Crescimento expressivo dos crimes de ódio nas redes sociais

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22/06/2019 às 15:07
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Analisam-se os aspectos legais relativos aos crimes de ódio e os decorrentes das redes sociais, além das principais infrações ocorridas e apuradas pelos órgãos estatais.

1 INTRODUÇÃO

A internet surgiu para acabar com fronteiras e distâncias, criando possibilidades infinitas com o seu acesso. O progresso que a internet trouxe para toda a sociedade é inegável, e seus benefícios são evidentes, causando assim uma dependência sistemática em tudo e de todos. Contudo, nem mesmo o ambiente virtual está livre dos ilícitos penais.

Um dos crimes mais cometidos no Brasil, através desta grande rede que é a internet, são os crimes motivados pelo preconceito, chamados de crimes de ódio, que são os crimes cometidos quando o criminoso seleciona intencionalmente a sua vítima em função de esta pertencer a certo grupo. As razões mais comuns cometidas na atualidade são o ódio contra a vítima em razão de sua raça, religião, orientação sexual, deficiência física ou mental, etnia, ou nacionalidade, ou ainda entre pessoas de regiões de diferentes do mesmo país.

Estas práticas preconceituosas estão cada vez mais enquadradas dentro dos crimes virtuais, pelo grande aumento de sua prática através da internet, um vez que permite o anonimato, e por parecer um ambiente em que prevalece a impunidade, as redes sociais virtuais, como Facebook, Twitter, Blogs, Fóruns virtuais de discussão, E-mails, entre outros, apresentam uma maciça quantidade de discursos racistas, homofóbicos, xenófobos, bairristas, intolerantes com certas religiões, hábitos, costumes e até mesmo com deficientes físicos e mentais (CANEDO, AMORIM, SILVA, 2016).

Os crimes de ódio no Brasil têm aparato legal no artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, nos artigos I e II da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e suas sanções na Lei 7.716/89, a qual foi alterada pela Lei 9.459/97, que trata dos crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e ainda no Código de Penal Brasileiro, em seu artigo 14, § 3º que trata da Injúria Racial (CASTRO, 2010).

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República criou no ano de 2014 um grupo de trabalho para monitorar e mapear esses crimes nas redes sociais. Há também o SAFERNET BRASIL, que é uma associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial, que foi fundada em 2005, por um grupo de cientistas, professores, pesquisadores e bacharéis em direito, o qual monitora e denuncia crimes e violações aos direitos humanos. E por isso se consolidou como referência nacional no combate a esses crimes.

Por essa razão, o presente trabalho propõe como indagação as seguintes perguntas: ocorre a aplicabilidade de sanções nos crimes de ódio? Será que há por parte do Estado instruções necessárias para como as pessoas podem denunciar esses crimes? Se há mapeamento por parte do Governo, por que ainda assim é crescente o número desses delitos nas redes sociais?

Dessa forma, pretende-se como objetivo geral analisar os aspectos legais relativos aos crimes de ódio e, os decorrentes das redes sociais; e como objetivos específicos analisar as principais infrações ocorridas e apuradas pelos órgãos estatais, e demonstrar a importância das denúncias, como forma de solução para que ocorra a diminuição dessas práticas preconceituosas.

A escolha do tema se deu devido à relevância jurídica que se tem os crimes de ódio no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que ferem o princípio da dignidade humana, regido pela Constituição Federal, além dos desrespeitos aos preceitos definidos no Tratado Internacional de Direitos Humanos. Além de se destacar que apesar de vários métodos para se denunciar, apesar do mapeamento do governo para combater esta prática, tem muitos usuários que não tem conhecimento de como proceder ao se deparar com estes tipos de crimes. Fazendo assim, que aumente de uma forma gradativa, pois se não há denúncia, não haverá punição. Pois apesar de nossas leis em se tratando desses tipos de crimes, serem consideradas fracas no seu combate, elas existem para serem aplicadas e cumpridas, e o necessário para que o Estado tome conhecimento desses crimes é através da denúncia.

