Multipropriedade: uma nova modalidade de condomínio

31/05/2019 às 18:30
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Este novo direito real ingressa no ordenamento trazendo muitas benesses, principalmente relativas à especulação imobiliária.

O Direito de propriedade é uma garantia constitucional que nos últimos anos vem passando por muitas transformações sociais. Nossos legisladores trabalham no sentido de atender essas transformações. O código civil bem como outras leis vêm sofrendo alterações no sentido de regular o direito à propriedade. Nos últimos anos foi reconhecido o Direito Real de laje, e o Condomínio de Lotes finalmente foi inserido na categoria dos Condomínios Edilícios, o que já era esperado. A Lei 13465/17que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, estruturou Institutos que outrora se confundiam como Loteamento Fechado, Loteamento de Controle Controlado e o Condomínio de Lotes, incluindo o Art. 1.358-A ao Código Civil no capitulo referente aos Condomínios Edilícios.

 Art. 1358-A Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1o A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.

§ 2o Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística.

§ 3o Para fins de incorporacao imobiliaria, a implantação de toda a infraestrutura ficara a cargo do empreendedor. 

 A transformação mais recente veio com o reconhecimento do instituto da Multipropriedade através da Lei nº 13.777/2018 e a inclusão do Capítulo VII-A “CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE” inserindo 19 letras ao artigo 1358, que vão da letra B até a letra U (art. 1.358-B a 1.358-U).

A Lei nº 13.777/2018 alterou o Código Civil e a Lei de Registros Públicos 6015/73, entre outras leis.

De fato ainda existem aspectos que necessitam de análises profundas pelos doutrinadores, em vários pontos há opiniões divergentes, carecemos de muitos debates jurídicos a respeito, portanto o presente artigo tem o escopo de identificar exatamente o que é a Multipropriedade e suas principais inovações.

Conceito de Condomínio de Multipropriedade: o próprio artigo de lei da o conceito ideal para essa figura jurídica.

Código Civil: Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018)Parágrafo único. A multipropriedade não se extinguirá automaticamente se todas as frações de tempo forem do mesmo multiproprietário. (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018)

Em outras palavras, a Multipropriedade é configurada quando um bem é dividido entre vários proprietários, sendo que ao invés de fração ideal, comum nos condomínios edilícios, a Multipropriedade é composta por fração de tempo, onde cada proprietário terá o direito a uma fração de tempo sobre o bem.

O fenômeno da Multipropriedade surgiu na França, por volta de 1967. No Brasil, as primeiras operações de Multipropriedade começaram na década de 1980. Embora a Lei nº 13.777, de 2018 tenha somente agora legitimado esse instituto, o STJ por meio de jurisprudências, já se posicionou reconhecendo o mesmo antes da vigência da nova lei. A prática de contratos dentro dos moldes da Multipropriedade já era comum, nunca houve impedimento jurídico. As partes estabeleciam por contrato as suas vontades, utilizavam-se do instrumento da convenção de condomínios para regular os assuntos pertinentes à propriedade e a forma que iriam administrar, utilizar e dividir a fração de tempo. De fato, muitos desses contratos registrados anterior à Lei, possuíam clausulas diversas da mesma, por isso resta a incerteza quanto aos seus efeitos, se terão que se adequar a nova legislação. De qualquer forma, com a inovação da legislação, fomentou-se o mercado imobiliário e turístico, pois os seus contratantes estarão amparados por segurança jurídica. 

Atualmente aplica-se a Multipropriedade o Código Civil no artigo 1.358-B ao 1.358-U, de forma supletiva e subsidiária a Lei nº 4.591/64 (Lei dos Condomínios em Edificações e das Incorporações Imobiliárias); e o Código de Defesa do Consumidor.

A modalidade “Condomínio de Multipropriedade” esta incluída em um contexto de lazer, empreendimentos turísticos, ou hoteleiros. No mercado imobiliário e turístico o termo Time Sharing, também é utilizado para essa prática, visto que estamos falando de fração de tempo, e não fração ideal, como é o comum nas outras espécies de condomínio. Portanto Multipropriedade e Time Sharing são sinônimos, onde a característica principal é o sistema fracional do tempo, esse na verdade é o que define uma Multipropriedade.

