Requisitos do contribuinte baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência

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24/07/2019 às 19:02
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Análise do regime geral da previdência social brasileira dando ênfase ao segurado facultativo de baixa renda. Busca-se abordar os principais aspectos da Lei 12.470/11, analisando seus objetivos, fundamentos e princípios.

O presente texto terá como foco a contribuição da pessoa de baixa renda que se dedique ao trabalho doméstico em sua residência, conhecida como contribuição da dona de casa.

Tal modalidade foi inserida no sistema jurídico pátrio por meio da Emenda Constitucional nº47 de 2005[1], a qual incluiu, dentre outros, o §12º no art. 201 da Constituição do Brasil de 1988 (CF/88). Tal parágrafo passou a vigorar com a seguinte redação:

§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.

Mesmo a supracitada Emenda Constitucional tendo entrado em vigor no ano de 2005, foi somente em 2011, com o advento da Lei nº 12.470, de 2011, que esta modalidade de contribuição foi regulamentada e passou a vigorar no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)[2].

Com o advento da Lei 12.470/11, foi possibilitado ao contribuinte facultativo contribuir com uma alíquota menor, de 11% do salário-de-contribuição, porém, esta modalidade não possibilita a aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do art.21, §2º, I da Lei 8212/91. Conforme já dito, a Lei 12.470/11 também trouxe em seu bojo a figura do contribuinte de baixa renda que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico em sua residência, criando assim uma “nova” modalidade de contribuinte facultativo.

Diferentemente do que ocorre com o contribuinte facultativo “comum”, o contribuinte doméstico de baixa renda tem uma alíquota diferenciada e bem menor, sendo esta de apenas 5% do salário de contribuição, porém, para poder contribuir nesta modalidade, deve a pessoa atender aos critérios previstos em lei. Assim, não basta a pessoa inscrever-se e pagar as contribuições tempestivamente para usufruir dos benefícios, como ocorre com o segurado facultativo “comum”. É preciso que o segurado doméstico enquadre-se na legislação para que as contribuições sejam validadas pelo INSS.

Necessário esclarecer que a verificação por parte do INSS acerca do preenchimento dos critérios legais ocorre posteriormente aos pagamentos. Deste modo, a validação das contribuições é feita a posteriori, podendo ocorrer de o segurado passar meses pagando as guias de recolhimento nesta modalidade e suas contribuições não serem validadas pela Autarquia. Isso implica na impossibilidade de usufruir dos benefícios da previdência, e muitas vezes o segurado somente vem a ter ciência da invalidação das contribuições justamente no momento de requerimento de algum benefício.

Além disso, sabemos que as informações referentes às regras do RGPS são extremamente insatisfatórias. No geral, as pessoas se informam por notícias veiculadas na imprensa, sendo estas muitas vezes incompletas ou confusas. Assim sendo, em face da falta de orientação aos segurados, diversos são os problemas verificados pelo INSS quando da análise das contribuições, o que acaba por impedir a validação das contribuições. Com a invalidação destas contribuições pela Autarquia, inevitavelmente quase a totalidade destes casos acabam sendo resolvidos na Justiça.

Conforme já apontamos, a Lei 12.470/11 regulamentou o art.201, §§12, 13 da CF/88 instituindo uma nova alíquota para segurados facultativos de baixa renda.

Assim, com o advento da lei, a alíquota passou a ser de 5% do salário mínimo, permitindo com que pessoas de baixa renda ingressassem no RGPS. Tal medida pode ser considerada louvável, pois como já estudados nos capítulos anteriores, a previdência tem como um de seus propósitos a redução da desigualdade social e o atendimento aos mais necessitados.

 Nos termos da Lei12.470/11, para que uma pessoa possa recolher as contribuições com a alíquota de 5%, deve atender a quatro critérios: a) não ter renda própria; b) se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência; c)pertencer a família de baixa renda, o que significa, c1)renda familiar até dois salários mínimos, c2)estar inscrita no CadUnico.

Vamos agora analisar cada uma destas exigência, buscando auferir sua conexão com a finalidade deste instituto e também sua harmonia com os objetivo e princípios da Previdência já acima estudados.

Antes disso pontuamos que para aferição da validade das contribuições o INSS é rigoroso em relação aos critérios legais, até mesmo porque, como Autarquia Federal, submete-se ao princípio da legalidade. No entanto, nada impede  edição de atos infralegais para normatização de procedimentos administrativos necessários à aplicação da lei. É o que ocorre com a Instrução Normativa-INSS Nº 77 DE 21.01.2015(IN nº77/15), responsável por regulamentar os procedimentos internos do INSS. Tal Instrução Normativa, junto com a Lei 8212/91 e o Decreto 3.048/99 balizará nossa análise das exigências para validação das contribuições de baixa renda.


1.1 AUSÊNCIA DE RENDA

Inicialmente temos a exigência da ausência de renda. O art.21, II, b é nítido ao prever que o segurado deve ser “sem renda própria”. Assim, supõe-se que a pessoa deve contar com ajuda de terceiros para verter suas contribuições. Tal previsão encontra grande crítica na jurisprudência e é relativizada pelo próprio INSS. Conforme a IN nº77/15 art.55, §1º, XIII, a:

a) o segurado facultativo que auferir renda própria não poderá recolher contribuição na forma prevista no inciso II, b, do art. 21 da Leis n° 8.212, de 1991, salvo se a renda for proveniente, exclusivamente, de auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e de valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;

Verifica-se que o INSS exclui da renda auxílios assistências de natureza eventual e temporária e valores de programas sociais de transferência de renda, como o bolsa-família por exemplo. Tal dedução decorre da necessidade de adequação da lei à realidade fática do país. Parece pouco provável que uma pessoa sobreviva sem absolutamente nenhuma renda. Sabe-se que mesmo aquelas pessoas mais necessitadas, mas com o mínimo de condição de verter contribuições, precisam obter renda de alguma forma. Caso uma pessoa vivesse realmente sem renda alguma, não teria, por óbvio, condições de contribuir com a previdência, motivo pelo qual a lei seria letra morta.

Acerca desta exigência transcrevemos abaixo elucidativa explanação do Juiz Federal Fábio Cordeiro de Lima da Justiça Federal de Sergipe feita no Voto-Ementa do processo: 0500196‐54.2014.4.05.8500:

 13.17. Partindo destas premissas, o contribuinte facultativo de baixa é o “responsável” pelo recolhimento da sua contribuição. Se ele não possuir “renda nenhuma”, como vai contribuir para a Previdência Social? Afinal é preciso retirar renda de algum lugar porque dinheiro não nasce em árvore, ou vai ser de um benefício “pago” pelo governo, ou vai depender de um terceiro(parentes ou não) ou de uma atividade marginal.

13.18. Impor a necessidade de recolher sua contribuição, mas ao mesmo tempo disse que “não deve possuir renda própria” é criar um paradoxo.

13.19. Casos tais expressões sejam levados ao pé da letra (“sem renda própria” e “exclusivamente”) serão criados obstáculos que, na prática, tornará a norma de difícil realização prática com a manutenção de uma realidade de exclusão que o constituinte quis superar. Neste passo, é preciso perquirir melhor o significado de “não ter renda própria”.

13.21. O significado “renda própria” deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS. Do contrário, chega se a uma ficção porque, como contribuir para o RGPS, se a pessoa não possui qualquer renda? O próprio INSS entende em seu sítio da internet que a legislação criou o contribuinte facultativo de baixa renda o que não significa “zero renda”.

13.22. Se qualquer renda estiver excluída, deixaria de ser previdência para converter em assistência social, já que o segurado vai depender de terceiro, seja do próprio governo, seja de uma pessoa parente ou não, para recolher a sua contribuição previdenciária. Para tanto, gostaria de apontar algumas situações muito comuns que tem gerado a negativa do benefício, que vem gerar situações de flagrante injustiça e contrária a realidade que visou a regular. (grifos no original)

A controversa existia no fato da autora da ação ter benefício negado pois, segundo o INSS, recebia uma renda de R$140,00 mensais. O magistrado entendeu que a renda recebida não poderia ser óbice a validação das contribuições vertidas pela jurisdicionada, evocando para isso, entre outros argumentos, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, já tratado no capítulo 2.

O assunto também já foi tratado pela Turma Nacional de Uniformização em 2017 (PEDILEF 05192035020144058300). Como esposado pelo voto-vista acima citado, a TNU entendeu que o termo “sem renda” deve ser interpretado buscando o sentido finalístico da lei, sob pena de criar-se uma situação totalmente contraditória, pois não é possível para alguém sem renda contribuir para a previdência.

Destarte, deve-se CONHECER e DAR PROVIMENTO ao incidente para: (a) Ratificar a tese de que “as expressões “sem renda própria” e “exclusivamente” devem ser interpretadas sistematicamente e teleologicamente, sob pena de criar-se um paradoxo. O contribuinte facultativo de baixa renda é o único responsável pelo recolhimento da sua contribuição. Se não possuir “renda nenhuma”, como poderá contribuir para a Previdência Social? Impor a necessidade de recolher sua contribuição, mas ao mesmo tempo dizer que “não deve possuir renda própria” é criar um paradoxo. O significado “renda própria”, portanto, deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS. - A legislação criou o contribuinte facultativo de baixa renda, o que não significa "zero renda". Se qualquer renda estiver excluída, deixaria de ser previdência para converter-se em assistência social, já que o segurado vai depender de terceiro - seja do próprio governo, seja de uma outra pessoa, parente ou não - para recolher a sua contribuição previdenciária. É forçoso reconhecer que não se pode excluir aquele que possui uma “renda marginal” que muitas vezes nem chega a um salário mínimo ou dois salários mínimos. Interpretar a lei desta maneira seria manter o estado de exclusão que o legislador constituinte quis evitar

Tal relativização pela jurisprudência também ocorre com outros benefícios, como o auxílio-reclusão e o Benefício de Prestação Continuada. No caso do auxílio-reclusão, para que os dependentes recebam o benefício, é preciso que o segurado instituidor possua renda máxima conforme o estabelecido em lei (este valor é atualizado anualmente pelo INSS).

No entanto, é firme a jurisprudência no sentido de relativizar o valor estabelecido, caso exista uma pequena diferença:

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EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. RENDA SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. VALOR IRRISÓRIO. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO PROVIDO. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO.

I - A controvérsia nos presentes autos recai sobre a possibilidade de concessão do auxílio-reclusão a dependente de segurado cuja renda ultrapassou o limite máximo previsto em lei.

II - O benefício de auxílio-reclusão encontra-se disciplinado pelo art. 201, incisoIV, da Constituição Federal, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, art. 80 da Lei nº 8.213/91 e arts. 116 a 119 do Decreto nº 3.048/99.

III - Pedido analisado em relação à reclusão ocorrida em 26/03/2007.

IV - A autora comprova ser filha do recluso através da certidão de nascimento, sendo dispensável a prova da dependência econômica, que é presumida.

V - O recluso possuía a qualidade de segurado por ocasião da prisão, vez que ostentava vínculo empregatício contemporâneo ao encarceramento.

VI - Em relação ao limite dos rendimentos do segurado, o montante estabelecido pela EC nº 20/98 e pelo artigo 116 do Decreto nº 3.048/99 (R$ 360,00) vem sendo atualizado por meio de Portaria do Ministério da Previdência Social.

VII - Tendo em vista que, ao tempo do recolhimento à prisão, a renda mensal do segurado consistia em R$684,98, conforme indica a declaração do empregador de fls. 24 e o teto previsto pela Portaria nº 119, de 18.04.2006, era de R$ 654,61, a diferença de R$ 30,37 deve ser considerada irrisória, restando comprovado o requisito da baixa renda.

VIII - Comprovado o preenchimento dos requisitos legais para concessão do auxílio-reclusão, o direito que persegue a parte autora merece ser reconhecido.

IX - Embargos infringentes providos. Prevalência do voto vencido que concedeu o benefício.( TRF-3 - EMBARGOS INFRINGENTES : EI 00025059720124036183 SP 0002505-97.2012.4.03.6183 - e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/03/2016)

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO RECLUSÃO. CONDIÇÃO DE BAIXA RENDA DO SEGURADO. ÚLTIMO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO SUPERIOR EM QUANTIA IRRISÓRIA AO TETO IMPOSTO NA PORTARIA INTERMINISTERIAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO. 1. O auxílio-reclusão é benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado nos termos do artigo 80 da Lei n° 8.213/1991. 2. A renda a ser aferida é a do detento e não a de seus dependentes. (RE 587365, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 08/05/2009). 3. A condição de baixa renda do segurado recluso está comprovada. Tratando-se de diferença de valor irrisório, cabe na hipótese a flexibilização do critério econômico estabelecido para a configuração da baixa renda. Precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.479.564 - SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 4. Apelação provida. (AC 00064903320164039999, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2016)

No caso do benefício de prestação continuada, o art.20, §3º da Lei nº 8.742/93 previa um critério objetivo para reconhecimento da condição de miserabilidade capaz de gerar direito ao benefício. Para ser considerado incapaz de prover seu próprio sustenta a pessoa com deficiência ou idoso deveria receber valor máximo de ¼ do salário mínimo. Porém, este critério chegou ao Supremo Tribunal Federal que o declarou inconstitucional (Rcl 4.374/PE).

Ficou assentado que o critério de miserabilidade veria ser verificado caso a caso, levando-se em conta aspectos econômicos, sociais e familiares, pois um critério rígido levaria a grandes injustiças. Dentre os argumentos utilizados pelo relator Ministro Gilmar Mendes para a declaração de inconstitucionalidade do referido critério, destacamos o seguinte trecho de seu voto:

A aplicação dos referidos critérios encontrou sérios obstáculos na complexidade e na heterogeneidade dos casos concretos. Se, antes da edição da Lei 8.742/93, o art. 203, inciso V, da Constituição era despido de qualquer eficácia – o que a doutrina especializada costuma denominar de norma constitucional de eficácia limitada –, o advento da legislação regulamentadora não foi suficiente para dotá-lo de plena eficácia. Questionamentos importantes foram suscitados logo no início da aplicação da lei. E, sem dúvida, o mais importante dizia respeito ao critério de mensuração da renda familiar per capita. O requisito financeiro estabelecido pela lei começou a ter sua constitucionalidade contestada, pois, na prática, permitia que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Vejamos que situação muito perecida ocorre com o contribuinte baixa-renda. Ao impor uma condição rígida de ausência de renda, cria-se diversos problemas, pois torna-se improvável uma adequação da lei a realidade prática. Deixa claro o Ministro em seu voto que os “benefícios da seguridade social (assistenciais e previdenciários) devem compor um sistema consistente e coerente.”

Nos parece claro que o critério de ausência de renda é por demais rigoroso e pode levar a um cerceamento indevido na validação das contribuições, motivo pelo qual entendemos valorosa a jurisprudência nesta questão.

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Sobre o autor
Celso Joaquim Jorgetti Junior

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP; Graduado em Direito pela ESAMC - Santos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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