O presente estudo trata-se de uma revisão de literatura, realizada a partir de livros, artigos e outras fontes acadêmicas, com a finalidade de traçar um embasamento teórico, utilizando os principais doutrinadores tais como Carcará (2014), teóricos, leis e páginas relacionadas com os crimes de ódio, abordando o conceito do mesmo, falando um pouco sobre as leis que tratam do mesmo, e as formas de combate ao seu expressivo crescimento nas redes sociais.


2 OS CRIMES DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

Inicialmente, faz se necessário tratar sobre construção do Estado brasileiro que ocorreu com a entrada de um modelo de Estado dirigido por Portugal, a uma sociedade diversa que aqui existia no período pré-colonial, sendo constituído por índios e negros, meros figurantes nos planos lusitanos, simples bens de uso para o desenvolvimento da economia. Uma vez que a condição que lhes foi imposta menosprezou a condição de ser humano, justamente pelo pensamento científico que predominava, cuja odeia de hegemonia branca legitimava a escravatura e a violência para a imposição de um modelo de Estado, de cultura e de sociedade diversa da existente, em que índios e negros tinha, “por serem selvagens e raças inferiores” que se submeterem a tais atropelos (CARCARÁ, 2014).

Contudo, o negro, em especial, não deixou de sofrer com o estigma da escravidão mesmo com a vigência da República no Brasil. As legislações criminas se dirigiam com enfoque, não por acaso, a atos que representavam a existência na sociedade. O Código Penal de 1890 apenas aboliu a pena de morte, contudo estabelecia, entre outros, penas contra a prática da capoeira, mendicância e vadiagem.

A principal guinada para uma mudança no pensamento brasileiro fora promovida pelos próprios negros, que empunharam movimentos populares, greves e protestos contra as práticas escravocratas ainda empregadas nos ambientes de trabalho, reivindicando a inserção política e social no país (SALES JÚNIOR, 2009).

Contudo, a proposta de inserção racial absoluta não teria êxito se o pensamento da sociedade dominante não se revertesse. Muitos setores ainda relutavam na aceitação dos negros como membros da sociedade brasileira, a identidade nacional ainda não estava construída. As atitudes de cordialidades perante os negros passariam a ser assumidas, mas estigmatizadas. A participação dos intelectuais da época para o desenvolvimento de uma identidade nacional que proporcionasse a criação de um ambiente social de inclusão foi massificada.

Infelizmente, os estigmas enraizados, da época recém-encerrada do período escravocrata, nas classes mais abastadas se sustentavam incrédulos na democracia racial, não poupando esforços para destituir qualquer tipo de ascensão social das outras classes inferiores. A conjuntura real se mostrava voltada para colidir com essas manifestações racistas ainda persistentes, os esforços institucionais foram evoluindo após o Estado Novo, e até na ditadura militar, todas dirigidas a expor, de forma evidente, que o negro, o índio e o mulato eram parte da sociedade, da história do país e constituíam a identidade nacional do povo brasileiro (CUNHA, 2011).

A doutrina brasileira não se preocupou em trabalhar de forma profunda a delimitação conceitual do discurso do ódio, seja pelo consenso em torno do seu conteúdo ou pela desnecessidade de entendê-lo pormenorizadamente. As linhas esboçadas sobre esse tema ainda não perquiriram seus elementos, apenas expuseram um conceito, e pronto. As discussões foram construídas a partir da perspectiva do julgamento do Habeas Corpus n. 82.424-2 do Supremo Tribunal Federal, que manteve a condenação pelo crime de racismo de um editor e escritor de livros de conteúdo antissemita. Contudo, o próprio julgador não se manifestou diretamente sobre a conceituação do discurso do ódio, mas sim sobre o conceito de racismo, que deixa de ter grande importância para o entendimento do discurso do ódio no direito brasileiro vigente.