Maria Helena Diniz define a Multipropriedade da seguinte forma¹:

Diniz (2013, p. 282) explica que: O sistema time sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de lazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel ( casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada cotitular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual (mensal, quinzenal ou semanal)”


Da Natureza Jurídica da Multipropriedade

A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil 2002 definem a Propriedade como um Direito Real, tendo o proprietário os plenos, poderes de usar, gozar, dispor e reaver a coisa, como dono e senhor.

Esse direito pode ser exercido de diferentes maneiras, de acordo com o tipo de propriedade e com o perfil do proprietário. Além da propriedade exclusiva, temos a copropriedade, a propriedade comum ou o condomínio, que pode ser o ordinário ou edilício. Em todos esses casos descritos existe uma forma especifica de se exercer a propriedade. Sendo assim a legislação acrescentou mais uma possibilidade de Condomínio, a Multipropriedade uma opção para quem só pode usar ou gozar do bem por determinado tempo, e que não tem condições econômicas de arcar financeiramente com os custos desse bem na sua integralidade e de forma permanente. Essa maneira única de se utilizar a Multipropriedade já foi motivo de divergências doutrinarias em relação a sua natureza jurídica. Há quem defenda a posição de que esse exercício de propriedade não alcança de fato todos os requisitos da mesma. No entanto vamos nos prender ao que de fato é praticado no universo jurídico, e em relação a isso não resta duvidas de que a natureza Jurídica da Multipropriedade é de Direito Real, ainda que existam divergências doutrinarias.

Esse reconhecimento foi dado pelo STJ em diversos julgados, vejamos o exemplo abaixo:

 “A   Multipropriedade  imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito   real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.546.165 - SP (2014/0308206-1)RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAR. P/ACÓRDÃO: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. -ME ADVOGADA : LÍVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E OUTRO (S) RECORRIDO : CONDOMÍNIO WEEK INN ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOSINTERES. : JORGE KARAM INCORPORAÇÕES E NEGÓCIOS S/C LTDA EMENTA:PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Presidente) os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 26 de abril de 2016 (Data do Julgamento)

A Multipropriedade é indivisível, não se sujeita a ação de divisão ou de extinção de condomínio, inclui a totalidade do bem, inclusive os equipamento e mobiliário. Em relação ao fracionamento do tempo o Art. 1.358-E do Código Civil observa que:

Cada fração de tempo é indivisível.

§ 1º O período correspondente a cada fração de tempo será de, no mínimo, 7 (sete) dias, seguidos ou intercalados, e poderá ser:

I - fixo e determinado, no mesmo período de cada ano;

II - flutuante, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado; ou

III - misto, combinando os sistemas fixo e flutuante.

§ 2º Todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, podendo haver a aquisição de frações maiores que a mínima, com o correspondente direito ao uso por períodos também maiores.

De acordo com a leitura do artigo acima o multiproprietário terá direito a uma quantia mínima de dias, sendo que durante o tempo em que ele tiver usando sua fração ideal de tempo ele terá pleno uso e gozo da totalidade do imóvel.

A fração do tempo é indivisível, todavia o multiproprietário poderá adquirir frações maiores que a mínima, com o correspondente direito ao uso e gozo por períodos correspondente ao tamanho de sua fração de tempo. A fração de tempo destinada à realização de reparos, não terá matrícula própria, devendo estar prevista e registrada na fração de tempo principal. O ato de instituição deverá prever a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.

A Multipropriedade por ser instituída por ato entre vivos, ou por testamento. O registro de instituição deve ser feito no cartório de registro de imóveis competente, com indicação obrigatória de que se trata de Multipropriedade. O imóvel objeto da multipropriedade  terá, além de sua matrícula própria, uma matrícula para cada fração de tempo, onde se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva fração de tempo. O município poderá lotar cada fração de tempo, para fins de recolhimento de IPTU, conforme a legislação tributária municipal, individualizando a inscrição de cada multiproprietário.


