6. EXEMPLOS DE ESTADOS DA FEDERAÇÃO QUE APLICAM O PROGRAMA JUSTIÇA TERAPÊUTICA
6.1. Rio Grande do Sul
No final da década de 1990, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do procurador Ricardo de Oliveira Silva, tornou-se pioneiro na aplicação do programa Justiça Terapêutica.
O Tribunal de Justiça do Estado, em relação ao programa declarou ser este “um instrumento judicial para evitar a imposição de penas privativas de liberdade ou até mesmo penas de multa - que, no caso, podem se mostrar ineficientes -, deslocando o foco da punição pura e simples para a recuperação biopsicossocial do agente”38.
Diante da evolução do projeto, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado, no ano de 2000, ampliou sua aplicação aos casos de direito de família e buscou estende-lo as Comarcas das cidades do interior.
Exemplo desta expansão aconteceu na cidade de Caxias do Sul em meados de 2007, onde o Poder Judiciário, junto com a Procuradoria-Geral, lavrou um termo de convênio para implantação do projeto na Comarca.
A aplicação do projeto inicia na audiência. Verificada a relação de drogas com o cometimento do delito, o Representante do Ministério Público propõe ao infrator o tratamento contra a drogadição. Uma vez aceita, o infrator sai da audiência com data agendada para comparecer a instituição conveniada, pública ou privada, levando consigo cópia da ata de audiência.
Na instituição será realizada, por meio de equipe especializada, entrevista de avaliação preliminar com o infrator e familiares, sendo observado aspectos relevantes, tais como proximidade da residência ao local do tratamento, as condições sócio-econômicas e horários disponíveis do infrator. Neste primeiro contato, será abordada a importância do tratamento, buscando sensibilizar o dependente químico.
O juiz do 2º Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre, Amadeo Butelli, afirma que o objetivo é “provocar na pessoa a consciência de que, persistindo com aquele comportamento, ela terá sérios prejuízos, e que ela precisa de um tratamento de saúde”39.
Após esta avaliação, a equipe redirecionará o tratamento, se assim fizer necessário.
O acompanhamento dos encaminhados ao projeto é realizado por meio de visitas, contatos telefônicos e reuniões, com a presença de um magistrado, quando possível, e os atuantes da área da saúde, existindo uma folha de frequência, para controle do tratamento.
Foi constatado que no início da aplicação do programa Justiça Terapêutica, entre 2002 e 2003, 81,8% dos menores infratores compareceram às entrevistas agendadas, sendo que nos casos de faltas não justificadas, foram realizados contatos visando novo agendamento, bem como visitas domiciliares.
O índice dos menores infratores que aderiram ao projeto na rede pública chega a 83,7%, sendo que na rede privada, este mesmo índice aumenta para 89,3% de presenças às consultas.
Entre os adultos, nos anos de 2001 a 2006, para cada 10 usuários/dependentes de drogas que cometeram um delito, 7 aceitaram o tratamento proposto.
O sucesso do programa comprova-se pelo fato de que no ano de 2007, foram encaminhadas 589 propostas de tratamento através do Programa de Justiça Terapêutica. No ano seguinte, em 2008, ocorreram 2.613 propostas de suspensão do processo e 989 propostas de transação penal, relacionadas com o Programa de Justiça Terapêutica40.
6.2. Pernambuco
O Estado de Pernambuco é o responsável pela criação do primeiro Centro de Justiça Terapêutica (CJT) da América Latina.
A instituição, inaugurada em 2001, funciona na sede do fórum da capital pernambucana, e apresenta uma grande estrutura técnica para submeter o infrator/dependente a um tratamento de saúde adequado, possuindo uma unidade médica, psicológica e de assistência social.
Após os operadores do Direito constatarem a relação do crime cometido com o uso de drogas, encaminham o infrator ao Centro de Justiça Terapêutica. O próximo passo é a realização de avaliação fática e psíquica do indivíduo por uma equipe técnica, e, logo após, a própria equipe determina se o tratamento ocorrerá no centro ou em uma instituição conveniada, esta monitorada pelo CJT.
