3. A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL
3.1. Drogas
O consumo excessivo de drogas é uma triste realidade existente na sociedade brasileira.
É um problema grave de saúde pública que afeta todas as classes sociais, agravada, ainda, pela atitude de autoridades que apresentam-se inertes frente a esse mal que cresce expressivamente.
Antes de adentramos na busca da solução desta problemática social, faz-se necessário compreender os conceitos essenciais desta substância danosa a pessoa humana.
A Organização Mundial de Saúde define droga como sendo “qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas produzindo alterações em seu funcionamento”11.
Existem substâncias que objetivam produzir efeitos benéficos ao indivíduo, sendo aquelas utilizadas em tratamentos de doenças, definidas como medicamentosas. Contudo, há também aquelas que causam efeitos maléficos a saúde, sendo denominadas tóxicas.
As drogas que agem sobre as funções do sistema nervoso central são denominadas drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas e podem causar dependência. São classificadas em três grupos:
a) Depressoras – essas drogas diminuem a função cerebral, ou seja, reduzem a atividade motora, a ansiedade, a concentração e atenção, bem como a capacidade intelectual, causando até mesmo vertigens. São exemplos: o álcool, ansiolíticos, morfina e heroína.
b) Estimulantes – essas drogas aceleram a atividade cerebral, tornando o individuo mais alerta, causando insônia e aceleração dos processos psíquicos. São exemplos: anfetaminas, cocaína, nicotina e crack.
c) Perturbadoras – essas drogas produzem uma série de alterações no cérebro, perturbando o seu funcionamento. Causam delírios e alucinações. São exemplos: maconha, alucinógenos, LSD, êxtase, haxixe e solventes orgânicos (cola de sapateiro).
É importante ressaltar que uma mesma substância pode causar efeitos benéficos ou maléficos ao mesmo indivíduo, tendo como fator preponderante apenas a dosimetria empregada. Exemplo comum é a substância conhecida como Morfina, que é muito utilizada no tratamento contra fortes dores, mas seu uso imoderado pode levar o indivíduo a dependência, visto que ela proporciona bem estar e euforia.
3.2. Conceito de dependência química
Segundo a OMS, dependência química é o “Estado caracterizado pelo uso descontrolado de uma ou mais substâncias químicas psicoativas com repercussões negativas em uma ou mais áreas da vida do indivíduo”12.
A dependência química é tipificada como uma síndrome pelo Código Internacional de Doenças13 – CID, e, assim como outras enfermidades atinge as mais diversas faixas etárias.
Esta síndrome pode ser dividida em dois grupos: a física e a psicológica.
A dependência física, denominada síndrome de abstinência, é constatada com o aparecimento de sinais físicos no indivíduo no momento em que este deixa de utilizar a droga ou mesmo diminui seu uso. Tais sintomas dependem do tipo de substância utilizada e aparecem algumas horas ou até mesmo dias depois do último consumo por parte da pessoa.
Já a dependência psicológica apresenta-se como estado de desconforto causado pela interrupção do uso da droga. Os sintomas mais comuns são ansiedade, sensação de vazio e dificuldade de concentração.
O dependente não consegue controlar o consumo das substâncias de que faz uso, agindo de forma impulsiva e repetitiva. Infelizmente, observa-se que no atual cenário brasileiro, os jovens adentram neste triste panorama cada vez mais precocemente.
3.3. Vício X Crime
É sabido que o consumo de drogas é um fator determinante no aumento da criminalidade, visto que o dependente, para manter seu vício, não mede esforços para efetivar o cumprimento de sua vontade e acaba por cometer delitos.
A psiquiatra Carmen Có Freitas, diretora de tratamento da Associação Brasileira de Justiça Terapêutica, entende que:
O abuso de drogas leva à violência, separação de pais e filhos, perda de empregos, sentimentos de desesperança, graves problemas de dinheiro, pais solteiros, ansiedade quanto às necessidades e cuidados com os filhos, maus relacionamentos e dificuldades emocionais e comportamentais em crianças. 14
A psiquiatra afirma ainda que:
muitos abusadores de drogas terminam presos, às vezes eles roubam propriedades para obter dinheiro para o uso de drogas ou freqüentemente cometem crimes enquanto estão sob o efeito das drogas15.
