Atualização legislativa: tributação sobre a plataforma de streaming Netflix

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A Lei Complementar 157/16 publicada em 29 de dezembro de 2016, trouxe alterações na Lei Complementar 116/03 de modo a acrescentar a hipótese de incidência do ISS sobre Streaming. Analisa-se se a hipótese de tributação Netflix está correta.

1. INTRODUÇÃO

Diante do surgimento de novas tecnológicas ligadas à informática, é considerável as mudanças advindas desse processo evolutivo, principalmente nas relações de consumo. Nesse contexto, nota-se um avanço expressivo nas demandas tecnológicas, decorrendo das novas tecnologias a criação e a melhoria contínua na prestação de serviços.

 Uma tecnologia que trouxe uma melhoria e que merece destaque, são as plataformas de streaming, que é melhor representada ao se falar da Netflix. Essas plataformas vêm sendo utilizadas mundialmente, tendo em vista a dinâmica que elas proporcionam, de visualização ou acesso a conteúdo de músicas, filmes ou series por meio da internet.

Todavia, muitas vezes, o direito não consegue acompanhar o desenvolvimento tecnológico que norteia novos negócios jurídicos ensejados através da internet. Isso não significa, no entanto, que o Estado em sua função legislativa não venha adequar fatos jurídicos afim de regulamentar ou proibir tais negócios.

E nesse ínterim, considerando a competência tributária outorgada pela Constituição Federal, o Estado não deixou de notar o expressivo crescimento de empresas que surgiram ou que implementaram a tecnologia streaming.  A Netflix, por exemplo, já é considerada a maior empresa de entretenimento de conteúdo audiovisuais por assinatura através da internet. Dada a manifesta riqueza, e como não havia a tributação da tecnologia que envolve a prestação do serviço da Netflix, o Estado Brasileiro teve o interesse em prever a possibilidade de tributá-la, para repelir desigualdades econômicas e comerciais, por entender se tratar de um serviço, que quando prestado, materializa-se fato gerador passível de tributação.  

Diante disso desse poder-dever da Administração Pública, em 29 de dezembro de 2016, foi publicada a Lei complementar 157/16, que trouxe alterações na Lei Complementar 116/2003 que versa sobre o ISS, incluindo, no anexo I, o subitem 1.09, que veio a tratar das atividades de “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet” comumente chamadas de streaming. Portanto, está previsto a possibilidade de os Municípios tributarem a Netflix e todas as plataformas que se enquadrarem nas especificidades dessa nova hipótese de incidência do ISS.

No que tange aos efeitos da autorização dada para os municípios tributarem este tipo de serviço, cabe destacar, que o assunto trouxe grande repercussão na sociedade, seja os interessados inconformados com a tributação, seja os debates entre juristas e profissionais atuantes na área tributária.

Para alguns estudiosos do meio jurídico brasileiro, não é constitucional se tributar tais serviços através do ISS, pois, argumentam existir precedente favorável à não tributação do ISS.

Entretanto, no cerne de discussões acerca do assunto, surge uma importância acadêmica do presente estudo, que se justifica principalmente pela busca de adequação de normas jurídicas, face aos negócios da internet.  Quiçá possível divergência da natureza jurídica do serviço de plataformas streaming e o tratamento dado pela doutrina e pela jurisprudência ao conceito constitucional de serviço. Esse estudo possibilitará uma visão clara e objetiva acerca da tributação da Netflix.

O artigo científico tem por finalidade analisar a viabilidade de se tributar os serviços de tecnologia streaming, utilizando-se o ISS, verificando se pode considerar constitucional a incidência desse imposto nas plataformas de streaming.

 Para tanto, o presente artigo foi desenvolvido sob metodologia de abordagem qualitativa, conforme o conceito de MICHEL (2005, p. 33), usando-se o método dedutivo de acordo com os ensinamentos de GIL (2008, p. 9), fundamentando-se nos procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental de acordo com MARCONI e LAKATOS (2003, p. 174), investigando em revistas jurídicas, doutrinas e jurisprudências, a forma de operacionalização das plataformas de streaming, o conceito constitucional de serviços dado pela doutrina e pela jurisprudência.

