Como se sabe, pelo que consta do art. 186 do atual Código Civil, é inadmissível a idéia de ato ilícito sem a presença de dano. Isso porque o aludido comando legal exige a lesão de direitos cumulada com o dano, utilizando a conjunção "e" entre esses dois elementos. Interessante a transcrição desse dispositivo, para que a questão fique totalmente esclarecida:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". (destacamos)
Confrontado o artigo com o seu correspondente na codificação anterior, o art. 159 do CC/16, notamos duas diferenças.
A primeira é que o comando anterior utilizada a expressão "ou" ao invés da conjunção aditiva destacada. Isso sepulta a idéia de responsabilidade civil sem dano, o que merece aplausos, diante da constante preocupação do legislador em vedar o enriquecimento sem causa.
A segunda é a possibilidade de reparação do dano exclusivamente moral, conforma já previa o Texto Maior, no seu art. 5º, incisos V e X. A única diferença apontada muitas vezes pela doutrina é que não haveria mais a necessidade de invocar a Constituição Federal para se pleitear a indenização extrapatrimonial. Entretanto, entendemos que a Carta Política pode e deve ser invocada, o que está dentro da idéia do Direito Civil constitucionalizado que propomos.
O dano moral pode ser conceituado como sendo o prejuízo que atinge o patrimônio incorpóreo de uma pessoa natural ou jurídica, os direitos da personalidade e os seus cinco ícones principais, a saber:
a) direito à vida e à integridade física;
b) direito ao nome;
c) direito à honra;
d) direito à imagem;
e) direito à intimidade.
Dessa forma, em sentido próprio, o dano moral causa na pessoa dor, desgosto, tristeza, pesar, sofrimento, angústia, amargura, depressão. Em sentido impróprio ou amplo, abrange a lesão de todos e quaisquer bens ou interesses pessoais, exceto econômicos, como a liberdade, o nome, a família, a honra subjetiva ou objetiva, a integridade física, a intimidade, a imagem.
Prevê a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça que é possível a cumulação, em uma mesma ação, de pedido de reparação por danos materiais e morais. Essa súmula, na verdade, merece uma nova leitura, pois o STJ tem entendido, há um certo tempo, que são cumuláveis danos materiais, morais e estéticos, constituindo os últimos uma terceira modalidade de dano. Nesse sentido, cumpre transcrever:
"Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Dano moral e dano estético. Cumulação. 1. Possível a cumulação da indenização por dano moral com o dano estético. Precedentes. 2. A alegação de que a condenação por danos morais e estético, ainda que decorrentes do mesmo fato, não foi deferida em função de títulos diversos, é questão ausente do Acórdão recorrido, ficando impossibilitado o exame do tema face a ausência de prequestionamento" (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: AGA 305666/RJ (200000439215), 374087 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO DATA DA DECISÃO: 29/08/2000, ORGÃO JULGADOR: - TERCEIRA TURMA, 3. Agravo regimental improvido. RELATOR: MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. FONTE: DJ DATA: 23/10/2000 PG: 00141. VEJA: RESP 162566-SP, RESP 192823-RJ, RESP 219807-SP (STJ)).
Constituindo lesão aos direitos da personalidade (artigos 11 a 21 do Código Civil), na reparação por dano moral não se pede um preço para a dor ou sofrimento, mas um meio para atenuar, em parte, as conseqüências do prejuízo imaterial, conceito de derivativo ou sucedâneo. Fernando Noronha esclarece que "A teoria dos danos extrapatrimoniais é recente e ainda sujeita a bastantes controvérsias, como também veremos oportunamente (v. 2, cap. 10). Aqui diremos apenas que a reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física" (Direto da Obrigações. Volume I. São Paulo: Editora Saraiva, 1ª Edição, 2003, p. 569). Aliás, entendimento ao contrário carregaria de imoralidade o dano moral!
Assim sendo, os danos morais, quanto à necessidade ou não de prova podem ser classificados da seguinte forma:
a)Dano moral provado ou dano moral subjetivo – constituindo regra geral é aquele que necessita ser comprovado pelo autor da demanda, ônus que lhe cabe.
b)Dano moral objetivo presumido – não necessita de prova, como nos casos de abalo de crédito, protesto indevido de títulos, envio do nome de pessoa natural ou jurídica para o "rol dos inadimplentes" (SERASA, SPC), perda de órgão do corpo ou de pessoa da família.
