3) PROCESSO CAUTELAR E MANDADO DE SEGURANÇA
3.1) Além das alterações no agravo de instrumento, no recurso extraordinário e no especial, é preciso que se coíba a abordagem de matéria e o ingresso de ações nos tribunais superiores, de forma não prevista no Título X, do Livro I, do CPC, que cuida do sistema recursal, ou nos dispositivos constitucionais que definem a competência originária desses tribunais.
Para conferir inegável eficácia às regras que disciplinam o efeito em que os recursos são recebidos, em especial àquela contida no § 2º, do artigo 545, do CPC, e em reforço à proposição de acréscimo de um novo parágrafo ao seu artigo 522 (que afasta o manejo de medida cautelar para conferir efeito suspensivo em recurso extraordinário ou especial), propõe-se o acréscimo do seguinte parágrafo ao artigo 796 do Código:
"É inadmissível o procedimento cautelar com o propósito de atribuir efeito suspensivo a recurso que não o tenha, ou de sustar eficácia de decisão judicial contra a qual não caiba recurso, cujo recebimento possa se dar no efeito suspensivo".
O desejo primeiro de muitos é dificultar o efeito suspensivo até mesmo nas apelações. Todavia, a possibilidade de se atribui-lo ao recurso especial ou extraordinário, via medida cautelar, é situação que deve ser afastada.
As situações que, em tese, poderiam causar "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública", envolvendo pessoas jurídicas de direito público, continuariam resguardadas pelo artigo 25 da Lei 8.038/90.
3.2) De nada adiantariam muitas das mudanças sugeridas se a utilização do Mandado de Segurança continuar a ser amplamente admitida contra decisão judicial. È preciso que se modifique a legislação que regula a matéria para que seja afastado o WRIT genericamente interposto contra decisão judicial tomada no curso de um processo.
Assim, propõe-se ao inciso II, do artigo 5º, da Lei 1.533/51, a seguinte redação:
"II – de despacho ou decisão judicial de qualquer natureza, ainda que não sejam impugnáveis por qualquer recurso previsto nas leis processuais".
A súmula 267 do STF já preconizava que "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".
Essa orientação, conquanto não seja seguida como deveria, mostra-se insuficiente diante da proposição de se vedar o manejo de recurso contra decisão singular. Por isso, a sugestão de alteração da Lei 1.533/51 é essencial para que se restrinja a utilização do instituto.
Em virtude da previsão contida no inciso LXIX, do artigo 5º, da CF, de que se concederá mandado de segurança "para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou hábeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública", naturalmente que não se quer excluir a ilegalidade, mesmo vinda de uma decisão judicial, do ataque por mandado de segurança. Todavia, há que se restringir, e muito, essa possibilidade.
Tão somente aquelas decisões que, de fato, sejam teratológicas e completamente dissociadas da lei, e das interpretações justificáveis que a ela se dá, poderiam ser alvo do mandado de segurança.
4) JULGAMENTO DO RECURSO POR DECISÃO SINGULAR DO RELATOR : CONSIDERAÇÕES DE INDOLE CONSTITUCIONAL
Para Humberto Theodoro Junior:
"Nos casos de competência recursal dos tribunais, o relator, quando decide singularmente, atua como delegado do colegiado, e o faz por economia processual sem, entretanto, anular a competência originária do ente coletivo.
Daí se segue que a lei ordinária e o regimento do Tribunal não podem trancar o procedimento no julgamento singular, declarando-o insuscetível de recurso ao colegiado a que se endereçava constitucionalmente o apelo. Negar-se um meio processual de levar o recurso a exame coletivo importaria subtrair à parte o acesso ao seu juiz natural, incorrendo, por isso, em inconstitucionalidade". Curso de Direito Processual Civil – Editora Forense - Volume I – 39ª edição – Pág. 517.
De fato, há hoje consolidado entendimento na doutrina e na jurisprudência do STF de que a decisão singular do relator, não impugnável, padece de inconstitucionalidade.
A origem desse posicionamento (o leading case) no STF parece ser a Rp 1.299-9- GO, relatada pelo Ministro Célio Borja e analisada à luz da Carta Pretérita. Segundo o voto do relator naquele julgamento:
"...seja em razão da formação histórica da organização judiciária nacional, ou em virtude da própria estrutura dada ao Poder Judiciário federal e local pela Constituição, é colegiado o órgão de Segundo Grau de Jurisdição".
"Podem, portanto, os tribunais, através de norma regimental, atribuir competência própria aos seus membros. Mas não podem declinar a favor deles a competência que a Constituição investiu nos próprios tribunais, como órgão de deliberação coletiva".
Essa decisão se deu à luz da Constituição pretérita e analisava disposição de regimento interno de tribunal. O posicionamento recente do STF quanto ao tema, nela tem origem, direta ou indiretamente. Assim foi no julgamento na ADI 531-6-DF, relator o Ministro Celso de Mello, no AGRMI (Agravo Regimental no Mandado de Injunção) 375, no AGRMI 575 e no AGRG. no AI 324.452-1.