Para atingir os objetivos propostos, o artigo foi estruturado além desta introdução, considerações finais e referências, em três seções em seu referencial teórico. Na primeira seção, de caráter introdutório, será abordado o conceito de streaming, bem como semelhanças e distinções com outros procedimentos, forma de operacionalização das plataformas streaming, modalidades de streaming.

 Em seguida, será apresentado breve considerações acerca da empresa Netflix, o marco inicial empresarial, o sucesso.

Por fim, na terceira e última seção abordará a incidência do ISS sobre a Netflix, de modo a se verificar se há a compatibilidade constitucional ou não, a prestação deste serviço.


2. PLATAFORMA DE STREAMING

2.1 CONCEITO DE STREAMING

Etimologicamente, a palavra streaming surge na língua inglesa, tendo sua origem marcada pelo termo stream, cujo significado na linguagem brasileira remete ao vocábulo fluxo, corrente ou transmissão.

Tratando-se de uma inovação tecnológica para o consumo de áudio e vídeo, o conceito de streaming ainda não foi formulado de forma específica pelos doutrinadores do ramo. Todavia, ao verificar o Dicionário do Google, o streaming é conceituado como

“um método de transmissão ou recepção de dados (especialmente material de vídeo e áudio) através de uma rede de computadores como um fluxo continuo e continuo permitindo que a reprodução prossiga enquanto os dados subsequentes são recebidos”.

Com efeito, esta nova tecnologia, por proporcionar aos seus usuários o consumo imediato de áudio e vídeo, rompendo com o paradigma anterior marcado pelo uso de “download”, rapidamente ganhou grandes inovações e popularidade no mercado tecnológico. Além disso, com a criação do Youtube, no início do ano de 2005, sob o qual todos os usuários poderiam ter acesso e ser um produtor de conteúdo de forma gratuita (FERNANDES, 2016).

Desta forma, pode-se considerar que o Youtube foi o propulsor do streaming na internet, tendo em vista que através de sua plataforma foram apresentadas aos seus usuários as possibilidades dos conteúdos audiovisuais serem consumidos através da internet. Nesse contexto, esta nova plataforma contribuiu para despertar o interesse para os negócios voltados para este ramo na internet.

2.2 DIFERENÇA ENTRE STREAMING E DOWNLOAD

Inicialmente, para uma melhor explanação sobre a tecnologia em comento, se faz oportuno destacar a diferenciação entre o streaming e o download. Desta forma, compreende-se que o download permite o armazenamento permanente de arquivos em smartphones, computadores e tablets ou até mesmo smart tv, para o uso posterior (BARBOSA, 2017).

Assim, o usuário detém a posse das informações que foram baixadas através do download em seu aparelho, podendo acessar o conteúdo transferido quantas vezes quiser, mesmo após a cessação da conexão com a internet. O streaming difere desta tecnologia, uma vez que esta tecnologia proporciona um fluxo contínuo de transmissão de informações, mas impossibilita aos seus usuários o armazenamento de informações em seus aparelhos de forma permanente (CAMPOS CABRAL e CAVALCANTE VIEIRA, 2017).

É válido acrescentar o entendimento de Clodoaldo (TSCHÖKE, 2001, p. 17) ao relatar que o streaming consiste em uma técnica pela qual:

“[...] o sinal de vídeo é transmitido ao cliente e sua apresentação inicia-se após uma momentânea espera para armazenamento dos dados em um buffer (um pequeno armazenamento prévio do vídeo que será mostrado em seguida. Ocorre no início do streaming ou quando a transmissão é interrompida devido algum congestionamento na rede). Nesta forma de transmitir vídeo não é preciso fazer o download prévio do arquivo, o micro vai recebendo as informações continuamente enquanto mostra ao usuário. Esta técnica reduz o tempo de início da exibição e também elimina a necessidade de armazenamento local do arquivo”.

