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Prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista:

uma hipótese a ser considerada

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10/11/2005 às 00:00
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O texto aborda a questão pouco enfrentada: a possibilidade de prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista.

1 – BREVE INTRÓITO

            Cuida o presente estudo de trazer a debate questão pouco ou nada enfrentada pela doutrina e práxis juslaboral, qual seja, a da possibilidade de prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista.

            De antemão, ressalto meu reconhecimento acerca do caráter polêmico da hipótese, não se situando, assim, no meu intento, a pretensão de apresentar raciocínios prontos, acabados e inquestionáveis acerca do temário adiante desafiado.

            Em verdade, o que desejo através desse breve ensaio, é contribuir, por meio de provocações concretas, para o aprofundamento de tão relevante discussão, que vem circundando há algum tempo, embora que de maneira tímida, o imaginário dos operadores jurídicos do mundo trabalhista.

            Ultrapassado esse formal, porém imprescindível ponto de partida, passo doravante a debruçar-me sobre o mote proposto, não sem antes destacar as desconcertantes palavras de Lyra Filho, tomando-as por ementa do meu articulado:

            Mas o direito se vinga, cresce, pressiona, conquista alargamentos notáveis, brilha nos estandartes dos espoliados e oprimidos, ecoa na voz dos advogados progressistas, transborda nas sentenças dos magistrados mais inquietos, incorpora-se e procura uma sistematização no pensamento dos professores rebeldes, sacode a poeira dos tratados conservadores, rompe as bitolas dogmáticas e retempera o ânimo dos que, cedo demais, queiram dar a causa jurídica por indefensável e perdida. [01]

            À labuta.


2 – PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL POR INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA – CONCEITO E CONTEÚDO DO CRÉDITO ALIMENTAR

            Como é palmar, nos termos do artigo 5o, LXVII, da CRFB, não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

            Consoante se depreende, extrai-se cristalina, da leitura do texto constitucional, a possibilidade da ocorrência de prisão civil do devedor, oriunda do descumprimento espontâneo do dever de solver os débitos alimentares de sua responsabilidade. [02]

            Feita esta simplória constatação, cumpre-me apreender o conceito e o conteúdo do crédito alimentar suscetível de render azo à aludida prisão civil, para ao final responder se nele está inserto aquele de matiz trabalhista.

            Como alerta Araken de Assis, o direito pátrio ignora conceito claro e explícito da obrigação alimentar e, assim, provoca esforços suplementares para encontrá-lo [03].

            Já por seu lado, Pontes de Miranda, em construção irretocável, adverte que o termo alimento possui o sentido amplo de compreender tudo quanto for imprescindível ao sustento, à habitação, ao vestuário, ao tratamento das enfermidades e às despesas de criação e educação. [04] (destaques meus)

            De minha parte, creio que a Carta Magna de 1988 traz subsídios indispensáveis à apreensão do conteúdo dilatado que o constituinte originário dirigiu ao crédito alimentar, para nele inserir não apenas as obrigações devidas entre familiares, mas também os créditos de origem trabalhista.

            Aliás, singela a demonstração do afirmado, bastando à sua visualização, a leitura um pouco mais atenta do artigo 100 da CRFB, que deixa claro, no seu caput, a possibilidade da Fazenda Federal, Estadual ou Municipal ser devedora de créditos de natureza alimentícia, ditando ao depois, no parágrafo 1o-A, com todas as letras e sem subterfúgios, que os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil.

            Como se não bastasse, é preciso ver que a mesma CRFB, conceitua, no seu artigo 7o, IV, o salário mínimo como sendo aquele capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

            Com efeito, conjugada a redação do artigo 7o da Constituição Brasileira (que trata dos direitos dos trabalhadores) com a definição de alimentos de Pontes de Miranda, esboçada em linhas transatas, segundo a qual os créditos alimentares possuem o sentido amplo de compreender tudo quanto for imprescindível ao sustento, à habitação, ao vestuário, ao tratamento das enfermidades e às despesas de criação e educação, não se pode olvidar, mais uma vez, que, iniludivelmente, o constituinte de 1988 ampliou o conceito de obrigação alimentícia para além daquele vetustamente considerado no Direito de Família.

