaurar a moral política grega, conspurcada pela sofística, ainda em voga naquele momento.

            Para Aristóteles, o grande objetivo da vida do homem era ser feliz; para isso, deveria desenvolver suas aptidões. A natureza, tal qual era, não permitia que um homem isolado se desenvolvesse plenamente. Por essa razão, os homens se uniam para a realização de um bem maior e mais importante: a constituição e manutenção da polis.

            Esse fenômeno, segundo Aristóteles, acontecia naturalmente, e o homem seria assim, naturalmente um "animal da cidade" (em grego, como visto acima, polis), ou seja, o homem seria, por natureza, um animal político. Assim, para Aristóteles, o interesse coletivo deveria necessariamente ser mais importante que o interesse particular. Assim conclui, verbis:

            Fica evidente, portanto, que a cidade participa das coisas da natureza, que o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto (...) deixa de participar de uma cidade, (...) é merecedor, segundo Homero, da cruel censura de um sem-família, sem leis, sem lar (...).

            Aristóteles, que fora discípulo de Platão, viu Atenas e a Grécia serem subjugadas por Alexandre, o Grande. Ruía, assim, a civilização grega, outrora símbolo de grandeza e prosperidade.


2.A FILOSOFIA POLÍTICA NA IDADE MÉDIA

            A civilização romana foi, sem qualquer sombra de dúvida, de imensurável importância para a configuração das sociedades atuais, notadamente as do Ocidente, uma vez que a grande maioria dos institutos jurídicos e instituições políticas e até mesmo culturais que conhecemos e cultivamos hodiernamente, têm suas raízes na antiga sociedade romana.

            Entretanto, como a finalidade deste trabalho é expor, em linhas gerais, um panorama histórico das teorias filosóficas acerca da política, deixaremos o estudo da antiga civilização romana para outra oportunidade, e passaremos a relatar algumas teorias filosófico-políticas que se desenvolveram na Idade Média.

            2.1.O modo feudal de produção

            Uma das características fundamentais do feudalismo é a reclusão e a auto-suficiência dos feudos. As invasões bárbaras criavam um grande clima de insegurança, e as pessoas buscavam a segurança dos muros feudais.

            O trabalho, naquele período, era predominantemente agrícola, e a terra tinha um valor tão alto que era fator de prestígio econômico e social, determinante do poder político.

            Para utilizar a terra, os camponeses pagavam ao senhor feudal com parte de sua produção, além de cultivar as terras deste e prestar-lhe serviços militares, em caso de invasões ou ataques externos. As famílias camponesas produziam seus próprios móveis, roupas, alimentos e, eventualmente, trocavam o excedente entre si.

            Oprimidos pela estrutura do sistema feudal, os camponeses eram facilmente manipulados pela Igreja Católica, que através da cobrança do dízimo, de doações de terras e de jogadas políticas, tornou-se o maior e mais poderoso "senhor feudal" do período. A Igreja controlava toda a produção teórica e filosófica do período clássico, e manipulava a produção científica daquele tempo, publicando o que convinha, e excomungando, julgando e queimando os pensadores divergentes. A Igreja era, em verdade, quem mais lutava para conservar o modo de produção feudal, na perspectiva de manter o seu poder político indefinidamente.

            2.2.O papel da Igreja Católica no pensamento político medieval

            Ao longo de quase toda a idade média, todo o pensamento político do mundo ocidental esteve cerceado pela ideologia moralista da Igreja Católica. Dessa forma, toda a produção teórica acerca da política buscava a formulação de um sistema de governo calcado na moral cristã.

            Santo Agostinho (354-430), escreveu o livro A Cidade de Deus, em que afirmava que a cidade humana era essencialmente imperfeita, e que aqueles que vivessem em conformidade com os preceitos cristãos habitariam, após a morte, na Cidade de Deus, onde tudo era justo e perfeito.

            São Thomas Morus (1477-1535), em seu livro Utopia (1516), apresentou um modelo de sociedade ideal, onde havia justiça e igualdade para todos os cidadãos, uma vez que viviam, naquela sociedade, de acordo com a "Santa Fé Católica". Morus, católico, foi contra a instalação da Igreja Anglicana por Henrique VIII, o que diminuiria na Inglaterra, como de fato diminuiu, o poder do Papa.

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Sobre o autor
Rodrigo Andrade de Almeida

bacharelando em Direito pelas Faculdades Jorge Amado, em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Rodrigo Andrade. Panorama histórico da filosofia política, da antigüidade ao período pós-revolucionário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 835, 16 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7417. Acesso em: 25 dez. 2024.

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