Seguindo a mesma linha de raciocínio utilizada pela psiquiatra, o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, afirma que:
Há uma relação direta entre drogas e aumento do crime e da violência. Os cartéis do narcotráfico enfraquecem governos e corrompem atividades empresariais legais. Em alguns países, mais de 50% dos roubos são cometidos por dependentes químicos para sustentar seus hábitos. Recursos gerados pela venda de drogas ilícitas financiam graves conflitos armados16.
Além disso, pesquisas realizadas pela Confederação Nacional de Municípios mostram o alastramento do crack nos vários municípios brasileiros: “Dentre os 4.400 municípios pesquisados, 89,4% indicaram que enfrentam problemas com a circulação de drogas em seu território e 93,9% com o consumo”.
Os pesquisadores citam ainda o fato de que algo em comum dentre os 90,7% dos municípios é que o uso de crack se alastrou por todas as camadas da sociedade: “A droga que, em princípio, era consumida por pessoas de baixa renda, disseminou-se por todas as classes sociais (...)”.
A pesquisa insere o tema segurança pública neste contexto afirmando que os principais problemas relacionados com a droga são “o aumento de furtos, roubos, assassinatos e vandalismo. Existem ainda apontamentos em relação à falta de policiamento nas áreas que apresentam maior vulnerabilidade”17 .
4. A JUSTIÇA TERAPÊUTICA
4.1. Nomenclatura
O modelo norte americano batizou o programa estudado, de Drug Courts (corte das drogas).
Já o programa brasileiro, buscou uma terminologia coerente, mesclando a atuação judiciária com a área da saúde. Sendo assim, a palavra justiça representa os aspectos legais e sociais do direito; enquanto, a terapêutica destaca a utilização de tratamento com o objetivo de solucionar a patologia.
Segundo Ricardo de Oliveira Silva18, criador do projeto brasileiro:
O conceito de justiça engloba os aspectos do direito, legais e sociais, enquanto o termo terapêutica, relativo à ciência médica, define tratamento e reabilitação de uma situação patológica. Assim, a nomenclatura Justiça Terapêutica consagra os mais altos princípios do direito na inter-relação do Estado e do cidadão, na busca da solução não só do conflito com a lei, mas também com os problemas sociais do indivíduos e da coletividade, nas doenças relacionadas ao consumo de drogas.
No mesmo sentido, o autor declara ainda que:
A adoção da expressão Justiça Terapêutica é justificada também por possibilitar a eliminação de possíveis estigmas que se criariam para as pessoas atendidas pelo sistema de justiça, caso fosse consignado o nome do local de atendimento e aplicação com a titulação "juizado ou vara de medidas para usuários de drogas, de dependentes químicos, de tóxicos ou de entorpecentes" o que poderia, nesta última hipótese, ser confundida com outras operacionalizações judiciais já existentes.
4.2. Origem
Grande parte dos estudiosos afirmam que a Justiça Terapêutica originou-se nos Estados Unidos, na cidade de Miami, na década de 1980. Entretanto, há quem diga que o referido assunto já vinha sendo alvo de análises por parte de um grupo de estudiosos do estado do Rio Grande do Sul. O grupo brasileiro criou um modelo no qual usuários de substâncias psicoativas, autores de delitos, deveriam ser tratados através de medidas judiciais idênticas às aplicadas aos adolescentes que praticassem atos infracionais. Esse movimento foi denominado “Justiça Terapêutica”.
O Programa Justiça Terapêutica brasileiro foi desenvolvido a partir do princípio da Atenção Integral que consiste na idéia de que as entidades de atendimento e os órgãos públicos são obrigados a zelar para que a totalidade dos direitos dos cidadãos sejam respeitados. Tal princípio está implicitamente expresso na legislação brasileira através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990.
Pioneiro na aplicação do programa Justiça Terapêutica, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do procurador de justiça Ricardo de Oliveira Silva, hoje presidente da Associação Nacional de Justiça Terapêutica, buscou solucionar o binômio droga-crime apresentando uma visão multidisciplinar em relação ao adolescente.
Tal órgão, fundamentando no princípio em questão, foi o primeiro, a trabalhar no tocante a repressão do uso de drogas nos adolescentes. Desta forma, tentando solucionar o problema utilizou-se da aplicação de medidas protetivas, dispostas no art. 101. do ECA.
