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O perfil profissional do advogado militante

03/11/2005 às 00:00
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A militância forense presta-se a tornar concreta a atividade de advocacia perante os diversos juízos e tribunais, ofertando à parte a possibilidade de obter a prestação jurisdicional com vista à solução de litígios e à composição de conflitos. A atuação competente e eficiente do advogado nessa esfera exige e impõe além de um cabedal de conhecimentos básicos, constante atualização do profissional do direito que deve ser detentor não só de conhecimentos teóricos, dotado de boa base doutrinária, mas também deve estar atento às diversas tendências jurisprudenciais verificadas em sua área de atuação.

Tal constatação, geralmente feita quando se deixa o estágio da vida acadêmica e se passa a enfrentar as dificuldades naturalmente decorrentes do início da atividade profissional, parece ter orientado Eduardo J. Couture [01] ao elaborar o famoso, conhecido e propalado "Decálogo do Advogado". Estuda, diz ele em seu primeiro mandamento, afirmando que "o Direito se transforma constantemente. Se não seguires os seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado".

Alheio às transformações e à evolução do Direito será o profissional não só um pouco menos advogado, mas também o responsável direto pelo desprestígio da classe e de todos aqueles que a integram. Decerto por isso estampa o Código de Ética [02], dentre as regras deontológicas [03] fundamentais, o dever de empenhar-se o advogado, permanentemente, por seu aperfeiçoamento pessoal e profissional (art. 2º, parágrafo único, V), sendo-lhe expressamente vedado prejudicar, por culpa grave [04], interesse confiado ao seu patrocínio (Lei 8.906/94: art. 34, IX), ou, ainda, incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia [05] profissional (art. 34, XXIV).

Preleções que sobre o tema tece Ruy de Azevedo Sodré [06] são no sentido de que "a obrigação do advogado militante, é a de estudar o direito, aperfeiçoando, continuamente, os seus conhecimentos jurídicos. A vida do advogado se resume num contínuo e permanente estudo". Assevera, outrossim, que "a ignorância, para o advogado, representa dupla falta: uma para consigo mesmo e outra para o cliente. Uma afetando a sua própria consciência, como uma obrigação ética que é, e outra, de natureza profissional, atingindo a pessoa do cliente, pois este – dando crédito ao diploma de que o advogado é portador, gerando, por isso, a presunção de conhecimentos técnicos-jurídicos – entrega-lhe ou a sua liberdade, ou a sua honra, ou os seus bens".

Não poderiam ser mais felizes e oportunas as considerações tecidas pelo ilustrado e reconhecido autor acerca da grande responsabilidade que se imputa ao exercente da advocacia. Vai mais além quando sustenta que "o preparo cultural do advogado e o seu estudo dedicado à causa que vai patrocinar, constituem uma manifestação fundamental de probidade". Além dessa cultura – acrescenta mais – "é obrigado à leitura diária dos jornais oficiais para acompanhar o movimento legislativo. Tem que estar ao corrente da jurisprudência dos tribunais, obrigando-o, assim, a um árduo trabalho que não lhe deixa muitas horas de lazer".

A falta de atenção a tais aspectos rotineiros da vida profissional e de qualificação do advogado tem gerado preocupações no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil e, não raro, vem gerando a suspensão do profissional em decorrência da constatação de não ser ele detentor de capacidade para continuar exercitando as suas atividades. Bem se presta a ilustrar a afirmação ora feita, aresto prolatado na esfera da 2ª Câmara do Conselho Federal da OAB ementado nos seguintes termos: "A arte de advogar não se completa com a expedição de um diploma universitário. Tampouco se contenta com a colocação no papel de um conjunto de frases ligadas a algum fundamento jurídico. Advogar razoavelmente pressupõe, pelo menos, um mínimo de domínio do vernáculo, bem como, uma pretensão deduzida em juízo de forma satisfatória, capaz de gerar expectativa de êxito para o constituinte, no embate judicial. Para tal desiderato, a prudência do profissional aponta para, ao menos, uma perfunctória revisão de linguagem, antes da entrega da obra acabada. A ausência desses cuidados mínimos justifica a suspensão preventiva do exercício profissional, não só porque os erros reiterados estejam a evidenciar inépcia profissional, mas, sobretudo, porque estes, como verdadeira doença que se dissemina, pela sua repercussão negativa, irão contagiar a dignidade da advocacia (art. 70, § 3º, da Lei 8.906/94)" – Recurso nº 1.953/99/SCA-BA – Rel. Conselheiro Nereu Lima (RS) – Julgado em 17.05.99 (DJ de 26.05.99, p. 58).

