2. FINALIDADES DA PENA
As penas devem ser necessárias e suficientes para a reprovação e prevenção do crime, de acordo com a legislação penal entende-se que a pena deve ser aplicada com a finalidade de reprovar o mal praticado pelo criminoso e prevenir posteriores condutas semelhantes.
Segundo Beccaria,
“O objetivo da pena, portanto, não é outro que evitar que o criminoso cause mais danos à sociedade e impedir a outros de cometer o mesmo delito. Assim, as penas e o modo de infligi-las devem ser escolhidas de maneira a causar a mais forte e duradoura impressão na mente de outros, com o mínimo tormento ao corpo do criminoso3”.
A pena nada mais é que a restauração da ordem que foi violada. A desordem como violação da lei deve seguir de algo valido à elimina-la, é necessário por em movimento forças para restabelece-la. Francesco Carnelutti ensina que a pena deve ser vista como um igual porque é o contrário do delito.
Que sua função seja expressada, além de deduzir-se racionalmente da existência de uma lei, que a pena ao delito, empiricamente se evidencia pela conformidade que os homens experimentam perante a pena expiada por quem cometeu o delito. A consciência não é talvez outra coisa, depois de tudo, que sensibilidade à ordem, cuja turbação provoca em nós um sofrimento, e cujo restabelecimento, porém, ao eliminar o sofrimento, satisfaz uma necessidade. Que a morte do matador ocasione aos terceiros um estado de ânimo, mais que diverso, contrário àquele derivado da morte da vítima”.28
2.1. FUNDAMENTOS DA PENA
A aplicação da pena ao criminoso condenado, devido as consequências práticas da condenação, possui fundamentos que explicam a razão da existência do sistema penal.
Prevenção: para manter a ordem social, intimida a sociedade com as normas penais punitivas ao tomarem ciência de que um infrator foi condenado. Fazendo com que o indivíduo condenado não volte a delinquir.
Retributivo: a pena serve como um castigo ao infrator de forma proporcional ao mal que causou, dentro dos limites constitucionais.
Reparatório: como efeito secundário da condenação penal, consiste na reparação dos danos consequentes à vítima do ato ilícito.
Readaptação: a aplicação da pena visa também reeducar o infrator condenado e reabilita-lo ao convívio em sociedade caso alcance os objetivos estabelecidos.
2.2. TEORIAS DA PENA
Existem várias teorias que tentam explicar as finalidades e os fundamentos da pena, são reunidas em três grandes grupos; Segundo a classificação doutrinária existente, as finalidades da pena são explicadas a partir de três teorias: Teorias Absolutas que apregoam a retribuição, Teorias Relativas que apregoam a prevenção e as Teorias mistas ou unitária que tenta unir a finalidade retributiva da pena com a prevenção geral e prevenção especial.
2.2.1. Teorias Absolutas
As Teorias Absolutas apregoam a retribuição, a finalidade da pena é punir o agente da infração penal pelo ato cometido à vítima, sua família e a sociedade. Essa teoria fundamenta a pena unicamente pela existência da conduta criminosa. A pena, como o nome já diz, é a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso, aplicando o mal justo, previsto pelas leis penais.
A pena decorre da necessidade de justiça e ética, baseado na moral kantiana com origem no idealismo alemão, não é aplicada para fomentar outro bem, mesmo que em prol da sociedade, mas aplica-se a pena pelo simples fato de delinquir.
Neste sentido a Lição de Rogerio Grego:
“Na reprovação, conforme preconiza a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. A punição se justifica pelo fato de ter o agente cometido uma infração penal. Ao mal do crime, retribui-se com o mal da pena. Emanuel Kant foi o grande expoente da teoria absoluta. Para ele, a pena é imperativo categórico e deve ser aplicada porque a exigem a razão e a justiça. Ao lado de Kant, Hegel foi outro grande defensor da teoria absoluta da pena”.29
Cezar Roberto Bitencourt assim explica a teoria absoluta:
A característica essencial das teorias absolutas consiste em conceber a pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado: quia peccatum. Por isso também são conhecidas como teorias retributivas.30
Não se encontra na teoria absolutista da pena justificativas para a finalidade preventiva, para os partidários dessa teoria isso significa afronta à dignidade do criminoso, que serviria de instrumento para obtenção de fins sociais. A ideia de retribuição consiste na aplicação da pena proporcionalmente ao injusto culpável.
