RESUMO: A finalidade deste trabalho é conceituar usucapião, tratar de forma sintética as modalidades de usucapião, concedendo um tratamento mais detalhado à usucapião ordinária, onde é mais utilizado o justo título e finalizando os principais títulos que podem ser reconhecidos como justos títulos. Inicialmente será trabalhada a conceituação de usucapião, seu papel no direito comparado, buscando mais informações nas modalidades de usucapião, como a usucapião extraordinária, ordinária, urbana e rural, seus requisitos e particularidades, tanto conforme a Constituição Federal, quanto no Código Civil. Por fim, será tratado os principais títulos aceitáveis para serem taxados como justo título. Os possíveis motivos que esses títulos teriam para não servirem como forma de transferência de propriedade e a possibilidade de serem vistos como justos títulos.
Palavras-chave: usucapião ordinária, justo título.
1 INTRODUÇÃO
Embora o direito de propriedade seja uma garantia fundamental, prevista na Constituição Federal (art.5, inciso XXIII), o caminho a se trilhar para conquistar esse direito nem sempre é simples, sofrendo diversas limitações, muitas delas, inclusive, oriundas dos próprios mecanismos das leis infraconstitucionais.
Os percalços para se chegar ao domínio da propriedade podem estar presentes em diversas etapas da caminhada, como em um negócio jurídico formulado sem um contrato contendo os requisitos exigidos pela lei, ou até em um documento judicial que reconhece um fato jurídico, porém, ausente de elementos essenciais para ser aceito o registro.
A função social da propriedade não pode ficar engessada em vícios, vedando a pessoa de desfrutar de todos os benefícios da propriedade, quais sejam de usar, gozar e dispor.1
Um imóvel devidamente registrado é sinônimo de segurança jurídica e incentivo econômico, pois a cadeia de atos que um imóvel devidamente registrado pode gerar é muito grande, afetando os contratantes, o corretor de imóveis, o tabelião de imóveis, o banco, através de incentivos financeiros, a municipalidade, ao cobrar devidamente o imposto territorial urbano, e ao cartório de registro de imóveis que é o destinatário final dessa cadeia, onde trará eficácia erga omnes, ou seja, publicidade a todos.
A usucapião é um mecanismo importante para regular as situações que foram falhas em algum momento, permitindo que o domínio sobre a propriedade seja confirmado no Poder Judiciário.
Existem diversas modalidades de usucapião, com requisitos e aplicações específicos. Entre essas modalidades, destaca-se a usucapião ordinária, que apresenta um lapso temporal intermediário em relação às demais modalidades de usucapião e tem o justo título como elemento essencial, além de outros requisitos.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Avaliar as formas em que a usucapião ordinária pode servir posteriormente como título de domínio, assim como diferenciar as diversas modalidades de usucapião.
2.2 Objetivos Específicos
Identificar os documentos mais comuns para a formalização de negócios jurídicos que poderá servir de justo título para a usucapião ordinária, bem como trabalhar as modalidades de usucapião;
Analisar os significados de título e justo título e as particularidades de cada título conceituado para identificar seus vícios que impedem o seu registro junto ao cartório de registro de imóveis;
Verificar como serão aceitos os títulos como justos títulos, para reconhecimento de exigência da usucapião ordinária, assim o caminho final da sentença declaratória de usucapião, posteriormente na forma de mandado de abertura de matrícula e sua entrada no cartório de registro de imóveis.
Relacionar os principais justos títulos com a usucapião ordinária.
3 USUCAPIÃO
3.1 O que se entende por Usucapião
Segundo José Carlos de Moraes Salles2, utilizando a analise do art. 550 do Código Civil de 1916, Clovis Beviláqua, definiu usucapião como a aquisição do domínio pela posse prolongada.
A usucapião na definição de Benedito Silverio Ribeiro é: Uma forma aquisitiva do domínio pela posse prolongada e desde que observados os requisitos estabelecidos na lei, tem-se que os elementos caracterizadores da usucapião ordinária, da extraordinária e das especiais encontram-se como complementadores da definição.
Flavio Tartuce conceitua usucapião como: (...) uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada. Assim, permite a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica (a aquisição originária da propriedade).
José Carlos de Moraes Salles conceitua a usucapião “como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido em lei”.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira: (...) usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de atentar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada.
