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A inclusão escolar de crianças com transtorno do espectro autista.

A evolução legal brasileira

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29/07/2019 às 13:14
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O presente trabalho tem por objetivo apresentar a evolução histórica da legislação nacional voltada às pessoas com transtorno do espectro autista, através de breve análise dos instrumentos legais, desde a Constituição Federal de 1988.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar a evolução histórica da legislação nacional voltada às pessoas com transtorno do espectro autista, através de breve análise dos instrumentos legais, desde a Constituição Federal de 1988 até o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015. Com forma de contextualizar também será apresentado um breve histórico do transtorno do espectro autista desde a concepção do termo autista até sua recente alteração na classificação internacional de doenças (CID-11).

Palavras-chave: : educação especial, inclusão escolar, transtorno do espectro autista, legislação.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho, longe de ter a pretensão de esgotar um tema de tamanha amplitude, buscou focar sua pesquisa apenas na evolução da legislação nacional com relação à inclusão escolar de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Devido a forma pela qual ocorreu essa evolução, em determinados pontos a inclusão será tratada de forma universal, uma vez que a legislação veio a abranger todos os portadores de necessidades especiais, dentre os quais os portadores de TEA. Em outros ponto também será tratada a inclusão de adultos com TEA na sociedade e, principalmente, no mercado de trabalho, a chamada inclusão econômica, conforme disposto no texto legal.

Sobre o autismo será apresentada uma pequena introdução histórica, abordando desde a origem do termo e os psiquiatras pioneiros no estudo e diagnóstico dessa condição na literatura médica mundial até a atual classificação.

Na sequência serão listadas, em ordem cronológica, junto com breves comentários, a evolução da legislação nacional relacionada à inclusão escolar de crianças e jovens diagnosticados com TEA, iniciando pela Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a Declaração de Salamanca de 1994, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 e, talvez a de maior relevância para o assunto em pauta, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista de 2012, encerrando a análise com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015..

Por fim, a partir do tema abordado, o objetivo é listar os instrumentos legais que envolvem a inclusão dos alunos portadores do Transtorno do Espectro Autista, mostrando sua evolução de uma legislação difusa, que abrangia as deficiências como um todo, até uma legislação específica.


1. O contexto histórico do autismo

O autismo é uma forma de transtorno psiquiátrico cujos sintomas e gravidade podem variar amplamente de um indivíduo para outro, mas que no geral incluem dificuldades de comunicação e interação social, geralmente acompanhados de comportamentos obsessivos e repetitivos.

Como existe uma série de graus de autismo, a intensidade dos sintomas pode variar. “A criança no extremo do espectro tem seu comportamento bastante comprometido, enquanto a pessoa de grau leve pode ser extremamente brilhante”, diz o dr. Estevão Vadasz, professor do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP. “Enquanto alguns não falam nem se comunicam, alguns autistas são muito inteligentes.” Segundo o professor, uma criança pode evoluir se diagnosticada cedo e se submetida a tratamento adequado. “O diagnóstico e tratamento precoces, com a criança de até um ano e meio, é o grande salto nos países desenvolvidos”, afirma Vadasz. (OLIVEIRA)

Conforme informações do Center of Deseases Control and Prevention (CDC), órgão do governo dos Estados Unidos, estima-se que exista um caso de autismo para cada 110 pessoas (OLIVEIRA).

O termo autismo foi cunhado em 1912 pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler em uma edição do American Journal of Insanity. Bleuler começou a utilizar o termo como forma de referir-se aos pacientes esquizofrênicos sob seus cuidados que apresentavam um elevado grau de retraimento social, retirados em seu próprio mundo.

Posteriormente, em 1943, Leo Kanner, psiquiatra austríaco radicado nos Estados Unidos, publicou a obra “Autistic disturbances of affective contact”, traduzido como “Distúrbios autísticos do contato afetivo”, forma como a síndrome passou a ser conhecida. Em seus estudos, Kanner conseguiu isolar alguns sintomas comuns do autismo, tais como isolamento, falta de linguagem, obsessão com determinados ruídos e alguns objetos, estereotipias e ecolalias (KANNER, 1943).

