4. A INEFICIÊNCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
4.1. OS NÚMEROS DA REINCIDÊNCIA E A INEFICIÊNCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO
Analisando o termo propriamente dito, reincidência é claro em seu significado: “reincidir”, “repetir um ato, uma conduta”, “teimosia”, “recaída”52, ou seja, a reincidência designa na prática a continuidade, a repetição de algo; no contexto aqui proposto, é reincidir na prática delituosa, é tornar a vida de condutas criminosas.
O sistema prisional brasileiro encontra-se em crise, conforme já exposto anteriormente, constata-se estabelecimentos penitenciários sem as menores condições de abrigo, superlotados, ou seja, locais que mais parecem com depósitos de pessoas do que com locais para cumprimento de pena. Essa crise, pode, em muito, ser credita as altas taxas de reincidência que ocorrem no país.
Faz-se necessário explicar que existência alguns tipos de reincidência, a saber:
Reincidência genérica: considera a pessoa que comete mais de um ato criminal, independentemente se há ou não condenação ou mesmo autuação. Ou seja, é o caso de muitos presos provisórios, que passam pelo sistema prisional mas no fim acabam sendo inocentados.
Reincidência legal: é o tipo de reincidência que aparece na Lei de Execução Penal (LEP), que considera a condenação judicial por um crime no período de até cinco anos após a extinção da pena anterior.
Reincidência penitenciária: ocorre quando um egresso retorna ao sistema penitenciário após uma pena ou por medida de segurança. Ou seja, é quando uma pessoa retorna ao sistema penitenciário após já ter cumprido pena em um estabelecimento penal.
Reincidência criminal: é quando uma pessoa possui mais de uma condenação, independentemente do prazo legal estabelecido pela legislação brasileira53
Pode-se assim compreender que não há uma única referência ou definição específica para o termo reincidência no âmbito penal, faz-se necessário compreender tais formas de ocorrência para que se possa entender qual nomenclatura foi utilizada para avalição e pesquisas sobre o tema, por exemplo.
Pertinente ao caso aqui estudado tem-se como base a reincidência penitenciária, onde um indivíduo egresso do sistema prisional torna a delinquir e volta ao estabelecimento prisional.
Entretanto pesquisas relacionadas a reincidência no Brasil trazem como definição a reincidência legal, a que está prevista no Código Penal em seu artigo 63: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”54, onde uma pessoa após ter uma condenação já transitada em julgado comete outro crime:
O que se pode verificar é que existem vários conceitos que distinguem o termo reincidência e sua aplicação e, isto tem tornado difícil existir uma conclusão específica sobre os verdadeiros índices, entretanto, o que se sabe é que é alto o volume de pessoas que saem do sistema prisional e para lá retornam por terem voltado para a prática de condutas delituosas.
Tentando traçar um panorama acerca dos índices da reincidência, o IPEA fez uma pesquisa a respeito da situação com os seguintes parâmetros da reincidência:
Esta pesquisa ocupa-se da reincidência em sua concepção estritamente legal, aplicável apenas aos casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por fatos diversos, desde que a diferença entre o cumprimento de uma pena e a determinação de uma nova sentença seja inferior a cinco anos – Código Penal (CP), artigos 63 e 64. A reincidência legal atém-se ao parâmetro de que ninguém pode ser considerado culpado de nenhum delito, a não ser que tenha sido processado criminalmente e, após o julgamento, seja sentenciada a culpa, devidamente comprovada.55
Com base nesse levantamento chegou-se a conclusão de que um em cada quatro indivíduos já condenados anteriormente reincide. Tal pesquisa apresentou ainda que dados do Departamento Penitenciário Nacional, levando em consideração o índice de reincidência penitenciária, constatou que no Brasil, em geral, 70% dos presos já tiveram passagem pelo Sistema prisional anteriormente.56
Sobre a ineficácia da ressocialização com a situação encontrada no sistema prisional brasileiro Lourival Trindade comenta:
A pena de encarceramento, em absoluto, não representa para o delinquente qualquer oportunidade de reintegração, na sociedade, tratando-se, apenas, de um sofrimento inútil, que lhe é infligido, como castigo, pelo delito cometido. De outro ângulo, assevere-se que as concepções da Criminologia crítica, mediante seu novo paradigma, têm demonstrado a deslegitimação das funções reeducativas da pena de prisão, pomposamente, declaradas pelo neodefensismo social.57
Não se pode pensar em reabilitar o apenado através de um conjunto carcerário que sequer pode respeitar os direitos a este garantido, como acima mencionado – é mais certo que promova um maior distanciamento da ressocialização:
O sistema prisional brasileiro reflete a realidade social injusta do Brasil, e não se trata de ceder ao raciocínio fácil e mediano de que a pobreza e a carência facilitam, estimulam e propiciam ao crime, ou ainda, que levem os mais necessitados a violência e ao encarceramento. Trata-se somente de constatar que o sistema prisional é uma realidade mais viva e próxima da parte da população carente do Brasil, desde os tempos do Império, e que esse simples fato de constatação, por si só, alarma e constrange pela sua dimensão e potencial.58
O alcance impossível da ressocialização pelo sistema prisional atual encontra a seguinte narrativa na obra de Augusto Thompson:
Mesmo os mais otimistas partidários do tratamento penitenciário reconhecem que, até a presente data, a cadeia não logrou atingir o objetivo de transformar criminosos em não-criminosos.59
Infelizmente não há no sistema prisional brasileiro condições que possam propiciar reabilitação e ressocialização na prática tradicional, não há qualquer possibilidade de um detento aprender um ofício que o torne útil a sociedade dentro da “cadeia”.