Assim para teorias absolutas a pena tem a finalidade única de retribuir o mal cometido.
Para os partidários das teorias absolutas da pena, qualquer tentativa de justifica-la por seus fins preventivos (razões utilitárias) implica afronta à dignidade humana do delinquente, já que este seria utilizado como instrumento para a consecução de fins sociais. Isso significa que a pena se justifica em termos jurídicos exclusivamente pela retribuição, sendo livre de toda consideração relativa a seus fins (pena sbsoluta ab effectu). A ideia de retribuição em seu sentido clássico, como aliás é mais conhecida, além de indemonstrável, tem base ética e metafísica despida de racionalidade.31
A teoria absoluta reza que a justiça reside em uma retribuição – ou uma vingança – pela conduta praticada, uma punição jurídica, coloca o condenado em uma situação de submeter-se a punição na extensão e rigorosidade do mal por ele causado.
2.2.2. Teorias Relativas
Apregoam a prevenção, a finalidade da pena é intimidar o infrator a fim de impedi-lo de voltar a delinquir, evitando que outros delitos venham a ser cometidos por outros indivíduos da sociedade. Fundamenta-se na ocorrência de delitos futuros (punitur ut ne peccetur) – Pena utilitária. Diferente das teorias absolutas não se fundamenta na necessidade de justiça mas na necessidade de prevenir crimes futuros, ou seja tem função social com fins preventivos, gerais ou especiais.
Na prevenção geral, também chamada de prevenção por intimidação, a pena aplicada ao infrator tende a refletir na sociedade, fazendo com que estas não venham a cometer os mesmos erros. A pena é imposta como forma de intimidar a sociedade em geral e olha para o futuro, fazendo que a sociedade reflita em razão do medo de sofrer a aplicação de pena.
A doutrina moderna defende a teoria da prevenção geral positiva ou integradora, que justifica a pena como forma de produzir efeitos positivos, entre eles o de aprendizagem, que ensina ao indivíduo as regras sócias que são reprovados pelo direito penal; o efeito de confiança do indivíduo quando o Direito se impões; e o efeito de pacificação social, que ocorre quando há a intervenção do Estado para resolução pacífica.
De acordo com Regis Prado:
Em síntese, uma pena justificada pela denominada prevenção geral positiva nada mais é do que a pena retributiva, pois que a aplicação de uma pena à infração delitiva perpetrada conduz à realização de seus efeito preventivo estabilizador, de maneira que a mudança de etiquetas não afeta em absoluto o conteúdo da pena, que é reafirmação do ordenamento jurídico, ou seja, retribuição justa.32
Por outro lado, existe o modo de prevenção especial que age sobre o criminoso, para evitar que ele volte a delinquir.
Conforme Rogerio Grego:
Pela prevenção especial negativa, existe uma neutralização daquele que praticou a infração penal, neutralização que ocorre com sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos na sociedade da qual foi retirado. Quando falamos em neutralização do agente, deve ser frisado que isso somente ocorre quando a ele for aplicada pena privativa de liberdade. Pela prevenção especial positiva, a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros.33
Na prevenção especial a imposição de pena ao autor da conduta criminosa tem como finalidade primordial a inibição de outras condutas criminosas por ele. O caráter ressocializador da pena induz o criminoso à repensar sobre sua conduta e lembrando de suas consequências.
Magalhães Noronha leciona:
As teorias relativas procuram um fim utilitário para a punição. O delito não é causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada. Não repousa na idéia de justiça, mas de necessidade social {punitur ne peccetur). Deve ela dirigir-se não só ao que delinqüiu, mas advertir aos delinqüentes em potência que não cometam crime. Conseqüentemente, possui um fim que é a prevenção geral e a particular.34
Além disso, a reeducação do preso se faz necessária para a realização do caráter ressocializador do preso. Através dos efeitos positivos da teoria relativa, em especial o efeito de aprendizagem, o criminoso preso poderá retornar ao convívio pacífico na sociedade, evitando a reincidência criminal.
2.2.3. Teorias Mistas ou Unitárias
Também conhecidas como ecléticas, intermediárias ou conciliatórias, são adotadas pelo Brasil. O Código Penal brasileiro em vigência, traz no caput do artigo 59 o acolhimento dessa teoria no ordenamento jurídico pátrio, prevendo expressamente que a punição seja retributiva e preventiva.