Interessante notar que, quanto a essa classificação, houve uma reviravolta na doutrina e na jurisprudência.
Primeiramente, entendia-se que o dano moral seria em regra, presumido. Mas, diante de abusividades e exageros cometidos na prática, passou-se a defender a necessidade da sua prova, em regra. Isso também pela consciência jurisprudencial de que o dano moral não se confundiria com os meros aborrecimentos suportados por alguém no seu dia a dia.
Mas, ultimamente, a tendência jurisprudencial é de ampliar os casos envolvendo a desnecessidade de prova do dano moral, diante do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), um dos baluartes do Direito Civil Constitucional. De qualquer forma, visando afastar o enriquecimento sem causa, dotando a responsabilidade civil de uma função social importante, entendemos que se deve considerar como regra a necessidade de prova, presumindo-se o dano moral em alguns casos, como nos descritos.
Quanto à pessoa atingida, o dano moral pode ser assim classificado:
a) Dano moral direto – aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva (auto-estima) ou objetiva (repercussão social da honra).
b) Dano moral indireto ou "dano em ricochete"- aquele que atinge a pessoa de forma reflexa, como no caso de morte de uma pessoa da família. Em casos tais, terão legitimidade para promover a ação indenizatória os lesados indiretos.
Superadas essas importantes classificações, passamos ao estudo de algumas questões controvertidas pontuais que escolhemos quanto à matéria. Comentaremos tais questões à luz da jurisprudência do STJ e dos Tribunais Paulistas. Deixamos claro que a nossa escolha pelos Tribunais de São Paulo não se deu por razões de apego regional, mas sim para demonstrar como os tribunais desse estado têm tratado tais questões. Temos plena consciência da excelência de julgados de Tribunais de outras unidades da Federação. Aliás, sempre invocamos esses Tribunais em nossos trabalhos e exposições.
Inicialmente, tanto doutrina e jurisprudência sinalizam para o fato de que o dano moral suportado por alguém não se confunde com os meros transtornos ou aborrecimentos que o cidadão sofre no dia-a-dia. Isso, sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil. Cabe ao juiz, analisando o caso concreto e diante da sua experiência apontar se a reparação imaterial é cabível ou não. Nesse sentido, foi aprovado o Enunciado n. 159 do Conselho da Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil, pelo qual o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material.
A título de exemplo, interessante comentar alguns julgados interessantes em que foi afastada a pretensão indenizatória.
Primeiramente, indaga-se: caberia indenização por danos morais em casos em que ocorre a mera quebra de um contrato? A resposta é, sem dúvidas, negativa, pela necessidade de prova dos danos em casos tais:
"CIVIL. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. A inadimplência do contrato se resolve em perdas e danos, sem que o aborrecimento que daí resulte à parte pontual caracterize dano moral. Agravo regimental não provido". (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: AGA 303129/GO (200000382191), 389372 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, DATA DA DECISÃO: 29/03/2001, ORGÃO JULGADOR: - TERCEIRA TURMA, RELATOR: MINISTRO ARI PARGENDLER, FONTE: DJ DATA: 28/05/2001 PG: 00199)
O que dizer então, no caso de um programa de rádio, em que um comentarista político tece duras críticas a um homem público. Caberia o dever de indenizar? O Tribunal de Justiça de São Paulo respondeu negativamente:
"DANOS MORAIS - Programa radiofônico - Inexistência de abuso do direito de informar e criticar - Não constitui dano moral a crítica, ainda que dura e pesada, a que pessoas públicas estão sujeitas - Ação improcedente - Recurso provido". (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 92.106-4 - Bragança Paulista - 4ª Câmara de Direito Privado - Relator: Narciso Orlandi - 03.02.00 - V. U.)
