" MECANISMO PARA HARMONIZAÇÃO DA TRANSMISSÃO DE TERRA FACE AO ARTIGO 109 DA CRM "

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10/06/2019 às 01:18
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A presente dissertação aborda o tema de mecanismo para harmonização da venda de terras face ao artigo 109 da CRM e tem uma conexão no curso de Mestrado em Direito Civil, módulo de Direitos reais II.

INTRODUÇÃO

         A presente dissertação enquadra-se no âmbito do curso de mestrado em Direito Civil, mas concretamente no módulo dos Direitos reais II. Assim, o trabalho norteia-se da seguinte vertente: Intitulado tema mecanismo para harmonização da transmissão de terra face ao artigo 109º da Constituição da República de Moçambique. Esta pesquisa está focalizada na conciliação da prática, de venda de terra com os instrumentos legais, por se verificar muitos factos nalgumas vezes a inércia por parte do Estado. Hoje em Moçambique transmitir a terra através de pagamentos pecuniárias virou a ser uma reputação e longe do ilícito, provocando assim o paradoxo dos instrumentos que proíbem a sua venda. No que refere ao problema, a posse e a propriedade são institutos jurídicos de direitos reais com relevância no mundo jurídico, neste contexto, a posse e a propriedade da terra constituem, para vários países, matéria de grande importância e preocupação.

Moçambique tem também enfrentado problemas semelhantes, resultantes basicamente na transmissão pecuniária ilegal de terras em todo território nacional. Trata-se de uma realidade inegável que até possui sites na internet de venda de terras exibindo os valores exorbitantes. Como evidência da prática deste acto, a imprensa nacional tem veiculado notícias por exemplo, jornal notícias no dia 30 de Maio de 2015[1], o domingo dia 11 de Novembro de 2017[2] e o país do dia 24 de Setembro de 2018[3]. No que tange a alegação da pertença de terra por parte do Estado, as autarquias locais tem-se envolvido nos conflitos de terras contra os particulares, que culmina com a destruição das suas residências. Estes factos levam os particulares a recorrerem aos tribunais como o caso da Inês Afonso Tivane apresentado no dia 29 de Novembro de 2001[4].

Assim, o facto de terra constituir um meio básico e privilegiado usado pela população nas suas actividades o bem-estar. Além disso, grandes companhias nacionais e multinacionais que operam no país, usam a terra para realizar os seus investimentos, por sua vez os nºs 1 e 2 do artigo 109.º da Constituição da República de Moçambique conjugado com o artigo 3 da Lei n.º19/97, de 1 de Outubro (Lei de Terras), a Terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada, assim cria enormes dificuldades para a compreensão adequada, face a estas situações surge uma pergunta de partida: Que mecanismos devem ser adoptados para harmonizar a realidade da transmissão de terra face ao artigo 109º da CRM?         

No que tange a justificativa, importa discernir que a escolha do tema foi através das seguintes razões:

Adequar a realidade jurídica de propriedade terreno e de terra no quadro jurídico moçambicano, devido a questão de venda de terra constituir um facto inevitável.

O tema é actual e muito relevante, pois vai ajudar a sociedade moçambicana no sentido de perceber os aspectos em que o Estado é proprietário de terra. O estudo destina-se em primeiro lugar a sociedade moçambicana, visto que ela perde as suas terras com a justificação de pertença do Estado, mas favorecendo a maioria das multinacionais por falta de clareza justa.

Pela sua importância, vai ajudar o legislador a melhorar a legislação de terra, no sentido de corresponder com a questão social.

Quanto aos objectivos: Objectivo geral analisar os institutos da posse e propriedade no uso e aproveitamento de terra e os objectivos específicos, aferir o regime jurídico da posse e da propriedade da terra, analisar as características da posse e a propriedade de terra e discutir os contornos do artigo 109º da CRM;

       No que refere as hipóteses: Ausência de uma legislação realística provoca a desarmonia com a constituição da República na venda de terra; A falta de clareza justa sobre a noção de proprietário de terreno conduz a desarmonia constitucional na venda de terra; A característica dos direitos reais de disposição viabiliza a venda de terra em Moçambique;

         No que tange a estrutura, compreende, a introdução, o desenvolvimento e a conclusão. Relativamente aos capítulos, no I capítulo, apresenta os aspectos metodológicos, no qual consta o tipo e o método da pesquisa, a técnica de colecta de dados e a técnica de discussão dos resultados o universo e amostragem.

No II-Capítulo apresenta-se os conceitos básicos da posse, da propriedade, origens e o historial de cada instituto, a problemática conceitual na visão dos autores, teorias, fundamentos e natureza jurídica.

No III capítulo apresenta o paradoxo do artigo 109 da CRM que integram a matéria sobre negócio e mercados de terras, o processo de venda ilegal de terra em algumas regiões de Moçambique.

No IV capítulo a apresenta análise de dados, a categorização[5], tabulação que posteriormente serão discutidos no capítulo subsequente. No V capítulo aborda a discussão dos resultados da pesquisa através da confrontação das teorias de diferentes autores, os dados dos entrevistados e finalmente o nosso argumento e posicionamento.

Desde o Direito Romano discute-se o instituto da posse. Facto é que a defesa da posse é uma defesa da paz social em si. A quebra da tranquilidade da sociedade em decorrência da tomada violenta da posse de alguma coisa que outrem tinha em seu poder deveria ser coibida. O Estado teria esse papel de combater coercivamente (manumilitari) a injustiça e restituir as coisas à situação anterior[6].

Assim, a noção da posse é dada no nosso sistema jurídico, pelo artigo1251 do CC define que o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de direito de propriedade ou de outro direito real[7].

Sobre a propriedade importa discernirmos através de uma base legal “Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade.”202 CC. O enquadramento da propriedade no ordenamento jurídico, implica pois, o conhecimento do seu conceito, objecto as suas teorias e os momentos históricos.

CAPÍTULO I- METODOLOGIA[8]

  1. Tipo de pesquisa

Uma pesquisa ou investigação é um processo sistemático para a construção do conhecimento humano, gerando novos conhecimentos, podendo também desenvolver, colaborar, produzir, refutar, detalhar, actualizar, algum conhecimento pré-existente, servindo basicamente tanto para individuo ou grupo de indivíduos que a realiza quanto para a sociedade na qual esta se desenvolve[9].

Pesquisa é procedimento racional e sistemático que tem como objectivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados[10].

Só se inicia uma pesquisa se existir uma pergunta, uma dúvida para a qual se quer buscar a resposta. Pesquisar, portanto, é buscar ou procurar resposta para alguma coisa. As razões que levam à realização de uma pesquisa científica podem ser agrupadas em razões intelectuais (desejo de conhecer pela própria satisfação de conhecer) e razões práticas (desejo de conhecer com vistas a fazer algo de maneira mais eficaz). Para se fazer uma pesquisa científica, não basta o desejo do pesquisador em realizá-la; é fundamental ter o conhecimento do assunto a ser pesquisado, além de recursos humanos, materiais e financeiros. É irreal a visão romântica de que o pesquisador é aquele que inventa e promove descobertas por ser genial. Claro que se há de considerar as qualidades pessoais do pesquisador, pois ele não se atreveria a iniciar uma pesquisa se seus dados teóricos estivessem escritos numa língua que ele desconhece. Mas, por outro lado, ninguém duvida que a probabilidade de ser bem- sucedida uma pesquisa quando existem amplos recursos materiais e financeiros (para pagar um tradutor, por exemplo) é muito maior do que outra com recursos deficientes. Assim, quando formos fazer pesquisa, devemos levar em consideração, inicialmente, nossos próprios limites. Nisso, não se inclui o facto de não sabermos ler numa determinada língua, pois, se o trabalho for importante e estiver escrito em russo, devemos encaminhá-lo para tradução à pessoa habilitada. O planejamento, passo a passo, de todos os processos que serão utilizados, faz parte da primeira fase da pesquisa científica, que envolve ainda a escolha do tema, a formulação do problema, a especificação dos objectivos, a construção das hipóteses e a operacionalização dos métodos[11].

No que tange a dissertação, foi produzida recorrendo a livros, teses, artigos científicos internet, legislação vigente no ordenamento jurídico moçambicano, desta feita preencheu os pressupostos essenciais de uma pesquisa bibliográfica. Nestes termos, este tipo de pesquisa se desenvolve tentando explicar um problema a partir das teorias publicadas em diversos tipos de fontes: livros, artigos, manuais, enciclopédias, meios eletrónicos, etc. A realização da pesquisa bibliográfica é fundamental para que se conheça se analise as principais contribuições teóricas sobre um determinado tema ou assunto, abordagem esta que é acolhida por José Carlos Koche.

Quanto ao método da pesquisa é qualitativa[12], eis a razão de uso do método qualitativo na medida em que não se recorreu a números, esta ideia também é defendida por vários autores[13]. A diversa literatura e a legislação disponíveis sobre a matéria constituíram a fonte directa para a colecta de dados legais e literários para responder o problema e satisfazer os objectivos da pesquisa que nos permitiram a atingir as conclusões fiáveis. Também Segundo Richardson “método de pesquisa é a escolha de procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação de fenómenos”. Desta forma, em qualquer trabalho de pesquisa deve ser planificado e executado de acordo com as normas que acompanham cada método[14].

1.2.Quanto aos objectivos

Os objectivos da pesquisa é do tipo descritiva porque visa descreverem as características de uma população, de um fenómeno ou de uma experiência.

A pesquisa descritiva exige do investigador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de estudo pretende descrever os factos e fenómenos de determinada realidade[15].

1.3.Quanto à abordagem do problema

A abordagem do problema, a pesquisa é do tipo qualitativa porque baseou-se na observação intensa e de determinado longo de um ambiente natural, procura-se registar de forma precisa e detalhada de tudo que se acontece no ambiente, consequentemente obtemos a sua interpretação e a análise dos dados obtidos, descrevendo e narrando-os, essa ideia também é da posição do Richardson a pesquisa qualitativa, é caracterizada como sendo uma tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados em lugar de produção de medidas qualitativas ou características comportamentais.

1.4.Técnica de colecta de dados

PERDAL e CORRREIA, consideram a técnica “como um instrumento de trabalho que viabiliza a realização de uma pesquisa” que, através da execução do conjunto de operações de um método, permite confrontar o corpo de hipóteses com a informação colhida na amostra.  

Relativamente a este procedimento metodológico, importa salientarmos que a apresentação e análise dos resultados para a dissertação foram obedecidas as seguintes técnicas: Criação do questionário, análise das perguntas, organização dos dados colectados usando tabelas ilustrativas, analisar os dados, analisar as perguntas no sentido de atingir os objectivos propostos. Essa análise dos dados deverá ser embasada no referencial teórico, sustentando segundo os autores citados, as afirmações ou negações. O ideal é apresentar o resultado e, logo em seguida, o embasamento teórico referente àqueles dados[16].

Para pesquisas qualitativas como o caso da nossa, aplicamos a análise de conteúdo, que foi utilizada principalmente para análise qualitativa das entrevistas, das observações, das questões abertas em questionários etc., buscando o significado dos dados colectados. No qual reduz a complexidade e a extensão dos conteúdos através de alguma classificação (categorias) apresentada de forma sistematizada ou contagem de unidades (palavras ou termos) contidas nas respostas ou texto. Quanto a colecta foram guiadas por alguma estrutura ou modelo teórico, seus elementos são as categorias[17].

1.5.Técnica de discussão dos resultados

No que refere a discussão dos resultados, importa aclararmos que depois da realização da tabulação dos dados, recorreremos a sua discussão. Os dados presentes na tabulação serão comentados, apresentados e discutido no sentido de aferir o avanço da pesquisa em si. Também na discussão dos resultados, compararemos e faremos a constatação dos factos recolhidos ao longo da pesquisa e das anteriores fases, mostrando assim razões para tais resultados, apresentar empregos práticos, e tirar conclusões. Desta forma tiramos as considerações gerais em que o próprio autor da pesquisa aumentará o seu conhecimento. Essa discussão dos resultados foi sustentada por argumentos ou critérios da verdade, analisando cada parte de um todo, tendo em vista conhecer sua natureza, suas proporções, suas funções e suas relações.[18]

1.6.Universo e amostragem

Definição do universo e selecção da amostra O universo, ou população, é o conjunto de elementos que possuem as características que serão objecto do estudo, e a amostra, ou população amostral, é uma parte do universo escolhido seleccionada a partir de um critério de representatividade[19] .O universo da pesquisa é composto por juristas, advogados e políticos de diferentes faixas etárias e géneros.

