A falta de repasse de verbas da União aos Estados, a título de ressarcimento de perdas pela utilização de créditos de ICMS decorrentes da desoneração das exportações, previstos na Lei Kandir, levou o CONFAZ a tomar uma decisão extrema: suspender novas transferências de créditos a terceiros.
Sem dúvidas, esta decisão causará um impacto de econômico catastrófico às exportadoras como muitos empresários vêm enfatizando. A transferência dos créditos de ICMS é uma fonte de caixa das empresas e sem estas, o fluxo ficará seriamente comprometido.
Contudo, não se pretende neste breve apanhado analisar questões econômicas, e sim, verificar os reflexos jurídicos do ato do CONFAZ, bem como a sua validade ou auto-executoriedade.
A Constituição de 1988, ao tratar do ICMS, em seu artigo 155, previu que dito imposto seria não-cumulativo, compensando-se o tributo devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Excetuou desta regra, a isenção e a não-incidência, determinando que, se estas viessem a ocorrer na etapa anterior, o contribuinte não teria direito ao crédito e, na posterior, implicaria na anulação destes.
O mesmo artigo constitucional - com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42/03 - determinou que sobre as operações que destinem produtos ao exterior, não incidirá o referido tributo, contudo, assegurou o direito à manutenção e ao aproveitamento do imposto cobrado nas etapas anteriores.
Tal situação, no entanto, já se encontrava regulamentada pela Lei Complementar 87 de 1996, conhecida como Lei Kandir que - além de determinar a manutenção dos créditos – assegurou aos exportadores o direito de transferi-los a terceiros, já que ditas empresas, pela natureza da operação, não conseguem absorvê-los, acumulando-os assim em conta gráfica.
No mesmo diploma legal, foi outorgado à autoridade estadual competente, o poder/dever de reconhecer a legitimidade do crédito e, com escopo neste dispositivo, os Estados criaram as normas regulamentadoras das transferências. No Paraná, por exemplo, foi criado o SISCRED, mecanismo pelo qual dar-se-á as aludidas operações.
Saliente-se, desde logo, que a garantia do exportador ao crédito e a sua transferência a terceiros, independe de expedições de normas estaduais, devendo estas se limitar a regulamentar a operacionalização do direito.
Não obstante tal situação, a declinada Lei Complementar determinou que os Estados seriam ressarcidos pela União Federal, nas perdas de arrecadação experimentadas em decorrência do sistema creditício implementado, o que - segundo alegam os Governos dos Estados - não ocorreu, fazendo com que, somente as unidades federadas arcassem com os prejuízos da Lei Kandir.
Em represália a omissão da União, os Estados e o Distrito Federal, representado por seus Secretários de Fazenda, Receita, Finanças ou Tributação, assinaram o protocolo nº 30/05 do CONFAZ, acordando que não mais serão autorizadas novas transferências de créditos de ICMS, acumulados em decorrência da desoneração da exportação.
Em que pese o desacerto entre governos Estaduais e Federais e, unicamente pela ótica legal, tem-se que tal protocolo não produz efeitos no mundo jurídico, visto que, como já explanado acima, o direito das exportadoras à não anulação do crédito e ao repasse desses a terceiros tem respaldo constitucional e legal, assim, uma norma meramente regulamentadora não pode negá-lo.
Já está consagrado que o ordenamento jurídico pátrio figura-se na forma de uma pirâmide, conforme proposto por Kelsen, na qual as leis do topo têm primazia sobre as demais. Assim uma para um nova norma poder revogar disposições de outra, esta, necessariamente, deve estar no mesmo patamar daquela.
No caso ora analisado não se verifica tal preceito, posto que, os atos do CONFAZ sequer têm escopo de Lei e, portanto, jamais poderiam revogar norma de natureza complementar, menos ainda negar direito constitucionalmente garantido.
Assim, tem-se que a decisão dos Governos Estaduais de penalizar as empresas exportadoras, como represália a falta de consenso com o Governo Federal, padece de respaldos jurídicos.
Contudo, é certo que os Estados detém o poder de autorizar ou não as transferências dos créditos a terceiros e, em decorrência disso - mesmo caracterizando o abuso de poder – estão fazendo valer o referido acordo.
As empresas, em contrapartida, terão fortes argumentos para discutir judicialmente a nova determinação do CONFAZ, pois, ainda que indiretamente, está sendo negada vigência de dispositivo de Lei Complementar e maculado o Texto Constitucional.
É de se ressaltar que eventual medida judicial deve ser muito bem fundamentada, sendo inclusive demonstrada a origem e legitimidade do crédito. A contrário senso, ainda que o Judiciário diga que o protocolo do CONFAZ não tem validade, o Estado poderá indeferir as transferências, opondo óbices ao crédito, e não mais ao procedimento.