A prisão brasileira tem resultado em pessoas totalmente socializadas com a criminalidade e totalmente antissociais a preservação e respeito às normas legal e moralmente impostas. Pessoas que dantes não representavam alta periculosidade, mas que, ao sair tornaram-se verdadeiras máquinas criminosas.
A realidade das prisões brasileiras pode infelizmente ser descrita nos seguintes moldes:
Homicídios, abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro do ambiente da prisão, os quais, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela.60
A situação é tal que dentro dos estabelecimentos prisionais uma espécie de "lei interna" entre os presidiários impõe respeito, já que a lei em si é totalmente desrespeitada.
4.2. DA RESSOCIALIZAÇÃO E REINTEGRAÇÃO SOCIAL
A possibilidade de ressocialização e reintegração social do preso encontra validade quando se avista projetos desenvolvidos como alternativas à pena de prisão, ao simples encarceramento, como é o caso das APAC’s – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados.
Esses estabelecimentos tiveram sua origem idealizada e materializada pelo advogado Mário Ottoboni em conjunto com amigos, os quais visando uma contribuição na possibilidade de ressocialização do preso, colocaram em prática esse método que prioriza a figura digna do ser humano, mostrando que políticas e métodos voltados a reabilitação prisional podem funcionar, inclusive para humanizar a situação carcerária no país. Existem atualmente no Brasil aproximadamente 100 unidades das Associações, estando a maioria localizada no estado de Minas Gerais.61
A metodologia de trabalho das APACs tem alcançado resultado positivos no que diz respeito a ressocialização de presos e consequentemente diminuição dos índices de reincidência no âmbito em que atuam. São modelos que vem sendo exportado para diversos países, e, foi reconhecido pela organização Prison Fellowship Internacional – divisão da ONU (Organização das Nações Unidas) em tais tratativas.62
Victor Vieira faz a seguinte narrativa acerca das Associações:
Uma cadeia em que os presos têm as chaves das próprias celas. A ideia, a princípio inusitada, existe no Brasil há quatro décadas. O modelo de Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) é uma possibilidade para a execução penal fora de presídios tradicionais. O maior benefício, segundo defensores da proposta, é recuperar os detentos com tratamento mais humano. Há no país quase 150 Apacs em 17 estados.63
Apesar de reconhecido internacionalmente, infelizmente em solo brasileiro as APACs ainda enfrentam uma baixa popularidade, é pouco promovida, mesmo com seus índices positivos e custos menores em relação ao sistema prisional tradicional, ainda carece de uma maior atenção e investimento, da parceria do Poder Público com a sociedade.