No ano seguinte, 1944, o também austríaco Hans Asperger, a partir de seus trabalhos na Clínica Psiquiátrica da Universidade de Viena, publicou suas observações, onde identificou algumas características marcantes do autismo, tais como a dificuldade de comunicação e interação, o isolamento, e os padrões restritos e repetitivos de interesses, mas que não eram tão graves a ponto de comprometerem o desenvolvimento cognitivo ou da linguagem (ALBUQUERQUE, 2011).

Apenas de ser conhecida e estudada desde o início do século XX, apenas em 1993 a síndrome foi adicionada a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (CID), conforme explica Oliveira (OLIVEIRA).

A demora na inclusão do autismo neste ranking é reflexo do pouco que se sabe sobre a questão. Ainda nos dias de hoje, o diagnóstico é impreciso, e nem mesmo um exame genético é capaz de afirmar com precisão a incidência da síndrome. “Existe uma busca, no mundo todo, para entender quais são as causas genéticas do autismo”, explica a Professora Maria Rita dos Santos e Passos Bueno, coordenadora do núcleo voltado a autismo do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco do Instituto de Biociências (IB) da USP. “Hoje a eficiência do teste ainda é muito baixa”, afirma ela.

Atualmente, conforme a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, o CID-11, os vários diagnósticos envolvendo o autismo, como a Síndrome de Asperger e o Autismo Infantil, foram unificados no grupo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que seguiu a mesma alteração, ocorrida em 2013, no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5).


2. A evolução da legislação brasileira

A Constituição Federal de 1988, por marcar a transição entre um o período conhecido como Regime Militar (1964-1985) e a redemocratização, trouxe grandes avanços para a legislação brasileira, ampliando, de forma significativa, direitos e garantias, conforme explica Avelar (2008):

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, coroou o processo de redemocratização do país e elevou o Brasil à categoria de Estado Democrático de Direito. Ampliou significativamente o elenco dos direitos e garantias fundamentais e fez erigir ao patamar constitucional a preservação ambiental, de modo a estabelecer direitos e deveres de toda a sociedade para com a criação de um meio ambiente saudável e equilibrado.

Resgatou princípios de dignidade da pessoa humana e hostilizou qualquer forma de preconceito ou discriminação.

Dessa forma a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) tomou o cuidado de positivar em seu texto, entre outras coisas, a importância da educação, bem como a previsão de educação especializada aos portadores de deficiência, conforme seu Artigo 208:

Art. 208: O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

(...)

Sendo considerado um marco nacional na proteção da criança e do adolescente e seguindo a mesma linha protetiva e vanguardista da Constituição Federal de 1988, em 1990 foi aprovada a Lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em seu texto o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, além de outros benefícios, o atendimento especializados para os alunos portadores de necessidades especiais na rede regular de ensino, conforme seu Artigo 54, inciso III, onde se lê, ipsis literis, o disposto no já citado inciso III do Artigo 208 da Constituição Federal de 1988.

A Conferência Mundial Sobre Educação Especial, ocorrida em 1994 na cidade de Salamanca, na Espanha, realçou o compromisso da educação para todos, assegurando a necessidade de se incluir dentro do sistema regular de ensino crianças, jovens e adultos portadores de necessidades especiais (UNESCO, 1994).

  • • toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,

  • • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas,

  • • sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades,

  • • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,

  • • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

Na Conferência de Salamanca os diversos países envolvidos assumiram a opção pela educação inclusiva, ou seja, a educação de todos os alunos em um único ambiente.