3.2 Elementos Históricos da Usucapião
Para o autor Benedito Silverio Ribeiro, “a maioria dos estudiosos comenta o instituto da usucapião a partir do direito romano, época em que houve claro delineamento do assunto”. Benedito Silverio Ribeiro continua sua explanação informando que autores creditam a origem da prescrição aquisitiva na Grécia e que foi citada por Platão na obra A República, enquanto, outros autores, entre eles, Melo Freire, datam sua origem em Roma, onde a usucapião é mencionada na Lei das Doze Tábuas, mais precisamente na tábua VI, ao empregar a expressão usus auctoritas fundi biennium esto coeterarum rerum annus, que traduzido seria “seja a usucapião de imóvel de anos e das outras coisas um ano”.
No Brasil, a usucapião já era usada antes do Código Civil de 1916, com a chamada prescrição aquisitiva ordinária, a qual se aplicava a bens móveis e semoventes, desde que o possuidor estivesse na posse deles por três anos, e tratando-se de bens imóveis, o prazo era de 10 anos, sendo indispensável o justo título e a boa fé. O Código Civil de 1916 estabeleceu os requisitos da usucapião ordinária no seu art. 551:
O instituto da usucapião também é vigente em ordenamentos jurídicos de outros países, porém com suas próprias particularidades.
3.3 A Usucapião e o Direito Comparado
3.3.1 No Direito Alemão
Segundo Benedito Silverio Ribeiro: (...) o direito germânico opera importante reflexo do sistema registrário, pois não é permitida usucapião contra as enunciações do registro, cabendo segundo o estatuído no art. 800 (do Código Civil Alemão), para apenas as confirmar. Daí a distinção que se faz, no tocante ao direito brasileiro. Logo, conforme Benedito Silverio Ribeiro10, para ser proprietário de um imóvel na Alemanha, o possuidor deverá inscrever o imóvel no Livro de Imóveis, e somente adquirirá a propriedade após 30 (trinta) anos, além de estar com a posse do respectivo imóvel a título de propriedade, diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a usucapião deve ser declarada judicialmente.
3.3.2 No Direito Italiano
O Código Civil Italiano de 1942 menciona no seu art.922 os modos de aquisição de propriedade. Conforme Benedito Silverio Ribeiro: No capítulo Dell’ usucapione, trata dos seguintes tipos de usucapiões: art. 1.158 (usucapione dei Beni imobili e dei diritti immobiliari), art. 1.159 (usucapione decennale), art. 1.159 bis (usucapione speciale per La piccola proprietá rurale), art. 1.160 (usucapione delle università di mobili), art. 1.161 (usucapione dei Beni mobili) e art. 1.162 (usucapione di Beni mobili inscriti in pubblici registri).
Os modos de aquisição de propriedade pelo direito italiano, segundo Benedito Silverio Ribeiro, são: (...) por ocupação, por invenção, por acessão, por especificação, por união e comistão, por usucapião, por efeito de contratos, por sucessão ‘causa mortis’ e por outros modos estabelecidos pela lei.
Diverso do direito italiano, o direito brasileiro, estabelece as suas próprias formas de aquisição de propriedade no capítulo II do título III do Código Civil, referente “Da Propriedade”.
3.3.3 No Direito Suíço
O Código Civil suíço, assim como o Código Civil brasileiro, prevê a existência da prescrição aquisitiva imobiliária ordinária (art.661) e da extraordinária (art.662).
3.3.4 No Direito Mexicano
Continuando os ensinamentos de Benedito Silverio Ribeiro, o código civil mexicano define a prescrição como meio de adquirir bens ou de livrar-se de obrigações, mediante o transcurso de certo tempo, sob as condições estabelecidas pela lei (art.1.135). Para o referido ordenamento mexicano, a aquisição de bens em virtude da posse chama-se prescrição positiva, já a liberação de obrigações, por não haver o devido cumprimento, chama-se prescrição negativa (art. 1.136).
O Código Civil brasileiro não prevê a existência de prescrição positiva e prescrição negativa.
3.3.5 No Direito Espanhol Benedito Silverio Ribeiro leciona que:
O código civil espanhol prevê que a propriedade e os demais direitos sobre os bens se adquirem e transmitem-se pela lei, por doação, por sucessão testada ou intestada e por conseqüência de certos contratos mediante a tradição. Podem também adquirir-se por meio da prescrição (art.609).