CAPÍTULO II- CONCEITUALIZAÇÃO E FUNDAMENTOS TEÓRICOS
1.7.Origem histórica do instituto da posse

A posse é expressão que hoje se inclui em quase todas as legislações constitucionais dos Estados modernos, teve origem, segundo os estudiosos, no chamado loteamento de áreas inaproveitadas, nas conquistas romanas, que eram entregues a colonos que as cultivavam. Não havendo título, e, porque necessitavam os colonos de protecção eficiente contra terceiros, os juristas romanos criaram a figura dos interditos possessórios[20].

 A primeira manifestação do direito de forma sistemática surgiu com o povo romano, que dominou a Europa e grande parte do mundo civilizado até então conhecido o pendor do romano pelo Direito, manifestou-se desde os tempos remotos, com a redacção da chamada Lei das XII Tábuas (450 a.C.). Nenhum outro povo da antiguidade contribuiu tanto como Roma para a cultura do Direito.

Nos tempos mais remotos do povo romano, não havia direito escrito. Este, aplicado exclusivamente pela classe dominante, os patrícios, revestia-se de um sentido altamente egoístico, destituído completamente de sentido de igualdade e de tutela da liberdade. A propriedade quiritária como direito, era deferida apenas ao cidadão romano. O poder absoluto era exercido pelo pater família que possuía a autoridade máxima: “Dominium est ius utendi et abutendi”. Os éditos do imperador Caracala diminuíam tais poderes e fortalecia o Estado Romano[21].

 Com o passar dos tempos, entretanto, a distância entre as classes-patrícios e plebeus, começou a estreitar-se, principalmente por motivos de segurança interna do país. Algumas das causas que propiciaram o surgimento da lei das XII Tábuas foram: a inferioridade de condições dos plebeus diante dos patrícios, a incerteza do direito primitivo, prejudicando os plebeus[22].

A Noção da posse é dada no nosso sistema jurídico, que a define como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de direito de propriedade ou de outro direito real.[23]

Defini-lo-emos a posse como o poder de exigir de todos os outros indivíduos uma atitude de respeito pelo exercício de determinados poderes sobre uma coisa, ou, por outras palavras, o poder de exigir de todos os outros uma atitude de respeito pela utilização da coisa em certos termos por parte do titular activo[24].

A posse é a exteriorização ou viabilidade do domínio, isto é, a relação intencional existente normalmente entre a posse e a coisa, em vista de sua função económica[25].

A posse é conduta de dono. Não há consenso doutrinário a respeito de qual seria a origem da posse, nas palavras de Monteiro “Segundo tudo parece indicar, a ciência jurídica bem longe está de alcançar solução satisfatória e definitiva.[26]

A definição legal do artigo 1251 do CC, coloca várias interrogações, como, entre outras.[27]

  1.  Se a posse é um poder de facto ou um poder jurídico?
  2. Sem actuação ou exteriorização não há posse?
  3. A posse exterioriza todo e qualquer direito real e apenas direitos reais?

O que parece resultar, prima facie,[28] é que a posse será uma posição activa (poder), consistente na actuação própria e identificadora de um direito, o qual é um direito real de gozo, cuja função é afectação do gozo e a fruição da coisa ao sujeito[29].

Em relação a autonomia da posse perante o direito de fundo como acertadamente[30], a posse é uma situação agnóstica ou abstracta, pois não lhe interessa se o sujeito possuidor apresenta ou não apresenta na sua esfera jurídica uma legítima causa material de domínio da coisa. Na primeira hipótese, a posse diz-se causal, na segunda fala-se de posse formal.

        Naquela o sujeito que exerce poderes de facto sobre a coisa tem também direito sobre a mesma – direito de propriedade – ou seja, exterioriza um efectivo direito; nesta o sujeito apresenta-se desprovido do direito sobre a coisa, ou seja, exterioriza um aparente direito. Em ambos os casos, o conteúdo e efeitos da posse são sempre os mesmos.

Assim, tanto pode invocar a posse aquele que tem o direito – o dono -, como aquele que o tem – , o sujeito que furtou o bem.

I-A posse, mesmo quando causal, apresenta uma clara e essencial autonomia perante o direito de fundo também quanto as vicissitudes.

Na Constituição, como acabamos de ver no exemplo de furto pode-se adquirir posse por empossamento e não se adquirir o direito. Mas já na situação inversa há que ter em conta o facto constitutivo do direito de fundo: aquele que adquire originariamente o direito nos casos tem da posse – maxime, na ocupação de coisas móveis – noutros pode dela prescindir, adquirir o direito sobre a coisa e só mais tarde a posse, quem beneficia de aquisição por força de registo não tem necessariamente de estar na posse da coisa[31].

Quanto a transmissão, no direito do CC vigente, o princípio é o da consensualidade : "A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato"[32]. A posse como condição de aquisição ou transmissão de direitos reais surge apenas de modo excepcional nos contratos reais quoad constitutionem, como o penhor civil de coisa[33], o comodato[34] e o depósito[35].

1.8.Regime Jurídico da posse

No que refere ao regime jurídico da posse na generalidade, o instituto da posse encontra a sua cobertura constitucional no artigo 110º da CRM, conjugados com os artigos 1251° a 1287° do CC e na sua especificidade nas questões de terras artigos 10 e seguintes da Lei de terras (Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e) artigo 9° e seguintes do Decreto n° 66/98, de 8 de Dezembro)[36].

1.9.Natureza jurídica da posse

Em relação a natureza Jurídica da Posse tem sido objecto de divergências doutrinárias. Tratando-se de uma situação de facto com repercussão no mundo jurídico e criadora de um dever de abstenção e respeito para todos os membros de colectividade. Uma corrente doutrinária quis reconhecer a posse como um direito real com todas as suas características legais, enquanto outros autores preferiam admitir apenas, no caso, um simples facto[37]. Ao contrário, Savigny, Von Thur, Martin Wolf, nela viram um verdadeiro direito real[38].         

 A posse é ao mesmo tempo é um direito e um facto. Considerada em si mesma, é um facto; considerada nos efeitos que gera, isto é, usucapião e interditos, ela se apresenta como um direito[39].

1.10.Concepção subjectiva

Savigny tomou para sua teoria subjectiva a concepção de Niebuhr, que dizia resumidamente que os interditos (acções possessórias) surgiram em decorrência da posse.

Roma conquistava o mundo e quanto mais avançava em seu intento, naturalmente mais terras tinha, dos terrenos conquistados como fruto das guerras uma parte era reservada para a construção das cidades e outra parte era distribuída para os cidadãos.

As vitórias eram tantas que as terras destinadas para construir novas cidades acabavam não sendo bem aproveitadas e, por conseguinte, tornavam-se improdutivas. Para solucionar o problema, os romanos resolveram lotear as áreas em pequenas propriedades (chamadas possessiones) e cedê-las a título precário aos cidadãos. Note-se que não havia direito de propriedade para os concessionários, portanto não cabia nenhuma acção reivindicatória sobre a terra por parte dos mesmos[40].

Dessa situação fáctica de posse sem propriedade, teria nascido um problema: como poderia se defender o cidadão que tivesse a terra invadida, turbada, esbulhada? Para solucionar esse problema nasceu um processo próprio para tratar dessa protecção, seria o interdito possessório.[41]

1.11.Concepção objectiva

Contrariamente ao que era defendido pela teoria subjectiva, que a posse surgiu como entidade autónoma em virtude de incidentes em processos reivindicatórios, tendo surgido primeiro o interdito possessório (como acção decorrente da reivindicatória) e posteriormente a posse em si[42]. O Ihering observou que inicialmente, em uma acção de reivindicação (própria de proprietários), o pretor romano poderia, arbitrária e liminarmente conferir a posse da coisa a qualquer um dos litigantes, sem contudo garantir qualquer benefício ou privilégio ao detentor no tocante à solução da lide.

Este deveria, tanto quanto seu adversário de contenda, provar a propriedade da terra. A única vantagem da qual gozava aquele que possuía a terra era os benefícios arrecadados em decorrência da fruição da coisa. O rigoroso equilíbrio nessa relação, em que ambos os adversários deveriam produzir provas de seus direitos fazia com que o juízo reivindicatório fosse tido como dúplice[43].

A decisão liminar do pretor ficou cada vez menos importante, pois foram ficando mais adstritos ao processo liminar em si, uma vez que ao réu (detentor corrente da terra) foi concedida a posição mais vantajosa. Naturalmente, então, o processo evoluiu. As partes passaram a, vencido o processo liminar, não mais questionar a posse. O réu porque apenas precisaria agir para se defender e o autor porque não conhecia novas formas de provar sua posse (diversas das já apresentadas no processo liminar). Desta feita, o processo liminar passou a ter vida própria, surgindo assim os interditos possessórios como acção autónoma e independente[44].

1.12.Elementos da posse

Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos que são elemento material (“corpus”) e elemento psicológico (“animus”).

À semelhança da generalidade das situações jurídicas activas, que admitem a normal dissociação entre titularidade e exercício, os poderes que compõem o corpus tanto podem ser exercidos directa e pessoalmente pelo próprio possuidor, como de forma indirecta por terceiros que ele habilite, não se exigindo, portanto, que esses Poderes configurem um contacto material efectivo com a coisa[45]. É esse o sentido fundamental que decorre do já mencionado[46], ao permitir que a posse seja exercida por intermédio de outrem, de que é exemplo típico a actuação do comissário ou do representante, cuja admissibilidade na posse, enquanto direito patrimonial, é inquestionável.

Segundo alguma doutrina, o exercício da posse por intermediário compreenderia fundamentalmente dois grupos de casos, conforme os poderes de facto sejam exercidos em cumprimento de um dever jurídico — legal ou negocial — ou no âmbito de um direito próprio que conceda o domínio físico da coisa. Os casos do primeiro grupo são exemplificados com relações dominadas pelos vectores autoridade versus subordinação, em que a obediência se afirma correspectiva do poder de dar ordens (comissários, maxime, trabalhadores subordinados e serviçais em geral, como caseiros, jardineiros ou empregados domésticos).[47]

O Corpus pode traduzir-se no exercício de poderes de detenção, ou seja, em guardar a coisa em seu poder, em conservá-la, guardando-a, se é um móvel, ocupando -a, se é um imóvel.

Pode, assim, não haver propriamente uma detenção da coisa- esse contacto físico, real ou virtual, que indicámos, mas haver uma fruição da coisa mediante a recolha das vantagens económicas desta. Neste caso, por exemplo o do indivíduo que recolhe os frutos (vinho azeitona, etc) de um prédio rústico ou que recebe as rendas de um prédio, este indivíduo que frui o prédio, a possuí-lo.

Aliás, a própria lei sugere que esta possibilidade, ao falar na posse por intermédio de outrem. É de facto o que depreende sem esforço do nº1 do artigo citado ao estatuir que a posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.[48]

1.13.Elemento Psicológico (“animus”)

O outro elemento da posse é o animus, que se traduz num elemento de natureza psicológica.

É necessário para haver posse, além desta situação material de exercício de um poder de facto sobre a coisa, a vontade de se comportar como titular do direito correspondente aos actos realizados[49].