A sociedade brasileira é composta das mais diversas etnias, com os mais diversos tipos de comportamentos sociais e ideológicos, os atritos existentes no que concerne ao preconceito, à discriminação e ao racismo, têm raiz em fatos históricos vivenciados pelo país em sua formação, passando pelo período da escravatura e extermínio de índios, ascensão do número de imigrantes, políticas institucionais de antissemitismo, ao neonazismo (ARENDT, 2010). Os valores evidenciados pelos grupos neonazistas são diversos do nazismo, mas se apossam de elementos históricos para evidenciar elementos de disparidade que passam a ser falseados como características impuras e prejudiciais ao grupo. Atacando moralmente e fisicamente os neonazistas, são reprimidos pelo Estado, mas ainda possuem pensamento ideológico anarquista e separatista.

2.1 Definição dos crimes de ódio

Segundo Carcará (2014, p. 116) o crime de ódio é conceituado como:

“É uma forma de violência direcionada a um determinado grupo social com características específicas. Ou seja, o agressor escolhe suas vítimas de acordo com seus preconceitos e, orientado por estes, coloca-se de maneira hostil contra um particular modo de ser e agir típico de um conjunto de pessoas. Os grupos afetados por esse delito discriminatório são os mais variados possíveis, porém o crime de ódio ocorre com maior frequência com as chamadas minorias sociais. São consideradas minorias sociais aqueles conjuntos de indivíduos que histórica e socialmente sofreram notória discriminação. Como exemplo podemos citar as vítimas de racismo, xenofobia, homofobia, etnocentrismo, intolerância religiosa, e preconceito com deficientes.”

Portanto, o Crime de Ódio é mais do que um crime individual, constitui um delito que fere a dignidade humana e danifica a sociedade como um todo, bem como as relações fraternais que deveriam ocorrer. Destaca-se que, o Crime de ódio não traz consequências apenas para as vítimas, bem como para todo o grupo no qual estão inseridas. Podendo ser classificado como um crime coletivo de extrema gravidade.

2.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos dentro do contexto

A noção de dignidade da pessoa humana surgiu no plano filosófico como reflexão, para em seguida ser consagrada como valor moral, ao qual, finalmente, agregou-se um valor jurídico. Ao longo da história, é possível observar a evolução da dialética humanística acerca da essência e da condição existencial. O filósofo Protágoras afirmou que o homem era a medida de todas as coisas; Antifonte defendeu a igualdade dos indivíduos independentemente de sua origem; Cícero dizia que o ser humano possuía uma qualidade, que o distinguia das demais criaturas; Santo Agostinho distinguiu os seres humanos das coisas e dos animais; Platão e Aristóteles também elevaram o ser humano a um patamar de superioridade frente às demais criaturas e já Picco Della Mirandola, humanista italiano, defendia o homem como um ente dotado da prerrogativa necessária para construir e planejar sua própria existência de pensar e dirigir seu destino (BONAVIDES, 2012).

A dignidade da pessoa humana é defendida na Constituição Federal de 1988 e deve ser vista como qualidade intrínseca da pessoa humana, e irrenunciável, qualificando o ser humano como tal e dele não pode ser destacada. Sarlet (2007, p.60):

“[...] a dignidade vem sendo considerada (pelo menos para muitos e mesmo que não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certo de que a destruição de um implicaria a destruição do outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada uma e do outro, e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado do Direito.”

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É vital a dignidade para a pessoa, pois, é ela que humaniza o homem, garantindo-o assim, o respeito, a autonomia, a independência, o reconhecimento, a proteção e a promoção, assegurando assim uma existência digna. Dessa forma, é intolerável nos tornarmos omissivos frente à falta de efetivação da dignidade, o seu defloramento e atroz violação dos direitos humanos; deve ser combatida com políticas democráticas, com amplo apoio da sociedade garantindo acesso de direitos a todos.

Após a Declaração Francesa que priorizava a igualdade, liberdade e fraternidade surgiram várias outras declarações, mas, no entanto, a que mais repercutiu a nível mundial foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos que ratifica esses pensamentos franceses, aprimora e cria novos direitos.