            De tal arte, da pormenorizada análise do previsto no artigo 5o, LXVII, da CRFB, não posso concluir de maneira diversa, senão considerando que o inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista renderá ensejo à prisão civil.

            No próximo tópico, enfrentarei alguns obstáculos que, aparentemente, possuiriam o condão de inviabilizar a concretização prática da aludida prisão.


3 – SUPERANDO ENTRAVES

            Pululam no mundo jurídico algumas barreiras que supostamente tornariam letra morta a prisão civil por dívida, quando analisada a questão pelas tintas do juslaborismo, tais como a falta de um rito processual específico; a desnaturação da feição alimentar do crédito em face de demora na cobrança; a constatação de que nem todas as verbas acolhidas nas sentenças trabalhistas possuem caráter alimentar típico e a inviabilização prática quando o responsável pelo crédito for pessoa jurídica.

            Passo a golpeá-las.

            3.1 – Falta de Rito Processual Específico

            Argumenta-se que, mesmo admitida a previsão constitucional da prisão civil do devedor trabalhista, esta seria meramente genérica, faltando à sua viabilização prática a edição de um rito infraconstitucional próprio.

            Reconheço que a ponderação é engenhosa, chegando a parecer intransponível num primeiro momento.

            Entrementes, hei de superá-la.

            Como por demais visto, a possibilidade da prisão civil por dívida oriunda de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia encontra morada no artigo 5o, LXVII, da CRFB.

            Com efeito, está inserida no título II da Carta Maior, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo de se redargüir, desde já, eventual ponderação no sentido de que a única cláusula fundamental contida no aludido dispositivo seria a segurança dirigida ao cidadão comum, da não existência de prisão por dívidas.

            Para melhor entendimento da réplica cautelar acima, é necessário interpretar referido dispositivo constitucional pelos olhos da concordância prática, voltando-os aos cânones da proporcionalidade, cuidando de evitar restrições abusivas a direitos fundamentais, como se alguma antinomia houvesse entre os preceitos ali contidos.

            Assim o fazendo, encarando a norma contida no artigo 5o, LXVII, da CRFB, pelo prisma do máximo aproveitamento, dela extraio pelo menos duas garantias fundamentais [05], a primeira lastreada no resguardo do cidadão contra a prisão civil e a segunda na garantia tutelar do credor alimentício contra a desídia mantenedora do devedor, até mesmo por via do seu aprisionamento, se necessário [06].

            Diante do constatado, e sendo a prisão civil, por óbvio, a maior das garantias fundamentais tendentes à satisfação do débito alimentar trabalhista inescusável, deve estar imantada, nos termos do parágrafo 1o do artigo 5o da Constituição, de ampla aplicabilidade imediata, sendo passível de bom emprego, mesmo à mingua de legislação infraconstitucional regulamentadora.

            A corroborar minha tese, o escólio do jurista, congressista e constituinte originário de 1988, professor Michel Temer:

            É importante observar que os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5o têm aplicação imediata, segundo o comando expresso no parágrafo 1o do aludido dispositivo.

            Significa, a nosso ver, que os princípios fundamentais ali estabelecidos podem ser invocados na sua plenitude, até que sobrevenha legislação regulamentadora, quando for o caso de sua utilização. Caso típico é o de mandado de segurança coletivo, o do Habeas Data e do mandado de injunção, que podem ser utilizados independentemente de qualquer regulamentação. [07]

            A referendá-lo, se é necessário, o princípio hermenêutico constitucional da máxima efetividade, abaixo aclarado por Wilson Antônio Steinmetz:

            O princípio da efetividade ou da máxima efetividade é, seguramente, um dos mais importantes na interpretação dos direitos fundamentais. Sem o imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam reduzidos a meras declarações políticas ou exortações morais, a uma retórica tão impressionante quanto vazia, com a pretensão de dar ares de civilidade a uma sociedade não-civilizada. Sem efetividade o que se tem é ou uma Constituição nominal ou uma Constituição semântica. [08]

            Tudo articulado, resta-me tão-somente proclamar, por ora sem aprofundamentos, a aplicabilidade subsidiária à espécie trabalhista, do rito previsto na Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos).