Não basta, assim, esse contacto físico com a coisa o praticar em relação a ela actos idênticos aos do proprietário, aos do titular de servidão, etc; é necessário, também, que haja a intenção de se comportar em relação à coisa como titular de direito correspondente. Não necessariamente note-se um “animus domini” visto que pode haver posse fora da propriedade. Fala-se assim de animus prossidendi

1.14.Fundamento da tutela jurídica da Posse

Ora, pergunta-se seguidamente, qual é o fundamento da tutela jurídica da posse, e a resposta já foi algo avançada nas considerações anteriores.[50]

Na verdade, poderá parecer estranho que o possuidor seja protegido, que a lei proteja, às vezes, contra o autêntico proprietário, o usurpador, ou indivíduos que adquiriu sem ter verificado sequer a transferência da propriedade, por a coisa lhe ter sido vendida por quem não era seu proprietário, ou até proteja quem furtou. A tutela da posse pode, com efeito, produzir a que este indivíduo seja protegido. É claro que é sempre uma tutela provisória, visto que o meio de tutela da posse – a chamada contenciosa possessória – resolve só de imediato, mas não definitivamente[51].

1.15.Defesa da Paz Pública

Uma das justificações é a defesa da paz Pública. A tutela da posse, e tutela desta situação de facto resultante de um indivíduo em estar em contacto com as coisas - a detê-las, a explorá-las e a fruí-las -, tem a vantagem de evitar a desordem, de garantir a paz pública por não forçar as pessoas à auto-tutela dos direitos. Se o possuidor de um automóvel não pudesse recorrer aos tribunais para a reconstituição do veículo no caso de alguém o ter furtado e tivesse que ir demonstrar a propriedade para uma acção destinada a recuperar o objecto, então ele iria buscá-lo por suas mãos. Assim, a tutela da posse destina-se, desde logo, a impedir a desordem e anarquia no que toca ao domínio dos bens[52].

1.16.Valor económico da posse

Para além disso, ainda há uma outra razão: É quem a posse, e hoje compreende-se isso melhor do que no passado, é um elemento com importância do ponto de vista da produção e da economia em geral. A Posse, a exploração das coisas tem em si um valor económico e repercute aqui a ideia de que interessa mais à economia geral e exploração da coisa do que a propriedade inerte, passiva ou a inacção. A posse só pode ser se, o facto de uma coisa ser explorada por alguém, é um valor económico, é algo que não só deve ser respeitado em geral pelos outros, como é algo que tem interesse económico.

O interesse económico da posse é, assim, mais uma razão para a posse dever ter alguma protecção, designadamente a protecção em atribuir-se ao possuidor de boa-fé os frutos, independentemente de tudo, mas há no interesse económico da posse, uma razão autónoma para a sua protecção[53].

1.17.Objecto da Posse

Sempre coloca-se a questão sobre o objecto da posse[54]. Podem ser objecto de posse as coisas que podem ser objecto de propriedade.

Assim, estão excluídas da posse as coisas que estão fora do comércio, as coisas integradas no domínio público[55]. “ De Juro constituto” parece que estão excluídas os direitos reais de garantia, pelo menos é o que “a contrário” pode inferir-se[56].

Já, “ de jure condendo” não seria impossível admitir a posse nos direitos reais de garantia, pelo menos naqueles que conferem um poder de facto sobre uma coisa, como é o caso do penhor e do direito de retenção. Já quanto à hipoteca, que não confere um poder de facto sobre a coisa, ou quanto aos privilégios creditórios, não se vê que pudesse haver uma posse.

1.18.Características da posse

      

A Posse pode apresentar características diversas, características estas relevantes para vários efeitos[57].

I Posse titulada e não titulada;

Assim, pode, em primário, ser titulada ou não titulada, destrinça que tem importância para efeitos de usucapião. Na verdade a usucapião obedece os prazos diversos, consoante a posse que a fundamento é titulada ou não titulada.

O que é a posse titulada? - Pergunta-se. Da resposta a esta pergunta o artigo. 1259° do Código civil de Moçambique os termos se inferem que a posse titulada é a que se funda num modo legítimo de adquirir, ou seja, se funda num modo que se funda o seu tipo geral é idóneo para provocar uma aquisição, independentemente de, no caso concreto, o transmitente tem ou não o direito a transmitir o independentemente da validade substancial do negócio jurídico[58].

Pergunta-se: É a posse do adquirente, se a coisa lhe foi entregue? É titulada ou não titulada[59]. usucapião ao fim de 20 anos, enquanto se fosse posse titulada, vigorariam prazos mais curtos.

II Posse pacífica e posse violenta

O Código civil fala de posse pacífica, ou seja aquela que é adquirida sem violência, a que se contrapõem como é óbvio a posse violenta[60].

Esta distinção – posse violenta - posse não violenta ou pacífica - tem importância para vários fins, nomeadamente para os efeitos[61].

III Posse Pública e Posse oculta também o CC fala de uma posse pública, ou seja, aquela que se exerce de modo a ser conhecida pelos interessados. A esta posse pública contrapõem logicamente uma posse clandestina ou oculta[62].

Também esta distinção a que a lei procede, entre posse Pública e Posse oculta[63], reveste interesse para efeitos.

1.19.Posse de boa-fé e posse de má-fé

Outra distinção é a que se faz entre a posse de boa-fé e de má-fé – noções já demasiados conhecidas para que seja necessário explicitá-las. Cite-se, porém, a definição de posse de boa fé contida no nº 1 do artigo 1260 do CC; A posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem[64], “donde infere o contrário sensu” a noção de má fé.

A distinção entre essas duas ideia a de boa-fé e de má-fé, tem importância para o efeito dos artigos 1295 e 1296 do CC, sempre como se constata da leitura dessas disposições, em matéria de prazos de usucapião.

O prazo é o mais curto, quando a posse é de boa-fé, e mais longo, quando é de má-fé. Não só, porém, neste domínio dos prazos: assim, também os direitos do possuidor de boa-fé, quanto a frutos e benfeitorias, são diversos dos do possuidor de má fé.[65]

2.20.Efeitos da Posse

A Posse confere ao seu titular uma série de efeitos favoráveis. Pode falar-se, também aqui beati possidentes, embora esta expressão seja normalmente usada para designar as vantagens ou as possibilidades que a propriedade dá aos titulares de muitos bens.

Quais são esses efeitos? Vamos referi-lo de seguida, mas antes cumpre relembrar a justificação ou as razões que explicam. Certos efeitos favoráveis da posse.

Por que é que uma situação de facto ou seja, a prática reiterada de actos materiais exercida sobre uma coisa com o animus de se exercer um direito, é protegido pela lei?

 Primo: Pois bem, as razões desta solução legal são três como já referimos. São elas, repitamo-las: As vantagens desta tutela possessória aproveitam sobretudo aos titulares autênticos dos direitos reais, visto que, estatisticamente, quem possui são normalmente os titulares do direito definitivo sobre as coisas possuídas - as situações em que há um desfasamento entre a posse e a propriedade são minoritários.

 Secundo: Esta solução – A de conferir logo certos efeitos favoráveis à posse – é preferível a cairmos na desordem e na auto-tutela de direitos, dado que, se não houvesse certa protecção possessória judicial o indivíduo cuja posse fosse ameaçada, recorreria a autodefesa, a lei, por isso, para evitar a anarquia que resultaria da autotutela dos direitos, liga logo à posse – vista como sinal exterior, visível de direito – certos efeitos favoráveis.

Tertio: Há também um interesse geral que se estabilizem certas situações correspondente a posse, em que, concretizando, quem esteja, durante muito tempo, a comportar-se em relação à coisa como titular de um direito sobre ela, se torne titular desse direito sobre a coisa; No fundo isto é uma justificação e logo nos faz pensar na usucapião, que é - ela também um dos efeitos da posse. Relativamente a esses efeitos da posse é a presunção da titularidade do direito. O CC estatui que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixadas na legislação respectiva[66].

2.21.Os Sistemas de posse de Terra em Moçambique

      

Os Sistemas da posse de terras em Moçambique surgiram após o período pós-Conferência de Berlim. Este transportava consigo uma concepção de subsistências das populações enquanto trabalhavam nas plantações e fazendas”. Entretanto, nesse período existiam dois sistemas: O consuetudinário e o convencional. Significa isso que durante o período colonial os direitos das populações era legalmente reconhecido pelo Governo Colonial Português, mas de uma forma mais ou menos controlada, reflectindo os interesses prevalecentes da época·. A exclusão das famílias rurais das melhores áreas de cultivo reflectia-se, conteúdo, no seu modo de vida. A diminuição das áreas de cultivo pelas famílias contribuía para “ o aumento da dependência do mercado de trabalho como forma de obter rendimento em numerário indispensável para a sobrevivência e reprodução da família rural[67]”.

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Desta forma, ocorre uma dispersão das famílias rurais. Atraídas pela oferta de empregos e obrigadas a vender a sua oferta de força de trabalho a unidade de agricultura empresarial. Essas famílias foram obrigadas a instalar as suas residências e os seus campos de cultivo familiares no espaço circundante das grandes unidades agrícolas, no entanto, segundo uma organização territorial dispersa e irregular[68] . Assim, o período compreendido entre 1885 e 1930 foi considerado como o da “mudança de estruturação do espaço em Moçambique” dado que “ a emergência da economia colonial durante esse período, permitiu a introdução da agricultura comercial no espaço rural, ocasionando uma redistribuição da população[69]”.

A intervenção do Estado Colonial durante esse período pode-se dizer como tendo sido “ no sentido de evitar a formação de uma burguesia agrária africana desenvolvida,” facto que não impediu uma crescente diferenciação do campesinato como resultado da sua subordinação às relações de produção capitalistas”[70] . Entretanto, a situação da dualidade dos sistemas de posse de terra introduzida no período colonial manteve-se até a proclamação da independência em Moçambique, em 1975.

Em Moçambique, com a independência em 1975 a terra foi nacionalizada e passou a ser propriedade do Estado. Apesar da nacionalização não houve uma redistribuição de terras, mas apenas a transformação das propriedades agrícolas privadas em machambas Estatais. As famílias rurais continuaram a trabalhar as terras onde se encontravam.[71] Com a realização do III Congresso da FRELIMO em Fevereiro de 1977, foi adoptada a política de socialização da terra que definia “a mobilização e a organização do Povo em machambas Estatais, cooperativas e a constituição de aldeias comunais”. Considerava-se ser necessário o “desenvolvimento do sector estatal agrícola tornando-o dominante e determinante, “o que implicava” a organização das unidades de produção sob o controlo do Estado e a integração horizontal e vertical com o sector agro-industrial estatal”[72] .

Em 1979 foi publicada a Lei nº-6/79 de 3 de Julho, a primeira lei de terras, que consagrava a propriedade estatal e as formas de exploração empresarial de tipo socialista. Às famílias eram limitadas as áreas de forma orientá-las para as cooperativas agrárias e como força de trabalho das empresas estatais. Aos indivíduos o Estado permitia a concessão dos direitos de uso e aproveitamento da terra através de um título[73]. A nova política era uma aplicação da teoria do desenvolvimento rural integrado, que defendia a complementaridade entre a agricultura e a agro-indústria, que devia, para tal, utilizar-se formas de trabalho intensivo nas grandes machambas, sejam elas propriedade do Estado ou privadas. Era um modelo que visava incorporar o dualismo sectorial estruturalista no modelo de desenvolvimento rural[74], o que acabava por validar o antigo sistema de dualismo no novo contexto sobre a posse da terra.

A este propósito [75] a política adoptada no pós independência em Moçambique não permitiu que a produção reafirmasse os seus antigos direitos sobre as áreas colonizadas, mas pelo contrário, levou a estrutura fundiária a um outro nível, embora com fins diferentes: a socialização.

2.22.Detenção e Posse de Terra

A inversão do título da posse é a transformação da detenção em posse. A detenção, tal como a posse, consubstanciam um controlo material sobre certa coisa mas sem que possa falar-se em posse. A distinção entre posse e detenção é de acordo com um critério legal - objectivo sendo pois detenção tudo aquilo que a lei afere como tal. Todavia, é possível passar da detenção para a posse e tal faz-se por inversão do título da posse[76]. A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro na transferência da posse.

Todavia, se houver uma venda do prédio urbano (o que implicará a transmissão do direito de uso e aproveitamento do respectivo terreno[77] e com base no processo da venda o detentor manifestar a sua oposição, então este converte-se em possuidor. A mesma situação pode aplicar-se aos prédios rústicos[78].