As medidas mais adotadas no início do programa foram: Orientação, apoio e acompanhamento temporário (inciso II); inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente (inciso IV); requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial (inciso V) e inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (inciso VI).
Seus aplicadores tentavam abordar a questão, observando seu caráter sociológico, dando assim interpretação extensiva a lei para que a mesma tivesse seu alcance ampliado.
Após obter êxito na primeira etapa, o Ministério Público desenvolveu outros projetos, tendo como colaboradores operadores do direito além de especialistas das áreas de saúde e assistência social.
O resultado desta empreitada foi a criação do “Programa Justiça Terapêutica” que abrangia além de adolescentes, adultos.
Segundo o Promotor de Justiça Ricardo de Oliveira Silva, o
Programa de Justiça Terapêutica, que pode ser compreendido como um conjunto de medidas que visam a oferecer atenção terapêutica aos infratores usuários e/ou infratores dependentes de drogas e, com isso, a possibilidade de modificar os comportamentos anteriores delituosos para comportamentos legais e socialmente adequados.19
4.3. Modelo norte americano de Justiça Terapêutica
O instituto competente para tutelar os dependentes químicos praticantes de delitos nos Estados Unidos, que para alguns inspirou a criação do modelo brasileiro, teve origem no final dos anos de 1980, especificamente no ano de 1989.
Os tribunais americanos constataram que era grande o número de detentos condenados por envolvimento com as drogas. Diante da superlotação dos presídios, criaram um sistema em que encaminhava o detento a um tratamento e não ao encarceramento, que passou a ser denominado de Drug Courts (Corte das drogas), ou simplesmente, Tribunais para Dependentes Químicos.
A Associação Nacional de Profissionais de Tribunais para Dependentes Químicos (NADCP), dos Estados Unidos, afirma que “existem mais de 2.100 tribunais para dependentes químicos em operação em todo o território americano”.20
A Corte das drogas realiza rigoroso acompanhamento judicial aos beneficiados do programa, submetendo o infrator a um tratamento médico para recuperação da dependência da droga e só decretando o arquivamento do processo após constatar que houve reabilitação satisfatória por parte do dependente. Esta não ocorrendo, o delinquente é condenado a pena comum, como se comum fosse seu estado.
Faz-se importante destacar a eficiência do programa norte americano no declínio dos índices de criminalidade.
Segundo pesquisa realizada pela NADCP21:
(...) cinco metanálises independentes concluíram que os tribunais para dependentes químicos adultos reduzem a criminalidade de forma significativa, entre 8% e 26%. Constatou-se que tribunais para dependentes químicos bem administrados reduzem os índices de criminalidade em até 35%.
Declara mais:
Infratores que cumpriram o programa dos tribunais para dependentes químicos reduziram de forma expressiva os índices de reincidência, melhorando a segurança pública. Conclusões de um estudo de 2003 do Instituto Nacional de Justiça, realizado com 2 mil participantes de 100 tribunais para dependentes químicos de todo o país, inclusive 10 programas da Flórida, revelam um índice de reincidência de 16,4% após um ano, em comparação com 43,5% dos casos encaminhados pelo método tradicional. O índice de reincidência aumentou para 27,5% depois de dois anos, em comparação com 58,6% dos casos encaminhados do modo tradicional.
4.4. Considerações gerais
A Justiça Terapêutica é um instituto direcionado aos usuários de drogas, bem como aos indivíduos que cometem crimes por estarem sob o efeito de substância entorpecente ou para adquiri-las.
Este programa busca solucionar o binômio droga-crime, visto que este fator é uma forte influência no aumento da criminalidade no país.
O programa em tela objetiva modificar o comportamento delituoso do dependente químico, expondo ao infrator as consequências de sua conduta, tanto jurídicas, quanto relacionadas à saúde. Busca também ligar o uso da substância entorpecente ao infrator/dependente, para em seguida, transferi-lo do sistema de encarceramento para o de tratamento.
O resultado almejado é a diminuição da reincidência e consequentemente da criminalidade, e ainda, atuar na recuperação social e familiar da pessoa humana.
No entendimento do advogado André Luis Pontarolli:22
É, portanto, a Justiça Terapêutica a melhor forma de se garantir efetivamente a reintegração do usuário de drogas, que em razão delas tenha cometido crime; pois, ao possibilitar que ele trate o problema que o leva a delinquir, a pena estará funcionando como um remédio para a criminalidade e não apenas como meio de punição.