Para as Teorias Unitárias a pena tem a finalidade de punir e de prevenir, ou seja, buscou-se unir a necessidade jurídica de punir com as finalidades de prevenção geral e especial.
Assim explica Luis Regis Prado:
A pena encontra sua justificação no delito praticado e na necessidade de evitar a realização de novos delitos. Para tanto, é indispensável que seja justa, proporcional à gravidade do injusto e à culpabilidade de seu autor, além de necessária à manutenção da ordem social. Não se pode admitir a imposição de um único paradigma para a matéria; muito ao contrário, exige-se uma espécie de solução de compromisso teórico.35
É evidente a conexão da finalidade retributiva da pena com a finalidade de prevenção. E levando em consideração que a retribuição também é uma forma de prevenção, conforme as palavras de Prado: “A aplicação da pena importa reafirmação do ordenamento jurídico e, nesse sentido, é, de certo modo, retribuição.”
É preciso ressalvar que a finalidade da pena não se fundamenta somente no fim de retribuição. A exigência de aplicação de penal proporcional ao delito cometido é necessária para o equilíbrio da justiça e para prevenção do aumento da reincidência criminal (prevenção especial) e prevenir o aumento de indivíduos criminosos (prevenção geral):
De acordo com esse direcionamento, assevera-se que a pena justa é provavelmente aquela que assegura melhores condições de prevenção geral e especial, enquanto potencialmente compreendida e aceita pelos cidadãos e pelo autor do delito, que só entra nela (pena justa) a possibilidade de sua expiação e de reconciliação com a sociedade. Dessa forma, a retribuição jurídica trona-se um instrumento de prevenção.36
Assim, o que se pode compreender é que a finalidade retributiva da pena tem em seu objetivo principal não somente afligir o indivíduo punindo na severidade dos atos cometidos, mas, deve prever que com a exemplar punição outros crimes venham a ocorrer.
3. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
3.1. A PREVISÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO BRASIL
Tendo por base o estudo feito acerca da evolução da pena pode-se então compreender que a pena privativa de liberdade não funcionava como um destino final da forma de punir, passando a ter esse caráter mais recentemente, ou seja, a prisão como finalista do cumprimento de pena é uma visão, um conceito mais contemporâneo.
A pena de prisão é por si só definida, ou seja, literalmente um instrumento coercitivo e castrador da liberdade um indivíduo. Essa modalidade punitiva consiste na restrição do direito de ir e vir que o indivíduo possui em decorrência de prática delituosa, seja em medida acautelatória ou por força de condenação.
Guilherme Nucci sobre a pena de prisão leciona:
É a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. Não se distingue, nesse conceito, a prisão provisória, enquanto se aguarda o deslinde da instrução criminal, daquela que resulta de cumprimento de pena. Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória.37
A pena privativa de liberdade poderá ser aplicada nas fases pré-processuais, processuais ou como execução de condenação. Entretanto, a prisão é vista pelo ideal de que seja a última medida a ser imposta, devendo ser imposta quando outra forma de punição não for possível, quando realmente se fizer necessária sua imposição.
Encontra-se tutelada na Constituição Federal em seu artigo 5º, LXI que prevê: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.38
Consoante a previsão constitucional, o Código Penal elenca os seguintes tipos de penas restritivas de liberdade – a reclusão e a detenção e prisão simples, esta última regulada pela Lei de Contravenção Penal – conforme se vê:
Art. 33. - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59. deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 4º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Incluído pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)39
O texto do artigo 283 do Código de Processo Penal em conformidade ao disposto pela Constituição tutela os momentos em que a pena privativa de liberdade poderá ocorrer: [...] “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso de investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.40
3.2. OS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
Segundo regulamento das normas aplicáveis ao tema, os estabelecimentos prisionais são organizados conforme o regime de pena a ser cumprido. Conforme definido pela Lei de Execução Penal, o Ministério da Justiça aponta a organização do sistema prisional da seguinte forma:
Conceituação e classificação de Estabelecimentos Penais
a) Estabelecimentos Penais: todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos à medida de segurança;
b) Estabelecimentos para Idosos: estabelecimentos penais próprios, ou seções ou módulos autônomos, incorporados ou anexos a estabelecimentos para adultos, destinados a abrigar pessoas presas que tenham no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou os que completem essa idade durante o tempo de privação de liberdade;
c) Cadeias Públicas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de segurança máxima;
d) Penitenciárias: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado;
d.1) Penitenciárias de Segurança Máxima Especial: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados exclusivamente de celas individuais;
d.2) Penitenciárias de Segurança Média ou Máxima: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados de celas individuais e coletivas;
e) Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semi-aberto;
f) Casas do Albergado: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de semana;
g) Centros de Observação Criminológica: estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde devem ser realizados os exames gerais e criminológico, cujos resultados serão encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa;
h) Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas a medida de segurança41.