Caso que se colhe na jurisprudência do Conselho Federal da OAB chama a atenção por dizer respeito ao fato de haver o advogado deduzido postulação em determinado Estado da Federação sem conhecimento da legislação local aplicável ao tema em discussão quando isso constituía exigência inafastável. A sua atuação temerária e negligente, postulando com base em normas que não se aplicavam à situação específica, vieram a gerar dano ao cliente e, em consequência, daí surgiu um novo e indesejável litígio, só que agora entre ambos, repercutindo, como era de se esperar, na esfera do Conselho Federal da OAB [07] e acarretando a suspensão do advogado nos moldes anteriormente referidos.

A orientação da OAB, quando se trata da verificação da inépcia profissional, pelo que se extrai de tais decisões tem sido sempre no sentido de determinar a suspensão do exercício profissional [08], operando esta efeitos que superam o prazo limite previsto para a sanção no art. 37, § 1º, da Lei 8.906/94, que é de 12 meses. Ou seja, constatada a incapacidade para o exercício da profissão em processo disciplinar que assegure a ampla defesa e o contraditório, a suspensão não respeitará o prazo limite previsto, devendo perdurar até que venha o advogado a prestar novas provas de habilitação [09] e a obter a necessária aprovação.

A atuação forense, como de resto toda e qualquer atividade confiada ao advogado, pressupõe, pois, esteja o profissional devidamente qualificado e dotado de conhecimentos atualizados de modo a poder desincumbir-se dos nobres encargos que deva desempenhar em favor de outrem, sem criar a possibilidade de dano para o cliente por decorrência de sua inaptidão ou desatenção.

O eficiente desempenho em juízo da atividade de advocacia exige, ademais, o conhecimento das fórmulas processuais [10] adequadas e necessárias à propositura das demandas, ao desenvolvimento destas, à realização dos atos processuais pertinentes, condução de audiências [11], interposição de recursos cabíveis [12] etc.

Sem a adequada e correta compreensão dos ritos e demais aspectos procedimentais relacionados à evolução dos feitos, induvidoso e previsível o risco ao interesse do cliente. E quando se cuida da renovação de conhecimentos e do aperfeiçoamento profissional do advogado, chama atenção o fato de que nem sempre volta-se essa preocupação para a discussão de aspectos instrumentais, foco, via de regra, de dificuldades e problemas variados verificados de forma constante na esfera da atuação forense. O processo detém inquestionável relevância nas discussões constantemente travadas na via judicial. Serve como instrumento para a formulação das pretensões e não pode ser relegado a segundo plano, como se apenas interessasse o estudo do direito substantivo. Sem o domínio de técnicas adequadas à formulação dos pedidos e ao desenvolvimento das ações, nenhum sucesso alcançará o advogado e tornará igualmente prejudicado os interesses do seu cliente.

Consciente, pois, deve estar o advogado para o grau de dificuldade de que se reveste o exercício da advocacia, investindo de forma constante e rotineira em sua preparação e atualização profissional, pena de por em risco a sua própria reputação, aquela que à classe se confere e, o que é mais grave, gerar dano [13] aos interesses que lhe foram confiados pelo cliente, comprometendo os seus ganhos e a sua própria subsistência.

Em suma, e fazendo uma avaliação perfunctória acerca da atuação eficiente do advogado em juízo, pode-se concluir que esta, dentre outros inúmeros cuidados impostos ao profissional, deverá ter em conta pelo menos os aspectos que vão a seguir indicados:

1.O PERFIL PROFISSIONAL DO ADVOGADO

1.1.Formação profissional adequada (formação universitária)

1.2.Atualização constante de conhecimentos e tendências doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas

1.3.Aperfeiçoamento profissional (aprofundamento de estudos)

1.4.Conhecimento razoável do vernáculo

1.5.Domínio de técnicas de redação, baseada em estilo objetivo, claro e conciso

2.POSTURA PROFISSIONAL RESPONSÁVEL

2.1.Estudo completo de todos os aspectos da causa

2.2.Compreensão das questões envolvidas, cotejando-as com as diversas tendências doutrinárias e jurisprudenciais

2.3.Coleta de instrumentos probatórios suficientes e satisfatórios

2.4.Identificação dos riscos da demanda para o cliente e esclarecimentos prévios a respeito

2.5.Informações e orientações contínuas e constantes ao cliente, de modo a não deixar que tenha ele a impressão de que a causa foi deixada ao abandono.

3.ATUAÇÃO RESPONSÁVEL EM JUÍZO

3.1.elaboração de peças processuais que reunam condições formais de recepção e processamento;

3.2.acompanhamento atento de todas as fases do processo;

3.3.prática de atos processuais com observância dos prazos em lei fixados;

3.4.atenção quanto ao conteúdo de requerimentos e postulações que venha a formular no curso do processo, evitando pedidos sem qualquer motivação razoável ou pretensões meramente protelatórias;

3.5.preparação prévia para a prática de atos relacionados à instrução do processo (perícias, audiências);

3.6.interposição de recursos pertinentes, observando prazos e hipóteses de cabimento


Notas

01 "Mandamientos del Abogado" – Buenos Aires: Depalma, 1990.