2.23.A traditio e a posse da terra

  A tradição pode ser material ou simbólica. Esta última, por sua vez, subdivide-se em "traditio longa manu, traditio ficta e traditio brevi manu[79]. Quanto à tradição material, na medida em que esta implica – e não é mais do que isso – a entrega da coisa, não se tem dúvidas que são aplicáveis ao DUAT[80].

2.24.A transmissão do direito da posse da terra e a figura do constituto Possessório

O constituto possessório consubstancia a situação em que um possuidor converte-se em detentor. Tal acontece quando há transmissão do direito real continuando, todavia, aquele a controlar materialmente a coisa. Consta dos art. 1263º alínea c) e 1264º – do CC. Analisando o disposto no artigo 1264 do C.C. podemos concluir que o constituto possessório tem inteira aplicação ao DUAT. No caso do nº – 1 podemos ter, por exemplo, um titular do DUAT que transmite o prédio urbano o que implica transmissão do terreno mas que ainda continua a exercer controlo sobre o terreno ou mesmo sobre o prédio urbano e sobre o terreno entretanto, não se vai deixar de considerar como transmitido o DUAT, bem como a posse[81].

No caso do nº- 2 do art. 1264º do CC podemos considerar o caso em que tendo havido extinção do DUAT por incumprimento do plano de exploração ou projecto de investimento[82] e o Estado concedido o direito sobre aquela parcela a um outro indivíduo apesar de o anterior titular continuar a exercer controlo material sobre o terreno. É, suficiente para questionar: Será que as formas de extinção do DUAT constantes do art. 18 da LT constituem um numerus clausus[83]?

Isto é importante, pois, pode ser necessário analisar (casuisticamente) se, com a extinção do direito, há extinção da posse. Respondendo à questão levantada, dir-se-á que das formas de extinção dos direitos reais há que analisar situação de forma a ver se é ou não aplicável ao DUAT (assim o não uso não se lhe aplica tal como, dir-se-ia, a caducidade e prescrição[84].

Quanto à caducidade, a conjugação dos artigos 18 nº- 1, alínea c) da LT e o artigo 298º nº2 do CC demonstra ser aplicável. Tudo isto é importante já que pode pretender saber-se se pode o titular do DUAT extinguir o seu direito e investir outrem na posse ao que fará pela cedência[85], que abarca a tradição e o constituto possessório.

Aqui, podemos questionar se transmitindo o titular do DUAT o seu direito, fora dos quadros do art. 16 da LT (maxime do seu nº 4), fica o adquirente na contingência de regularizar situação mediante pedido de autorização e apresentação de plano de exploração?[86]

Este último poderá adquirir a posse via constituto possessório. É que o art. 1264º, nº 1 do CC estabelece que não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, “ainda que por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa” (e, neste caso a causa seria o adquirente não ter ainda obtido autorização por parte das entidades competentes).

Admitir que a situação que vimos se aplica ao DUAT seria tornar a terra em um bem que, embora inalienável, estaria dotado de maior e fácil transabilidade (dentro dos limites permitidos na lei) com exclusão da transferência da propriedade o que parece atentar contra o espírito da legislação aplicável à terra. Com efeito, pretende-se que toda a situação relativa à terra seja efectivamente conhecida por parte das autoridades competentes para o qual está dotada de um cadastro e as situações relativas à constituição, modificação, transmissão e extinção do DUAT estão sujeitas a registo[87] . Não se pretende que a situação jurídica da terra fique na completa alçada dos particulares. Exige-se a intervenção do Estado através dos serviços competentes. Assim, numa situação destas, não se pode considerar que o “adquirente” tenha adquirido a posse via constituto possessório.

2.25.A sucessão e a posse da terra

 Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores e isto independentemente da apreensão material da coisa[88]. Este preceito tem sido usado para explicar que o corpus não deve significar o efectivo controlo material da coisa mas sim a possibilidade de continuar esse controlo (independentemente da apreensão material) e que pode haver posse sem animus já que no caso de os sucessores serem menores não se lhes poderá imputar, de todo a vontade de agirem como os titulares do direito. E, no DUAT como se passam as coisas em caso de morte do seu titularem?

A resposta é dada pelo art. 16 nº- 1 da LT que estabelece que aquele direito pode ser transmitido por herança. Este preceito deve ser conjugado com o art. 20 nº- 2 do RLT que indica que os herdeiros devem solicitar a seu favor (apresentando documentos comprovativos dessa qualidade. Assim, verifica-se a posição do possuidor transmite-se automaticamente, em virtude da morte, para os seus sucessores e isto independentemente da apreensão material e mesmo que haja animus (animus possidendi)[89], isto é, não se transmite pura e simplesmente em virtude da morte. Sendo assim, parece que os sucessores do titular terão de solicitar às autoridades competentes a emissão de um título de uso e aproveitamento da terra e respectivo registo a seu favor[90].

2.26.Registo público da posse da terra

Trata-se de uma formalidade que cremos poder ser substituída por uma manifestação de vontade junto aos serviços de cadastro, sendo que a entidade competente determinará a extinção do DUAT. Extinto o direito e, caso se mantenha a actuação o sujeito está ciente de que já não é titular do direito pelo que não pretende agir como seu beneficiário[91] e não pode, por isso, considerar-se possuidor, mas sim detentor. Publicidade e Registo de Posse da Terra tomando como certa a ideia de que o direito real traduz afectação de uma coisa corpórea e aceitando que o mesmo direito real, porque direito, tem uma natureza social, fácil é induzirem que o exercício dessa afectação é perceptível pelos componentes da comunidade. Sendo o exercício dos direitos reais acompanhado de publicidade, é lógico que, havendo-a, o direito está presente.

Assim entende-se que quem, pacificamente, perante a sociedade beneficia da afectação de uma coisa, tem efectivamente direito a ela. Quem assim o não entende, terá de prová-lo[92].

O aparecimento e o desenvolvimento dos direitos reais que não se exteriorizam, normalmente (a hipoteca), a utilização da terra como mercadoria e a subsequente circulação, em termos tão rápidos que não permitem a publicidade espontânea da identidade dos titulares de direitos sobre ela, finalmente, o fenómeno do abstencionismo que conduz a que pessoas diferentes do titular passem a utilizar, em proveito, daquele, as faculdades contidas na afectação jurídica, conduzem a que a publicidade espontânea se torne insuficiente para produzir os efeitos de presunção e de boa fé requeridos pela comunidade jurídica.·.

Daí que o Estado tem de intervir, sob pena de desorganização total do sistema. Eis a razão do registo, com todas as regras inerentes e que não é mais do que o sucedâneo da posse, incapaz de acompanhar a evolução apontada. Porém, os juristas fascinados pela máquina Estadual e pela complexa ordenação registal, esquecem que a publicidade, globalmente considerada, parte da posse, da percepção social da afectação das coisas corpóreas e da própria natureza das coisas[93].

 A posse é proscrita da publicidade e o seu sucedâneo elevado à forma única de dar a conhecer ao público os direitos reais[94].

  1. Extinção da posse da terra

A posse, entanto que situação de facto (controlo material sobre certa coisa) pode ser extinta, maxime, quando já não se verifica esse controlo material. Assim, pode a posse da terra, no âmbito do DUAT, cessar, mas continuar a haver controlo material pelo que aqui só poderemos então falar de detenção. Isto pode acontecer quando há extinção do DUAT nos termos da legislação sobre a terra mas continua a verificar-se o exercício de poderes de facto sobre a terra. As situações que determinam a extinção do DUAT e que se acham contidas no artigo 18 da LT. No caso de incumprimento do plano de exploração temos a conjugação dos arts. 18 nº- 1, alínea a) da LT e 19, nºs 1 e 4 do RLT onde as autoridades ao constatar tal incumprimento poder declarar a extinção do direito mas o titular, continuar ainda assim, a exercer actividades sobre a parcela de terra, isto é, a ter o controlo material.

Todavia, se falarmos de posse (ainda que não titulada e de má fé) teríamos consequências contrárias às pretendidas pela lei e pelas autoridades encarregues dos serviços de gestão e controlo das terras como seja o pretenso possuidor beneficiar-se do regime dos efeitos da posse como gozar da presunção de titularidade do direito[95] beneficiar-se do regime das benfeitorias e, mais absurdo ainda beneficiar-se dos mecanismos de defesa da posse o que permitiria interpor uma acção de restituição no caso de as autoridades concederem o título de uso e aproveitamento sobre aquela parcela a um outro indivíduo ou entidade[96].

 Revogado o direito sobre a terra o seu anterior titular passa a uma situação de detenção caso continue a exercer poderes de facto sobre a parcela de terra. Outra situação (posse) não poderia ser, pois, permitiria socorrer-se de acções possessórias contra o Estado, quando este pretende levar a cabo acções de interesse público que interessam à comunidade[97].

No caso de termo do prazo[98] e, continuando-se o exercício de poderes de facto (controlo material) o indivíduo sabe que já não é mais titular do direito pelo que actua a título de detenção, salvo se ainda tiver direito a uma renovação[99]em que seria injusto qualificar logo como detenção. Quanto à renúncia[100] este é um acto que exige escritura pública pois, está em causa um bem imóvel. Assim, há que distinguir duas situações: se houve escritura pública ou não.

  1. Conceito de Propriedade e a sua evolução histórica

"O que distingue o direito de propriedade dos outros direitos reais é a circunstância como acentua Cario Longo - de ser ele o direito real de conteúdo mais amplo, e o único autónomo[101]"

“o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela imposta”. Por isso, todos os direitos reais menores, sujeitam-se à propriedade, não sendo, por isso permitida a sua constituição senão nos casos previstos na lei[102].

Assim, antes de estabelecer uma concepção de propriedade, é interessante analisar a sua evolução histórica, apesar de haver muitas divergências sobre o assunto, a ponto de cada jurista, apresentar teorias diversas de outros quanto a origem. Portanto, focando no que se conhece com segurança, sabe-se que a noção de propriedade no direito pré-clássico era chamada de propriedade quiritária, enquanto no direito clássico existiam mais três formas de propriedade, a monetária, provincial e peregrina, sendo conceituadas da seguinte forma[103]:

1ª. Propriedade quiritária: É aquela peculiar somente aos cidadãos romanos, cabendo aos peregrinos apenas que tivessem o “ius commercii”, se a coisa for bem móvel, pois se for imóvel, se limita apenas aos cidadãos romanos ou às províncias onde a jurisdição do direito romano alcançava;

2ª. Propriedade monetária: É a modalidade pertencente aos compradores de propriedade, que não adquiria o domínio do bem, apenas a posse, contudo, recebia uma protecção do pretor para que o ‘proprietário anterior que ainda tinha o domínio, não reivindicasse do comprador, até que este último conquistasse o domínio através de usucapião;

3ª. A propriedade provincial: se tratava dos terrenos das províncias próximas a Itália, onde não havia sido estabelecido áreas que pertenciam ao império, de modo que os particulares que obtivessem tais terrenos, apenas se limitavam na posse sob encargos pecuniários;

4ª. Propriedade peregrina: Os peregrinos que não fossem dotados do “ius commercii”, não poderia adquirir a propriedade sobre bens móveis ou imóveis, de modo que, quando compravam um bem, se mantinham apenas na posse, contudo, uma posse protegida pelo pretor, a fim de que eles tivessem os mesmos poderes que um proprietário de protecção da coisa, de modo que ficou apelidada de propriedade de facto.

O que cabe, certamente, é que antes da noção de propriedade, de qualquer uma das quatro citadas, suscitou a posse, e os possuidores, que mantinham o bem sob sua custódia constante, são quem instituíram a propriedade, numa espécie de usucapião.

Por fim, tais definições foram morrendo com o avanço da mentalidade humana, isto é, a deixa do colectivismo para o individualismo suscitado na era do renascimento e do mercantilismo, alcançando o conceito actual de hoje, a época do capitalismo social.

E sob esse exame, conceitua-se a propriedade no laço, de amarra forte, entre um sujeito de direito e um bem, corpóreo ou incorpóreo, cujo carácter da relação é de domínio, no sentido de contemplar o sujeito com amplos e plenos poderes, se exteriorizando e se comprovando a existência dessa modalidade de ligação entre pessoa e coisa.

