5. DA SUSPEIÇÃO
Não distante do instituto do impedimento, a suspeição traz em seu teor normativo as situações em que seria o magistrado suspeito de figurar no processo, por relativa dúvida quanto a sua imparcialidade, são passíveis de anulabilidade quando se entender que o julgamento do magistrado possa ser tendencioso, favorecendo uma parte ou outra no processo e até mesmo o próprio interesse.
O nosso ordenamento jurídico o Código de Processo Civil20, em seu artigo 145, prevê:
Art. 145 - Há suspeição do juiz:
I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
§ 1º - Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.
§ 2º - Será ilegítima a alegação de suspeição quando:
I - houver sido provocada por quem a alega;
II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido.
A suspeição é causa que retira o atributo da imparcialidade do magistrado no exercício da atividade jurisdicional, provocando seu afastamento de qualquer processo ou incidente que nele funcione21. Diverso do impedimento, a suspeição é nada mais que uma possível intimidade com o processo.
Como entende Misael Montenegro Filho22:
Diferentemente do que observamos às hipóteses de impedimento, as que se referem à suspeição do magistrado são marcadas pela ligação indireta do juiz com pessoas que tomam assento no processo, como evidente necessidade de investigação dos aspectos subjetivos do relacionamento, gerando dificuldades no campo da prova. Não obstante a diferença, a suspeição de igual modo gera dúvidas a respeito da neutralidade e da imparcialidade do magistrado para desatar o conflito de interesses, devendo se afastar da condição do processo, para que o princípio do juiz natural seja respeitado.
Para entender que para percepção de um possível “erro” de julgamento em que venha a levantar suspeita, não necessariamente pode estar ligada ao fato de que a decisão foi contrária ao seu interesse, como comenta a Ministra Denise Arruda23 em relatório e voto de recurso especial:
O simples fato de o julgador proferir decisão contrária à pretensão da parte não configura, por si só, suspeita de parcialidade. Isso porque, para se caracterizar a parcialidade do julgador, é necessário que, além da prolação de decisão adversa ao interesse da parte, tenha ele praticado atos passíveis de suspeição.
O juiz tem o dever de oferecer garantia de imparcialidade aos litigantes. Não basta ao juiz ser imparcial, é preciso que as partes não tenham dúvida dessa imparcialidade24. Assim, por analogia em tese, estaria afastada a possibilidade de ação em face de mero de impedimento ou suspeição do magistrado, posto que, não haveria relação da norma com uma suposta incapacidade intelectual do magistrado, talvez se amplamente interpretada, haveria caminhos tendentes ao impedimento, pois o estreitamento do caso concreto se encaminha mais para uma ação rescisória, ressaltando também que a ação de suspeição é passível de anulação, que torna mais difícil a rediscussão depois do transito em julgado do processo e, já os atos entendidos como impedimentos podem ser considerados nulos, ou seja, a causa do fato tornaria a decisão ou processo inválido, sendo possível a sua rediscussão a qualquer tempo.
Em seguida trataremos dos pressupostos processuais.
6. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Os requisitos de existência, validade e eficácia do processo se denominam pressupostos processuais. “Pressuposto” deriva de “pre” (o que vem adiante, do latim prae, diante) e “suposto” (particípio de “supor”, de supponere, pôr debaixo, aproximar, dar por verdadeiro), ou seja, o que já se reputa existente25.
Preceitua o inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Embora a atividade jurisdicional seja de incumbência exclusivamente estatal, ela não pode ser exercida de forma arbitrária. A garantia de due process of law, da qual decorrem os demais princípios processuais, impõe limites à jurisdição, ficando esta impedida de intervir em patrimônio alheio ou restringir a liberdade de alguém sem o trâmite de um processo justo, na forma da lei26.
Para que se tenha um “devido processo legal”, é necessário não apenas observar as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, da proibição de provas obtidas por meios ilícitos, etc., mas também é essencial o cumprimento de determinadas regras estabelecidas pela lei processual.
Pressupostos Processuais, segundo Jorge Luís Dall’agnol, são os “requisitos necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento do processo”27.
Bülow, criador da expressão, dizia que:28
os pressupostos processuais são os requisitos para a admissibilidade (die erfordenissefür die zulässigkeit), as condições prévias para a formação definitiva de toda (sic) relação processual (die vorbedingungenfürzustandekommendesganzenprozessverhältiness), a condição de existência da relação processual, os requisitos para a válida formação definitiva da relação processual.
Os pressupostos processuais são elementos essenciais para a validade e andamento do processo, assim, os pressupostos processuais, a legitimidade e o interesse são questões prévias e prejudiciais. Que, antes de analisar o mérito, o juiz necessariamente deverá verificar se a relação processual se instaurou e se desenvolve validamente e se foram preenchidos todos os requisitos necessários para o legítimo exercício do direito de ação29.
Como compreende conceitualmente Misael Montenegro Filho30 sobre os pressupostos processuais: “Os pressupostos processuais são condições mínimas de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, de modo que a ausência de um pressuposto acarreta a sua extinção sem a resolução do mérito”.