02 A ética profissional, conforme preleciona Ruy A. Sodré (Ética Profissional e Estatuto do Advogado – São Paulo, LTr 1975, p. 39) é o conjunto de princípios que regem a conduta funcional de determinada profissão. A ética profissional do advogado corresponde, portanto, ao "... conjunto de regras de comportamento do advogado no exercício de suas atividades profissionais, tanto no seu ministério privado, como na sua atuação pública".

03 Enquanto a diceologia trata dos direitos profissionais, a deontologia é a parte da ética que trata dos deveres da profissão, criando padrões de conduta que devem ser observadas e seguidas de modo não só a dignificar o profissional, mas emprestar segurança à sua atividade e àquele a quem prestará os seus serviços.

04 A culpa grave equivale à negligência extrema, superior à média da diligência comum. Paulo Luiz Neto Lôbo ("Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB", Brasília-DF: Ed. Brasília Jurídica, p. 131) assevera que presente estaria a culpa grave na conduta daquele que sem uso da atenção mais vulgar não consegue entender o que todos entendem, configurando a negligência extraordinária.

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05 A inépcia profissional a que se refere o Estatuto da Advocacia resulta do fato de não demonstrar o advogado condições de exercitar de forma competente e regular os misteres do seu cargo, reincidindo em erros que demonstram a sua inaptidão para a atividade. Não se confunde necessariamente com a inépcia processual, regulada no art. 295, parágrafo único do Código de Processo Civil, relacionada ao fato de não atender a petição a requisitos básicos que permitam a sua compreensão e a sua regular tramitação. Estatui a lei adjetiva que considera-se inepta a inicial, quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III) o pedido for juridicamente impossível; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si.

06 "A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado" – São Paulo: LTr, 1975, p. 121.

07 OAB – Conselho Federal - Recurso nº 2.032/99/SCA-SC – Ementa nº 093/99/SCA – DJ de 24.12.99, p. 4).

08 Ementa nº 041/99/SCA: "Inépcia profissional evidente e comprovada deve gerar a necessidade da suspensão do exercício profissional até que o representado faça novo exame de ordem, bem como o fato deve ser comunicado a Comissão de Ensino Jurídico para registro e providências que julgar cabíveis contra o Curso Jurídico que formou o mal profissional". Recurso nº 1.875/98/SCA-SP. Relator Conselheiro Clóvis Cunha da Gama Malcher Filho (PA). Julgamento em 08.03.99. DJ de 26.05.99, p. 59.

09 Oportuno notar que o art. 11 da Lei 8.906/94 prevê a hipótese de cancelamento da inscrição do profissional que, dentre outros motivos, "perder qualquer dos requisitos necessários para inscrição" (inciso V). A aprovação no Exame de Ordem, que se presta a demonstrar a qualificação para o exercício da advocacia, é um dos requisitos previstos no art. 8º daquele diploma.

10 Por exemplo: os requisitos básicos da petição inicial e as exigências alusivas à sua instrução (CPC: art. 282 e 283); os meios de defesa postos à disposição da parte contrária (art. 297) assim como os elementos mínimos de cada peça a ser formulada; a identificação dos ritos e suas peculiaridades, evitando surpresas ao cliente.

11 A audiência de instrução e julgamento cumpre relevante função na instrução do processo e se realiza conforme regras postas na lei processual (art. 444 e seguintes).

12 Os recursos visam a garantia à parte sucumbente a revisão de uma determinada decisão que lhe foi desfavorável, devendo ser interpostos com a observância de requisitos que a lei prevê, identificando cada uma das espécies e indicando o seu cabimento (art. 496). Acreditar na característica da fungibilidade para atuar de forma desleixada e desatenta presta-se a tipificar a inépcia profissional.

13 O dano ao cliente enseja reparação ampla, dispondo a respeito o Estatuto da Advocacia que "O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa" (art. 32). Não é demais asseverar, todavia, que o advogado não está submetido a uma obrigação de resultados, mas sim a obrigação de meios. Em assim sendo não assume o compromisso de ofertar ao cliente a vitória da causa, mas a de atuar de forma eficiente e diligente, fazendo uso de todo o cabedal de conhecimentos e de técnicas que venha a ensejar a apreciação de todas as questões jurídicas relevantes na hipótese enfocada.

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Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. O perfil profissional do advogado militante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 853, 3 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7504. Acesso em: 23 nov. 2024.

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