Algumas pessoas, movidas talvez por uma intenção mesquinha ou por um apego exagerado a bens materiais, resolvem provocar e inflacionar o Poder Judiciário com ações indenizatórias absurdas, como ocorreu nos casos abaixo. Os olhos da Justiça atentos, afastaram as suas pretensões:
"DANO MORAL - Responsabilidade civil - Compra e venda - Entrega de faqueiro acondicionado em caixa de papelão em vez de estojo de madeira, em desacordo com o que fora adquirido - Posterior entrega desse produto como presente de casamento - Inocorrência de dano moral - Caracterização como aborrecimento do dia-a-dia que não dá ensejo à referida indenização, pois se insere nos transtornos que normalmente ocorrem na vida de qualquer pessoa, insuficientes para acarretar ofensa a bens personalíssimos - Indenizatória improcedente - Recurso improviso". (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, PROCESSO: 1114302-1, RECURSO: Apelação, ORIGEM: São José dos Campos, JULGADOR: 5ª Câmara, JULGAMENTO: 02/10/2002, RELATOR: Álvaro Torres Júnior, DECISÃO: Negaram Provimento, VU)
"CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO: DANO MORAL. I – O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem de mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável. II – Agravo não provido" (Supremo Tribunal Federal, RE 387014, AgR/SP – São Paulo, AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. Carlos Velloso, Julgamento: 08/06/2004, Segunda Turma, Publicação: DJ, DATA 25/06/2004, p. 57).
Como é notório, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, por lesão à sua honra objetiva, ao seu nome, à sua imagem frente ao meio social. Esse o entendimento da súmula 227 do STJ, confirmada pela regra que agora consta no art. 52 do novo Código Civil. Nesse sentido, parte da jurisprudência tem entendido que não se pode indenizar o "dano moral puro" da pessoa jurídica, desassociado do dano material.
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. EXTENSÃO. PROVA. AUSÊNCIA. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. FIXAÇÃO. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL PURO. Ausente a prova da extensão dos danos materiais ocasionados pela eventual negativa de crédito pelos fornecedores da autora, torna-se impraticável o acolhimento destes. Traduzindo a fixação dos danos morais, caráter exclusivamente compensatório, cuja conotação radical de penalidade restou afastada, aproximando-se mais da natureza do direito civil, deve o valor permanecer" (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Acórdão : 0333128-0 Apelação (Cv) Cível Ano: 2001, Comarca: Belo Horizonte/Siscon, Órgão Julg.: Sétima Câmara Cível, Relator: Juiz Nilson Reis, Data Julg.: 10/05/2001, Dados Publ.: Não publicado).
Essa corrente ganhou força com o Enunciado n. 189 do Conselho da Justiça Federal, também aprovado na III Jornada de Direito Civil, pelo qual: "Na responsabilidade civil por dano moral à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado".
Entretanto, entendemos que o teor do enunciado contraria o entendimento majoritário de nossos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Do STJ, dois notórios julgados entendem pela presunção do dano à pessoa jurídica nos casos de abalo de crédito. Nesse sentido, cumpre transcrever o teor do último julgado, que faz referência ao primeiro:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICATA PAGA NO VENCIMENTO. PESSOA JURÍDICA. BANCO ENDOSSATÁRIO. ENDOSSO-MANDATO. CIÊNCIA DO PAGAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROVA DO DANO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. 1. A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de que o Banco endossatário tem legitimidade passiva para figurar na ação de indenização e deve responder pelos danos causados à sacada em decorrência de protesto indevido de título cambial. In casu, mesmo ciente do pagamento da duplicata, o banco-recorrente levou o título a protesto.( Precedentes: REsp. 285.732/MG, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ 12.05.03; REsp. 327.828/MG, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 08.04.02; REsp 259.277/MG, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 19.08.02; REsp. 185.269/SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER DJ 06.11.2000). 2. O protesto de título já quitado acarreta prejuízo à reputação da pessoa jurídica, sendo presumível o dano extrapatrimonial que resulta deste ato. Consoante reiterada jurisprudência desta Corte, "é presumido o dano que sofre a pessoa jurídica no conceito de que goza na praça em virtude de protesto indevido, o que se apura por um juízo de experiência" (Cfr. REsp. 487.979/RJ, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 08.09.2003). Precedentes. 3. Como corretamente salientado no v. acórdão recorrido, o parágrafo único, do artigo 42, do CDC, tem por exclusivo desiderato sancionar, nas relações de consumo, aquele que cobrar dívida superior ao que é devido. Inaplicável o aludido dispositivo no caso em questão, que trata de ação de indenização por danos morais. 4. Divergência jurisprudencial não comprovada. A recorrente não comprovou o alegado dissídio interpretativo nos moldes que exigem o § único do art. 541, do CPC, e o artigo 255, § 2°, do Regimento Interno desta Corte. Os arestos paradigmas apontados, apenas com transcrição de ementas, não guardam a similitude fática necessária à ocorrência do dissídio, não havendo, também, a devida indicação dasfontes oficiais onde foram publicados. 5. Recurso não conhecido". (Superior Tribunal de Justiça, RESP 662111 / RN ; RECURSO ESPECIAL, 2004/0067928-6 Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113) T4 - QUARTA TURMA 21/09/2004 DJ 06.12.2004 p. 336).