Dos Direitos e Deveres dos Multiproprietários

A Instituição do Condomínio, a Convenção e o Regimento interno também são normas aplicadas na Multipropriedade. No ato em que sendo que for contratado e registrado o condomínio em multipropriedade, os condôminos estabelecerão os limites de uso, e a forma de utilização de suas frações de tempo, sendo que eles poderão usar e gozar do imóvel e suas instalações durante o período correspondente à sua fração de tempo.

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Existe a possibilidade de cessão da fração de tempo, bem como sucessão, locação, comodato, alienação, tanto por ato inter vivos quanto por causa mortis, a título oneroso ou gratuito, sendo que no caso de qualquer um desses atos o mesmo deverá ser informado ao administrador da multipropriedade. O multiproprietário poderá votar e participar das Assembleias, pessoalmente ou por intermédio de representante ou procurador, desde que esteja quite com as obrigações condominiais.

Suas obrigações são: pagar a contribuição condominial da Multipropriedade ocupa-lo de acordo com a sua fração de tempo, desocupando o imóvel até o dia e hora fixados no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio, sob pena de multa diária, conforme convencionado no instrumento pertinente. Zelar pela conservação e limpeza do patrimônio e equipamentos, bem como a finalidade do mesmo. Permitir a realização de obras ou reparos urgentes

Quando se referir à parte do condomínio edilício, mesmo que o Multiproprietário renuncie ao uso e gozo, total ou parcial do imóvel, das áreas comuns ou das respectivas instalações, e equipamentos mobiliário; respondera pelos danos causados a qualquer desses itens, ou outros aqui não descritos, por ato próprio, dos seus convidados ou acompanhantes, bem como de terceiros. As multas, as sanções, e as despesas referentes a reparos e manutenção do imóvel, bem como o seguro das edificações e sua cobertura, deverão estar previstos na convenção do condomínio de Multipropriedade.


Dos atos Administrativos na Multipropriedade.

Para administrar a Multipropriedade, seu uso e sua manutenção e equipamentos, os Multiproprietários indicarão a pessoa responsável no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio. Caso não o façam poderão indicar por meio de assembleia geral.

O administrador exercerá todas as atribuições estabelecidas e coordenará a utilização do imóvel, conforme as frações de tempo respectivas, o direito de uso e gozo de cada Multiproprietário. E também promoverá a manutenção, conservação e limpeza do imóvel. As questões orçamentárias, prestação de contas, orçamento anual, também serão responsabilidade do administrador.

O condomínio edilício também poderá adotar o sistema de Multipropriedade em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas, se houver previsão no instrumento de instituição, ou mediante a deliberação de assembleia, sendo necessário um quórum de maioria absoluta dos condôminos. No caso de instituição do regime de Multipropriedade em condomínio edilício há a obrigatoriedade de um administrador profissional.

O multiproprietário somente poderá renunciar de forma translativa a seu direito de multipropriedade em favor do condomínio edilício, se estiver em dia com as contribuições condominiais, com os tributos imobiliários e se for o caso, com a taxa de ocupação. Se o Multiproprietário se tornar inadimplente nas despesas condominiais, a sua fração de tempo poderá ser adjudicada, na forma da lei processual civil (art. 1.358-S, Código Civil).

Por fim podemos concluir que com a edição da atual Lei, este novo direito real ingressa no ordenamento trazendo muitas benesses, primeiramente relativas à especulação imobiliária, pois proporciona segurança jurídica, sendo que os contratos relativos à Multipropriedade poderão ser registrados normalmente no cartório de registro de imóveis. Ademais fomenta o incremento do turismo, da construção civil, e dos negócios imobiliários em geral.


Nota

¹ DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 28 ed. São Paulo: Saraiva 2013

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Sobre o autor
Miguel Zaim

MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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