O tratamento consiste num acompanhamento psiquiátrico e psicológico, por meio de terapia individual, em grupo e familiar além de acompanhamento da relação familiar, social e laboral do infrator.
A respeito, o médico psiquiatra atuante no Centro, José Marques Costa Filho, esclarece: "Nós escolhemos aplicar um tratamento sem fazer uso de medicamentos porque acreditamos que não se resolve o problema ao substituir uma droga por outra”.41
Após a conclusão do tratamento, o magistrado é informado para que, concordando com os resultados, determine o arquivamento do processo. Entretanto, ocorrendo infração de regras ou mesmo a não conclusão do tratamento, ocorrerá a tramitação normal do processo.
O Centro de Justiça Terapêutica apresenta como programação de tratamento: a desintoxicação, o tratamento de dependência, a aquisição de habilidades, a melhoria no relacionamento interpessoais, a prevenção, a reinserção social e o envolvimento dos familiares42.
O juiz-coordenador do Centro, Flávio Augusto Fontes de Lima, declara a respeito da instituição "A Justiça Terapêutica permitiu que as causas da criminalidade pudessem ser enfrentadas em suas raízes. Muitos delitos são cometidos em função dos efeitos do uso disfuncional de drogas”43.
A equipe técnica atuante no CJT apurou que desde a criação do Centro até início do ano de 2008, participaram do projeto 207 processos, entre estes, 51 concluíram o tratamento (25%), 44 encontram-se em tratamento (21%), 73 abandonaram (36%), 17 serão ainda avaliados (8%), 15 foram presos (7%) e 7 mortos (3%)44.
O Diretor do Centro, José Marques Costa Filho, afirma que no que tange ao programa, “Só são tratadas no centro as pessoas encaminhadas pelos Juizados. Nesses nove anos, nós já atendemos mais de 300 pessoas. A grande maioria saiu recuperada e voltou a sua vida normal”45.
CONCLUSÃO
A Justiça Terapêutica consiste em um programa de tratamento imposto aos dependentes químicos que cometem delitos, sob efeito de drogas ou para adquiri-las. Esta proposta, considerada como uma alternativa penal, busca solucionar o problema droga-crime, oferecendo o devido tratamento ao dependente químico infrator e, com isso, diminuindo o cometimento de crimes relacionados com as drogas.
Por meio de um trabalho multidisciplinar, entre os operadores de direito e profissionais da área da saúde, pode a Justiça Terapêutica ser implementada, não fazendo-se necessária a criação de estabelecimento específico, uma vez que pode ser aplicada na rede pública ou privada.
Estamos certos de que a dependência química é uma doença, e como tal, merecedora de um tratamento e, como forma de curá-la seria a implementação do programa em tela, uma vez que a mesma desencadeia a prática de ilícitos penais, os quais poderão ser solucionados.
Como todo tema polêmico, este não foge à regra, existindo, portanto, opiniões contrárias ao tratamento compulsório presente no programa. Contudo, ficou claro que o mesmo é eficaz e relevante para a ressocialização e reinserção do delinquente na sociedade.
Importante se faz destacar que o Direito Penal brasileiro por meio do princípio da reserva legal, permite o desenvolvimento do programa, existindo normas explícitas e implícitas em nosso ordenamento jurídico.
Através do presente estudo, concluímos a eficiência da aplicação da Justiça Terapêutica, como vem ocorrendo nos estados do Rio Grande do Sul e Pernambuco que apresentam resultados positivos com a implementação do programa, não tratando-se de mera teoria e sim de possível aplicabilidade.
Diante de tudo o que foi exposto, conclui-se que a sociedade vem sendo atingida pelas drogas, incentivadoras de cometimento de delitos, motivo pelo qual as propostas que visem a mudar esse tormentoso cenário merecem a devida análise dos estudiosos da área do Direito.
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