O pensador Marx (1997, p.137) afirma que:

“[...] Se o homem trabalha apenas para si próprio, poderá porventura se tornar um erudito célebre, um grande sábio ou um excelente poeta, mas nunca será um homem completo, verdadeiramente grande [...] Se escolhermos uma tarefa em que possamos trabalhar o máximo pela humanidade não fruiremos, então, uma alegria pobre, limitada, egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões (de pessoas).”

E, ocorrendo essa justiça pode-se usufruir dos instrumentos e garantias jurídicas de proteção dos direitos humanos que são ferramentas indispensáveis para a efetivação dos mesmos, e constituir um aspecto fundamental para que os direitos não se tornem meras afirmações retóricas.

É essencial lembrar também nesse primeiro momento que a fiscalização dos direitos humanos não deve ficar apenas a mercê do Estado, mas, a sociedade civil organizada, os movimentos sociais e, os sindicatos, as associações, e os conselhos de direitos também devem lutar pela implementação destes.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegurou a igualdade entre todos os indivíduos, independente do grupo social ou do modo de ser e agir, todo ser humano tem o direito ao tratamento digno e imparcial; e defende fielmente a capacidade que cada indivíduo tem de gozar de direitos e liberdades, afastando qualquer tipo de distinção que seja preconceituosa, pois somos todos iguais perante a mesma (BARRETO, 2010).

Em todos os seus artigos, a Declaração defende a dignidade e a igualdade entre todas as pessoas, estabelecendo direitos e deveres aos Estados, às comunidades, defendendo a Justiça e a paz no mundo; e estimulou os países a assinarem outros tratados que protegessem suas comunidades e estimulassem a cooperação internacional, bem como elaborarem Constituições Federais que tivessem a característica precípua de promover o bem-estar social e a defesa dos direitos e garantias fundamentais.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 carrega em seu corpo as marcas da Declaração de 1948, principalmente no seu art. 5º e incisos que tratam dos direitos e deveres individuais e coletivos.

No Brasil, a luta pelos direitos humanos só ganhou grande destaque com a ditadura militar, formados a partir dos anos setenta, esses movimentos lutaram contra a tortura e as prisões arbitrárias, até a luta pela anistia, que tornaram a própria expressão: Direitos Humanos, conhecida do grande público. Naqueles anos, a simples menção aos Direitos Humanos já significava uma contestação a um regime que teve na fúria a medida exata de sua impotência.

Com a reforma do judiciário em 2004 e o surgimento da Emenda Constitucional nº 45 os juízes federais passaram a processar e apreciar as causas que envolvem os Direitos Humanos. E o parágrafo 5º estatui:

“§5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”

Um grande avanço brasileiro foi o feito em 1996 com o lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos e em 1997 com a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (DINIZ, 2016).

Como são conhecidos da maioria, os Direitos Humanos lutam pela efetivação, pela garantia e pela permanência dos direitos; no entanto, pelo contexto histórico têm-se alguns casos que devem ter uma relevância maior para que consigamos assim uma melhor equidade de direitos, que por sua vez, são aqueles que se encontrão posição de maior fragilidade dentro de uma sociedade como os que sofrem com outras questões, como o racismo, a exclusão social, o trabalho infantil, a educação, o acesso a terra ou à moradia, o direito à saúde, a questão da desigualdade de gênero.

Embora os Direitos Humanos sejam direitos de todos, é natural que as organizações não governamentais se dediquem mais à proteção daqueles que foram historicamente massacrados pela sociedade e se analisar o pressuposto de que as pessoas possuem direitos pelo simples fato de serem humanos, a violação dos direitos de qualquer pessoa deve ser um problema de todos, então é primordial que a violação desses direitos seja combatida mundialmente.

Os Direitos Humanos têm algumas características essenciais como: a universalidade (que é a abrangência a todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica), e, para Paulo Bonavides (2012, p.302) existe uma nova universalidade:

“A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.”