Afirma ainda que:
(...) além de ser uma forma de efetivação penal, a Justiça Terapêutica é um instituto que diminui a recidiva no uso de entorpecentes, promove a pacificação social e revela-se como alternativa à pena privativa de liberdade.
O coordenador de Justiça Terapêutica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Kac, declara:
A Justiça Terapêutica funciona como uma justiça não adversativa e mostra aos usuários de drogas que existe uma face humana no Sistema Judicial que trabalha não com a idéia de crime e castigo e sim com a possibilidade de prevenção e tratamento23.
A dependência química é um dos fatores predominantes na criminalidade. Entende-se que afastada a toxicodependência, diversos delitos deixarão de existir.
Como bem salienta Luiz Flávio Gomes:
Quem alimenta o tráfico é o usuário, logo pouco adianta prender um ou outro traficante (que sempre será substituído em sua área com prontidão), se a demanda continua alta. A velha lei do mercado diz: onde há procura há oferta! Temos que procurar diminuir o numero de usuários (mas jamais jogando qualquer carga punitiva sobre eles, que são vítimas, não criminosos). (GOMES, 2006, p. 101)
4.5. Estrutura e função
No que tange a justiça terapêutica, necessário se faz compreender a sua estrutura e seu aspecto funcional.
Na maioria dos casos, o nível de dependência química do usuário é tamanha, que o simples ato dele cumprir alguma pena, ainda que alternativa, não o leva a entender os malefícios das drogas. Esse comportamento tende apenas a agravar sua situação, uma vez que fica comprovado não ter sido solucionado os problemas relacionados à conduta criminosa nem os de dependência química.
Importante entender que muitos magistrados não dispõem de conhecimentos técnicos para avaliar e definir o tratamento adequado a ser proposto ao infrator envolvido com drogas.
Assim, o programa em tela só será eficiente nos objetivos a que se propõe se os operadores do direito trabalharem em conjunto com os diversos profissionais da área da saúde envolvidos, tais como, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e psiquiatras, formando assim uma equipe multidisciplinar na busca da reabilitação do criminoso dependente químico.
Dessarte, no caso concreto, é de extrema importância o papel da equipe multidisciplinar, pois é esta quem avalia a necessidade do tratamento, a conscientização do delinquente quanto ao seu estado físico e psíquico, o tipo de intervenção a ser adotada e o momento mais oportuno para sua aplicação.
Depois de instalada a equipe multidisciplinar o programa funciona da seguinte maneira: recebimento do infrator usuário/dependente de drogas pelo sistema de justiça; avaliação pelos operadores do direito sobre a possibilidade legal de encaminhamento ao tratamento, conforme o tipo de delito cometido; encaminhamento do infrator usuário/dependente de drogas pelos operadores do direito aos profissionais de saúde para a avaliação da necessidade e elegibilidade de tratamento; tratamento do infrator usuário/dependente de drogas pelos profissionais da saúde; simultâneo acompanhamento do tratamento pelo sistema de justiça, através do constante fluxo de comunicação entre saúde e justiça; em caso de finalização adequada do tratamento, alta e arquivamento do processo pelo sistema de justiça; em caso de não aderência ao tratamento, comunicação por parte dos profissionais de saúde ao sistema de justiça.24
Segundo o vice-presidente da Associação Nacional de Justiça Terapêutica o Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Luiz Achylles Petiz Bardou:
face a extensa territorialidade da República Federativa do Brasil, como conclusão de todo trabalho de campo, a proposta apresentada é a de que cada unidade da federação crie a estrutura necessária para a implantação da Justiça Terapêutica, de acordo com as peculiaridades locais, e que os operadores estejam capacitados segundo um padrão nacional e se empenhem na estruturação do sistema. Com essas premissas, pretende-se a redução dos danos físicos e sociais, individuais e coletivos que causam o uso de drogas em toda sociedade25.
Muitos estados brasileiros já efetivaram o programa Justiça Terapêutica, conforme veremos nos capítulos que seguem.
4.6. Oposição à Justiça Terapêutica
Assim como a maioria dos temas jurídicos, o programa Justiça Terapêutica possui doutrinadores e aplicadores que o defendem, bem como outros contrários as suas propostas e aplicações.