            3.2 - Desnaturação da Natureza Alimentícia do Crédito em Face de Demora na Propositura da Reclamação Trabalhista

            Ponderam ainda alguns pensadores do Direito, que a tardança na cobrança do crédito alimentar seria hábil à descaracterização dele como tal, já que não soaria plausível que alguém demorasse a postular em juízo o indispensável à sua sobrevivência, sendo tórrida a jurisprudência do STJ em tal sentido.

            Logo de início, devo advertir que a jurisprudência do STJ a respeito da matéria não deve impressionar aos Juízes do Trabalho, pois, como não é difícil de se intuir, construída a partir de bases diametralmente discrepantes das que enfrentamos no nosso cotidiano forense.

            Ademais, por óbvio, no caso juslaboral a palavra a respeito caberá ao Tribunal Superior do Trabalho, não sendo desmesurado destacar que seu atual corregedor, Ministro Ronaldo Lopes Leal, tem se demonstrado um entusiasta da idéia da prisão civil por dívidas trabalhistas [09].

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            De outro tanto, como ninguém duvida, ainda nos dias atuais é corrente a edição de listas negras [10] por parte de empregadores inescrupulosos, colimando o espúrio intento de impedir o acesso dos trabalhadores ao judiciário, em cabal afronta à garantia fundamental constitucional da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5o, XXXV, da CRFB).

            De tal arte, não são poucos os trabalhadores que, assustados pelo temor de se tornarem vítimas das mencionadas listas, fato que lhes dificultaria, ainda mais, a desejada recolocação no mercado de trabalho, acabam por retardar ao máximo a propositura de eventual reclamação trabalhista, às vezes assumindo dívidas insondáveis, ou, no mais das vezes, valhendo-se, para a subsistência, do humilhante auxílio de parentes, vizinhos e amigos.

            Logo, desnaturar a evidente natureza alimentar do crédito trabalhista, em função de contingente demora no aforamento da reclamatória correlata, seria ato de clamorosa perversidade intelectual, senão de cabal menosprezo aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 1o, II, III e IV, da CRFB, de respeito à cidadania plena, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho. [11]

            De se destacar, por fim, que mesmo na jurisprudência oriunda do STJ, sabidamente conservadora, existem precedentes que caminham na direção do retro sustentado, como na lapidar ementa adiante transcrita:

            Permanecendo a inadimplência do executado no curso da execução fundada no art. 733 do CPC, legítimo se afigura o aprisionamento em virtude do não pagamento das prestações anteriores à execução e que foram seu específico objeto, não obstante o pagamento das três últimas vencidas antes do depósito. A natureza do débito não se altera em virtude do inadimplemento do devedor. A dívida de alimentos continua sendo de alimentos. O decurso do tempo não retira o caráter alimentar da prestação que, não satisfeita oportunamente, repercute no padrão de subsistência do alimentando. [12]

(grifo meu).

            3.3 - Inexistência de Caráter Alimentar em Algumas das Verbas Acolhidas nas Sentenças Trabalhistas

            Renitentes, os opositores da idéia central defendida no presente ensaio poderiam levantar mais um óbice em relação à sua implementação.

            À guisa de objeção, poderiam aduzir, que mesmo aceito o caráter alimentar dos créditos trabalhistas, seria forçoso admitir que nem todas as verbas acolhidas nas sentenças correlatas seriam impregnadas de tal natureza.

            A verdade lhes acompanha em parte.