Nesse seguimento, "Poder-se-á definir, analiticamente, a propriedade, como sendo o direito que a pessoa natural ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha"[104].

Não obstante temos algumas teorias sobre a génese da propriedade[105], tivemos o privilégio de fazer uma abordagem, sendo que, interessa agora, tratarmos este instituto de ponto de vista jurídico. Dissemos que a propriedade constitui o conjunto de direitos e responsabilidades referentes a uma coisa. Sendo o vínculo jurídico que sujeita uma coisa de mundo exterior ao pleno (real ou potencial) e exclusivo poder de soberania de uma pessoa física tendo o direito de usar, fruir e dispor dela, dentro dos limites da lei[106].

A propriedade é comumente qualificada como o “direito real máximo”, sendo, como se tem defendido, o modelo de todos os direitos reais. No entanto, para melhor compreendermos a propriedade, vejamos sumariamente algumas posições teóricas:

2.29.Teorias de propriedade

- Teoria do domínio: Entendemos que a propriedade apresenta-se como o direito que atribui, nos limites da lei, a mais ampla senhoria sobre uma coisa. De facto, quem tem a propriedade de uma coisa e, se lhe é reconhecida a titularidade, goza dessa coisa de forma soberana, respeitando somente o que a lei determina quanto aos efeitos desse direito.

- Teoria da pertença: Consideramos que a propriedade, porque uma realidade estreitamente qualitativa, ela centra-se na pertença, ou melhor na ligação mais íntima possível de coisa a determinada pessoa[107]. O elemento fundamental e essencial que liga a coisa a pessoa é sem dúvida a propriedade, que dá aquele o poder e direito de gozo.

 -Teoria da Outorga do direito: Para que a coisa seja reconhecida como quando pertença de alguém e este detém a propriedade sobre a mesma, importa classificar o direito dessa coisa à luz do Direito e enquadrar tal direito. Tendo como base o Direito positivo, podemos sem dúvida e de acordo com o argumento de que não se pode falar de uma que uma “coisa” enquadra-se ao mundo dos direitos reais, ou ainda ao direito das coisas. Assim, podemos dizer que é o direito real que outorga a universalidade dos direitos e que à coisa se podem referir as várias acepções que o termo propriedade pode e é tratado.

2.30.Regime jurídico de propriedade

A Propriedade faz parte de um instituto jurídico, eis a razão de não deixar a realidade de seu conceito legal assim como doutrinário que já vimos anteriormente. Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade”[108]. O enquadramento da propriedade no ordenamento jurídico, implica pois, conhecimento do seu conceito e objecto.

Já fizemos referência de que o direito de propriedade constitui o direito real máximo dos direitos sobre coisas. Dizemos que é o direito real máximo, porque o mesmo abrange o máximo legal da utilização do seu objecto conforme estatui o artigo 1305 do C.C. e que dispõe: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela imposta”. Por isso, todos os direitos reais menores, sujeitam-se à propriedade, não sendo, por isso permitida a sua constituição senão nos casos previstos na lei. Este é o princípio da tipicidade dos direitos reais devidamente consagrados no artigo 1306 do CC[109].

Deste modo, podemos compreender que a natureza jurídica do Direito de propriedade não se cinge tão-somente no somatório dos poderes jurídicos ou no facto de ser o centro privilegiado, autónomo dos poderes que podem recair sobre a coisa. Existem no entanto situações em que o proprietário está privado de exercê-los, por serem excepções que a ordem jurídica assim o pretende[110].

O que se deve entender neste caso é a característica do direito de propriedade, que suscita uma relação de pertença ideal de coisa ao seu titular sendo tal relação diferente das faculdades que a integram e que, no entanto, podem deixar de se manifestar em maior ou menor grau sem que o núcleo ou essência da referida relação cessa ou deixe de existir. Assim, podemos argumentar que a propriedade então que direito real máximo deve definir-se, não em razão do seu conteúdo, mas sim, em razão dos seus carácteres intrínsecos, como sendo o direito que se traduz em um poder perpétuo, exclusivo, elástico, geral, abstracto e independente que recai imediatamente sobre as coisas[111].

2.31.Características do direito propriedade

" O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas[112]"

I. Absoluto: o direito de propriedade é oponível “erga omnes[113]”.

II. Exclusivo: o proprietário tem o poder sobre a coisa, podendo excluir quaisquer terceiros que pretendam se opor ao seu direito.

III. Perpétuo:  o que imediatamente implica não poder extinguir-se pelo não uso. Costuma dizer-se a este respeito que, não usar a propriedade, é ainda uma forma de usar, o proprietário tem tais poderes que pode querer estar inactivo, e esta possibilidade cabe dentro do conteúdo do seu direito[114].

IV. Elástico: é dotado de uma certa elasticidade, de uma forma expansiva – extinto um direito real que limita a coisa (a propriedade da coisa), reconstitui-se a plenitude da propriedade sobre ala, não fica vago o somatório dos poderes que se extinguiram, correspondendo do direito que findou. O Proprietário limitado recupera a plenitude do seu direito de propriedade[115].

2.32.A propriedade no âmbito dos direitos reais

A expressão propriedade tem sido usada para significar o direito que alguém tem de ser dono de uma coisa. De forma instintiva, há quem designa a posse como propriedade, tomadas estas duas expressões como sinónimas. Entretanto, a posse e a propriedade não são sinónimas conforme tivemos já a oportunidade de fazer referência. Usando a expressão propriedade quando se pretende tratar dos direitos sobre a terra, a mesma implica uma abordagem mais profunda dada a importância que a expressão tem do ponto de vista jurídico. Com o desenvolvimento de várias teorias sobre o Estado, é frequente ouvir-se falar da propriedade da terra.

Por isso, falar da propriedade da terra implica falar do regime jurídico sobre os direitos que se devem reconhecer ao detentor da terra. Para o caso de Moçambique, e, como já fizemos várias vezes referência, “a terra é propriedade do Estado”. Neste contexto, além de que o direito de uso e aproveitamento da terra constitui um direito real, o direito de propriedade também o é. O importante, neste aspecto, é a consideração dos poderes que são investidos aos titulares do direito de propriedade sobre a terra. Para uma melhor compreensão, importa, pois, abordarmos alguns aspectos históricos. Estudos desenvolvidos por alguns autores que demonstram que a propriedade da terra constitui, sempre uma preocupação dos Estados[116].

A propriedade da Terra é a fonte originária de toda a riqueza e converte-se no grande problema cuja solução depende do futuro da classe operária”[117] Para os governos de expressão socialista, a propriedade da terra constituiu a forma de tornar este recurso um bem de todo o povo. Deste modo, a terra não podia pertencer a nenhum particular e muito menos podia ser objecto de negócio jurídico. Estes princípios acabaram vingando, sendo usados em várias constituições que determinam que a terra é propriedade do Estado[118]. Entretanto, como é que o Estado adquire a propriedade da terra?

São várias as formas de conversão da terra para a esfera Jurídico - patrimonial do Estado. Dentre elas podemos referir por exemplo a conquista da terra através da guerra; a reversão da terra por medidas políticas, como seja a nacionalização ou expropriação ou a sua compra a privados. A influência socialista do sistema político de governação de Moçambique, levou a que o país adoptasse o princípio da propriedade estatal da terra com as regras relativas aos bens do Estado[119]

CAPÍTULO – III: O PARADOXO DO ARTIGO 109 DA CRM
3.33.O DUAT e o mercado (negócio) de terras

A expressão terra é usada por vários estudiosos em seus trabalhos, sendo, no entanto escasso nalguns desses trabalhos o conceito da mesma. Entendemos que falar de terra implica a sua contextualização, o que passa, necessariamente, pela sua caracterização. Segundo alguns autores, a terra pode ser definida como área específica de superfície terrestre, onde se desenvolve uma actividade política, económica e social[120]. Trata-se de um espaço geográfico, onde se acham a viver seres humanos e outros, e, onde se estabelece uma relação de vida em sociedade[121].

Como recurso, a terra tem, necessariamente, valor e importância que obriga a sua utilização racional. É um bem que deve ser conservado como forma de permitir a sua auto-renovação. No entanto, a terra como espaço geográfico está sujeito a regras estabelecidas pelo poder político, ou seja, há um poder que organiza e regulamenta a utilização da terra. Pretendemos dizer que é através das normas de Direito que se faz a gestão de terra. As normas jurídicas que emanam dos órgãos soberanos do Estado e com poderes de aplicação dessas normas de forma coerciva e vinculativa, junto da sociedade. Por isso, a terra não pode ser considerada um elemento fora do contexto jurídico[122].

O artigo 3° da Lei de terras vigente, conjugado com o artigo 109 da CRM preconiza que a terra é propriedade de Estado e não pode ser vendida, ou por qualquer outra forma, alienada hipotecada ou penhorada, e por sua vez o CP reconhece esta prática, por isso criminaliza[123].

Será que esses preceitos acompanham a situação realística da sociedade moçambicana?

Ora vejamos alguns episódios que contrariam esta prática consentida no seio da sociedade moçambicana, no caso de Nampula existem sites próprios que propalam a venda de terra[124].

O caso da Província e cidade de Maputo a ocupação do espaço sempre foi caracterizado pela conjuntura social e económica que o país foi atravessando desde o período colonial até a fase pós independência. A ocupação de áreas de expansão das grandes cidades Moçambicanas acentuou-se no período da crise económica e do conflito armado terminado em 1992. A população que afluiu a estas áreas foi ocupando parcelas que anteriormente estavam reservadas para usos específicos. Para a área de Maputo e Matola, embora o maior fluxo de ocupação de terras tenha iniciado a partir de 1950, foi mais rápido no período compreendido entre 1981 a 1992 em relação a outras capitais Provinciais do País[125].

Os indivíduos de posse que adquirem as, parcelam e vedam-nas sem nenhum investimento, para venderem a outros interessados no futuro quando o processo de urbanização e parcelamento se efectivar nos bairros. As vedações que os intervenientes desta categoria efectuam sobre o terreno que adquirem vão contra o regulamento de concessão vigente no Conselho Municipal. A estratégia de especulação antecipada destes intervenientes é mais acentuada nos distritos que indicamos inicialmente.

As parcelas com vedações acompanham a expansão do projecto Mozal junto da auto estrada Maputo-Witbank à fronteira com a Africa de Sul (Ressane Garcia) bem como com a Swazilândia. O preço de venda varia em função do acordo a que se chega entre o vendedor e o comprador, do tamanho da parcela, da proximidade em relação a estrada, início de parcelamento pelo Conselho Municipal ou existência de árvores de fruta. E dada a natureza em que se efectua a transacção dos direitos de uso e aproveitamento de terra, a população dos bairros não efectua benfeitorias sobre o espaço que vendem.

Uso e ocupação de terras a forma de uso e ocupação do espaço caracteriza a condição sócio económica do grupo que ocupa e produz uma determinada organização do espaço. As formas de uso de terra mais predominantes, são uso agrícola, residencial, espaços livres não construídos.

Os referidos distritos são atravessados por equipamentos e infra-estruturas como, estradas, linhas férreas. Actualmente nas áreas com facilidades de acesso como as faixas de comunicação são construídas casas com material convencional pertencentes a indivíduos provenientes da área urbana e suburbana das cidades de Maputo e Matola. A predominância da agricultura nos bairros localizados longe da cidade de Matola e Maputo confere aos bairros e distritos uso de terra específico que é agrícola e residencial. A transformação do espaço produtivo em volta das casas para espaço residencial exclusivo, torna-os mais dinâmicos na alteração do espaço. A ocupação do espaço nos referidos bairros e distritos para fins de construção de residências e produção agrícola é efectuada por atribuição pelos chefes dos grupos dinamizadores e líderes comunitários, compra, cedência e mesmo por ocupação espontânea sem pedido a alguém e concessão pelo Conselho Municipal.[126]

A predominância das casas de caniço nas áreas suburbanas e periurbanas não pode ser vista como um fenómeno estático, isto porque os antigos residentes constroem novas casas com material definitivo para substituírem as anteriores de caniço facto que se verifica ao nível dos bairros onde os novos moradores com posse constroem quintas, ocupando áreas de maior dimensão[127].