Não há unanimidade quanto à natureza jurídica da indenização moral, prevalecendo a teoria que aponta para o seu caráter misto: reparação cumulada com punição. Seguimos tal entendimento, salientando que a reparação deve estar sempre presente, sendo o caráter disciplinador de natureza meramente acessória (teoria do desestímulo mitigada). Seguindo essa tendência: "ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido" (Superior Tribunal de Justiça, RESP 604801 / RS ;RECURSO ESPECIAL, 2003/0180031-4 Ministra ELIANA CALMON (1114) T2 - SEGUNDA TURMA 23/03/2004 DJ 07.03.2005 p. 214).
Fazendo referência expressa à teoria do desestímulo, muito defendida pela brilhante Regina Beatriz Tavares da Silva, interessante verificar o teor de julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
"INDENIZAÇÃO - Aquisição de leite desnatado em caixas - Produtos com defeito, ou seja, desenvolvimento de microrganismos patogênicos - Responsabilidade do fabricante - Concessão de danos morais - A outorga destes já absorve a teoria do desestímulo - Danos morais que devem levar em conta aborrecimento e dor causados - Procedência parcial - Recurso parcialmente provido" (destacamos). (TJ/SP, Apelação Cível n. 94.437-4 - Santo André - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Alfredo Migliore - 04.04.00 - V. U.)
Esse caráter disciplinador, entretanto, somente será possível quando cabível for a reparação. Não há como atribuir à reparação moral natureza punitiva pura, já que a última expressão utilizada no artigo 927, caput, do Código Civil é justamente a forma verbal da palavra "reparação". A Constituição Federal, ao tratar do tema, também não utiliza a expressão punição (art. 5º, V e X). Em reforço, a indenização por danos morais, também, não pode levar o ofensor pessoa natural ou jurídica à total ruína, não sendo esse o intuito da lei.
O novo Código Civil não traz critérios fixos para a quantificação da indenização por dano moral. A doutrina e a jurisprudência não são unânimes em relação aos critérios que devem ser utilizados pelo juiz da causa. Sabe-se somente que deve o magistrado fixá-la por arbitramento. Tornou-se comum em nosso País a sua fixação em salários mínimos, diante de parâmetros que constavam da Lei de Imprensa e da Lei de Telecomunicações. A fixação em salários mínimos, contudo, não é obrigatória.
Entendemos que, na fixação da indenização por danos morais, o magistrado deve agir com eqüidade, analisando:
a) a extensão do dano;
b) as condições sócio-econômicas dos envolvidos;
c) as condições psicológicas dos envolvidos;
d) o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima.
Tais critérios constam dos arts. 944 e 945 do novo Código Civil, bem como do entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante. Nunca se pode esquecer, ademais, da função social da responsabilidade civil. Se por um lado deve-se entender que a indenização é um desestímulo para futuras condutas, por outro, não pode o valor pecuniário gerar o enriquecimento sem causa. Entendemos que é inadmissível que uma pessoa receba indenização ao ponto de que não necessite mais de trabalhar o resto de sua existência, para obter o seu sustento próprio. Entendemos que não é isso que almeja o Novo Direito Civil, constitucionalizado e que tanto valoriza o trabalho, o labor.