A imprescritibilidade (não se perdendo no decurso do prazo), a inalienabilidade (onde não há possibilidade de transferência, seja a título gratuito ou oneroso), a irrenunciabilidade (onde não é possível ser objeto de renúncia, o que acaba por suscitar várias polêmicas como o aborto e a eutanásia), a inviolabilidade (que impossibilita o desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por ato das autoridades públicas, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal), a efetividade (que visa garantir a efetivação dos direitos e garantias previstas, com mecanismos coercitivos) e a indivisibilidade (que não permite uma análise isolada).

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é recente, surgindo, a partir do Pós-Guerra, e veio como um esforço para a reconstrução dos direitos humanos, como arquétipo e referencial ético para orientar a ordem internacional recente. Sendo que uma das principais inquietações desse movimento foi converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional, formando assim um sistema normativo internacional de âmbito global e regional, como também de âmbito geral e específico, seguindo o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. No caso brasileiro, o processo de incorporação desse direito e de seus importantes instrumentos é consequência do processo de democratização. Segundo Norberto Bobbio (2004, p. 84):

“[...] direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.

  O marco inicial do processo de incorporação de Tratados Internacionais de Direitos Humanos pelo Direito brasileiro foi à ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. A partir dessa confirmação, inúmeros outros ressaltantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988. O processo de democratização possibilitou, assim, a reinserção do Brasil na arena internacional de proteção dos direitos humanos - embora muitas medidas ainda necessitem ser adotadas pelo Estado brasileiro para o completo alinhamento do país à causa da plena vigência dos direitos humanos.

O conjugado de resoluções e tratados internacionais sobre os Direitos Humanos são hoje referendados pela maioria dos países. Algumas dessas convenções são simplesmente programáticas, enquanto outras têm o peso de lei para os signatários. Porém, o grau de aplicação e adesão efetiva a essas diferentes "legislações" é bastante variado, tendo servido, até mesmo, em muitos momentos como um utensílio de legitimação de posições discriminatórias e delituosas de governantes. Essas deformidades do sentido original dos princípios dos Direitos Humanos não revogam, porém, a noção de que, quanto maior o respeito a tais princípios, mais civilizada pode ser considerado uma sociedade.

2.3 Amparo legal brasileiro nos Crimes de Ódio

A Constituição Federal do Brasil preceitua sobre o princípio da igualdade no seu artigo 5º, caput:

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

Destaca-se, o princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988 de forma específica, no artigo 4º, inciso VIII, que trata sobre a igualdade racial; assim como no artigo 5º, I, que versa sobre a igualdade entre os sexos; e no artigo 5º, inciso VIII, que define sobre a igualdade de credo religioso.

A legislação penal brasileira ampliou as formas de preconceito e discriminação ao estabelecer também o critério religioso e a figura típica da injúria por preconceito e discriminação no Código Penal vigente. A Lei 7.716/89 regulamenta o art. 5º, inciso XLII, da Constituição de 1988 criando delitos e criminando condutas antes apontadas como meras contravenções penais em Leis anteriores (AROUNDT, 2010).

Devido aos grupos de defesa dos direitos humanos, existem atualmente no ordenamento jurídico pátrio a , com as alterações determinadas pela Lei nº 8.081, de 21.09.1990, Lei nº 8.882, de 03.06.1994 e Lei nº 9.459, de 13.05.1997, prevendo como crimes condutas resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Desta forma, a Lei nº 7.716/89, com suas alterações, possui a objetividade jurídica de tutelar o direito à igualdade, constitucionalmente previsto como inviolável.

Dentre os vinte e dois artigos da Lei Antidiscriminação, constitui crime qualquer conduta que impeça ou obstaculize o livre acesso a lugares públicos ou de finalidades públicas (restaurantes, bares, hotéis, etc.), ao ensino, a cargo, funções ou empregos públicos ou privados, ao uso de transportes públicos, em face tão somente da raça, etnia, religião ou procedência da pessoa.

