O assédio às mulheres nas ruas e o desamparo legal

20/06/2019 às 11:05
Leia nesta página:

As famigeradas cantadas nas ruas são de amplo conhecimento, todavia, não há legislação que verse sobre o tema. Há um desarrimo jurídico às mulheres, maiores vítimas de tal imbróglio.

Embora a Constituição da República Federativa do Brasil preceitue em seu artigo 5º, inciso I, que: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações [...]”, inexiste a eficácia da norma constitucional. Há uma enorme defasagem no plano real e no plano social.

Nesse sentido, discorre GIUSEPPE LUMIA: “A eficácia da norma consiste na conformidade da conduta dos destinatários ao modelo prescrito [...]. Se uma norma não é observada espontaneamente pelos destinatários, e se os transgressores de um modo geral não são alcançados pela sanção prevista, essa norma é manifestamente incapaz”.

Quanto ao plano real e o plano social, o primeiro trata-se da esfera real em que será aplicada a norma jurídica; de forma simplória, consiste no mundo, no corpo social. Já o plano social incide no efetivo cumprimento no meio social, na sociedade.

Em um país que se destaca por seu exacerbado machismo1, não há espanto quanto à extrema divergência entre homens e mulheres. É nítida a sobreposição de um gênero ao outro.

Segundo pesquisa Ibope encomendada pela Skol no ano de 2017, que objetivou traçar um retrato do preconceito presente Brasil, o machismo é o preconceito mais praticado entre os brasileiros, sendo uma das frases mais faladas (49%): “Mulher tem que se dar ao respeito”. A pesquisa focou-se em quatro espécies de discriminação: LGBT, gênero, estética e racial, todavia, o que se destacou foi o preconceito de gênero.

O imbróglio perdura-se devido à falácia de que mulheres são do gênero mais fraco, sendo incapazes de realizar todas as coisas como os homens.

Essa falácia abre o precedente para que uma grande parte do gênero masculino desrespeite as mulheres, como é o caso das “cantadas”. Não é raro observar mulheres sendo abordadas de forma rude nas ruas, recebendo o que os homens denominam de “elogios”.

A verdade é que há um evidente desrespeito à dignidade humana na conduta praticada, que na maioria das vezes é carregada de teor sexual chulo e constrangedor.

O incômodo é grande, a repercussão dele também, entretanto, não há legislação que verse sobre o fato.

Na recente lei 13.718/18, denominada de Lei de Importunação Sexual, esperava-se que o legislador amparasse as mulheres e determinasse a conduta como contravenção penal, todavia, o dispositivo legal manteve-se silente.

De acordo com a professora Fernanda Maria Alves Gomes, mestre em Direito pela UFPE, a mera cantada, desacompanhada de ato libidinoso, não caracteriza o crime de importunação sexual. "Para sua tipificação exige-se a prática de ato libidinoso contra alguém, o que não ocorrerá na simples cantada por mais agressiva ou chula que seja”.

Conclui-se, portanto, o desarrimo jurídico ante a prática do assédio nas ruas, permanecendo as mulheres à mercê de homens desprovidos de sensatez e de extrema grosseria.
Cabe à sociedade, observando os preceitos de empatia e da paz social, proceder com o amparo que a lei não ofereceu, portando-se de maneira acolhedora às mulheres e reprimenda a homens desprovidos de senso.
Se o sujeito não encontra um ambiente propício ao assédio, ele recua, sendo assim, cumpre-se necessário censurar. Quem sabe um dia a reprovação da sociedade seja tão grande que gere um recuo definitivo?

Bibliografia:

GIUSEPPE LUMIA, Elementos de Teoria e Ideologia do Direito, Ed. Martins Fontes, 2003, págs. 59/62.

https://www.cartacapital.com.br/diversidade/no-brasil-o-machismo-e-o-preconceito-mais-praticado (acessado em 20/06/2019).

https://gazetadoestado.com.br/artigo/coluna-justica-cidadania-52248 (acessado em 20/06/2019).

 

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos