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Algumas anotações sobre o princípio da insignificância

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18/07/2019 às 14:00
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IV – O crime da insignificância e o crime de moeda falsa

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 107959, no qual a Defensoria Pública da União (DPU) pedia a aplicação do princípio da insignificância ao caso de um condenado pelo crime de moeda falsa.

De acordo com os autos, M.G.J. foi surpreendido por policiais com quatro cédulas falsas de cinquenta reais, as quais tentava colocar em circulação em Franco da Rocha (SP). Ele foi condenado pelo delito previsto no artigo 289, parágrafo 1º, do Código Penal à pena de três anos de prisão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito. A Defensoria interpôs apelação ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região requerendo a aplicação do princípio da insignificância, mas o recurso foi desprovido. Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também rejeitou a tese de aplicabilidade do princípio ao negar habeas corpus lá impetrado.No recurso ao Supremo, a DPU reiterou o argumento de que a conduta do recorrente não pode ser considerada como um ataque intolerável ao bem jurídico tutelado, não configurando ofensa à fé pública, por não ter efetivamente perturbado o convívio social. Pediu, assim, o trancamento da ação penal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.412/SP, de Relatoria do Ministro Celso de Mello, entendeu que o princípio da insignificância deve ser analisado em correlação com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do direito penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade da conduta, examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença dos seguintes vetores: mínima ofensividade da conduta do agente, ausência total da periculosidade social da ação, ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o uso de moeda falsa não comporta aplicação do principio da insignificância, como se lê de decisão da Segunda Turma, por unanimidade de votos, no HC 112.708, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de irmãos condenados, no Maranhão, por colocar em circulação duas notas falsas de R$50,00 (cinqüenta reais). A esse propósito, ainda decidiu o Supremo Tribunal Federal, na matéria, na mesma linha, no HC 105.638/GO, Relator Ministra Rosa Weber; no HC 111.266/SP e ainda no HC 97.220/MG, Relator Ministro Ayres Brito.

Ora, como bem dito no AgRg no AREsp 383.534/MG, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe de 13 de outubro de 2014, o bem jurídico tutelado no artigo 289 do Código Penal é a fé pública, a credibilidade da moeda e a segurança de sua circulação. Sendo assim independentemente da quantidade e do valor das cédulas falsificadas, haverá ofensa ao bem jurídico tutelado, razão pela qual não há que falar em mínima ofensividade da conduta do agente, o que afasta a incidência do princípio da insignificância.

No mesmo sentido, vemos as seguintes decisões, dentre outras: AgRg no AREsp 454.465/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 21 de agosto de 2014; AgRg no AREsp 450.544/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 21 de agosto de 2014.

O entendimento trazido pelo Ministro Luís Roberto Barroso é no sentido de que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça está alinhado com a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância a fatos caracterizadores do crime de moeda falsa.


V – O princípio da insignificância e o estelionato

O artigo 171 do Código Penal tipifica o crime de estelionato:“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.”

Para que o estelionato se configure é mister: a) o emprego pelo agente de artifício ou ardil ou qualquer outro meio fraudulento; b) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; c) obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; d) prejuízo do enganado ou terceira pessoa.Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido (Súmula n. 17/STJ) (AgRg no REsp 1566224/ES, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, Julgado em 06/04/2017, DJE 17/04/2017).

O delito de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP), praticado pelo próprio beneficiário, tem natureza de crime permanente uma vez que a ofensa ao bem jurídico tutelado é reiterada, iniciando-se a contagem do prazo prescricional com o último recebimento indevido da remuneração (AgRg no AREsp 962731/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 22/09/2016, DJE 30/09/2016).

O delito de estelionato previdenciário, praticado para que terceira pessoa se beneficie indevidamente, é crime instantâneo com efeitos permanentes, iniciando-se a contagem do prazo prescricional a partir da primeira parcela do pagamento relativo ao benefício indevido (RHC 066487/PB, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Julgado em 17/03/2016, DJE 01/04/2016).

Aplica-se a regra da continuidade delitiva (art. 71 do CP) ao crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro, que após a morte do beneficiário segue recebendo o benefício regularmente concedido ao segurado, como se este fosse, sacando a prestação previdenciária por meio de cartão magnético todos os meses (AgRg no REsp 1466641/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Julgado em 25/04/2017, DJE 15/05/2017).

A devolução à Previdência Social da vantagem percebida ilicitamente, antes do recebimento da denúncia, não extingue a punibilidade do crime de estelionato previdenciário, podendo, eventualmente, caracterizar arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP (EDcl no AgRg no REsp 1540140/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 22/11/2016, DJE 05/12/2016).

Diante disso discute-se aqui a aplicação do princípio da insignificância a esse crime de estelionato.

Em tema de aplicação do princípio da insignificância no direito penal, sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Como observou Guilherme de Souza Nucci (Manual de Direito Penal. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora RT, 2006, p.209), tem-se que “O princípio penal da insignificância permite afastar a tipicidade material de condutas que provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado, fundado na premissa de que “o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultimaratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas”.