A opção pela escola inclusiva foi oficialmente assumida por diversos países, através da Declaração de Salamanca (ONU/UNESCO, 1994). O documento final da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, ocorrida na Espanha, propõe implementar, nos sistemas educacionais, programas que levem em conta as características individuais e as necessidades de cada aluno, de modo a garantir educação de boa qualidade para todos. (SAMPAIO, 2009)

Publicada em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), dedicou todo o seu capítulo V, intitulado Da Educação Especial, para tratar sobre a educação especial e da inclusão de alunos portadores de deficiências, preferencialmente, na rede regular de ensino. O dispositivo legal ainda deixa claro que, sempre que as condições permitirem, os alunos com necessidades especiais devem ser integrados nas classes comuns do ensino regular, com as adaptações necessárias, tanto físicas quanto curriculares, para seu atendimento.

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A ONU instituiu, em 2008, o dia 02 de Abril como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo (OLIVEIRA). No mesmo ano, no Brasil, foi criada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Tal política tem como principal objetivo garantir uma educação de qualidade para todos os alunos com deficiência e ainda preocupou-se em positivar em seu texto quais são esses alunos, tendo o cuidado de incluir, expressamente, aqueles com Transtorno do Espectro Autista.

Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escolha e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo os alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. (BRASIL, 2008)

Quatro anos depois, em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que formalmente instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Conhecida como Lei Berenice Piana, em homenagem a sua co-autora e militante dos direitos dos portadores de Transtorno do Espectro Autista, a Lei nº 12.764/2012, que possui apenas oito artigos, também tornou-se um marco jurídico nacional por ser o primeiro caso bem sucedido de legislação participativa, sendo até hoje o único, constituindo objeto de estudos de advogados, jurista, estudantes de direito e demais estudiosos (AMARAL).

A Lei Berenice Piana, da mesma forma vista nas legislações anteriores, teve o cuidado de positivar em seu texto, já em seu Artigo 1º, uma clara definição das pessoas que são consideradas, clinicamente, como portadores do Transtorno do Espectro Autista, bem como sua condição de pessoa com deficiência.

Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

Em seu Artigo 2º a legislação também preocupou-se em com detalhes de suma importância para a inclusão, tanto escolar quanto social e econômica, da pessoa portadora de TEA, como o desenvolvimento de ações e políticas públicas com a participação da comunidade, atenção integral objetivando o diagnóstico precoce, inserção no mercado de trabalho, entre outras.

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

IV - (VETADO);

V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações;

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis;

VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.

Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado.

Os direitos específicos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, sem prejuízos de quaisquer outros direitos, estão listados no Artigo 3º. No referido artigo fica claro, mais uma vez, o direito a inclusão em sala comum no ensino regular, deixando, claro no Artigo 7º, a punição para o gestor escolar, ou autoridade competente, que se recusar a matricular o aluno com TEA.

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV - o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social.

Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º , terá direito a acompanhante especializado.

O Artigo 4º, seguindo o já disposto em legislações anteriores sobre outros temas similares, garante que a pessoa com TEA não será submetida a tratamento desumano ou degradante, nem será será privada de sua liberar e convívio familiar ou discriminada, de qualquer forma, em razão de sua deficiência.

Por sua vez, o Artigo 5º veda os planos privados de assistência à saúde a negarem a adesão de pessoas com TEA. O Artigo 6º foi vetado na redação final e o Artigo 8º trata apenas da entrada em vigor da lei na data de sua publicação.

Em 7 de julho de 2015 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. A referido lei, conforme seu próprio texto deixa claro, é “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015). O Estatuto da Pessoa com Deficiência nasceu como forma de garantir os direitos da pessoa com deficiência, de forma a promover seu exercício em condições de igualdade com os demais, focando na inclusão e cidadania, bem como impor as penalidades para a quem infringir o disposto na legislação.


CONCLUSÃO

Ante o conteúdo estudado, seja na letra seca da lei como nos demais materiais, fica claro que a legislação nacional, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, trilhou um longo caminho com apenas uma finalidade: a inclusão social e escolas, em todos os aspectos, não apenas das pessoas com TEA, mas de todas as pessoas com qualquer tipo ou grau de deficiência.

Tal finalidade fica muito clara logo no início, com o artigo 208 da CF/88, e segue uma linha cada vez mais abrangente com as legislações posteriores, incluindo a Declaração de Salamanca, ratificada pelo Brasil, culminando na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que foi um grande avanço sem precedentes na luta por igualdade, pois deixa expresso na letra da lei os direitos das pessoas com TEA, delimitando-os e estipulando as políticas de inclusão escolar, social e econômica.

A Lei Berenice Piana é complementada e apoiada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que abrange todas as deficiências, incluindo TEA, de forma a complementar as possíveis lacunas existentes na legislação específica.

Nota-se, em todos os casos, o cuidado que o legislador teve em deixar claro todos os pormenores, desde quem pode ser considerado com TEA, nos casos específicos, até as políticas que devem ser aplicadas visando a inclusão econômica, o que vem a amparar após o encerramento da vida escolar e início da vida adulta, o que configura um desafio colossal para os autistas dos diversos graus.

Outro ponto digno de nota, presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 58, é a inclusão dos autistas com altas habilidades ou superdotação na educação especial. Tal previsão legal é de suma importância uma vez que, embora os educando com altas habilidades e superdotação apresentam desempenhos notáveis em determinadas áreas, também necessitam de uma educação diferenciada e focada em suas altas habilidades, com flexibilização e adaptação curricular, da mesma forma que aqueles com algum tipo de déficit.

Conclui-se, dessa forma, que tanto a inclusão escolar, especificamente, quanto à inclusão social dos portadores de TEA alcançou melhorias consideráveis com a evolução legal brasileira ao longo dos últimos 30 anos.

Essa evolução começou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que possui como princípio a educação e inclusão social, junto com a não discriminação por qualquer que seja o motivo, culminando com o Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, legislação específica para os portadores de TEA, que garante seus direitos específicos. A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista é complementada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que inclui sob sua proteção todas as deficiências, inclusive a TEA.

Em sua obra Educação Inclusiva: o professor mediando para a vida, publicada em 2009, Cristiane e Sônia Sampaio, traçaram um excelente panorama sobre a evolução da educação inclusiva no Brasil, de forma universal, até aquele momento.

Constatamos que, ao longo dos anos 90 e até os dias de hoje, a educação inclusiva vem firmando-se no plano internacional e na legislação brasileira como uma conquista dos direitos humanos. Trata-se de uma concepção político-pedagógicos que desloca a centralidade do processo para a escolarização de todos os alunos nos mesmos espaços educativos, produzindo uma inversão de perspectivas no sentido de transformar a escola para receber todos os educandos com suas diferenças e características individuais. (SAMPAIO, 2009).

Tal evolução tem reflexos claros na sociedade, uma vez que, conforme dados do Censo Escolar, divulgados anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), onde são considerados os dados de escolas públicas e particulares, o número de alunos com TEA matriculados em escolas comuns cresceu de forma expressiva de 2017 para 2018 (TENENTE, 2019).

O número de alunos com transtorno do espectro autista (TEA) que estão matriculados em classes comuns no Brasil aumentou 37,27% em um ano. Em 2017, 77.102 crianças e adolescentes com autismo estudavam na mesma sala que pessoas sem deficiência. Esse índice subiu para 105.842 alunos em 2018.

(...)

Esse aumento no número de matrículas acompanha uma exigência legal: pelos princípios constitucionais nenhuma escola pode recusar a entrada de um aluno por causa de uma deficiência - nem mesmo as da rede privada. Há, inclusive, uma política nacional específica para pessoas com TEA, sancionada em 2012. Pela Lei Berenice Piana, como é conhecida, é direito da pessoa com autismo o acesso à educação e ao ensino profissionalizante.

No entanto, apesar dos dados positivos e dos avanços legais, ainda existe um grande caminho a ser percorrido na inclusão de pessoas com TEA, sejam as crianças nas unidades escolares ou os jovens e adultos no mercado de trabalho.

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Sobre o autor
Michel José dos Santos

Bacharel em Direito. Pós-Graduado em Direito Tributário e em Relações Internacionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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