Com algumas exigências semelhantes ao direito brasileiro, o direito espanhol, conforme cita Benedito Silverio Ribeiro, exige para a prescrição ordinária e demais direitos reais, ter a coisa com boa-fé e justo título pelo tempo determinado em lei.
3.3.6 No Direito Argentino
O código civil argentino, segundo Benedito Silverio Ribeiro, define a prescrição para adquirir o imóvel no art. 3.948, enumerando que podem prescrever todas as coisas cujo domínio ou posse pode ser objeto de uma aquisição (art.3.952).
Segundo Patrícia Waldman Padin: Na legislação portenha há previsão de que os direitos reais podem originar-se através da prescrição (art. 3.497, do Código Civil de La Republica Argentina), definindo que esta é um meio de adquirir um direito ou de liberta-se de uma obrigação pelo decurso do tempo. No Brasil, embora a usucapião possa ser considerada como um meio de adquirir um direito, ela não serve para libertar-se de uma obrigação pelo decurso do tempo.
3.3.7 No Direito Chileno
Continua Benedito Silverio Ribeiro citando que os arts. 2.506, 2.507, 2.508, 2.510, 2.511 e 2.512, como sendo os artigos que tratam da prescrição aquisitiva ordinária e a extraordinária no código civil chileno. A sentença judicial que declara uma prescrição suprirá a formalidade da escritura pública para a propriedade de bens de raiz ou de direitos reais neles constituídas; mas não valerá contra terceiros sem a competente inscrição, conforme análise de Benedito Silverio Ribeiro.
No Brasil a sentença de usucapião só valerá perante terceiros para fins de direitos reais quando registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
3.3.8 No Direito Paraguaio
Por fim, Benedito Silverio Ribeiro afirma que o código civil do Paraguai prevê a usucapião de vinte anos (art.1.989) e a de dez (art. 1.990), aplicando-se as mesmas regras ao usufruto, ao uso à habitação e às servidões prediais (art.1.999).
Já no Brasil, as regras de usufruto, de uso à habitação e de servidões seguem um rito diferente da usucapião, pois a usucapião é uma forma de aquisição de propriedade de imóvel/móvel, já usufruto, uso, habitação e servidões são direitos reais de gozo ou fruição, que segundo Flavio Tartuce, os direitos reais de gozo ou fruição são situações reais em que existe divisão dos atributos da propriedade, como a própria terminologia indica, transmite-se a outrem o atributo de gozar ou fruir a coisa, com maior ou menor intensidade.
4 MODALIDADES DE USUCAPIÃO
4.1 Da Usucapião Extraordinária
Entre as muitas modalidades de aquisição de propriedade originária, está a espécie extraordinária, prevista no do art. 1.238 do Código Civil que assim transcreve:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”
Conforme artigo supracitado percebe-se que o elemento essencial na modalidade de usucapião analisada é o tempo. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o fator tempo “é fato fundamental para a conversão da posse em propriedade”. Segundo Marcos Vinicius Mendes Ferreira: Pelo anterior Código Civil, o justo título e a boa-fé se presumiam. Essa presunção era tida como absoluta (iuris et iure), dispensado o possuidor da comprovação desses requisitos. Se houver título, servirá tão-só de reforço probatório, sendo secundário que pelo justo título se presuma a boa-fé.
A longa duração da posse supre a falta de justo título, podendo-se adquirir a coisa, possuída em sua totalidade_ tantum praescriptum quantum possessum, ao contrário da usucapião ordinária, na qual a prescrição somente pode ocorrer dentro dos contornos contidos no próprio título.
O prazo de 15 (quinze) anos fixado no “caput” do art. 1.238 do Código Civil de 2002 é reduzido para 10 (dez) anos, em situações em que a posse está ligada ao trabalho. Logo, segundo Penteado, o prazo previsto no texto da lei admite diminuição se configurada a hipótese dos possuidores estarem usando a área usucapienda para sua moradia habitual ou tenha realizado obras ou serviços produtivos. “Neste caso, pode-se afirmar que o CC (Código Civil brasileiro) criou uma subespécie da usucapião extraordinária, que se dá mediante a posse trabalho”. A posse é aquela que ocorre com o exercício de fato pelo usucapiendo, o que é feito por meio de algum dos elementos da propriedade. Com isso a posse contínua e incontestada é aquela que apresenta lapso temporal, do art. 1.238 do Código Civil, e que não teve qualquer oposição. Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.28 Qualquer situação que agrida a continuidade da posse tem força de suspender o lapso temporal para a caracterização da prescrição aquisitiva.