Um dos pontos polêmicos em relação ao programa é o tratamento compulsório do indivíduo. Os contrários a aplicação da Justiça Terapêutica afirmam que a obrigatoriedade do tratamento fere o princípio da liberdade da pessoa, pois não é dado ao delinquente oportunidade de manifestar-se a respeito do tratamento a que será submetido, tornando-o assim ineficaz.
Katherine Lages Contasti Bandeira26, em brilhante artigo sobre o tema, cita a opinião da advogada Elisangela Melo Reghelin, esta, contraria ao Programa Justiça Terapêutica, faz um paralelo entre o programa brasileiro e o modelo adotado nos Estados Unidos, afirmando basicamente que as “Drugs Courts atuam na contramão das políticas descriminalizantes”.
Para a citada advogada:
o programa norte americano coopera com a descriminalização exigindo testagem de abstinência obrigatórias, exigências de comparecimento regular às terapias, colaboração dos testes de drogas, além de comparecer e demonstrar desempenho na escola, estágios profissionalizantes e laborativos.
Concluindo que:
Não há um só programa sério que não indique como primeiro passo o desejo do sujeito dependente [...] como se punir e curar, voltassem os braços um do outro, como no perigosismo curativo do positivismo.
O respeitado doutrinador Luiz Flávio Gomes também se posiciona contrário ao instituto em tela, afirmando ainda que:
(...) nenhum tratamento pode ser imposto. Tratamento compulsório está fadado a não produzir nenhum resultado positivo. Todo tratamento só tem chance de prosperar quando há efetiva (e ativa) participação do paciente. E mesmo assim, quando bem individualizado. Remarque-se, de outro lado, que a denominada Justiça Terapêutica necessita de estrutura, de profissionais capacitados e, sobretudo, de muito investimento27.
4.7. Tratamento compulsório determinado no programa
A dependência química, como anteriormente visto, é definida pela Organização Mundial de Saúde como sendo uma espécie de doença. Partindo desta premissa, pode-se concluir que a maioria, senão a totalidade das pessoas beneficiadas pelo instituto da justiça terapêutica são enfermos, necessitando de tratamento específico.
Neste ínterim, a psiquiatra Carmen Có Freitas28 discorda das opiniões contrárias à imposição de tratamento compulsório aos delinquentes. Ela entende que “o simples desejo do paciente em se tratar ou não, não tem o poder de interferir na efetividade do tratamento existente para qualquer enfermidade”.
A especialista afirma ainda que
a sensação de bem estar ou prazer que as substâncias psicoativas geram, o quadro clínico da síndrome da dependência de drogas, a culpa e a vergonha que a maioria dos usuários sentem e o ainda existente preconceito social, contribuem para que o portador desta enfermidade "não queira" ou não consiga pedir ajuda através de um tratamento. Isto, por outro lado, não significa que o tratamento para a síndrome da dependência química "não funcione".
Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com cerca de 170 usuários de crack, ficou constatado que 62,3% gostariam de parar de usar a droga, 47% se submeteriam a um tratamento da dependência química, 18,8% gostariam de se submeter a um tratamento que permitisse apenas diminuir o consumo e 18,9% não desejam interromper ou diminuir o consumo da drogas. Destaca-se que 34% aceitariam que o tratamento da dependência da droga envolvesse, ocasionalmente, uma internação involuntária29.
Com o intuito de avaliar a eficiência do tratamento involuntário, entre os anos de 2000 a 2005 foi realizada uma pesquisa no estado do Texas, Estados Unidos, com 27.198 indivíduos usuários de maconha.
A pesquisa apurou que 69% dos envolvidos foram forçados a se tratar pela justiça criminal, sendo que o restante buscou o tratamento voluntariamente.
O resultado final foi o seguinte: o tempo de permanência no tratamento foi maior no grupo de tratamento involuntário e este grupo completou o tratamento, sendo que, 84% do grupo involuntário e 77% do grupo voluntário não tinham usado maconha 90 dias após a última visita ao serviço.
Os pesquisadores notaram que o grupo tratado involuntariamente manteve a abstinência por mais tempo. Assim, concluíram que o tratamento involuntário garante mais tempo no tratamento e os resultados são, por isso, melhores30.