Conforme bem cita Samuel Miranda Colares, Promotor de Justiça:
Por outro lado, aos poucos tem sido difundido no Brasil um método de execução penal que, margeando as prisões comuns, faz sobreviver uma esperança de que a pena criminal atinja seu objetivo de ressocialização: o método APAC, sigla que designa a entidade de direito privado Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Trata-se de um conjunto de princípios e práticas desenvolvidas pela referida associação a partir do axioma de que “ninguém é irrecuperável”. Desta premissa, desenvolve-se atuação junto a presídios nos quais são conferidos aos apenados diversas oportunidades de reinserção social, seja através do aprendizado profissional ou do estudo, além do estabelecimento de rígida disciplina pessoal. O método exige, ainda, forte presença da família do condenado e incentivo à espiritualidade como mecanismos da ressocialização.64
O Conselho Nacional de Justiça de igual forma reconhece o impacto que o método apaqueano tem no tocante a ressocialização dos presos, apontando que os números da reincidência nesse meio diminuem consideravelmente:
Entre os mais de 550 mil detentos do Brasil, aproximadamente 2,5 mil recebem tratamento diferenciado, que tem produzido resultados animadores em termos de reinserção social. Eles cumprem pena nas 40 unidades onde é aplicado o Método Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), responsável por índices de reincidência criminal que variam de 8% e 15%, bem inferiores aos mais de 70% estimados junto aos demais detentos. A expansão dessa metodologia tem sido recomendada durante os mutirões carcerários que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza em todo o País.65
Consoante aos apontamentos do Conselho Nacional de Justiça, a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) traz dados que comprovam a eficiência do trabalho desenvolvido pelas APACs, a média de diminuição das taxas de reincidência no caso das associações é de 70%, podendo chegar a 98% conforme a localidade averiguada.66
Reportagens sobre esse trabalho que já existe no país a pelo menos 40 anos dão que de não é uma utopia pensar em modificar a situação do sistema prisional investindo mais em medidas de ressocialização, novamente reafirmando os bons resultados alcançados pelas Associações:
As Apacs, administradas por associação de voluntários, muitos deles cristãos, podem soar uma utopia no país que iniciou o ano com matanças nos presídios do Norte e Nordeste, mas são consideradas pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o único modelo prisional que deu certo no Brasil, o quarto país com maior população carcerária do mundo. São 50 associações pelo país com resultados semelhantes: custam R$ 800 por preso (contam com voluntários e funcionários), três vezes menos que a média nacional de 2.400 reais, e o índice de recuperação é de 95% contra 25% das cadeias padrões.67
Assim, em pesquisas sobre a forma de funcionamento e metodologia acerca das Associações pode-se compreender que existem formas plausíveis, reais e concretas de mudar a situação do sistema prisional brasileiro, de diminuir os índices da reincidência de forma certa, o que falta é mais investimento, mais vontade tanto da sociedade quanto do Estado em mudar esse cenário. Cadeias sem polícia, onde presos tem as chaves das próprias celas, é sim uma utopia real no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando as teorias que apontam a finalidade da pena, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro acolheu e apostou na teoria mista, pela qual se busca retribuir o injusto cometido, porém de forma a “tratar” o condenado para devolvê-lo ao convívio social reabilitado, propondo que este não volte a delinquir, que compreenda que a conduta pratica é contrária as leis e violadora de direitos individuais e coletivos. Mas e os direitos dos condenados? E o que a lei tem estabelecido para a execução penal? Isso conforme se pode constatar durante o desenvolvimento deste trabalho, está longe de ser observado.
O Estado tem falhado e muito no que diz respeito ao exercício de seu poder punitivo, no sentido de que as leis existentes se preocupam em estabelecer regras e deveres a serem observados, contudo seus operadores a descumprem escancaradamente não obedecendo a suas disposições, violando direitos previstos e garantidos como fundamentais.
Os estabelecimentos prisionais que já sofrem com a crise das más condições e por não contarem com a oferta de vagas na quantidade necessária – na verdade pode-se dizer desnecessária dada a forma com a pena de prisão é imposta de forma demasiada – ainda tem que suportar a carga da reincidência, do alto número de egressos que retornam para esses locais por terem cometido novos crimes após a saída da prisão.
Como poderia um indivíduo que ingressou na prisão justamente através da prática criminosa sair desse estabelecimento reabilitado para agir e forma diferente se nem ao menos as oportunidades que lhe são asseguradas por lei são colocadas em prática? A prisão inicialmente prevista como ultima ratio, como última medida, tornou-se a coroa das condenações, contudo, a situação degradante encontrada nesses “depósitos” de pessoas não contribui para a ressocialização, a ociosidade, a falta de assistência, de educação e de trabalho dentro do sistema prisional permite que seus egressos não saibam fazer outra coisa senão delinquir.
O que se pode concluir então é que, falta mais atitude, mais interesse do Estado em conjunto com a sociedade, de possibilitar que aquelas pessoas que praticavam crimes, possam retornar ao convívio social sendo úteis e lucrativos para o bem coletivo.
Há uma luz no fim do túnel, basta que realmente se invista e promova essa causa. Conforme apresentado no último tópico, o método desenvolvido pelas APACs tem se mostrado um corte de custos, já que custam em média um terço menos do que o preso no sistema prisional tradicional e, tem alcançado positivos índices no que se refere a ressocialização