Na ADI 531-6, o relator, além de se valer do precedente, aludiu ao artigo 97 da atual carta, destacando o "principio da reserva de Plenário".
Não obstante a tentativa de demonstrar que os fundamentos da inconstitucionalidade são relativos e estão abertos ao ataque, por certo não se admitiria tamanha alteração nas regras processuais atinente ao julgamento dos recursos, para que, em seguida, fosse acoimada de inconstitucional.
Resolve-se a questão modificando a Constituição, que, em muitas ocasiões, por motivação bem menos relevante já foi alterada.
Lembrando que, no julgamento da ADI 531 o STF apontou precisamente dispositivo da atual Constituição que seria violado com o julgamento singular de recurso, o artigo 97, que guarda o "principio da reserva de Plenário", propõe-se justamente nesse dispositivo o acréscimo de um parágrafo, que poderia ter a redação abaixo:
"Os recursos serão julgados pelos tribunais em decisão colegiada, admitindo-se o julgamento em decisão singular, não impugnável por outro recurso, na forma que a lei dispuser".
Essa mudança por certo afastaria qualquer resquício de inconstitucionalidade no julgamento singular dos recursos.
No campo dos direitos individuais e coletivos, o artigo 5º, incisos LIV e LV, da CF não desautoriza o julgamento singular, posto que assegura "o devido processo legal", "com os meios e recursos a ele inerentes". A forma de julgamento do recurso não é tema abrangido pela Constituição, que apenas assegura ao litigante a sua utilização, na forma da lei.
De resto, não sendo cláusulas pétreas aquelas afetas ao julgamento de recursos dos tribunais, nada há que impeça a proposta delineada.
5) PROPOSTAS APRESENTADAS PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Encerrando o presente artigo deparei com as sugestões apresentadas pelo Ministério da Justiça em razão do "Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano", firmado pelos Chefes dos Poderes da República.
No que interessa ao tema em debate, destaco os seguintes projetos: PL-MJ 182, PL-MJ185 e PL-MJ 187.
O PL-MJ 182 (PL 2724/2004) quer introduzir no artigo 518 do CPC disposição semelhante àquela contida no Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 140/ 2004, permitindo ao juiz que não receba o recurso de apelação quando a decisão recorrida estiver em conformidade com súmula de tribunais superiores, medida que penso incorreta.
Das demais disposições do PL-MJ 182, uma que altera o inciso III, do artigo 506, e, principalmente, aquela que acresce um quarto parágrafo ao artigo 515, todos do CPC, mostram-se oportunas. O sugerido parágrafo teria a seguinte redação:
"Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível, prosseguirá o julgamento da apelação".
Esse dispositivo é bem semelhante ao artigo 521-A que o Projeto de Lei 1797/2003 da Câmara dos Deputados quer introduzir ao CPC, a que aludimos em tópico anterior.
Esse parágrafo sugerido ao artigo 515, somado ao parágrafo que sugerimos ao artigo 560 do CPC, terá efeito proveitoso por ocasião do julgamento dos recursos pelos tribunais.
O PL-MJ 185 trata essencialmente do agravo, procurando, como maior inovação em relação aos projetos já em andamento, tornar irrecorrível a decisão liminar proferida pelo relator, seja a que convolou o agravo de instrumento em retido, ou a que lhe atribuiu efeito suspensivo.
Essa sugestão em si é boa, mas o passo é pequeno. Creio que a introdução ampla do julgamento singular, tornando irrecorrível a decisão do relator é a melhor solução.
Finalmente, temos o PL-MJ 187, que mais se preocupa em garantir a sustentação oral em determinadas ocasiões do que com o rápido julgamento dos recursos.
6) CONCLUSÃO
Em linhas gerais, as sugestões apresentadas procuram acelerar e simplificar o julgamento de determinados recursos, principalmente os agravos. A idéia central assenta-se no julgamento singular do agravo de instrumento e na extinção ou em uma forte limitação à utilização dos embargos de declaração.
A necessidade de um rápido deslinde do processo é preocupação geral agora inserida no texto constitucional. Ao artigo 5º da Constituição Federal a Emenda Constitucional 45/2004 inseriu o inciso LXXVIII, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Dessa forma, o que se espera é a adoção de medidas inovadoras para acelerar a conclusão do processo, sem se afastar da segurança em seu desate.
Segurança, porém, não significa submeter a questão a um sem número de julgadores, adiando a solução final das causas que são trazidas ao órgão julgador.
No julgamento do agravo de instrumento, por exemplo, é de se esperar que o juiz que conduz o processo em primeiro grau e o relator que poderá apreciar suas decisões interlocutórios, sejam suficientemente capazes, para, definitivamente resolver as questões a eles colocadas.
O excesso de recursos também advém de uma visão de desconfiança com relação às decisões judiciais. Se nelas não se confia, o recurso é o remédio para corrigir não só o erro, mas a desconfiança. Só que os erros podem ser cometidos em todos os órgãos julgadores.
Assim, a restrição à utilização de alguns recursos e a simplificação no julgamento de outros é mais um acerto do que um desacerto, pois a solução dos processos virá com mais celeridade, mas não com menos segurança.