Para isso, tem-se o voto do ministro Celso de Mello:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORESCUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADODE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DATIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DEDESCAMINHO (CP, ART. 334, "CAPUT", SEGUNDA PARTE) - TRIBUTOSADUANEIROS SUPOSTAMENTE DEVIDOS NO VALOR DE R$ 4.541,33 -DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAQUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIALDA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS,NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO DE DESCAMINHO. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Aplicabilidade do postulado da insignificância ao delito de descaminho (CP, art. 334), considerado, para tanto, o inexpressivo valor do tributo sobre comércio exterior supostamente não recolhido. Precedentes.” (HC 101074, Relator Min. CELSO DE MELLO,Segunda Turma, DJe 30/04/2010).

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No caso do estelionato previdenciário, não se mostra razoável a aplicação do princípio da bagatela dada a relevância do bem jurídico protegido,porquanto não se trata de patrimônio particular, mas sim de um direito da coletividade, informado pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais. A tutela jurídica não é apenas a integridade do erário, mas também a proteção da confiabilidade da seguridade social e a efetividade das políticas públicas.

Observa-se do AgRg no AREsp 1476284 / PE, em que foi relator o ministro Marcelo Navarro:“Não é possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de estelionato contra a Previdência Social independentemente dos valores obtidos indevidamente pelo agente, pois, consoante jurisprudência do STJ e do STF, em se tratando de estelionato cometido contra entidade de direito público, considera-se o alto grau de reprovabilidade da conduta do agente, que atinge a coletividade como um todo.”

Observem-se ainda as decisões do STJ relatadas nos informativos abaixo:

Policial rodoviário da reserva remunerada (ora paciente) utilizou-se de documento falso (passe conferido aos policiais da ativa) para comprar passagem de ônibus intermunicipal no valor de R$ 48,00. Por esse motivo, foi denunciado pela suposta prática do crime de estelionato previsto no art. 171 do CP. Sucede que a sentença o absolveu sumariamente em razão do princípio da insignificância, mas o MP estadual interpôs apelação e o TJ determinou o prosseguimento da ação penal. Agora, no habeas corpus, busca a impetração seja restabelecida a decisão de primeiro grau devido à aplicação do referido princípio. Para o Min. Relator, a conduta do paciente não preenche os requisitos necessários para a concessão da benesse pretendida. Explica que, embora o valor da vantagem patrimonial seja de apenas R$ 48,00 (valor da passagem), as circunstâncias que levam à denegação da ordem consistem em ser o paciente policial da reserva, profissão da qual se espera outro tipo de comportamento; ter falsificado documento para parecer que ainda estava na ativa; além de, ao ser surpreendido pelos agentes, portar a quantia de R$ 600,00 no bolso, a demonstrar que teria plena condição de adquirir a passagem. Assim, tais condutas do paciente não se afiguram como um irrelevante penal, nem podem ensejar constrangimento ilegal. Por fim, assevera que não caberia também, na via estreita do habeas corpus, o exame da alegação da defesa quanto a eventuais dificuldades financeiras do paciente. Esclarece ainda que, de acordo com a jurisprudência do STF, para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Diante dessas considerações, a Turma denegou a ordem e cassou a liminar deferida para sobrestar a ação penal até o julgamento do habeas corpus. Precedentes citados do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; do STJ: HC 146.656-SC, DJe 1º/2/2010, e HC 83.027- PE, DJe 1º/12/2008. HC 156.384-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/4/2011.

As instâncias ordinárias rejeitaram a denúncia do Ministério Público e aplicaram o princípio da insignificância como causa excludente de tipicidade quanto ao crime descrito no art. 171, § 3º, do CP, consubstanciado no recebimento indevido de parcelas de seguro-desemprego. Para a Min. Maria Thereza de Assis Moura, autora do voto condutor da tese vencedora, na questão está posto como violado um valor que pertence ao Poder Público, assim, independentemente do quantum, não se pode aplicar o princípio da insignificância às fraudes contra o programa de seguro-desemprego. A tese vencida, invocando a doutrina, considerou que, na espécie, há conotação própria da insignificância e, não obstante se tratar de estelionato qualificado, reconheceu a bagatela, visto que a conduta dos denunciados (recorridos) não teve força para atingir o bem jurídico tutelado pela norma penal. Isso posto, a Turma deu provimento ao recurso do Ministério Público. Precedente citado: REsp 795.803-MG, DJe 13/4/2009. REsp 776.216-MG, Rel. originário Min. Nilson Naves, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/4/2010.

Daí porque se tem como inaplicável o princípio da insignificância no que concerne ao estelionato que diz respeito à fraude ao erário.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Algumas anotações sobre o princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5860, 18 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75366. Acesso em: 21 nov. 2024.

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