            De fato, diante da proveitosa ampliação competencial que a Justiça do Trabalho vem experimentando ao longo do tempo, tornou-se comum aos Magistrados Trabalhistas se depararem com questões típicas do Direito Civil [13], como pedidos indenizatórios oriundos de dano moral, assédio sexual ou terror psicológico no trabalho (mobbing), ocorridos em decorrência do liame empregatício.

            Pois sim. Iniludível que tais indenizações não possuem caráter alimentar típico, destinadas que são à reparação da honra e dignidade do trabalhador.

            Nada obstante, tal constatação, per se, não possui a prerrogativa de esmaecer o ideário colimado, até porque será difícil imaginar alguma sentença trabalhista condenatória que não traga o acolhimento de verbas justrabalhistas típicas, tais como salário stricto sensu, horas extraordinárias e 13o salário, dentre outros créditos de nítida compleição salarial não indenizatória [14].

            Ademais, de se notar que mesmo algumas outras parcelas trabalhistas típicas, embora que revestidas de natureza indenizatória, tais como férias + 1/3, aviso prévio indenizado e multa do artigo 477 da CLT, acabam por adquirir inelutável caráter alimentar por ocasião da denúncia contratual, eis que imprescindíveis ao sustento do trabalhador no interregno compreendido entre a dispensa e a nova inserção mercadológica, cada dia mais complicada em virtude do dramático quadro de desemprego reinante em nosso país, oriundo da má condução da política econômica governamental.

            3.4 - Inviabilização Prática no Caso do Responsável Pelo Crédito ser Pessoa Jurídica

            Enfim, redargúem alguns, que sendo grande parte dos reclamados trabalhistas pessoas jurídicas, inviabilizada restaria a prisão civil.

            Como crítica opositiva tal argumento não chega a ser primoroso, já que traz em seu bojo, pelo menos implicitamente, o reconhecimento de que sendo o reclamado uma pessoa física, hipótese não rara, a utilidade prática da prisão seria plena.

            Por outra cardeal, tenho para comigo, que mesmo no caso das pessoas jurídicas a prisão seria viável.

            Cuidando de não assustar ainda mais o leitor, lembro de plano que a disregard theory (lifting the corporate veil), reconhecida pelo direito brasileiro nos artigos 28 do Código de Defesa do Consumidor e 50 do vigente Código Civil, de há muito se encontra homenageada na jurisprudência trabalhista.

            Em sendo assim, nada obsta, antes tudo recomenda, que caso seja necessário à satisfação dos seus haveres, o credor trabalhista possa, no curso do processado, pugnar pela desconsideração da personalidade jurídica da devedora, com a conseqüente inclusão dos seus sócios na polaridade passiva da demanda.

            Prosseguindo a partir daí a execução em face de pessoa física, e caracterizado, futuramente, o inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia trabalhista, mais uma vez restará aberta a porta para a prisão civil, mesmo que iniciada a reclamatória em desfavor de uma pessoa jurídica.

            Alanceadas as barreiras eleitas, e sabedor de que outras aparecerão, vou à discussão da compatibilização do rito previsto na Lei de Alimentos com o Processo do Trabalho.

            Continuo, pois.


4- BREVE CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTABELECIMENTO DE UM RITO COMPATÍVEL COM O PROCESSO DO TRABALHO

            Chego ao ponto nevrálgico do percurso proposto, qual seja, o de trazer a lume minha contribuição para o estabelecimento de um iter procedimental a ser observado na prisão civil oriunda de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia com origem trabalhista.

            Por oportuno, reafirmo aqui o intento de cooperar, por meio de provocações concretas, para o aprofundamento da questão, sem pretender, todavia, trazer a balha lições inquestionáveis, até porque, em relação à compatibilização do procedimento especial alimentar com o Processo do Trabalho, tenho mais dúvidas do que certezas, sendo absolutamente árido, quase impalpável, o desafio da matéria.

            Entrementes, como não mais posso fugir da hercúlea tarefa que me imponho, primeiramente analisarei, embora que sem delongas, o rito previsto na Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos), conjugado com a dicção dos artigos 732 a 735 do CPC, para ao depois extrair-lhe as possibilidades de incidência na esfera trabalhista.