Nesse sentido entende Fredie Didier Junior31:
Não há mais razão para o uso, pela ciência do processo brasileira, do conceito “condições da ação”. A legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais. A legitimidade e o interesse passarão, então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo extrínseco; legitimidade, como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes.
As condições da ação e os pressupostos processuais são requisitos para que a atividade jurisdicional atinja o seu escopo de atuação da vontade da lei, com a pacificação social32.Por razões fáticas o pressuposto processual, nos liga aos planos de existência jurídica, de validade e por mais recente discussão o plano da eficácia, que fundamentalmente entrariam no princípio analógico deste estudo.
Sobre os planos Elpídio Donizetti33apresenta:
O plano da Existência:
A existência do fato jurídico é condição imprescindível para que se possa perquirir sua validade e eficácia. O que é válido ou inválido, eficaz ou ineficaz, necessariamente tem que existir. (...)
O plano de Validade:
A existência antecede a validade. Se o ato – aqui nos interessa o ato processual – existe, então podemos perquirir sobre a validade dele. Validade é a situação jurídica que resulta da conformidade do ato ou fato com os requisitos que o regulam. (...)
O plano da Eficácia:
Eficácia é a idoneidade do fato jurídico para produzir os efeitos para os quais foi criado. A eficácia pressupõe a existência, mas não necessariamente a validade. Em regra, o que existe e é válido também será eficaz. Mas é possível eficácia sem validade.
Logo, os planos da existência, validade e eficácia esclarecem um pouco mais o caminho e onde podemos chegar para uma elucidação da nossa problemática. Veremos também que, o pressuposto processual possui mais duas características, seu aspecto subjetivo e objetivo.
O aspecto subjetivo diz respeito aos agentes do processo e suas capacidades de ser parte e de jurisdição, onde a capacidade de ser parte, maneira análoga aos itens do nosso estudo, vincula-se as características das capacidades, já abordadas no início do nosso trabalho, já a jurisdição nos indica a figura do Juiz e sua relação com a validade ou não do processo, objeto direto do nosso feito.
No aspecto objetivo não figura aqui a validade ou invalidade da petição ou o preenchimento dos requisitos legais, tange apenas se o autor do pedido possui capacidade de postulação e que assim o faz, pois para que o processo exista, basta que aquele capaz peticione em um órgão investido de jurisdição34,devendo ser este órgão competente para resolver a lide.
Podemos ver que a incompetência do juízo é matéria de repercussão nos tribunais, alvo de muitos recursos, pois vez ou outra o tribunal decide sobre matéria na qual não possuía competência, como por exemplo, uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais35:
APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA 'RATIONE PERSONAE' - PRESSUPOSTO PROCESSUAL NEGATIVO - MGI - MINAS GERAIS PARTICIPAÇÕES S/A - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DA VARA CÍVEL - COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAZENDA PÚBLICA. Consoante jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça Minas Gerais, compete às Varas da Fazenda Pública Estadual o julgamento de demandas envolvendo a MGI MINAS GERAIS PARTICIPAÇÕES S/A. Constatada a incompetência absoluta da 22ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte para julgamento do feito, impõe-se a anulação da sentença e a remessa dos autos ao Juízo competente "ex vi" do art. 113, § 2º, do CPC.
A incompetência do Juízo é uma haste desta discussão, a similitude do assunto com a nossa tese pressupõe uma espécie de incompetência do magistrado, que em seu estado psíquico “anormal”, o tornaria incompetente para prestar sua autoridade jurisdicional, não em razão da matéria do processo, nem pelas causas de impedimento ou suspeição, mas sim por inaptidão do servidor devido a sua possível alteração do estado mental.
6.1 Pressupostos de existência do processo
José Milton da Silva36, “os pressupostos antecedentes, ou de existência do processo”, são aqueles que deverão preexistir à relação processual". São os requisitos necessários para a instauração do processo. Para que se possa determinar os requisitos mínimos para a formação de um processo, convém, primeiramente, definir o momento em que ele tem início. É preciso, pois, fixar o instante em que nasce a relação processual.
A demanda, “ato pelo qual se dá o impulso oficial à atuação do Estado-juiz”, é formulada quando o titular de uma pretensão insatisfeita apresenta a petição inicial ao Poder Judiciário. O processo passa a existir no instante em que a demanda é proposta, isto é, quando o autor deduz sua pretensão em juízo37.
A existência da relação processual também está condicionada à presença de um juiz investido de jurisdição. Destarte, o processo só existe quando seu trâmite se dá perante um órgão apto ao exercício da função jurisdicional.
Grande parte da doutrina considera também a citação e a capacidade postulatória como pressupostos de existência. Tal entendimento, não parece correto.
A citação não é requisito para a formação do processo, pois ele já existe mesmo antes dela. Contudo, é evidente que esse processo não produzirá efeitos em face do réu, pois ele ainda não foi chamado a ingressar na relação processual. Assim, por exemplo, se o juiz entender que a petição inicial apresentada é inepta, extinguirá o feito proferindo uma sentença, que é ato do processo38.
