Tratamento jurídico aplicado aos portadores de personalidade psicopática no Brasil

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11/06/2019 às 18:00
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4. A LEGISLAÇÃO E AS MEDIDAS APLICADAS AOS PSICOPATAS

Apesar de não haver legislação específica aplicável a pessoa portadora de Transtorno de personalidade psicopática, é importante compreender as formas de aplicação da legislação penal brasileira à tais indivíduos e aos crimes por estes cometidos.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, art. 228, “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. (BRASIL, 1988)

O Código Penal, em seu artigo 26 dispõe sobre a inimputabilidade da seguinte forma:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)       

Assim trata o Código Penal de considerar inimputáveis tanto as pessoas que não possuíam nenhuma capacidade de compreensão da ilicitude do fato, incapacidade esta motivada por doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto, tanto quanto das pessoas que mesmo possuindo tal discernimento não se acham aptas a agir de acordo com tal entendimento, bem como às pessoas que mesmo possuindo o entendimento do ilícito no momento do fato não possuíam capacidade de autodeterminação.

Já o Parágrafo único do art. 26, ao tratar da semi-imputabilidade, determina que poderá ser reduzida a pena de um a dois terços, caso o agente apresente perturbação mental devido à desenvolvimento incompleto ou retardo, comprovando que não era capaz de compreender inteiramente a ilicitude do ato cometido, ou que pelo mesmo motivo tivesse reduzida a sua capacidade de auto determinar-se de acordo com tal entendimento.

Para Ballone (2008) afirma que o psicopata não pode ser declarado insano antes de ser avaliado por perito. Isto, porque a imputabilidade requer ciência dos fatos. O fato de discernir certo e errado já é o suficiente para que os psicopatas tenham condições de conhecer as normas como as demais pessoas. Há a questão do impulso resistível, e neste caso, apesar de ter consciência do certo e errado, o psicopata é submetido a impulso irresistível.

Assim, há que se analisar a aplicação do disposto no caput do art 26 do Código Penal, uma vez que caso tal impulso seja irresistível é possível considerar que tal agente apesar de conhecer o caráter ilícito de seus atos não se podia determinar de acordo com tal entendimento.

Nesse sentido Bitencourt (2018, p.1) afirma que:

[...] a capacidade de entendimento não significa que o agente possa autodeterminar-se exercendo um controle total sobre os seus impulsos. Pode acontecer que por um transtorno dos impulsos o agente tenha perfeitamente íntegra a capacidade de discernimento, de valoração, sabendo perfeitamente o que é certo e o que é errado, e no entanto, não tenha capacidade de controle de autodeterminação.

Porém, Ballone (2008) informa que a ideia do impulso irresistível não é comungada por todos, uma vez que se encontram ambiguidades na questão desse impulso, por exemplo, em muitos casos está relacionado a espontaneidade, e em geral os psicopatas avaliam o crime durante algum tempo antes de cometê-lo ou concretizá-lo.

Há nesse caso que se analisar se ao tempo da ação o impulso foi realmente irresistível, de grande monta (capaz de parcialmente afastar a capacidade de resistência do agente), ou plenamente resistível, pois nesta discussão, aplicada a cada caso concreto, uma vez que demonstrada a possibilidade de manifestação diversificada entre os agentes de tal capacidade, reside a dúvida quanto a imputabilidade ou não dos psicopatas.

Continua Ballone (2008) dizendo que existem três aspectos que os tribunais se focam quanto a delitos cometidos por psicopatas: responsabilidade total, atenuada e isenção de responsabilidade. Na última opção citada compreende-se que o psicopata é considerado doente mental, com anomalias que afetam a personalidade e por isto, precisa ser encaminhado a hospital psiquiátrico e não à penitenciária, sendo que nos outros dois casos seria aplicada pena privativa de liberdade com diminuição de pena pela semi-imputabilidade (neste caso podendo haver igualmente determinação de medida de segurança) ou de forma integral, caso considerada a plena imputabilidade do agente.

Assim, quando o psicopata é considerado incapaz de se autodeterminar, atua de forma impulsiva, são classificados como inimputáveis, e são submetidos a tratamento por medida de segurança, e, caso se reconheça a semi-imputabilidade, ao psicopata será aplicada pena que poderá, nos termos do art 98 do Código Penal ser substituída por Medida de Segurança.

Quanto às medidas de segurança Jesus (2003) ressalta que as medidas de segurança têm como objetivo principal a cura dos indivíduos que se submetem a tal instituto, pois, possuem natureza preventiva, para que o criminoso não venha a reiterar os delitos cometidos.