Analisando a disposição acima transcrita, pode-se compreender como deveria ser o direcionamento de presos para cada unidade conforme finalidade do local e situação do preso, ou seja, como deveria ser a divisão dos habitantes do sistema carcerário conforme previsão de lei.
3.3. O PROBLEMA DO CÁRCERE NO BRASIL
Conforme exposto no tópico anterior a Lei de Execução Penal estabelece e organiza os estabelecimentos prisionais conforme as características de seus habitantes, na teoria deveriam existir locais destinados a cumprimento de pena definitiva, a prisão provisória, a abrigar presos em progressão de regime, a cumprimento de medidas de segurança, entre outros, contudo, não é o que ocorre na realidade.
A crise no sistema prisional brasileiro inicia-se justamente pelo descumprimento dessa “divisão” legal dos estabelecimentos verificando-se a superlotação existente nesses locais, é evidente o descumprimento de lei no que diz respeito a instalação dos presos no país e sobre isso comenta Rafael Damasceno:
A lei deixa bem claro que é pressuposto da ressocialização do condenado a sua individualização, a fim de que possa ser dado a ele o tratamento penal adequado. Já encontramos aqui então o primeiro grande obstáculo do processo ressocializador do preso, pois devido à superlotação de nossas unidades prisionais torna-se praticamente impossível ministrar um tratamento individual a cada preso.42
Em desacordo aos ditames legais, os números do cárcere no Brasil sobrem a cada dia, fazendo o país “subir” no hanking sobre a população carcerária, se até 2014 o Brasil ocupava a 4ª posição em número de habitantes, no ano passado, em recente levantamento alcançou a 3ª posição.43
Resta ainda mais evidente a situação caótica que se instalou no sistema prisional brasileiro ao analisar o artigo 85 da Lei de Execução Penal que traz de forma expressa a previsão acerca da quantidade de presos que um estabelecimento deve suportar, devendo ser essa quantidade compatível com a estrutura e finalidade de cada local:
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.
Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades. 44
As “peculiaridades” apontadas no parágrafo único acima transcrito referem-se justamente a divisão dos estabelecimentos prisionais. Conforme estabelece a lei os estabelecimentos penais deveriam atender somente dentro de suas capacidades, cada um conforme sua natureza e finalidade, assim explica Guilherme de Souza Nucci:
Controle populacional do presídio: não há dúvida de ser ideal haver estabelecimentos penais com lotação compatível com o número de vagas oferecidas. Somente desse modo se pode falar em cumprimente) satisfatório dá pena, com um processo de reeducação minimamente eficiente. O contrário, infelizmente, constitui o cenário da maioria dos estabelecimentos nacionais. Muitos dos referidos estabelecimentos penais, até mesmo os recém-construídos, atingem a superlotação assim que são inaugurados. E pode-se observar que inúmeros presídios já são erguidos em desacordo com os preceitos desta Lei, que prevê isolamento noturno do preso, quando, na realidade, as celas são moldadas para receber vários condenados. Hã, até mesmo, decisão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária autorizando a construção em molde incompatível com o previsto nesta Lei (consultar a nota 169 ap art. 64, VI, desta Lei). A principal fiscalização é de responsabilidade do juiz da execução penal, que deverá, inclusive, sendo o caso, providenciar a interdição do estabelecimento que ultrapasse a sua capacidade, tomando insalubre a vida dos condenados (art. 66, VI, VII e VIII, LEP).45
As condições encontradas no cárcere brasileiro são totalmente desumanas e violadoras de direitos, há quem pense que a prisão é uma pena branda para um indivíduo que comete determinados crimes, pensando que sua finalidade é apenas uma forma de vingança contra a conduta delituosa praticada, quando na verdade além de punir a finalidade deveria ser a de reabilitar o indivíduo para eventual regresso a sociedade.