Assim, concordamos com as recentes decisões do STJ, que procuram um limite para a indenização por danos morais nos casos de morte de pessoa da família, em cerca de 500 salários mínimos (STJ, RESP 278885 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2000/0096431-0; RESP 139779 / RS ; RECURSO ESPECIAL 1997/0047933-1; RESP 41614 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1993/0034264-9).
Nos casos de inscrição do nome da pessoa em cadastros dos inadimplentes o STJ tem fixado a indenização em 50 salários mínimos, o que também está dentro do razoável:
"CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES. QUANTUM. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. 1 - Esta Corte, consoante entendimento pacífico, tem admitido a alteração do valor indenizatório de danos morais, para ajustá-lo aos limites do razoável, quando patente, como sucede na espécie, a sua desmesura. Tem sido de cinqüenta salários mínimos a indenização por danos morais, resultante de situações semelhantes como a inscrição inadvertida em cadastros de inadimplentes, a devolução indevida de cheques, o protesto incabível de cambiais, etc, conforme precedentes desta Corte. 2 - Recurso especial conhecido e provido". (Superior Tribunal de Justiça, RESP 687035 / RS ; RECURSO ESPECIAL, 2004/0130467-2, Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107), QUARTA TURMA, 26/04/2005, DJ 16.05.2005 p. 364).
De qualquer forma, temos ciência que cabe análise caso a caso para a fixação da indenização por danos morais, não sendo tais limites parâmetros fixos. Como se sabe, qualquer tentativa de tarifação do dano moral seria inconstitucional, por lesão à isonomia (art. 5º, caput, da CF/88).
Encerrando o presente trabalho, fica a indagação se a "perda de uma chance" geraria a possibilidade de reparação moral. Isso ocorre quando uma pessoa vê frustrada uma pretensão futura.
Para Regina Beatriz Tavares da Silva, o corredor Vanderlei Cordeiro de Lima sofreu essa perda irreparável na última Olimpíada, ao ser barrado pelo misterioso Cornelius Horan, na prova da maratona. São suas palavras:
"Bem diferente esse exemplo do caso sob análise, em que se evidencia a perda de uma chance. Como dizem os doutrinadores franceses, a reparação da pert d’une chance fundamenta-se numa probabilidade e numa certeza: a probabilidade de que haveria o ganho e a certeza de que da vantagem perdida resultou um prejuízo (Caio Mário da Silva Pereira, ob. citada, p. 42). A certeza da perda da chance é tanto maior quanto mais o dano esteja próximo da ação ilícita. Bem próximo do evento lesivo estava o dano futuro no caso apresentado. O atleta brasileiro não era um simples coelho, assim chamado aquele que dispara na frente numa corrida de longa distância para atrapalhar os adversários de um determinado competidor ou somente porque não tem o treinamento exigido para evoluir na corrida com o ritmo adequado. Vanderlei havia se submetido a treinamento rigoroso, de cerca de quatro anos voltados à Olimpíada; sua performance na parte final da prova demonstrava ser um verdadeiro atleta; mesmo após a violência sofrida, voltou à prova e terminou em terceiro lugar". (Perda de uma chance. Disponível em www.flaviotartuce.adv.br. Artigos de convidados).
Da jurisprudência, a tese foi adotada pelo extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. No caso em questão, um advogado foi condenado a pagar indenização por danos morais a um cliente por ter ingressado intempestivamente com uma ação trabalhista (Apelação com revisão: 648.037-00/9 – 5ª Câmara – Rel. Juiz Dyrceu Cintra – J. 11/12/2002).
Entretanto, percebe-se que o julgado data de 2.002, época em que estava em vigor o art. 159 do CC/16, que não exigia a presença do dano para surgir o ato ilícito e o correspondente dever de indenizar.
Fica a dúvida se a tese será bem aceita com a entrada em vigor do art. 186 do nCC, que utiliza a expressão aditiva "e", como vimos no início do presente trabalho. Acreditamos que não. Ressaltando a importância desse último dispositivo para o Direito Privado brasileiro, encerramos os nossos comentários e a nossa aula nesse curso de pós-graduação.