Extrai-se dessa linha intelectiva, a ausência da necessidade de realização de download para usufruir de conteúdos digitais através do streaming. Entretanto, conforme o ensinamento de BENTO NETO (2016, p. 30) é possível compreender que o streaming possui em suas características, semelhanças com o download. Contudo, é diferenciado deste por consistir em:

“[...]um fluxo contínuo de transmissão de informações que não permanece na posse do receptador do sinal e pode ser consumida no mesmo momento da solicitação de transferência. Ou seja: primeiramente, embora no streaming também haja uma parcela de download, o conteúdo transferido serve apenas para ser remontado, convertido em som ou imagem, e consumido no mesmo instante. Depois, nenhum dado receptado no aparelho ali permanece, uma vez que, tais quais os sinais recebidos por um aparelho televisor ou de rádio, não há armazenamento de mídia na unidade física”. (BENTO NETO, 2016, p. 30)

Diante do exposto, pode ser observado que no download, o armazenamento de dados é permanente (ficando a critério do usuário a remoção do conteúdo) em um disco local (HD) do computador ou aparelho capaz de armazenar o conteúdo obtido, já o streaming conforme mencionado anteriormente, o armazenamento é temporário e não vai para um disco local, e sim para a memória RAM do aparelho que esteja executando o conteúdo via streaming.

2.3 FORMA DE OPERACIONALIZAÇÃO DO STREAMING

Conforme supracitado, se faz necessário abordar a forma de operacionalização do streaming, para uma melhor compreensão sobre como funciona as plataformas de streaming.

Em síntese, no streaming é realizada uma divisão do conteúdo (uma fragmentação) a fim de tornar o procedimento de download mais rápido, de modo a ser realizado a transmissão instantânea do conteúdo audiovisual (BENTO NETO, 2016). Corroborando com o exposto, aduz Christian (STAFIN, p. 18) sobre a dinâmica do streaming da seguinte forma:

“A lógica dessa repartição do arquivo é para que os dados sejam enviados e recepcionados de forma mais instantânea para o usuário, o que é diferente no caso do download, que precisa ser enviado e recepcionado de uma só vez para que se possam exibir as informações”.

Nesse sentido, o processo realizado pelo streaming é quase que humanamente imperceptível, pois instantaneamente é realizado tanto o download como a fragmentação, conversão do arquivo fragmentado e exibição na plataforma em que está sendo executado.  Contudo, é importante ressaltar os benefícios da praticidade que trouxe esta tecnologia para o ramo empresarial de entretenimento, que somente foi possível com as inovações das bandas largas de internet.

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2.4 MODALIDADES DE STREAMING

Compreender streaming exige não somente entender como ela operacionalizada, mas também as suas modalidades. Nesse contexto, é oportuno destacar o ensinamento de BENTO NETO (2016) ao dizer que o streaming possui duas modalidades, o live streaming e o streaming on demand. Sobre o live streaming (“ao vivo”), o autor relata que consiste na 

[...] transmissão vem diretamente de uma câmera ou microfone, e ocorre tão somente naquele momento, uma vez que o conteúdo que está sendo consumido pelo usuário não provém de dados em arquivos, mas em uma transmissão que ocorre em tempo real, só sendo disponível no momento em que ocorre a filmagem do evento que está sendo transmitido; é o caso dos assim chamados televisores e rádios por streaming [..] (BENTO NETO, 2016, p. 34)

Desta forma, é possível compreender que o usuário do live streaming usufrui do conteúdo de modo não interativo, ou seja, não possui o controle sobre o que está sendo transmitido via internet. Como comparativo para uma melhor didática, considera-se como exemplo: rádio e televisão. Nestes meios de entretenimento, o usuário sincroniza (escolhe) o canal que deseja assistir ou ouvir em se tratando de rádio, e uma vez sincronizados o usuário não consegue interagir com o conteúdo transferido em tempo real.

Em se tratando de streaming on demand, segundo BENTO NETO (2016, p. 34) ele possui uma vantagem de: [...] “ser consumido no momento em que o usuário assim o desejar, uma vez que o conteúdo já se encontra previamente armazenado em um servidor-base que enviará a transmissão da mídia somente quando solicitado”. Deste modo o streaming on demand, possui o caráter interativo, pois o usuário possui controle sobre o conteúdo na plataforma, podendo manuseá-lo durante a transmissão (pausar, passar para frente, voltar).