Faz-se necessário, ainda, distinguir o preconceito ou a discriminação a determinada pessoa ou a toda uma coletividade. No primeiro caso, ao atingir a honra subjetiva da vítima, a conduta será tipificada como injúria qualificada presente no artigo 140 do Código Penal. No entanto, quando toda uma coletividade for atingida pelo preconceito ou pela discriminação, recorre-se ao art. 20 da Lei nº 7.716/89.

Após esta breve análise, pode-se perceber a preocupação do legislador com relação às vítimas do preconceito e da discriminação. Elaborou um artigo subsidiário que pudesse abarcar todo tipo de situação discriminatória ou preconceituosa, penas de reclusão cumuladas com prestações pecuniárias, zelando sempre pela igualdade entre todas as pessoas (APPIO, 2008).

Resta, portanto, que as vítimas se conscientizem de que existe legislação forte, capaz de defendê-las do preconceito. Basta somente que tenham coragem de enfrentar os agentes que, justamente serão punidos, com a finalidade de mostrar à sociedade que a luta pela igualdade é necessária.

2.4 Crimes de ódios nas redes sociais           

A “SaferNet Brasil” é uma associação civil de direito privado, cuja atuação possui abrangência nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Fundada em 20 de dezembro de 2005 por um grupo de cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito, a organização surgiu para materializar ações concebidas ao longo de 2004 e 2005, quando deram início as pesquisas e projetos sociais voltados para o combate à pornografia infantil na Internet brasileira.

Em 20 de novembro de 2014, o Governo, também, criou um grupo para monitorar e mapear crimes que violam os direitos humanos em redes sociais, devido a esse crescimento assustador dos crimes de ódio repassado pelo “Safernet Brasil”.

O governo tinha como proposta para o final de 2015, juntamente com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) lançar um aplicativo para monitorar postagens nas redes sociais que reproduzam mensagens de ódio, racismo, intolerância e que promovam a violência. Este aplicativo encomendado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, foi batizado com o nome de “monitor de direitos humanos”, e possui como finalidade buscar palavras-chaves em conversas que estimulem a violência sexual contra mulheres, racismo e discriminação contra negros, índios, imigrantes, gays, lésbicas, travestis e transexuais, na qual os dados ficaram disponíveis; contudo ainda não entrou em funcionamento.

2.5 Procedimentos a serem adotados para combater aos Crimes de Ódio

Para que haja o combate a esses crimes de ódio nas redes sociais, é de fundamental importância que haja a denúncia dos mesmos, e qualquer pessoa estar apto a fazê-la.

Ao se deparar com um crime cibernético deve-se:

  1. Guardar todas as provas e indícios possíveis;
  2. Tirar fotos das denúncias, “print screen” e imprimir o material;
  3. Registrar as denúncias com o maior número de detalhes;
  4. Não compartilhar ou replicar comentários ofensivos ou que incitem ao crime;

A denúncia desses crimes cibernéticos pode ser feita nos seguintes locais:

“Site da Safernet Brasil: o site recolhe denúncias anônimas relacionadas a crimes de pornografia infantil, racismo, apologia e incitação a crimes contra a vida.

Canal do Cidadão do Ministério Público Federal: o Ministério Público Federal recebe denúncias de diferentes tipos. A pessoa pode optar por manter os seus dados sigilosos ou não. A Procuradoria-Geral da República recomenda aos cidadãos apresentarem o maior número de provas para que o processo possa ter mais agilidade.

Disque 100: o canal recebe denúncias de abuso ou violência sexual. O serviço é coordenado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. O Disque 100 funciona 24 horas por dia. As ligações são gratuitas e podem ser feitas de qualquer local do Brasil. A denúncia é anônima e as demandas são encaminhadas para as autoridades competentes. E em qualquer delegacia de crimes cibernéticos e virtuais.”

É totalmente notório que a denúncia é o principal meio de combater esses crimes, por isso a sociedade deve se conscientizar do poder que uma denúncia possui.

Assim notadamente havendo tantas falhas não só na falta de denúncias por parte da sociedade, mas também na aplicabilidade e monitoramento da lei, fica fácil constatar porque os crimes de ódios vêm crescendo cada vez mais, principalmente nas redes sociais que são comuns a todos.