3.34.Processo de Compra ilegal de terras em Moçambique

Os interessados vindos das cidades de cimento (Maputo ou Matola) são indivíduos com rendimentos altos ou médios. Alguns compram parcelas para fins de exploração agro-pecuária e outros para construção de moradias uni familiares. Porém, existem aqueles que compram parcelas, esperando que a urbanização alcance aquelas áreas e o possam vender a um preço mais alto. Verifica-se que a população dos bairros em referência vende as parcelas adjacentes à sua casa que adquiriram por herança ou ocuparam no período pós independência. A população que vive nos bairros da área de estudo e que possui entre 3-5 parcelas são os que efectuam a repartição e vende aos interessados que vem da área urbana e suburbana das cidades de Maputo e Matola[128].

A proximidade ou afastamento em relação ao centro da cidade assim como a existência de via de comunicação entre o bairro e a cidade da Matola e Maputo tem sido os factores mais preponderantes. Por exemplo, o processo de demarcação de terras está mais desenvolvido nos bairros de Km 15, Matola Gare, Cobe e 1º- de Maio, por estes se localizarem junto das vias de acesso e mais próximos da cidade da Matola e Maputo. Nestas condições, os preços são mais heterogéneos e elevados que noutros bairros, pois os novos moradores preferem os bairros mais próximos da cidade e que tenham vias de acesso com melhores condições de acessibilidade. Apesar da influência destes factores, as parcelas são vendidas sem qualquer valorização em termos de benfeitorias e por outro lado a negociação assume um carácter informal ou mesmo clandestino é evidente principalmente quando surge uma dupla venda da mesma parcela e por fim gera conflito entre as diferentes partes; Porque no acto da venda da parcela pela população aos compradores raras vezes se assina um documento que assegure o negócio efectuado[129].

3.35.Teorias defensoras da venda de terras

Será possível adequar a realidade social de venda de terras no ordenamento jurídico Moçambicano?

a)A teoria dos direitos de propriedade e sua variante evolucionista

Para a teoria dos direitos de propriedade, de fundamento neoclássico, o crescimento demográfico e a crescente comercialização da agricultura levam à escassez de terra, passando esta a ter um valor económico e transformando-se progressivamente em um bem comercializável e apropriável individualmente[130]. Nestas circunstâncias, a ausência de propriedade privada é prejudicial, pois as explorações não são feitas de maneira ecologicamente sustentável e, por sua vez, os investimentos não conservam nem melhoram a qualidade dos solos e da produção, provocando desta forma importantes externalidades.[131]

Já na sua variante evolucionista, a teoria dos direitos de propriedade salienta que, sujeitos ao crescimento demográfico e do mercado, as sociedades humanas tendem a evoluir espontaneamente em direcção a uma generalização da propriedade privada, individual e familiar, da terra, ao mesmo tempo em que assistimos ao enfraquecimento e desaparecimento do papel das autoridades tradicionais. A persistência da gestão comunitária em algumas extensões de terra, a resistência à venda de terras para fora da comunidade de pertença, o carácter reversível das vendas de terras e a persistência de relações clientelistas autoridades comprador e vendedor, etc., são sinais de um período transitório, antes do desenvolvimento de um verdadeiro mercado de terras.[132]

A essas situações, os governos devem responder através duma inovação institucional sob forma de títulos de propriedade e direitos registados junto a uma agência central especializada.[133] Tal intervenção, embora de carácter não obrigatório, é necessária na medida em que flexibiliza a determinação dos preços de venda e compra de terras[134] assegura a posse da terra, permite o acesso ao crédito que, por sua vez, contribui para o aumento da produtividade, e põe fim aos conflitos que tendem a aumentar quando a terra se torna objecto de concorrência.[135]

b) As abordagens neo - institucionalistas sobre a terra

 Duas outras correntes dedicaram-se à análise do estatuto e valor da terra. São elas a teoria de inovação institucional e as abordagens neo - institucionalistas defendem que a criação da propriedade privada da terra é resultado de um processo histórico que não resulta da simples evolução dos regimes de posse de terra locais. A propriedade privada resulta, com efeito, duma intervenção voluntarista do Estado que deve construir o quadro jurídico e administrativo (serviços de cadastro, emissão de títulos) necessário.[136]

Estas abordagens reconhecem a existência de diferentes modos de apropriação e de gestão dos recursos e defendem a constituição de instâncias legítimas aos olhos das populações e reconhecidas pelo Estado, encarregues de definir os direitos de cada um e arbitrar os conflitos, mesmo se em certos casos isto pode ser acompanhado por outras formas de arranjos, de tipo clientelistas ou patrimoniais[137].

Como se pode depreender das abordagens acima descritas, em cada momento histórico e em cada contexto político e social, os modos de gestão e administração da terra reflectem a complexidade de interesses, representações e recursos (materiais ou simbólicos) que os diferentes actores (Estado, investidores, comunidades) possuem e mobilizam[138].

Todos os meios de produção agro-pecuários, a terra têm particularidades que a diferenciam do resto. É, ao mesmo tempo, um recurso natural, um espaço de moradia, um meio de produção e um bem durável, ou seja, um activo que pode ser utilizado como reserva de valor. A terra como recurso natural pode ser definida como uma porção de terreno que não é restringido ao espaço físico de terra superficial, mas que abrange também o espaço hidrográfico (lagoas, rios, arroios, mares) e o subsolo, que são regidos pelos mesmos princípios, e que não é produzido pelo trabalho humano.[139]

Por sua vez, Varela ressalta que a terra, além de ser o activo mais importante e mais específico da actividade agrária, constitui o elemento de maior peso no património agrário, o que leva a actividade agrícola a se diferenciar do resto dos sectores da economia. Assim, a terra é utilizada como reserva de valor (em virtude da segurança), e a posse da terra (decorrente da apropriação privada) serve “como defesa frente à inflação, como garantia para a obtenção de créditos, como meio de obtenção de subsídios ou isenções tributárias e como fonte de poder[140]” ou seja, ela pode ter fins produtivos, especulativos, hipotecárias e ser um recurso de poder[141].

No mundo contemporâneo, a partir da apropriação privada da terra, foi desenvolvido um mercado fundiário, que, inicialmente, baseava-se no arrendamento, mas que, depois, evoluiu para o mercado de compra e venda das terras. O mercado de terras pode ser definido como “o espaço, não necessariamente físico, onde a terra está sendo negociada a um preço determinado em função das expectativas de ganho do comprador e do vendedor”.[142]

Os direitos de propriedade superam a concepção de simples instituições legais, sendo elementos de poder que reflectem as relações sociais e políticas, de distribuição da riqueza, divisão do trabalho, organização da produção e dos tipos e níveis de tecnologias que se aplicam[143].

Nesse sentido, no sistema capitalista a terra é considerada uma mercadoria que: embora existam restrições para sua propriedade, uso ou ocupação, seu valor e, em consequência, as actividades que nela se desenvolvem, estão dirigidas pelos mecanismos do mercado. Isto leva a pensar que um modelo de uso do solo num espaço e momento determinado é o resultado da concorrência pela sua ocupação.[144]

Esse mercado de terras é regido por quatro princípios que o configuram. O primeiro faz referência ao interesse dos agentes, ressaltando que eles sentem atracção diferente por um mesmo solo, segundo suas qualidades. Dessa forma, aquele comprador que esteja disposto a pagar um preço mais elevado determinará o preço da terra e excluirá do mercado os demais. O segundo princípio refere-se às configurações sociais em um determinado espaço geográfico. Assim, as necessidades semelhantes entre os agentes de características próximas (tipo de actividade, recursos económicos, aspectos culturais, determinarão a repetição do comportamento que leva a uma tendência dominante de localização e marginalização espacial[145].

O mercado de terras estrutura-se a partir da interacção entre os agentes e as instituições que condicionam seu funcionamento. Assim, conhecer a estrutura do mercado de terra implica, por um lado, identificar quais são os agentes que participam das transacções, qual é a predominância entre as partes e quais as relações de poder (de fixar os preços ou de condicionar as instituições), e, por outro, implica verificar e conhecer como operam as diferentes instituições favorecendo ou limitando o mercado, como, por exemplo, a aceitação da propriedade privada da terra (em particular no que concerne aos títulos de propriedade), a formalidade e transparência desse mercado e, principalmente, o marco político e legal[146].

CAPÍTULO IV- APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para pesquisas qualitativas como o caso da nossa, aplicamos a análise de conteúdo, que foi utilizada principalmente para análise qualitativa das entrevistas, através das observações, das questões abertas e fechadas em questionários, no qual buscamos o significado dos dados colectados. Com isso, reduzimos a complexidade e a extensão dos conteúdos através de alguma classificação (categorias) apresentada de forma sistematizada ou contagem de unidades contidas nas respostas ou texto. Quanto a colecta foram, guiadas por alguma estrutura ou modelo teórico, seus elementos são as categorias.

Assim, para a concretização deste capítulo e devido a natureza das questões formuladas, importa salientarmos que cada pergunta do questionário tem o seu objectivo com vista a alcançar os objectivos geral e específicos da pesquisa. Nestes termos, foram inquiridos cerca de 40 sendo 15 mulheres e 25 homens duma faixa etária de 25- 60 anos, dentre eles agrónomos, juristas, advogados e políticos[147]

A questão nº1. Uma das causas que levam a transmissão ilegal de terras em Moçambique é a inaplicabilidade do artigo 3 da Lei de Terras conjugado com 109 da CRM?

a) Sim(   ) ;    b)Não (   ). Esta pergunta tem como objectivo descrever de forma profunda o contributo dos entrevistados sobre a dificuldade da aplicação do artigo 3 da lei de terras conjugado com o 109º da Constituição da República sob ponto de vista pragmática, e não teórica. Não só, mas também para fazer face o perfilado capítulo III no que tange aos contornos dos mesmos dispositivos legais retro mencionados que fazem parte integrante dos objectivos específicos do trabalho.

A questão nº 2. Ausência de uniformidade terminológica de proprietário de terreno e a propriedade de terra ao Estado conduz a venda ilegal de terras em Moçambique.

a) Sim(        );     b)Não (     ). Esta pergunta tem como objectivo colher as sensibilidades e alertar ao legislador sobre a falta de uma terminologia uniforme entre terreno e terra, pois o mesmo se confusiona na medida em que reconhece a propriedade do terreno aos particulares e de terra ao Estado, criando equívocos

A questão nº 3. A posse da terra e a propriedade têm características comuns?

a) Sim(      );    b)Não (     ). Esta pergunta tem por objectivo de colectar subsídios acertados, uma vez que as características destes institutos jurídicos têm criado confusão, mas sobretudo em matérias de terra, pois faz parte dos objectivos específicos do trabalho.

A questão nº 4. Há necessidade de harmonizar a transmissão de terras nos preceitos legais em Moçambique?

a)Sim (       );       b)Não(       ). Esta pergunta tem como objectivo de colher as ideias de diferentes visões sobre a necessidade de adequar o quadro legal moçambicano no âmbito da realidade da dinâmica duma sociedade como nossa, a não inibir e não criminalizar a venda de terra pois entra em concordância com supracitado.                  

A questão do nº 5. A transmissão de terra em Moçambique deve ser entre nacionais para fins de habitação, centros comerciais e agricultura com regras bem definidas sem atentado a soberania?

a) Sim (         )       ; b)Não (        ). Esta pergunta tem por objectivo de colher as sensibilidades sobre os critérios da venda de terra de modo a não permitir que os estrangeiros não tenham o direito de compra com intuito de preservar a soberania, mas sim tenham a posse.

A questão do nº 6. Moçambique pode legalizar a transmissão de terras sem pôr em causa a soberania e o bem-estar das comunidades?

