Capa da publicação Ampliação do colegiado de julgamento: divergências sobre o art. 942 do CPC
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Da interpretação e abrangência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015:

uma análise sobre as teses fixadas pelo TJPE em sede de IAC e os primeiros posicionamentos do STJ acerca do referido dispositivo

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14/09/2019 às 16:00
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3. Da necessidade de observância do princípio do juiz natural

Da leitura do art. 942 do CPC/2015, constata-se não ter o legislador disciplinado a forma de convocação dos outros julgadores necessários para o prosseguimento do julgamento nas hipóteses de incidência do referido dispositivo.

Na realidade, o aludido dispositivo sequer estabeleceu o número de julgadores que devem compor o colegiado ampliado, limitando-se a utilizar a expressão “em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”.

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, comentando sobre a temática, fizeram as seguintes considerações:

A decisão na apelação ou no agravo de instrumento deve ser tomada, no órgão colegiado, pelo voto de três membros (art. 941, § 2º, CPC). Um julgamento não unânime, nesse caso, é uma decisão com dois votos vencedores e um vencido. Logo, hão de ser convocados mais dois julgadores para que se possa, eventualmente, ser invertida a conclusão, agregando-se os dois novos votos ao vencido, tendo-se um resultato 2 x 3. Mas também é possível que os novos votos se somente aos votos até então vencedores, tendo-se um resultado de 4 x 1, ou ainda é possível que um dos novos votos se some aos votos até então vencedres e o outro, ao vencido, mantendo-se o resultado até então obtido, só que com uma votação de 3 x 2.”

(...)

Os outros dois julgadores devem ser convocados de acordo com definição prévia constante de regra do regimento interno. Em outras palavras, o regimento interno deve estabelecer critérios prévios e objetivos para a convocaão dos julgadores que irão complementar o julgamento iniciado, mas ainda não concluído totalmente. Essa definição prévia é fundamental e atende às exigências do principio do juiz natural[7].      

Com efeito, tendo em vista que, no julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de 3 (três) juízes (§ 2º do art. 941 do CPC/2015), deverão ser convocados mais 2 (dois) juízes para o prosseguimento do julgamento de tais recursos na hipótese de incidência da regra prevista no art. 942 do CPC/2015, uma vez que tal número seria suficiente para inverter o resultado.

Nessa esteira, o Fórum Permanente dos Processualistas Civis (FPPC) aprovou os seguintes enunciados:

Enunciado n.  683: A continuidade do julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento pela aplicação do art. 942 exige o quórum mínimo de cinco julgadores.

Enunciado n. 684: Ofende o juiz natural a convocação de julgadores no caso do art. 942, ou no de qualquer substituição, sem critério objetivo estabelecido previamente em ato normativo.

O prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, acaso já existam julgadores em número suficiente para reversão do resultado do julgamento presentes (art. 942, § 1º, do CPC/2015), ou em qualquer outra, hipótese em que é imprescindível a colocação em pauta (art. 935 do CPC/2015).

 Como bem advertem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero,

[se] for o caso de novo julgamento, é necessária a colocação em pauta com um cuidado adicional: é preciso que se indique quem são os julgadores convocados para o prosseguimento. É que somente a partir dessa informação será possível que as partes tenham condições de exercer plenamente o contraditório, direcionando seus esforços também para convencer os membros ocasionais do julgamento[8].

Assim, para que seja atendido o princípio do juiz natural, previsto no inciso XXXVII do art. 5º da CRFB/1988, os regimentos internos dos tribunais devem estabelecer critérios prévios e objetivos para a convocação dos dois desembargadores que irão participar, no julgamento de recurso de apelação ou de agravo de instrumento, da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.


4. Ampliação do julgamento na apelação

A doutrina majoritária defende que, na apelação, o art. 942 do CPC/2015 aplica-se a qualquer julgamento não unânime[9]. Ou seja, tratando-se de apelação interposta contra sentença de mérito ou terminativa, tem lugar a aplicação da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015.

Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha afirmam:

Na apelação, o art. 942 do CPC aplica-se a qualquer julgamento não unânime. Não importa o conteúdo do julgamento; se ele não for unânime, aplica-se a regra do art. 942 do CPC, com a convocação de mais dois julgadores para que se tenha prosseguimento. Se apelação for inadmitida por maioria de votos, se for desprovida por maioria de votos ou se for provida por maioria de votos, haverá incidência da regra. Basta que o julgamento seja não unânime.

(...)

Em alguns Tribunais, já há manifestação de entendimento segundo o qual o art. 942 do CPC somente deve ser aplicado no julgamento da apelação, se tiver havido modificação da sentença de mérito. Se o julgamento não unânime tiver concluído pela manutenção da sentença, não haveria incidência do dispositivo, cuja aplicação haveria de ser sistêmica, coerente e harmônica. Como no julgamento do agravo de instrumento e no da ação rescisória a regra só incide quando houver modificação da situação anterior, o mesmo deveria ocorrer com a apelação.