            Na análise do procedimento comum, valer-me-ei, por confessa comodidade, das palavras do mestre Araken de Assis:

            O artigo 16 da Lei 5.478/68 dispõe que, "na execução de sentença ou acordo nas ações de alimentos", obedecer-se-á o meio executório do desconto.

            (...)

            Em seguida, o artigo 17 da Lei 5.478/68, "quando não for possível (acentuando idéia de ordem e prioridade) a efetivação executiva da sentença ou do acordo mediante desconto em folha", prevê a expropriação de "aluguéis de prédios" e de quaisquer outros rendimentos.

            (...)

            Finalmente, o artigo 18 da Lei 5.478/68 estatui que, "ainda assim" (de novo evocando a idéia de grau e escalonamento) não sendo possível a satisfação da dívida, "poderá o credor requerer a execução da sentença na forma dos artigos, 732, 733 e 735 do CPC".

            Ora, os arts. 732 e 735 apenas consagram a execução de alimentos provisionais ou definitivos, via de expropriação (art. 647, I a III, do CPC). E o art. 733 prevê a coação pessoal.

            Mostra-se evidente, assim, o intuito dos arts. 16 a 18, da Lei 5.478/68, de estabelecer certa ordem no uso dos meios executórios, como já ressaltado. (...). Primeiro, o desconto em folha; em seguida, a expropriação (de aluguéis ou outros rendimentos); por último, indiferentemente, a expropriação (de quaisquer bens) e a coação pessoal.

            Por conseguinte, na impossibilidade do desconto e da expropriação de aluguéis e de rendimentos, o credor escolherá, a seu exclusivo talante, a coação ou a expropriação. [15]

            Resumindo:

            A - Pelo rito especial alimentar, primeiramente o credor poderá lançar mão do desconto direto na folha de pagamento do devedor;

            B – Não sendo possível, poderá receber sua paga através da inserção direta em eventuais rendas a que faça jus o devedor;

            C - Enfim, inviáveis as duas hipóteses anteriores, poderá lançar mão da expropriação genérica de bens, ou, ao seu alvedrio, da coação pessoal, que implicará na prisão civil, prevista nos artigos 19 da Lei 5.478/68 e 733 do codex adjetivo comum.

            Pois bem.

            Creio que o viés gradativo acima estampado (previsto nos artigos 16 a 18 da Lei 5.478/68) não poderá ser invocado pelo credor laboral, já que a CLT possui regras próprias a serem observadas na execução trabalhista (artigo 876 e seguintes), calcadas exclusivamente na expropriação genérica de bens.

            Com efeito, creio que a prisão civil por dívidas laborativas, no caso de execução típica de sentença [16] (onde os alimentos trabalhistas possuem feição definitiva), somente poderá ser decretada nos estertores do procedimento executivo genérico trabalhista, mormente quando caracterizado que a frustração da execução se deveu a manobras fraudulentas do executado, calcadas em ardis e meios artificiosos. [17]

            Assim, sobreleva irretocável apenas a incidência subsidiária [18] do artigo 19 da Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos) à espécie, que dita que o juiz da causa, na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar as providências necessárias para seu esclarecimento ou para cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.

            Dessarte, já no final da execução infrutífera, poderá o Juiz do Trabalho, fulcrado no artigo 40 da Lei 6.830/80 [19], intimar o exeqüente para requerer o que entender de direito visando o prosseguimento da execução, sob pena de suspensão da mesma pelo prazo de um ano, com posterior remessa dos autos ao arquivo, ocasião em que o credor [21] poderá, finalmente, pugnar pela prisão do executado, por até 60 (sessenta dias), mormente quando - repise-se - restar caracterizado que a frustração da execução se deveu a manobras fraudulentas do executado, calcadas em ardis e meios artificiosos.

            Todavia, acredito ainda que o decreto de aprisionamento não deverá ser exarado instantaneamente, sendo necessário garantir-se ao executado, diante dos nefastos efeitos da prisão, a mais ampla defesa possível, de resto prevista como preceito fundamental, no artigo 5o, LV, da CRFB.