Outrossim, é importante enfatizar que as posses que existem de forma descontinuada, não têm força necessária para declarar a usucapião extraordinária. Portanto, a posse será exercida com animus domini, ou seja, o usucapiente tem noção que a coisa não é dele, porém, atua com intenção de tornar a propriedade de terceiro em sua.
4.2 Da Usucapião Ordinária
A usucapião ordinária tem previsão legal no art. 242 do Código Civil: Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Nota-se que pelo texto acima, o legislador aplicou o princípio da operabilidade, um dos princípios basilares do Código Civil de 2002, pois determina a posse contínua e incontestada durante período de tempo, entre cinco ou dez, exigindo, o justo título e a boa-fé. “A hipótese contempla mais uma facilidade em prol da aquisição da propriedade, que pode ser denominada de usucapião documental ou tabular”.
Para a caracterização da usucapião ordinária, são necessários requisitos genéricos da usucapião, quais são: animus domini, posse mansa e pacífica, de boa-fé e ininterrupta e o justo título, constituído por documento que serve como ato translativo ou constitutivo de propriedade. Logo, restará apenas o lapso temporal para a declaração da usucapião, em sua modalidade extraordinária. O justo título para a usucapião ordinária é aquele documento que tem poder de transferir o domínio, mas não o faz por força de algum vício. Conforme lição de Marco Aurélio Viana: Por justo título devemos entender o ato jurídico hábil em tese à transferência do domínio. O que se considera é a faculdade abstrata de transferir a propriedade, habilitando alguém à aquisição do domínio. Ocorre que, na hipótese, ao título faltam os requisitos para realizá-la, porque há uma falha, um defeito, um vício formal ou intrínseco (...). Como regra é possível dizer que a compra e venda, a troca, a dação em pagamento, a doação, o dote, o legado, a arrematação, a adjudicação, são títulos justos, porque hábeis, em tese, à transferência do domínio. Mas tais títulos podem apresentar obstáculos que inibem a transmissão da coisa, como se dá com a venda a non domino, não ter o alienante poder legal para aliená-la, ou ocorrer erro no modo de aquisição” (...).
A usucapião ordinária ocorre quando o usucapiente, embora apresente o título, este, por algum fato, perdeu efeito jurídico, quer seja por irregularidade formal, quer seja por vício de vontade. O Código Civil traz garantias à pessoa que está na situação descrita acima, e que tem como moradia o bem usucapiendo. Com isso, protege o possuidor que gera utilidade ao bem, caracterizando o princípio constitucional da função social da propriedade.
Conforme ensinamento de Cristiano Chaves de Farias & Nelson Rosenvald, a boa-fé está ligada ao estado subjetivo de ignorância do usucapiente. Com isso, a boa-fé torna necessária a convicção que o possuidor tem de que o bem usucapiendo é seu. Com isso, percebe-se que a boa-fé está acima do animus domini, pois o que prevalece é a intenção do possuidor de ser dono da coisa através da boa-fé, por mais que ele não tenha a propriedade da coisa. Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald33, a boa-fé é tida como opinio domini, uma vez que o possuidor se identifica como dono da coisa. Somente a pessoa com justo título poderá se beneficiar da boa-fé na usucapião ordinária. Não tendo o justo título, deverá o usucapiente socorrer-se da usucapião extraordinária.
4.3 Da Usucapião Especial Rural.
Tal modalidade é vista como usucapião pro labore e teve sua primeira aparição na constituição federal de 1934, e posteriormente, inclusa em todas as constituições do Estado Brasileiro, salvo a de 1967. Na atual Norma Fundamental da República Federativa do Brasil, tal modalidade de usucapião é descrita no art. 191: Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Conforme Silvio Rodrigues, o constituinte na Constituição Federal de 1934, buscou a idéia de fomentar a ocupação e a exploração de terras abandonadas, “premiando” o possuidor que trabalha nela. Também trouxe um ideário de assistência e amparo ao homem do campo, fornecendo além da posse, o domínio sobre a área que possuía. A Lei nº. 6.969/1981 trazia a possibilidade de usucapir tanto terras privadas quanto devolutas, tornando, nesta última hipótese, uma exceção a regra da imprescritibilidade das terras públicas, o que não vale por força do parágrafo único do art. 191 da Norma Fundamental. Cumpre-se consignar que o principal fundamento da usucapião especial, como já mencionado, consiste na função social da propriedade. Sobre a usucapião rural, aliás, com bastante propriedade, ensinam Cristiano Chaves de Farias Chaves e Nelson Rosenvald: “Compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, com ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no lustro legal (art. 191 da CF).