Cumpre ressaltar, que várias empresas utilizam o método “streaming on demand” para prestar serviços de entretenimento, cita-se como exemplos, a Netflix, AmazonPrime, Spotify, Crackle, Youtube, Google Play, Deezer, etc. No presente artigo, o enfoque da pesquisa será realizar uma análise sobre a Netflix, tendo em vista que ela se caracteriza como a principal referência de entretenimento pago via plataforma de streaming.


3. DA NETFLIX

A título de exemplificação das grandes empresas que trabalham com a tecnologia de streaming, pode-se destacar a Netflix. Todavia, insta salientar que no desenvolvimento da Netflix, observou-se que as suas primeiras atividades foram desenvolvidas pelo site “netflix.com”, sob o qual eram realizados vendas e os aluguéis de DVD’s (Digital Versatile Discs), de filmes disponibilizados pelas empresas parceiras, que segundo STÜRMER e SILVA (2015, p. 3) destacam-se a Warner Brothers, Columbia Film Studios.

Ocorre que, no período do surgimento da Netflix sob o qual era utilizado para prestação dos seus serviços os DVD’s, pode ser observado que a empresa foi responsável pelo rompimento da utilização de conteúdo audiovisual através do VHS (Vídeo Homem System) e VCR (Vídeo Cassette Recorder). Entretanto, a Netflix na época competia no mercado com a empresa Blockbuster Inc. considerada no período, a maior rede de locadoras de filmes (FREIRE, 2018).

Pontue-se, ademais, que o serviço da Netflix era prestado através dos correios dos Estados Unidos. Para utilização do serviço proposto, o usuário realizava uma assinatura mensal, para que, posteriormente, fosse ofertada a locação ilimitada dos títulos em posse da empresa (KULEZA e BIBBO, 2013).

Devido aos avanços tecnológicos e principalmente da internet, no ano de 2007 a empresa aderiu-se a tecnologia streaming (NETFLIX MEDIA CENTER, 2019), colocando os títulos em sua posse para a execução em VOD (vídeo on demand), ou seja, plataforma de streaming. Desse modo, a empresa passou a realizar transmissão online de filmes e séries para seus assinantes em sua plataforma 100% digital.

Oportuno frisar, que a Netflix realizou parcerias com grandes empresas consolidadas do ramo de desenvolvimento de tecnologias, tais como, Apple, Google, e outras, com intuito de possibilitar a visualização dos conteúdos da plataforma streaming em diversos aparelhos eletrônicos conectados à internet (STAFIN, 2019).

Em 2012, ocorreu o lançamento da primeira série original Netflix, denominada “Lilyhammer”, marco inicial da empresa no ramo das produções independentes. Logo após, foi produzida a série House of Cards, reconhecida e objeto de diversas premiações.

No ano de 2018, a Netflix atingiu o patamar de US$ 152,3 Bilhões em valor de mercado (G1, 2018) e fechou o ano com quase 150 milhões de assinantes (FLINT e MAIDENBERG, 2019) caracterizando-se como uma potência mundial no serviço de streaming on demand, como consequência do seu crescimento expressivo desde o ano de 2016, quando passou a operar em mais de 190 países.

Face ao exposto, é notório o destaque que a Netflix trouxe para esta modalidade de serviço, de forma a assumir um grande espaço na economia e também na vida dos seus assinantes. Contudo, até o ano de 2016 esta modalidade de serviço era isenta de imposto (EDITORIAL EPD ONLINE, 2019), haja vista a dificuldade do enquadramento jurídico para se tributar essa espécie de serviço, devido ao fato que o desenvolvimento tecnológico evolui de forma mais rápida que o direito, ou seja, torna-se dificultoso a adequação legislativa, principalmente na seara tributaria (INDA e IBAÑEZ, 2018).

Nesta senda, no ano de 2016, coincidentemente no mesmo ano em que a Netflix passou a operar em nível internacional, o legislativo, sentiu a necessidade de adequar a norma tributária com a presente modalidade de serviço, optando por considerar que o serviço de streaming é fato gerador do ISS.

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