Esta pergunta tem como objectivo de chamar a consciência dos entrevistados de modo a discernirem opiniões conducentes a legalização da transmissão de terra, mas como uma alerta ao legislador de modo a não colocar em causa a soberania, mas também criar condições adequadas no seio das comunidades.

A questão do nº 7. A Legislação Moçambicana proíbe a venda de terras, mas a sociedade não acolhe. Que fazer?

Esta questão tem por objectivo fazer uma provocação no sentido de acolher o nível do incumprimento da venda de terra e adoptar uma forma viável.

A questão do nº 8. O Estado Moçambicano está ciente sobre a venda de terras que o mesmo proíbe, podia ajudar a ele?

Esta pergunta tem como objectivo de aferir por parte dos entrevistados se a venda de terra é do domínio do Estado e como pode inverter este cenário.

Tabela1

No

Questões Marca com X onde aparece Sim ou não e responde as outras perguntam abertas

Respostas

1

Uma das causas que levam a transmissão  ilegal de terras em Moçambique é a inaplicabilidade do artigo 3 da Lei de Terras conjugado com 109 da CRM?

a) Sim…,.     b)Não ………

Em relação as causas que levam a transmissão ilegal de terras em Moçambique 90% dos entrevistados dizem que é devido a falta de aplicação da constituição do artigo 109 e artigo 3 da lei de terras.

2

Ausência de uniformidade terminológica de proprietário de terreno e a propriedade de terra ao Estado conduz a venda ilegal de terras em Moçambique.

a) Sim……..      b)Não ……….

No que refere a falta de uniformização das terminologias no quadro legal entre terreno e terra cerca de 98% dos entrevistados apontam como elemento conducente que leva a população a vender a terra como se fossem proprietários. 

3

A posse da terra e a propriedade têm características comuns?

a) Sim…    

b)Não…..

Relativamente as características comuns entre a posse e a propriedade na ordem de 60% opinam que essas figuras jurídicas as suas características são comuns.

4

Há necessidade de harmonizar a transmissão de terras nos preceitos legais em Moçambique?

a)Sim ……………

b)Não……………….                  

No que tange a harmonização da transmissão nos preceitos legais em Moçambique, cerca de 99% dos entrevistados dizem que é necessário.

5

A transmissão pecuniária de terras em Moçambique deve ser entre nacionais para fins de habitação, centros comerciais e agricultura com regras bem definidas sem atentado a soberania?

a) Sim…    b)Não …

Em relação a transmissão de terras em Moçambique, os entrevistados na ordem de 98% consideram que deve ser entre nacionais para habitação, centros comerciais, agricultura e sempre com acompanhamento de regras bem definidas de modo que não entrem em colisão com a Soberania.

6

Moçambique pode legalizar a transmissão pecuniária  de terras sem pôr em causa a soberania e o bem-estar das comunidades?

Em relação a legalização da transmissão pecuniária  de terras em Moçambique, os 100% dos entrevistados concordam com a sua venda, mas sempre deve trazer o bem-estar nas comunidades.

7

A Legislação Moçambicana proíbe a venda de terras, mas a sociedade não acolhe. Que fazer?

Em relação a questão, a maioria dos entrevistados na ordem de 80 % defendem a publicação permanente da leis e apontam a corrupção como elemento que está de trás da vendas e o que pode-se é comercializar para o benefício dos moçambicanos.  

8

O Estado Moçambicano está ciente sobre a venda de terras que o mesmo proíbe, podia ajudar a ele?

Os entrevistados na ordem de 90% dizem que o Estado sabe que a terra é vendida porque a maioria das pessoas estão a viver nos terrenos cuja aquisição foi de compra e venda e podiam ajudar a elaborar uma política nacional de terras com espelho realístico para acompanhamento da sociedade em dinamismo.

Fonte :  Autor

CAPÍTULO V- DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Quanto a noção posse, ainda que breve, e sua distinção com uma figura afim que é a detenção é importante abordar como ponto de partida. No que diz respeito a posse, o artigo 1251º do CC define como sendo “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. Isto é, a posse exprime uma situação na qual uma pessoa tem o controlo[148] de uma coisa. Ora, na detenção também há esse controlo material e assim podem surgir problemas de qualificação entre a posse e a detenção. Esta distinção de posse e detenção derivou da ideia de certa doutrina que consagrou a ideia de posse assente em dois elementos: o corpus – controlo de facto em si – e o animus – intenção de ser proprietário, de ser possuidor ou de ter coisa para si. Esta é a posição da doutrina dita subjectivista a qual se contrapõe a doutrina objectivista basta existir simples controlo material das coisas para haver posse[149] , mas para a doutrina subjectivista, haverá detenção e não posse se faltar um dos elementos desta que é exactamente o animus.

Quanto à orientação do CC, tal coloca problema na medida em que se levantam soluções diferentes. Análise do CC resulta que a distinção entre posse e detenção é de acordo com um critério legal, pois, será detenção todo o controlo material que se achar numa das situações do artigo 1253º do CC. Consideramos que a natureza da posse é, no entanto importante por ser uma das questões mais discutidas neste instituto[150]. Há teses divergentes, sendo que, para uns, é uma realidade fáctica na medida em que o que está em causa é o facto de alguém deter uma coisa e para outros, a posse é uma realidade jurídica, na medida em que é protegida e regulada por lei[151] .

Há ainda a considerar as teses mistas onde a posse é vista como um facto e um direito simultaneamente, e um “facto enquanto posse, relação jurídica enquanto consequência desse próprio facto”[152] . Esta é a melhor orientação, pois, enquanto realidade jurídica, a posse é um direito de gozo diferenciado·. Sobre estes aspectos tivemos já a oportunidade de abordar. A par da posse, temos o conceito acesso à terra que descreve uma situação e não uma regra.

No entanto, o conceito não especifica se a pessoa tem ou não o direito legal de usar o recurso, apenas se limita a indicar um facto[153]. Dadas as situações nosso argumento e posição assumida é de que a “posse da terra” significa “as condições segundo as quais se ocupa a terra: os direitos e obrigações de quem detém a terra”. Por sua vez, constituem o sistema de posse da terra “todos os tipos de posse que são reconhecidos por um sistema legal nacional e ou local, tomado em conjunto como um sistema”[154]. Para se compreender um sistema de posse da terra é importante compreender a relação que o mesmo estabelece com os sistemas económicos, políticos e sociais que o produzem e que, ele, por sua vez, influencia.

Assim, falar da posse e do sistema de posse de terra é falar da posse numa perspectiva de articulação com outros sistemas[155]. É o sistema da posse da terra que cria as condições para que se tenha um acesso efectivo à terra e se possa usar este recurso de forma imposta pela lei. Este argumento também é defendido com Bruce citado por Alfredo.

Em relação o regime jurídico do direito de uso e aproveitamento de terra constitui o fundamento geral da posse e dos direitos da posse da terra, a base onde assenta o acto administrativo do Estado e que através dele os particulares têm acesso à terra em Moçambique. Considerando o Estado proprietário da terra em Moçambique, cabe-lhe a responsabilidade de administrá-la, devendo, por isso, estabelecer os mecanismos, as regras como tal deve ser realizado[156].

Estado administra a terra procedendo à regulamentação das formas de pedido para o seu uso e aproveitamento, tramitando o processo até à concessão do direito de uso e aproveitamento da terra. Por isso, o DUAT é o direito que as pessoas singulares ou colectivas (nacionais ou estrangeiras) e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e limitações impostos na legislação sobre terras.

Cabe ao Estado proceder à gestão dos direitos sobre a terra, praticando actos que lhe são inerentes, devendo criar mecanismos para que a terra seja devida e adequadamente bem usada e aproveitada em prol do bem-estar de toda a sociedade. Em caso de extrema necessidade e atendendo às questões de justiça social, o Estado também procede à redistribuição da terra, como forma de permitir a sua utilização equilibrada e racional pelas várias camadas da sociedade, com realce para as camadas rurais camponesas que mais necessitam da terra para a sua subsistência.

Nestes termos, o regime jurídico da posse de terra na sua generalidade, o instituto da posse encontra a sua cobertura constitucional no artigo 110° da CRM, conjugados com os artigos 1251° a 1287° do CC e na sua especificidade nas matérias de terras artigos 10° e seguintes da Lei de terras (Lei n° 19/97, de 1 de Outubro e) artigo 9° e seguintes do Decreto n° 66/98, de 8 de Dezembro. O nosso argumento devido a sua previsão primária no texto constitucional sobre a posse de terra, eis a razão que trata-se de um direito constitucional cumulativamente fundamental.

Em relação ao artigo 1251° do CC, define a posse nos termos gerais que por sua vez abrange a posse de terra, mas de forma específica os artigos 110° da CRM, 10° e seguintes da lei de terras pois explicitam de forma adequada sobre as condições de acesso a terra. O nosso argumento e posicionamento, quem tem a posse de terra corresponde-lhe como proprietário para efeitos dos meios de defesa da posse em todas situações que eventualmente ocorram, essa correspondência tem uma limitação legal, razão esta que não deve praticar nenhum acto que não esteja em conformidade com a lei, este pensamento também está previsto no artigo 1251 do CC diz que a posse se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de direito de propriedade ou de outro direito real. A demais, o artigo 1524 do CC conceitua que o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações. Dada a análise dos artigos 1251 e 1524 todos do CC, existe uma coincidência da substância na medida em que o artigo 1524 dá o direito de construir em terreno alheio de forma temporária ou permanente, sem dúvida estamos perante a posse de terra[157].   

Quanto as características da posse, a Posse pode apresentar características diversas, relevantes para vários efeitos:·. I Posse titulada e não titulada;

Assim, pode, em primário, ser titulada ou não titulada, destrinça que tem importância para efeitos de usucapião. Na verdade a usucapião obedece os prazos diversos, consoante a posse que a fundamento é titulada ou não titulada. II Posse pacífica e posse violenta. O artigo 1261° do Código civil fala de posse pacífica, ou seja aquela que é adquirida sem violência, a que se contrapõem como é óbvio a posse violenta.

Esta distinção – posse violenta - posse não violenta ou pacífica - tem importância para vários fins, nomeadamente para os efeitos do artigo 1297° do CC. III Posse Pública e Posse oculta também o artigo 1262° do CC fala de uma posse pública, ou seja, aquela que se exerce de modo a ser conhecida pelos interessados. A esta posse pública contrapõem logicamente uma posse clandestina ou oculta.

Também esta distinção a que a lei procede, entre posse Pública e Posse oculta[158], reveste interesse para efeitos do artigo 1297°do CC. O nosso argumento e posicionamento o artigo 1258° do CC refere as características da posse como carácteres e cumulativamente que são os tipos de posse no sentido de cada aplicar-se no seu devido lugar tendo em conta com as circunstâncias da sua existência. A posse titulada não se presume, pois apresenta rigidez quanto a sua comprovação. Em relação a posse de terra, o código civil não específica porque trata de todos direitos reais, sendo assim ela encontra uma cobertura, mas de forma específica, o que caracteriza a existência da posse de terra sem prejuízo do artigo 1263 do CC, é o DUAT, a usucapião e sem detrimento das normas costumeiras, pois esta última possibilidade é difícil fazer a sua averiguação.

Quanto a conceitualização de propriedade, o artigo 1305º do CC traz o conteúdo legal da propriedade no qual aduz que: “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela imposta. O nosso argumento e posicionamento em relação a este conceito legal, importa frisarmos que apesar do proprietário de uma coisa de ter o poder sobre ela, deve saber e respeitar a forma de usar, fruir, transmitir a coisa, no qual esta imposição é extensiva, visto que abrange o Estado em matérias de terra. Este não deve praticar actos contrários a lei.

Quanto as características da propriedade o artigo 1305° CC, o seu conteúdo no qual acaba caracterizando a propriedade. O nosso argumento e posicionamento entre a propriedade e a posse nos termos da sua relação podemos verificar alguns aspectos relevantes ora vejamos, na medida que o objecto da posse serem todas as coisas que podem ser objecto de propriedade, não só, mas também a posse gera a propriedade nos casos de usucapião. Este pensamento, também é defendido no artigo 1287°CC. 