            De tal arte, penso que o artigo 733 do CPC deverá ser trazido à tona, devendo o Juiz do Trabalho intimar o devedor para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, até porque, ex vi do artigo 5o, LXVII, o inadimplemento justificador da prisão haverá que ser inescusável.

            A partir daí, o processo poderá ganhar três contornos distintos.

            No primeiro, o executado vem a juízo e promove o pagamento correlato, sendo do Juiz do Trabalho relevar a prisão e extinguir a execução, com espeque no artigo 794, I, do CPC.

            No segundo caso, o executado apresenta resposta, justificando a impossibilidade do adimplemento. Analisando-a, o magistrado, ao acatá-la, suspende o curso da execução por um ano (artigo 40, caput, da Lei 6.830/80). Rejeitando-a, decreta a prisão do devedor por até 60 (sessenta) dias, com substrato no artigo 19 da Lei 5.478/68 (aplicável no caso dos alimentos definitivos).

            Enfim, quedando-se silente o devedor, o juiz terá por voluntário e inescusável o inadimplemento e decretará, por conseqüência, a prisão do executado, por até 60 (sessenta) dias, com base no multicitado artigo 19 da Lei 5.478/68.

            Inconformado o devedor, surgirá o problema de saber-se qual o remédio jurídico apropriado à discussão da ordem.

            Nos termos dos parágrafos 2o e 3o do artigo 19 da Lei 5.478/68, da decisão que decretar a prisão do devedor, caberá agravo de instrumento, sem efeito suspensivo.

            Todavia, como as decisões interlocutórias não são recorríveis de pronto no Processo do Trabalho, tais parágrafos deverão sofrer a necessária mitigação, para garantir-se a defesa ao executado por via da interposição de habeas corpus (também entendido como um direito fundamental do cidadão contra o cerceio abusivo ou ilegal do seu direito de ir e vir – artigo 5o, LXVIII, da CRFB) junto ao TRT, inclusive preventivamente, se necessário.

            Enfim, de se ressaltar que, ex vi do parágrafo 2o do artigo 733 do CPC, o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento correlato. Nada obstante, adimplido seu débito na constância da prisão, o Juiz do Trabalho a suspenderá, emitindo incontinenti o respectivo alvará de soltura (parágrafo 3o do artigo 733 do CPC).

            4.1 – Repensando o Processo: Pela Máxima Efetividade das Tutelas de Urgência

            Não creio que a questão se esgote no tópico imediatamente transato, sendo necessária ainda a consideração de uma hipótese procedimental de urgência.

            Imagino a seguinte possibilidade: determinado trabalhador ajuíza reclamação, pleiteando rescisão indireta do contrato de trabalho, sob a alegação de que seu empregador incide em reiterada mora salarial. No corpo da petição, pugna ainda por horas extras inadimplidas no curso do liame empregatício, bem como por adicional de insalubridade. Ao final, empenha-se pela antecipação de tutela em relação ao salário stricto sensu e as verbas rescisórias decorrentes da rescisão indireta.

            Recebida a primígena, o juiz não enxergando ainda a existência dos requisitos necessários à antecipação de tutela, designa sessão inicial da audiência, com curso pelo rito ordinário.

            Ato subseqüente, o reclamado comparece ao ato, contestando o pleito, entrementes sem carrear, com sua resposta, a prova do adimplemento dos três últimos salários a que fazia jus o trabalhador, consistente nos respectivos recibos de pagamento.

            No caso, a ausência de provas por parte do empregador, a quem o ônus probatório pertence [22], será inequívoca, fato conducente, pois, à verossimilhança do alegado na exordial (artigo 273, caput, in fine, do CPC).

            No mesmo diapasão, a mora justificadora da rescisão indireta estará caracterizada, em virtude dos parâmetros utilizados pela jurisprudência, calcados na dicção do parágrafo 1o do artigo 2o do Decreto-lei 368/68, segundo o qual, considera-se em mora contumaz o atraso ou a sonegação de salários devidos aos empregados, por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento.