Vê-se que o uso da internet não apenas acarretou melhorias, bem como também gera grande aumento nos crimes cibernéticos, e em constância os crimes derivados do ódio. Porém, como medida para combate a esses crimes, foi visto que a própria internet é capaz de combatê-los, basta que a população e a sociedade que usa desta ferramenta chamada internet, tenha consciência de não banalizar ao ver um crime sendo cometido e saiba como denunciar.

Somente com a denúncia, e com os avanços tecnológicos que o Governo e as instituições privadas vêm aplicando que haverá a diminuição de crimes que acabam por atingir várias classes.

2.6 Repercussão nacional

Dois casos de grande repercussão na mídia nacional, ocorreram com a atriz Taís Araújo e com a apresentadora Maria Júlia Coutinho. Ambos os casos ocorreram através dos perfis públicos das referidas vítimas nas redes sociais.

Contudo, após a identificação dos responsáveis, a 23ª Vara Criminal conjuntamente com a 26ª Promotoria de Investigação Penal, colocaram em liberdade os acusados, que responderão ao processo em liberdade.

Infelizmente, mesmo o crime de racismo sendo crime inafiançável pela legislação criminal, admite a aplicação de medidas cautelares (NUCCI, 2014).

De acordo com Dias (2015, s.p.):

"Agora temos que esperar os encaminhamentos que a Justiça vai dar e esperamos que eles sejam condenados. As provas contra os acusados são robustas. Temos que acabar com o entendimento de que racismo é aquele famoso crime sem penalidade. A condenação vai gerar jurisprudência que ajudará na luta contra o racismo no Brasil.

O indiciamento dos acusados por racismo foi correta. De acordo com a legislação, entende-se como injúria racial quando o ataque se dirige a uma pessoa. Já o crime de racismo é direcionado a uma comunidade. "Como nesse caso as ofensas foram públicas, postadas em rede social, e atingiram mais pessoas, podem ser enquadradas como racismo."

Como é possível observar, infelizmente poucas as vítimas desses crimes procuram o Poder Judiciário do Brasil, que possui como posição o privilégio ao princípio da dignidade das pessoas que interagem no ciberespaço, o que evidencia uma maior divulgação e esclarecimento a respeito dos crimes de ódio em redes sociais.

2.7 Violência e Vitimização

A questão da violência é preocupante em todas as esferas da sociedade, governantes, políticos, educadores, religiosos, a sociedade em geral, sendo possível observar na sociedade brasileira múltiplas categorias de expressão da violência que inibem a exposição de ideias e soluções adequadas à realidade.

Dessa forma, surge a necessidade de um dispositivo penal, para tipificar os crimes de ódio, uma vez que devido o Princípio da mínima intervenção do direito penal tornasse urgente e indispensável tal medida para assegurar a integridade da sociedade vitimizada e condenar o violento processo de vitimização no qual, o Brasil está inserido.

Para que se possa adequar o fato ao tipo penal incriminador, surge a necessidade de que estejam presentes todos os elementos essenciais comuns para a definição de delito, ou seja, os requisitos do tipo, tanto os elementos objetivos, que devem estes se encontrar perfeitamente adequados as previsões do tipo objetivo, como também deve estar presente e satisfeito os elementos do tipo subjetivo. Dessa forma, com a tipificação penal dos crimes de ódio seria possível definir sanções adequadas e apropriadas para as violações de direto que vem constantemente ocorrendo.

Não bastando apenas referirem-se a crimes contra a minoria, uma vez que não se limita apenas a crimes de racismo, homofobia definidos na Carta Magna, sendo indispensável ainda que a sociedade reconheça a importância da denuncia e do combate aos crimes de ódio.

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Sobre a autora
Michele Amorim

Advogada, com licenciatura plena em Letras – Português pela Universidade Federal do Piauí, Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Constitucional pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP), e Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Estácio – CEUT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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