No ano de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, junto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Ministério da Justiça, lançaram o projeto da tão famosa “audiência de custódia”, que garante ao preso provisório, detido em flagrante delito, sua apresentação a um magistrado no prazo de 24 horas a contar da lavratura do auto de prisão em flagrante, onde será analisado “in casu” o cerceamento de liberdade sob o trinômio legalidade-necessidade-adequação. Será ouvido também o Ministério Público, o defensor público ou o advogado do preso.
O ponto principal da audiência é a análise e decisão da continuidade da prisão do indivíduo ou eventual concessão da liberdade, com ou sem condições, visto que para algumas infrações de baixa ofensividade ao bem jurídico tutelado, nosso ordenamento jurídico vem adotando medidas alternativas, chamadas “despenalizadoras”, muitas delas previstas na Lei 9.099/1995. Esse instrumento de controle de legalidade, construído a partir dos esforços conjuntos das entidades e instituições supracitadas, em consonância com o Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos e a Convenção interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), atrai muitas críticas, tanto positivas como negativas. O Brasil é signatário da Pacto de San José da Costa Rica desde 1992 e somente 23 anos depois a audiência de custódia foi implantada. Nos demais países signatários, as audiências de custódia são conhecidas como Juizados de Garantia.
Vejamos o que assevera o Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos em seu artigo 9º, 3., celebrado em Nova York:
“Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, a execução da sentença.”
Na mesma linha garantista, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) reverbera em seu artigo 7º, 5.:
“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”
Os textos são praticamente similares, justamente pela convergência de ideias garantistas e de preservação das liberdades individuais de que tais Pactos estavam imbuídos, e “a posteriori” a Carta-Mãe da nossa República acompanhou, no mesmo sentido, os diplomas garantistas e cidadãos.
Apesar de já estarmos caminhando há 4 anos de A. C. implementada, nossa legislação penal ainda não ostenta a regulamentação desse instrumento, porém, há inúmeros projetos de lei tramitando no congresso nacional para emendar o Código de Processo Penal, adicionando a regulamentação da audiência de custódia ao diploma processualista penal, e para criar a figura do “Juiz de Garantias”, possivelmente breve teremos alterações legislativas significativas no tocante a este ínterim!
Nosso cenário atual, após um conturbado e acirrado pleito presidencial ocorrido em 2018 e vencido pelo projeto de governo de centro-direita encabeçado por Jair Messias Bolsonaro, trouxe à pasta do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a notável e surpreendente figura do célebre Juiz da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba, Sérgio Moro. O magistrado responsável por presidir inúmeras ações penais, onde figuravam no banco dos réus pessoas do mais alto “cacife” da República (inclusive um ex-presidente da República) nunca postas naquela situação de vulnerabilidade, onde a cada inquirição via-se desnudando o mecanismo sistemático de corrupção instalado no seio da maior empresa estatal do Brasil.
Chegamos onde chegamos, no maior escândalo de desvio de verba pública, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, e toda sorte de tipos penais funcionais que existem em nosso ordenamento. Diversas condenações, algumas absolvições, e um resultado parcial de R$ 13.000.000,00 devolvidos aos cofres públicos, não posso deixar de conceder os louros à força tarefa da operação lava-jato que se desdobra até hoje, nas fases que se seguem as investigações. Após tantos holofotes direcionados a Curitiba, a forma e o desempenho do magistrado de conduzir as ações penais tão delicadas, levou a Presidência a convidá-lo a assumir o cargo mais alto da pasta da segurança pública.
O agora Ministro da Justiça e segurança pública, de pronto, elaborou várias propostas de alteração na legislação criminal vigente em nosso ordenamento. Essas propostas, ficaram conhecidas como “Pacote anticrime”, uma série de medidas que endurecem a tratativa com os infratores de crimes como, corrupção, tráfico de drogas, dentre outros pontos. E para surpresa de grande parte do eleitorado da situação governista, um dos pontos defendidos pelo “pacote anticrime” é a regulamentação em lei da audiência de custódia, ou seja, que ela seja implantada no Código de processo penal e discorrida da forma que tem que ser feita como um instrumento processual que é, de garantia do cumprimento da lei e do respeito aos Direitos Humanos.
Pelo longo caminho que o ministro Moro percorreu na seara criminal, creio que a escolha de incluir a regulamentação da A.C. no pacote de medidas de combate ao crime e ao crime organizado tem um profundo estudo pretérito que viabiliza a sua mantença nas propostas, por mais que não seja uma medida bem vista aos olhos de grande parte do eleitorado do governo e de algumas figuras influentes na política nacional, muito pelo “senso comum” da atual “caça à criminalidade”, sem emitir juízo de valor sobre o atual momento da sociedade.
Dados fornecidos pela CNJ até junho de 2017 sobre a A.C.:
Total de audiências de custódia realizadas: 258.485
Casos que resultam em liberdade: 115.497 (44,68%)
Casos que resultaram em prisão preventiva: 142,988 (55,32%)
Casos em que houve alegação de violência no ato de prisão: 12.665 (4,90%)
Casos em que houve encaminhamento social/assistencial: 27.669 (10,70%)
Como as outras propostas contidas no pacote, a aprovação e possível implantação é uma hipótese que dependerá da aprovação dos congressistas, representantes do povo na democracia em que vivemos. Aguardemos às possíveis mudanças legislativas, que inaugurarão uma nova etapa da persecução penal do nosso ordenamento jurídico brasileiro, mais firme, concisa e intimidatória ao infrator!