Tal entendimento não se revela adequado, conflitando com o texto expresso do art. 942 do CPC. A escolha política, manifestada no referido dispositivo, indica que, na apelação, a regra há de ser aplicada sempre que o julgamento não for unânime. No caso do agravo de instrumento e no caso da ação rescisória, a dupla conformidade afasta a aplicação da regra, de modo que só haverá sua incidência quando o resultado apontar, respectivamente, para a mudança da decisão agravada ou para a desconstituição da coisa julgada.

Enfim, na apelação, o art. 942 aplica-se sempre que houve julgamento não unânime, independentemente do seu conteúdo[10].

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De fato, da leitura do caput do art. 942 do CPC/2015, percebe-se que, diferentemente dos embargos infringentes do CPC de 1973, o qual limitava, no caso da apelação, a incidência do recurso aos julgamentos que resultassem em reforma da sentença de mérito, o CPC de 2015 prevê o cabimento da técnica de julgamento "quando o resultado da apelação for não unânime", não havendo, na redação do dispositivo, referência a julgamento que reforma ou mantém a sentença de primeiro grau.

Em outras palavras, o art. 942 do CPC/2015 não limitou a ampliação do julgamento apenas às questões de mérito. Qualquer julgamento não unânime, quer verse sobre questões de direito material, quer sobre questões de direito processual, deve ser subjetivamente ampliado.

A leitura do parecer definitivo do ainda projeto do novo CPC na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Paulo Teixeira, alhures transcrito, leva-nos à conclusão de que o legislador, por ter criado uma técnica de julgamento bem mais simples e informal do que os embargos infringentes, teria decidido de forma consciente alargar seu cabimento para qualquer julgamento por maioria de votos na apelação.

Sobre essa questão, quando do julgamento do IAC nº 495116-8, o Órgão Especial do TJPE, por apertada maioria (10 x 9), fixou a seguinte tese jurídica, a qual restou numerada como a sexta tese:

No recurso de apelação, incidirá o artigo 942, do CPC, sempre que o julgamento for não unânime, independentemente do seu conteúdo. As questões daí advenientes ficaram assim delimitadas:

a.1 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para reformar sentença terminativa, incidirá a regra do artigo 942, do CPC;

a.2 Se, por maioria de votos, o apelo não for admitido, incidirá o artigo 942 do CPC;

a.3 Se, por maioria de votos, o apelo for desprovido, incidirá o artigo 942 do CPC;

a.4 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para anular a sentença, incidirá o artigo 942 do CPC.

A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1733820/SC, cuja ementa já restou transcrita acima, também fixou o entendimento de que “a técnica de julgamento prevista no CPC/2015 deverá ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada”.

O mencionado julgamento também se deu por maioria de votos (4 x 1 - o Ministro Raul Araújo ficou vencido). Naquela oportunidade, prevaleceu o voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, Relator, que assim se posicionou sobre a ampliação do julgamento na apelação:

Sendo assim, não obstante as críticas à opção do legislador de adotar um escopo amplo para a técnica do art. 942 do CPC de 2015, na apelação, entendo que a interpretação não pode afastar-se da letra da lei, que não deixa dúvidas quanto ao seu cabimento em todas as hipóteses de resultado não unânime de julgamento da apelação, e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito.

Corroborando este entendimento, nota-se que, no caso da ação rescisória e do agravo de instrumento (art. 942, § 3°), o legislador teve o cuidado de especificar as hipóteses de cabimento da técnica processual, limitando, nesses casos, o âmbito de incidência deste dispositivo.

Ressalte-se que a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp nº 1762236/SP, reafirmou esse entendimento, registrando que “a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 não se restringe aos casos de reforma da sentença de mérito, tendo em vista a literalidade da disposição legal, que não estabelece nenhuma restrição semelhante ao regime dos extintos embargos infringentes”.

De fato, transferir a restrição contida nos parágrafos do art.942 do CPC/2015 para o caput seria subverter a previsão normativa, transformando a exceção em regra geral.

Dito isso, não faz sentido interpretar o caput do art. 942 do CPC/2015 a partir dos seus incisos e parágrafos.

A leitura do art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 95/1998 (dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis), reforça ainda mais essa ideia, ao prescrever que se deve “expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.

Em suma: a doutrina majoritária, bem como o entendimento firmado pelo Órgão Especial do TJPE, quando do julgamento do IAC nº 495116-8 e pelas Terceira e Quarta Turmas do STJ, nos julgamentos dos REsps nºs 1733820/SC e 1762236/SP, fixaram o entendimento de que, na apelação, basta a não unanimidade para o prolongamento do julgamento (independentemente do seu conteúdo), e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Jar e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Assessor Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE. Assessor do Des. Eduardo Sertório Canto.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Eduardo Jar. Da interpretação e abrangência da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015:: uma análise sobre as teses fixadas pelo TJPE em sede de IAC e os primeiros posicionamentos do STJ acerca do referido dispositivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5918, 14 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74338. Acesso em: 23 abr. 2024.

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