Rogério Greco assevera:
O sistema prisional agoniza enquanto a sociedade, de forma geral, não se importa com isso, pois crê que aqueles que ali se encontram recolhidos merecem esse sofrimento. Esquecem-se, contudo, que aquelas pessoas, que estão sendo tratadas como seres irracionais, sairão um dia da prisão e voltarão ao convívio em sociedade. Assim, cabe a nós decidir se voltarão melhores ou piores. 46
Sobre as condições da prisão no Brasil Ana Oliveira faz a análise de dados colhidos em 2014:
Deficiente, insalubre e superlotado, o sistema carcerário brasileiro tem 237.313 presos a mais que a sua capacidade. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Avante, em 2012 eram 548.003 pessoas vivendo em espaços onde cabem 310.687, o equivalente a 1,76 detento por vaga.47
Não há obediência no quesito lotação de um estabelecimento prisional e, de igual forma não uma observância do mandamento legal a respeito das características que devem ser equivalentes entre presos e locais de cumprimento de pena, tal situação se evidencia constatando que 40% da população prisional é de presos temporários, de indivíduos que após recolhidos sequer foram levados a presença da autoridade competente para a averiguação da necessidade de continuarem presos, essas pessoas misturam-se àquelas que estão em fase de cumprimento de pena. 48
A coleta de dados mais recente feita pelo Departamento Penitenciário Nacional – Depen, constou haver no Brasil atualmente o número de 2 presos para cada vaga do sistema prisional, o número de vagas é de 368.049 mil, onde habitam hoje 726.712 mil presos.49
Rogério Greco aponta que "a crise carcerária é o resultado, principalmente, da inobservância pelo Estado, de algumas exigências indispensáveis ao cumprimento da pena privativa de liberdade” 50
A respeito da situação carcerária no Brasil Fiona Macaulay comenta:
Prisões mal administradas são incapazes de proporcionar a obtenção dos objetivos estabelecidos nas leis brasileiras, o primeiro dos quais é proteger o público pela neutralização dos ofensores através do encarceramento. A última década presenciou motins e fugas quase semanais nas prisões e carceragens policiais, especialmente nos estados com maior concentração de detentos. As ondas de violência orquestradas em maio, julho e agosto de 2006 pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, ilustram graficamente o modo pelo qual o sistema prisional incuba e exporta o crime e a violência, ao invés de contê-los. Os líderes do PCC, a maioria dos quais está cumprindo pena em prisões de alta segurança, usaram seu controle das prisões e o acesso a telefones celulares, introduzidos por guardas corruptos ou por familiares, para iniciar uma série coordenada de motins e tomada de reféns em 82 prisões no estado e em estados vizinhos e para ataques à justiça criminal e alvos econômicos na cidade (Caros Amigos, 2006). O segundo objetivo é punir os ofensores através da privação de liberdade. Contudo, a punição realizada nas prisões excede largamente a contemplada na Lei de Execução Penal – LEP). Negação de atendimento médico, comida intragável, sujeira, superlotação e brutalizações periódicas por guardas prisionais, através de espancamentos e mesmo tortura, constituem formas ilegais de punição coletiva e individual. Ironicamente, tal tratamento cruel, desumano e degradante, não contribui para a função de segurança do encarceramento, pois alimenta descontentamentos que resultam em apoio a organizações como o PCC e em violência dirigida contra a administração prisional e contra os demais detentos. Além disso, prejudica a obtenção do terceiro objetivo definido para o sistema prisional, que é a reintegração dos ofensores à sociedade. Num ambiente que funciona como uma “escola para o crime” e falha em proporcionar aos ofensores educação, treinamento, trabalho, tratamento para o vício em drogas e apoio às famílias, a experiência da prisão para a maioria dos detentos serve para aumentar, e não para diminuir, a probabilidade de reincidência no crime.51
A narrativa transcrita serve para confirma o que foi mencionado anteriormente, tais palavras servem para comprovar que o intuito da sociedade quando se pensa na punição de um indivíduo que delinquiu, através da pena privativa de liberdade, é mais por vingança do que por justiça, há sempre uma preocupação com o período em que uma pessoa ficará presa em cumprimento de pena, mas não há a mesma preocupação com o que ele possa fazer ou quais reflexos ele trará a sociedade quando regressar do estabelecimento prisional.