Conhecido como usucapião pro labore, teve por objetivo a fixação do homem no campo, requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente ou a entidade familiar. Estamodalidade de usucapião é regulada hodiernamente pela Lei nº 6.969/81, com as alterações provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional”.
Constituem requisitos para aquisição de domínio rural por meio de usucapião especial: a) posse ininterrupta, sem oposição e com animus domini pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) imóvel rural de no máximo 50 hectares; c) exploração do imóvel para sustento da família, servindo de moradia ao possuidor; d) não ser o possuidor proprietário de outro imóvel, rural ou urbano. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
A Norma Fundamental prevê que a posse deverá ser exercida de maneira contínua, ou seja, sem interrupção. A palavra “ininterrupta” conota sentido de continuidade. Também é necessário para a usucapião especial que o possuidor tenha a terra possuída, como produtiva através de seu trabalho, e utilizando como moradia. Com isso, não utilizando a coisa de forma exigida, perderá seu direito sobre ela, mesmo exercendo a devida posse. A usucapião especial rural diverge das outras usucapiões por sua natureza social, utilizando do princípio da função social da propriedade, a boa-fé e o justo título do possuidor tornam-se desnecessários.
Caio Mário da Silva Pereira leciona: As características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social. Não basta que o usucapiente tenha a posse associada ao tempo. Requer-se, mais, que faça da gleba ocupada a sua moradia e torne produtiva pelo seu trabalho ou seu cultivo direto, garantindo desta sorte a subsistência da família, e concorrendo para o progresso social e econômico. Se o fundamento ético da usucapião tradicional é o trabalho, (...) maior ênfase encontra o esforço humano como elemento aquisitivo nesta modalidade especial.37 Vale ressaltar que não existe conflito legal entre usucapião especial rural e os demais institutos, pois os elementos da prescrição aquisitiva são diferentes. Deve-se atentar que diferente das outras modalidades de usucapião, a prevista na Norma Fundamental não permite a somatória das posses dos possuidores anteriores.
Também é importante atentar-se que o critério adotado para classificar o imóvel rural não é com base em sua finalidade, mas sim em sua localização. Conforme exposto acima, o termo rural para o referido usucapião constitucional é aquele imóvel localizado no campo, que explora pecuária, lavoura e agricultura. A Constituição Federal também exige 25 (vinte e cinco) hectares, para a área usucapienda e ainda de forma continua; critérios estes vistos como adequados para Cristiano Chaves de Farias Chaves e Nelson Rosenvald: (...) pois simplifica a matéria, possibilitando ao poder público a efetivação de políticas habitacionais que envolvam regiões inteiras, sem a necessidade de singularização de cada propriedade, com a aferição da destinação de cada unidade imobiliária.
4.4 Da Usucapião Especial Urbana Individual.
A usucapião especial urbana individual está explicitada na Constituição Federal, em seu artigo 183 e seus respectivos parágrafos, consoante se infere:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. O Constituinte teve como ideia a promoção do direito fundamental à moradia, pois garante a entidade familiar um patrimônio mínimo, atendendo, assim, ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Desta forma, determina ao Estado a utilização lógica de áreas urbanas que se encontram em estado ocioso ou ainda estéril, assim como, as ocupações irregulares, trazendo, com isso, formas de realização dos princípios elencados na Norma Fundamental.
A área máxima de ocupação permitida pelo texto constitucional limita-se à metragem de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), ainda que dentro dela seja edificada obra que exceda tal tamanho.