Na visão de Nucci (2013, p.19), as medidas de segurança:

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi- imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.

Nesta senda, observa que as medidas de segurança aplicadas aos psicopatas visariam à recuperação ou cura dos indivíduos, porém grande problema se insurge quando se verifica pela doutrina médica que, até o momento, não foi localizada possibilidade de cura para tal transtorno.

Para Greco (2011) a Lei de Reforma Psiquiátrica, art. 4º, § 1º que uma das finalidades é de fato devolver o paciente à sociedade. Desta forma, pode-se dizer que a intenção do Estado, ao criar este instituto foi de evitar o cometimento de crimes futuros por psicopatas com alto grau de periculosidade, e ao mesmo tempo, curar a doença ou enfermidade, contribuindo no processo de reinserção social. Compreende-se que para que a reinserção ocorra precisa ser comprovada a cura ou controle da referida enfermidade.

Ocorre que, a reincidência criminal dos psicopatas é frequente conforme explica Silva (2008, p.133): “A taxa de reincidência criminal dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos” pois, não consideram a pena imposta como meio coercitivo ou preventivo, de forma que não haveria resultado positivo a imputação de tal sanção. Em geral os psicopatas não são favoráveis a tratamentos psicoterapêuticos e o fato de não haver cura, pode-se dizer que a internação não se mostra eficaz para os casos mais graves.

Sobre o assunto Trindade (2012, p.176-177) declara: “não haver evidências de que podem existir tratamentos psiquiátricos com eficiência real na redução da violência ou criminalidade, contra psicopatas”. E mais, em alguns casos, os psicopatas tentam ludibriar o tratamento, adulterar exames, normas disciplinares, promovendo a total desestruturação tanto do tratamento, quanto das instituições (TRINDADE, 2012).

Na visão de Banha (2008) os psicopatas possuem facilidade em ludibriar pessoas, são pessoas cativantes e utilizam de todos os meios de enganar, obter vantagem, adulterando resultados de exames, confundindo os profissionais no processo de avaliação e análise.

Para Albergaria (1999) a prisão, de fato, não seria a solução para crimes cometidos pelos psicopatas, tampouco as medidas de segurança, que se mostram insuficientes e até mesmo inúteis, pois não possuem sequer chance de cura. Nesta senda, infere-se que é preciso que o Estado precise reconhecer que o psicopata não é uma pessoa comum, e que por isso precisa de tratamento sistematizado, além da criação de políticas criminais voltadas para esta área.

Considerando que o prazo para o cumprimento de medida de segurança aplicada ao psicopata é exíguo, a recomendação conforme declara Bitencourt (2010, p.785) que:

A duração equivalente há trinta anos, que é o maior lapso temporal de privação de liberdade do infrator permitido pelo Código Penal.Sustentamos que em obediência ao postulado que proíbe a pena de prisão perpétua dever-se–ia, necessariamente, limitar o cumprimento das medidas de segurança a prazo não superior a trinta anos, que é o lapso temporal permitido de privação da liberdade do infrator.

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O Código Penal brasileiro, §§ 1º e 2º do art. 97 preconiza: “Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.

Assim, os psicopatas que não possuem possibilidade de cura, cabe ao Estado aplicar medida de segurança em tempo máximo para cumprimento da pena, ou seja, trinta anos, com avaliações periódicas dos indivíduos e, caso a periculosidade persista, deverá ser decretada a interdição do agente.

Segundo Zaffaroni; Pierangeli (2004, p.812):

Se continuar a doença mental da pessoa submetida à medida de segurança, a solução é comunicar a situação ao juiz do cível ou ao Ministério Público, para que se proceda, conforme o art. 1.769 do Código Civil em vir a internação nas condições do art. 1.777 desse mesmo Código.

O Supremo Tribunal Federal em decisão do Min, Marco Aurélio (2005) já se manifestou a respeito da interdição civil de pessoas portadoras de transtorno de personalidade grave, a fim de que não possa promover riscos à comunidade se posto em liberdade, in verbis:

MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual.1ª Turma, 09.11.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1ª Turma, 14.12.2004. Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma, 15.02.2005. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do Código de Processo Penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do Código Civil, nos termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Unânime. 1ª. Turma, 16.08.2005 (STF – HC: 84219 SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/08/2005, 1ª Turma, Data da Publicação: DJ 23-09-2005).

Tal decisão já confirmada por outras ações impetradas no Superior Tribunal e Justiça afirmando que a medida de segurança é aplicada substituindo a pena corporal e que sua duração deve ser relativa ao da pena privativa de liberdade. Porém, se periculosidade persistir deve-se ativar a interdição do agente por meio de juízo cível.

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