            Finalmente presentes, pois, até mesmo pela caracterização do abuso do direito de defesa e do manifesto propósito protelatório do vindicado (artigo 273, II, do CPC), os requisitos necessários à antecipação da tutela relativa à decretação de rescisão indireta, pagamento dos salários e verbas rescisórias, sendo necessária, todavia, a dilação probatória elastecida dos pleitos alusivos às extraordinárias e à insalubridade, inclusive com realização de prova pericial de reconhecida demora.

            Pois bem.

            A meu ver, nada obsta, antes tudo recomenda, que o Juiz do Trabalho, ao deferir a tutela antecipada, estabeleça ao réu alguma cominação, colimando dar efetividade imediata ao provimento antecipatório de urgência, principalmente no caso hipotético acima descrito, onde a delonga na paga de salários de sentido estrito redundará em inescondível dano irreparável (inciso I, do artigo 273 do CPC) à subsistência do reclamante e de sua família.

            Assim, resta saber, num primeiro momento, qual será a base legal da imposição cominatória, e, no segundo instante, qual poderá ser a sanção aplicável pelo inadimplemento.

            Quanto à base legal, a resposta encontra-se no parágrafo 5o do artigo 461 do CPC, de onde se lê que para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. [23]

            Conclui-se daí, que a cominação a ser imposta, desde que legal, poderá ser escolhida ao alvedrio do magistrado, pois como é fácil de se intuir, ao se valer da expressão "tais como", o legislador processual conferiu, às medidas propostas, caráter meramente exemplificativo, sem a pretensão de estabelecer um numerus clausus.

            Com efeito, caracterizado, como já visto, o abuso do direito de defesa, bem como o manifesto intento protelatório do reclamado, e se antevendo que o inadimplemento voluntário e inescusável de verbas salariais de sentido estrito causará inquestionável dano irreparável à subsistência do vindicante e de sua família, penso que a sanção mais eficiente dirigida ao empregador, colimando a efetivação do pagamento determinado, será a de prisão civil imediata, com apoio na norma constitucional prevista no artigo 5o, LXVII, da CRFB.

            A respaldar a conclusão acima, é necessário se dizer que o douto Luiz Guilherme Marinoni, tratando da efetivação da tutela antecipatória alimentar, em obra de abordagem específica [24], assevera que não tendo o réu atendido à ordem e não sendo possível, no caso concreto, o desconto ou a expropriação de alugueres ou rendas, poderá ser aplicada a prisão.

            Diga-se ainda, que na conjectura aventada, possuindo os alimentos patente natureza provisional (postulados que foram a título de tutela antecipatória de urgência), será possível o elastecimento da prisão por até três meses (não mais com o limite de 60 dias – imposto pelo caput do artigo 19 da Lei 5.478/68, destinado aos alimentos definitivos), com fulcro na dicção do parágrafo 1o do artigo 733 do CPC.

            Finalizando minhas palavras no presente tópico, creio que embora a hipótese construída calhe justa para o caso do reclamado ser pessoa física, poderá ser igualmente aproveitável para as pessoas jurídicas, na medida que em situações concretas, bem específicas, a própria decretação da despersonalização poderá acontecer em sede tutelar antecipatória, ainda na fase cognitiva, como naqueles casos, por demais conhecidos, primordialmente protagonizados pelas malfadadas intermediadoras de mão-de-obra, onde verdadeiras caricaturas empresariais, sem qualquer cacife financeiro ou patrimonial, saçaricam de galho em galho, cada dia com uma razão social diferente, trazendo prejuízo e fome àqueles de quem espoliaram a força laborativa.

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Sobre o autor
João Humberto Cesário

Juiz titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia (MT), doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino, mestrando em Direito Ambiental, professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESÁRIO, João Humberto. Prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista:: uma hipótese a ser considerada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 860, 10 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7482. Acesso em: 15 nov. 2024.

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