O crime de estelionato é, sem dúvida, um dos crimes mais comuns e conhecidos da vasta legislação penal brasileira. O desenvolvimento da criminalidade na sociedade atual, com enfoque à crescente prática do delito de estelionato, é decorrente das novas modalidades de estabelecimento de relações econômicas e meios de comunicação existentes, os quais alargam sobremaneira o raio de atuação das quadrilhas especializadas, podendo atingir inclusive todo o âmbito nacional.
O Crime de Estelionato está disposto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, Título II, Capítulo VI, classificado como crime econômico, que é descrito como o ato de "obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."
Uma das maiores preocupações da vítima de crimes de estelionato, sejam elas pessoas jurídicas ou físicas, diz respeito ao ressarcimento do prejuízo, onde infelizmente mesmo com o sucesso da atuação policial e judicial, a vítima ainda encontra muita dificuldade em obter o ressarcimento do prejuízo que lhe fora causado.
O principal motivo disto é que o sistema criminal, nesta situação, encontra-se sempre focado tão somente na aplicação da pena, mesmo que embora haja previsão no Código de Processo Penal para a fixação da reparação na sentença penal condenatória, conforme elucidado no artigo 387, inciso IV do CPP, onde os promotores, na condição de representantes da vítima e do Estado, não costumam realizar tal pedido, obstando a possibilidade da restituição neste momento, já que a jurisprudência majoritária compreende ser inadmissível a fixação da reparação pelo juiz sem pedido expresso, melhor dizendo, de ofício.
Partindo dessa premissa, a principal preocupação da investigação nesses tipos de processo é encontrar os elementos suficientes para o julgamento do caso penal, no intuito de buscar tão somente à condenação do acusado, mesmo que por vezes esses elementos coincidam com a definição do prejuízo.
Deste modo, durante a fase de investigação, a polícia, foca em esclarecer se o fato ocorreu e quem o praticou, identificar a autoria e a materialidade, sem solicitar as medidas cabíveis que assegurem a restituição de eventual prejuízo caso não guardem relação com as diligências necessárias para oferecer a denúncia, por exemplo o bloqueio dos bens de um estelionatário.
Não se pode olvidar que para além do promotor e do delegado, o assistente de acusação ou a própria vítima também formalizar essa solicitação em qualquer diligência ocorrida na fase de investigação.
Neste sentido, medidas solicitadas por tais figuras tenderão a resguardar os interesses da própria vítima, não só do Estado, embora ela tenha legalmente preferência sobre este, conforme o artigo 140 do Código de Processo Penal, in verbis “as garantias do ressarcimento do dano alcançarão também as despesas processuais e as penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendido”.
Neste sentido, em recente decisão, Processo 0013800-30.2018.403.6181, a Justiça Federal em São Paulo condenou a 19 anos e três meses de prisão um homem que se passou por procurador da República para extorquir centenas de empresários e prefeituras. A condenação inclui pagamento de indenização por danos morais de R$ 35 mil ao Ministério Público Federal, total equivalente ao valor depositado pelas vítimas dos golpes.
As vítimas dos golpes foram ouvidas no processo como testemunhas e apresentaram comprovantes dos pagamentos, mas em nenhum momento a sentença menciona qualquer ressarcimento a eles. A juíza Raecler Baldresca cita apenas a credibilidade ferida do Ministério Público para justificar a indenização por dano moral.
"Trata-se de conduta incompatível com a instituição, o que, de forma inequívoca, acabou por gerar não merecido abalo à sua credibilidade diante das empresas vítimas, uma vez que estas eram levadas a crer que procuradores da República poderiam pautar-se por ações abusivas na hipótese de não concordarem com os pagamentos."
Germano Soares Neto começou a ser investigado em 2015 e foi denunciado pelo MPF em São Paulo por estelionato e falsificação do logotipo de órgãos públicos.
Segundo a acusação, ele chegava a cobrar R$ 10 mil para que as vítimas anunciassem em revistas e sites supostamente vinculados a entidades de servidores do Ministério Público Federal, da Receita ou da Polícia Federal.
O monitoramento da conta de e-mail utilizada pelo estelionatário, feito depois da quebra de sigilo autorizada pela Justiça, apresentou uma série de mensagens enviadas a empresários solicitando contribuições em dinheiro em troca de espaço publicitário em veículos impressos e eletrônicos falsamente atribuídos, em sua maioria, às associações de procuradores da República.
Ao vender a assinatura de revistas, o estelionatário oferecia também benefícios diversos, entre os quais o acompanhamento de fiscalizações. O golpe era baseado em ameaças veladas. Para quem se recusava a contribuir com o "negócio", os contatos telefônicos davam a entender que, embora as companhias estivessem regulares naquela ocasião, poderiam não estar no futuro.
Além da pena de prisão, a decisão acolheu o pedido da Procuradoria e condenou o estelionatário a pagar indenização para reparação dos danos morais causados ao MPF, sob justificativa de que o órgão foi o mais citado pelo acusado durante os crimes. Com informações da Assessoria de Imprensa do MPF.
Ao final, entendo que é pouco utilizado o sistema que leva a quebra de sigilo bancário do estelionatário e principalmente o bloqueio dos valores no montante do prejuízo sofrido pela vítima, no entanto, salvo quando tal medida é o único meio de comprovar a autoria e a materialidade, melhor dizendo, quando tais medidas são as únicas que possam levar à condenação do réu.
Nesta análise, entende-se que, em regra será decretada a quebra de sigilo para demonstrar o crime, entretanto não se abordará nesta ocasião a possibilidade de bloquear o patrimônio do acusado no montante suficiente para reparar à vítima.
Por fim, em leis especiais, tal como a lei sobre lavagem de dinheiro Nº 9.613, de 3 de Março de 1998, também há previsão de medidas assecuratórias.
Todavia, nestes casos, o legislador estabeleceu em 2012 que o juiz poderá decretá-las de ofício, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto, pois, além da possibilidade de reparação dos danos causados pela infração decretada pelo próprio juiz criminal.