Quanto ao artigo 109° da CRM, conjugado com o artigo 3° da lei de terras, no nosso posicionamento, o mais preocupante não se exime a pertença do Estado, pois a venda de terras enfraquece o próprio Direito. Ora vejamos no caso da existência de conflito de terras havendo dois ou mais sujeitos vão considerar a prevalência o primeiro adquirente independentemente das circunstâncias que ele adquiriu. A venda de terra não é secreta em Moçambique, pois o preceito constitucional se aproveita para a minoria economicamente débil acobertando a classe detentora de riquezas. Os nossos argumentos podem sustentar com os estudos feitos pelo professor Doutor Alfredo no qual defende que alguns compram parcelas para fins de exploração agro-pecuária e outros para construção de moradias familiares ou para fins comerciais e condomínios.

A demais, existem aqueles que compram parcelas, esperando que a urbanização alcance aquelas áreas e o possam vender a um preço mais alto. Verifica-se que a população vende as parcelas adjacentes à sua casa que adquiriram por herança ou ocuparam no período pós independência. A população que vive nos bairros da área de estudo e que possui entre 3-5 parcelas são os que efectuam a repartição e vende aos interessados que vem da área urbana e suburbana das cidades de Maputo e Matola[159].

No que tange as causas da venda de terra em Moçambique, os entrevistados dizem que a falta de aplicação do preceito constitucional no seu artigo 109º da CRM conjugado com artigo 3 da lei de terras, pois trata-se de uma realidade inegável visto que na vida prática acontece na sociedade moçambicana. Também as respostas dos entrevistados são corroboradas pelo Professor Doutor Alfredo na sua tese de Doutoramento. No nosso argumento e posição esta prática reduz de forma significativa o alcance legal dos preceitos retro mencionados pois a proibição é meramente teórica, sabendo que as normas jurídicas têm como o seu destino a sociedade pois não faria sentido legislar para o vazio.

Em relação as terminologias de proprietário de terreno e a terra, os entrevistados apontam, que por ausência de uniformização legislativa como elemento conducente da venda ilegal de terras. No nosso argumento e posicionamento, o legislador moçambicano não conseguiu fazer esta uniformização, pois o termo proprietário de terreno que é a própria terra o código civil atribui aos particulares, factor este que leva a consideração de uma propriedade privada como mostram as evidências dos artigos 1344 e seguintes do CC.

Quanto as características comuns entre a posse e a propriedade, os entrevistados dizem que tem características comuns. No nosso argumento e posicionamento, o facto de existir alguma ligação entre esses institutos, não quer dizer que são sinónimos, porque quanto a origem são diferentes, elas são tratadas em regime jurídicos diferentes.

Relativamente a necessidade de harmonização da venda de terras nos preceitos legais em Moçambique, os entrevistados defendem a sua harmonização. No nosso argumento e posicionamento, devido as inúmeras situações sobre a venda de terras, o legislador dever ser mais pragmático e não teórico, pois não respeitam nenhum preceito sobre a proibição de venda, aliado a esses factores e porque trata-se de uma realidade inegável, deve harmonizar a sua venda no qual podemos sustentar o nosso argumento. A demais, corroboramos com as seguintes teorias científicas que defendem a sua venda. Para a teoria dos direitos de propriedade, de fundamento neoclássico, o crescimento demográfico e a crescente comercialização da agricultura levam à escassez de terra, passando esta a ter um valor económico e transformando-se progressivamente em um bem comercializável e apropriável individualmente[160]. Nestas circunstâncias, a ausência de propriedade privada é prejudicial pois as explorações, não são feitas de maneira ecologicamente sustentável e, por sua vez, os investimentos não conservam nem melhoram a qualidade dos solos e da produção, provocando desta forma importantes externalidades.[161]

Para a teoria dos direitos de propriedade salienta que, sujeitos ao crescimento demográfico e do mercado, as sociedades humanas tendem a evoluir espontaneamente em direcção a uma generalização da propriedade privada, individual e familiar, da terra, ao mesmo tempo em que assistimos ao enfraquecimento e desaparecimento do papel das autoridades tradicionais. A persistência da gestão comunitária em algumas extensões de terra, a resistência à venda de terras para fora da comunidade de pertença, o carácter reversível das vendas de terras e a persistência de relações clientelistas, autoridades comprador e vendedor, etc., são sinais de um período transitório, antes do desenvolvimento de um verdadeiro mercado de terras.[162]

Da análise feita sobre as defensoras da venda de terra, as duas nos conduzem a uma reflexão de legalização de venda de terra devido a realidade da sociedade em Moçambique.

No que refere a questão sobre autorização de venda de terras em Moçambique para efeitos da agricultura, comércio e habitação, sem por em causa a soberania e o bem-estar das comunidades, os entrevistados foram unânimes em concordar. No nosso argumento e posicionamento, salientamos que Estado pode legalizar a venda de terras no sentido de não entrar em contradição com os preceitos legais. Em relação a venda algumas teorias que citamos anteriormente defendem e corroboramos com elas, mas o Estado deve limitar a sua venda de modo a não reconhecer qualquer venda ou compra que coloca em causa o bem-estar das suas comunidades no sentido deles não saírem prejudicados. A soberania do Estado sempre deve ser levada em consideração, razão esta que não se pode criar qualquer situação que pode -lhe atentar.

Os entrevistados defendem que a propriedade terras deve ser feita entre os nacionais e sem pôr em causa a soberania e o bem-estar das comunidades. Em relação o nosso argumento e posição, importa salientarmos que não haverá nenhuma inconstitucionalidade, pois não vai violar o princípio de universalidade e igualdade consagrado no artigo 35 da CRM, porque trata-se de um princípio, e o próprio Estado vai adequar de acordo com a sua realidade.

Relativamente a proibição legal da venda de terras, os entrevistados dizem que o Estado deve mudar o paradigma, pois não adianta proibir uma realidade que não lesa a ninguém e que não existem os mecanismos de controlo. No nosso argumento e posicionamento. O legislador deve analisar o acolhimento das normas sob ponto de vista sociológico, uma vez o que o direito tem o seu destino a sociedade. Assim corroboramos com as terminologias latinas “ub societa, ub ius”.

Relativamente a questão sobre o consentimento da venda de terras, os entrevistados dizem que o Estado sabe da venda de terras e no qual podiam ajudar como harmonizar a realidade social com a jurídica. No nosso argumento e posicionamento, de forma inequívoca o Estado tem o conhecimento de ocorrência de casos inerentes a venda de terras, uma vez que ele dirime os conflitos resultantes e reconhece no Código penal a sua criminalização[163] através da Lei n 35/2014 de 31 de Dezembro que aprova o Código penal.

CONCLUSÃO

Da análise feita em diferentes obras e diferentes autores, legislações e respostas que obtivemos através de entrevistas. Assim, conclui-se que as teorias de posse de Ihering é denominada como objectiva e a teoria do Savigny denominada subjectiva desempenharam um papel de extrema importância na área jurídica, pois influenciaram muitos países do mundo a adoptarem nos seus Códigos e as suas concepções.

Em relação a conceitualização da posse e da propriedade, a origem, os regimes jurídicos demonstram uma diferenciação de forma clara e inconfundível.

No que tange a natureza jurídica da posse foi a tónica de muitos debates ao nível da doutrina, mas a pesquisa conclui que trata-se de um direito real, cujo seu objecto são as coisas passíveis de serem objecto da propriedade. Também salienta-se que através da posse é possível gerar a figura de usucapião que se usa na actualidade para a obtenção de direito de superfície, como aduz o artigo 1287 do CC, que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.

Relativamente a transmissão ilegal de terra, dentre as várias causas são a inaplicabilidade dos preceitos legais e ausência de uniformização das terminologias de terra e terreno, que no CC designa-se por proprietário de terreno aos particulares enquanto o na CRM designa-se o Estado como proprietário de terra[164], e sob ponto de vista conceitual acaba não existindo diferença entre a terra e terreno.

Sobre a harmonização da transmissão de terra, concluímos que há necessidade de harmonizar os instrumentos jurídicos dentro do nosso ordenamento jurídico de forma cuidadosa, de modo a legalizar este a sua transmissão face ao artigo 109 da CRM, mas as directrizes bem definidas no sentido de não pôr em causa o bem-estar das comunidades e a soberania do Estado.

Em Moçambique o Estado tem o conhecimento sobre a transmissão pecuniária de terra por isso considera crime[165], mas a população moçambicana não acolhe essa proibição provocando uma fragilidade para o próprio Direito. De frisarmos que existem teorias científicas que defendem sobre a venda de terra.

SUGESTÕES

Em termos de sugestões relativamente ao tema que foi tratado concernente ao mecanismo de harmonização para a transmissão de terra face ao artigo 109 da CRM. Cumpridas todas as etapas de pesquisa deste nível, apresentados os dados e a sua análise que culminou com a discussão dos resultados até as considerações finais, sugere-se as seguintes premissas.

O Estado moçambicano tem o conhecimento que a economia de mercado, de inspiração liberal e o seu conceito de privatização, a terra tornou-se uma mercadoria de venda e de compra, pois o país encontra-se mergulhado no sistema capitalista (economia de mercado), realidade esta que podia legalizar a transmissão.

  1. . Da mesma forma, que o Estado transmite uma propriedade pública para privada, usaria a semelhança desta fórmula para efectuar a legitimação aos particulares como proprietários de terra.
  2. . O legislador moçambicano, face a realidade de mercado de terras podia alterar a Constituição da República no seu artigo 109 de modo acomodar esta realidade. Pois alteração de qualquer instrumento jurídico seguindo o desiderato realístico é um ganho para o Povo. No qual devia ter a seguinte redacção A Terra é a propriedade propriedade do Estado para os casos da soberania e pode ser comerciável nos termos e limites da lei. O Estado devia criar políticas adequadas como critérios mínimos para autorização da transmissão de terras de modo a evitar anarquia e  perturbação da ordem social.
  3. . A transacção do negócio de terras podia ser feita entre os moçambicanos independentemente da forma que adquiriram a nacionalidade, mas no caso de violarem as regras estabelecidas deviam perder imediatamente no sentido de salvaguardar os interesses do Estado.
  4. . O Estado podia criar parcerias com as instituições do ensino superior de modo a elaborarem currículos que dizem respeito sobre a transmissão  de terras, uma vez que as academias são centros de formação do homem novo na mudança das suas concepções.
  5. . Estado podia fiscalizar se o indivíduo que está a vender a terra possui outras ou não no sentido de não prejudicar a família, apesar de liberdade contratual, mas algumas linhas deviam ser rígidas sobre estas matérias.
  6. .O legislador podia uniformizar as terminologias de terra e terrenos.
  7. . Existir um limite máximo de transmissão de terras e sempre respeitar as áreas de domínio público.

VII. O Estado passaria a ser proprietário original em todas situações do domínio da sua soberania.

  1. . Fazer o controlo dos estrangeiros de modo que eles tenham apenas o DUAT e anular todos os processos fraudulentos com tendência de proprietário.

IX. Ter interesse e preocupação de divulgar os instrumentos de terras da mesma forma que acontece para os processos eleitorais.

Respeitar em primeiro lugar os direitos da comunidade no processo de transmissão de terras, caso ocorrer.

  1. . O Estado deve estar em alerta sobre as situações de oportunismo na legislação sobre a terra.
  2. . Criar e capacitar as instituições nas matérias de terras através dos seus colaboradores.

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Sobre o autor
Abu Mario Ussene

Abu Mario Ussene Presidente da Assembleia da Mpuhula, Mestre em Direito Civil pela universidade católica de Moçambique e Doutorando em Direito Publico na UCM, docente de Filosofia, Historia no centro Islâmico de Nampula em Moçambique, Etica e Deontologia Profissional no Instituto Politecnico medio de Mocambique, Analista politico e comentarista jurídico no programa opinião jurídica na Haq Tv em Moçambique, Gestor de Monitoria e avaliacao da ORPHAD, chefe de qualificacao do PAED, Secretario Provincial do Conselho Islamico em Nampula e Gestor de Recursos Humanos no COPMOZ e INSPOM.

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