A ausência da capacidade postulatória não impede a instauração do processo pois, conforme ensina Giuseppe Chiovenda39: “Ainda nessa conjuntura, todavia, impende ao juiz uma obrigação: a de enunciar a razão pela qual não pode prover sobre o mérito. Há, portanto, também uma relação jurídica”.
Diante do exposto, percebe-se que a existência do processo está condicionada a apenas dois pressupostos processuais: a propositura de uma demanda e a investidura jurisdicional do órgão a quem ela é endereçada.
6.2 Pressupostos de validade do processo
São os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, conforme a expressão do texto legal (artigo 267, IV, do Código de Processo Civil)40.
Uma vez instaurada a relação processual, é necessário que ela esteja revestida de determinados requisitos para atingir seu objetivo: o provimento de mérito.
Os pressupostos processuais responsáveis pela validade da relação processual podem ser classificados sob dois aspectos distintos: os pressupostos positivos, que devem estar presentes no processo, e os pressupostos negativos, cuja ausência é necessária para a validade da relação processual41.
6.3 Pressupostos processuais positivos subjetivos
6.3.1 Relativos ao juiz e a competência
Para a existência do processo, basta que se leve ao conhecimento do órgão jurisdicional determinada pretensão através da petição inicial. Porém, o desenvolvimento regular desse processo está subordinado à aptidão do juiz emanada da lei, para exercitar sua jurisdição em determinado caso concreto42.
Fernando da Costa Tourinho Filho43 conceitua a competência como sendo o “âmbito, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o seu poder jurisdicional”.
A competência constitui um dos elementos do princípio do juiz natural, previsto no artigo 5º, LIII e XXXVII, da Constituição Federal de 198844, que dizem, respectivamente: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, ou seja, um órgão jurisdicional criado ex post facto.
É necessário salientar que a competência que se constitui como pressuposto processual de validade é absoluta (ratione materiae, ratione personae e funcional), uma vez que a incompetência relativa (valor da causa e territorial) pode convalescer em razão da preclusão, se não for arguida através de exceção em tempo oportuno45.
A incompetência absoluta pode ser suscitada em qualquer fase do processo e, numa última oportunidade, através da ação rescisória (artigo 966, do Código de Processo Civil46). A ausência desse pressuposto excepciona a regra do inciso IV, do artigo 485, do mesmo Códex, havendo a nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos ao juízo competente para a causa.
6.3.2 Impedimentos
O órgão jurisdicional não pode ter interesse no desfecho da demanda. Para que suas decisões gozem de credibilidade, o juiz precisa manter uma posição neutra em relação às partes. Para que a atuação dos magistrados ficasse imune a influências externas, comprometendo, dessa forma, a retidão de duas decisões, a Constituição Federal estabeleceu as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos.
Ademais, o texto constitucional47 diz, no parágrafo único, do artigo 95, que, é vedado ao juiz exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; e dedicar-se à atividade político-partidária48.
Como lembra Tesheiner49, a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais encontra-se também inserida no artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem: “Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
O pressuposto processual da imparcialidade refere-se à ausência de impedimento, conforme o artigo 144, do Código de Processo Civil. A ausência de suspeição, de acordo com o artigo 145, do Código de Processo Civil) não é pressuposto processual, pois, se não suscitada em tempo hábil opera-se a preclusão50.
A ausência desse pressuposto não leva à extinção do inciso IV, do artigo 485, do mesmo Códex, em atendimento ao princípio da economia processual, os autos são enviados para um juiz desimpedido.
6.3.3 Relativos às partes ou capacidade de ser parte
No direito material, todo aquele que tiver capacidade para contrair direitos e obrigações na ordem jurídica, é dotado de capacidade de direito. Decorrente da personalidade, essa aptidão reflete-se no Direito Processual Civil naquilo que se denomina capacidade de ser parte
Conforme dispõe a primeira parte do artigo 4º, do Código Civil51, “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida”. Do teor desse dispositivo se conclui que, um menor de 12 (doze) anos de idade, por exemplo, poderá figurar como parte num processo, pois tem personalidade e, por corolário, detém capacidade de direito.
A personalidade é atributo da pessoa natural e também da pessoa jurídica. Porém, existem determinados entes desprovidos de personalidade jurídica como a massa falida, o condomínio, as sociedades fato, aos quais a lei (artigo75, do Código de Processo Civil) confere capacidade de ser parte. Como bem observa Marcelo Abelha Rodrigues:52
Se podemos dizer que todos que possuem capacidade de direito (personalidade jurídica) possuem capacidade de ser parte, o mesmo não podemos dizer ao contrário, ou seja, nem todos que possuem capacidade de ser parte possuem capacidade de direito. Exemplo disso são os entes desprovidos de personalidade judiciária mas sem personalidade jurídica.
A observação acima torna-se mais esclarecedora com a posição de Tesheiner53, que ensina: “A capacidade de ser parte traduz-se melhor pela expressão "personalidade judiciária" do que por "personalidade jurídica”, porque podem ser partes, no processo, como autores ou réus, entes que não são pessoas, como a massa falida54.