Diante do exposto, observa-se que o usucapiente para adquirir o domínio da coisa usucapienda, através da referida usucapião especial, deverá comprovar os seguintes requisitos: imóvel particular em área urbana de até 250 m², prazo de cinco anos, ânimo de dono, utilização para moradia própria, posse sem oposição, inexistência de propriedade de outro imóvel. Sobre um aspecto mais constitucional, Kildare Gonçalves Carvalho diz: A Constituição estabelece também o usucapião urbano. Segundo o art. 183, a pessoa que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-Ihe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O título de domínio (propriedade) e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Esses direitos não serão reconhecidos ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Enfim, proíbe a Constituição o usucapião de imóveis públicos.(...) os elementos de proveito efetivo e ação positiva, como morar ou habitar, dimensão do imóvel que não enseja a exorbitância de tais atividades, restrição à figura do posseiro ou grileiro, dada a oportunidade singular de exercício etc”.
A referida usucapião trata-se de instrumento constitucional que fomenta a implementação de políticas urbanas. Assim, a Lei Nº. 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, alterou aspectos na referida usucapião, uma vez que foi direcionada a trazer maior efetividade à função social da propriedade e também aos pontos regulatórios do tema em âmbito infraconstitucional.
O artigo 9º do Estatuto da Cidade vai além das disposições constitucionais, área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, para a referida modalidade de usucapião. Para Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald41, faz-se importante destacar que a inclusão do termo “edificação” não objetiva cercear o limite da área de construção, pois estaria o legislador ordinário inovando, em tema que o constituinte não quis impor limites. Portanto, pode-se afastar desta modalidade de usucapião, por força do requisito moradia, os imóveis utilizados com destinação diversa, como por exemplo, pontos comerciais. Porém, havendo destinação mista, ou seja, o imóvel é usado como moradia e local de trabalho, não há impedimento para a aplicação da referida usucapião.
4.5 Da Usucapião Especial Urbana Coletiva.
O Estatuto da Cidade trouxe também em seu art. 10 a denominada usucapião especial urbana coletiva: Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”
Enquanto a usucapião especial urbana individual se aplica a metragens inferiores a 250 (duzentos e cinqüenta) metros quadrados, a usucapião especial urbana coletiva destina-se a áreas urbanas com metragem superior a 250 (duzentos e cinqüenta) metros quadrados. Uma interpretação extensiva da redação do art. 10 do Estatuto da Cidade, permite inferir que não existe limite de área para ser usucapido na usucapião especial urbana coletiva.
A usucapião urbana coletiva traz maior efetividade para a função social da propriedade, posto que pode se aplicar aos imóveis com área menor que o módulo urbano mínimo, cujos possuidores não poderiam se beneficiar de ações individuais de usucapião devido a metragem do imóvel, e também porque a área em discussão encontra-se em situação de loteamento irregular. Os autores Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald entendem que:
Com a opção pela usucapião coletiva, o legislador retirou a injustiça da prevalência de forma sobre o fundo, permitindo-se não só a aquisição da propriedade pela comunidade de possuidores, como a urbanização da área e ampliação da prestação de serviços públicos.42 Daniel Lobo Olimpio43 ao tratar do assunto, propõe que: (...) a finalidade do usucapião coletivo, sem dúvida alguma, é tornar possível não apenas a regularização fundiária das favelas urbanas brasileiras, mas também a sua urbanização. Favelas seriam núcleos habitacionais que não possuem serviços públicos essenciais.
Neste cenário, os moradores apresentam apenas posse material certa de seus barracos ou de precárias casas de alvenaria. Conforme o art. 10 do Estatuto da Cidade é verificável que a área a ser usucapida deve ser ocupada por população de baixa renda. O termo baixa renda, entende-se a população que não possuem condições econômicas de adquirir um imóvel para sua moradia.
Logo, deve-se ter como exigência, a ocupação da área usucapienda para fins residenciais. Conforme Daniel Lobo Olimpio: A existência de imóveis com destinação mista, residencial e comercial, ou, até mesmo somente comercial, não deve ser empecilho para a incidência do usucapião coletivo, uma vez que os núcleos habitacionais ou favelas formam um todo orgânico, tratado como uma unidade pelo legislador, de tal modo que excluir poucos imóveis comerciais, abrindo retalhos na gleba, pode significar, em certos casos, a inviabilidade da urbanização futura.44
A usucapião especial urbana coletiva pode favorecer os interesses individuais considerados como homogêneos da coletividade, pois materializa o direito à propriedade.