Inelegibilidade por rejeição de contas.

Aspectos controversos

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O artigo tem enfoque nas questões controvertidas quanto à inelegibilidade por rejeição de contas.

Resumo: A Lei Complementar nº 64, de 1990, em cumprimento ao disposto no art. 14, § 9º da Constituição Federal, estabeleceu as hipóteses infraconstitucionais de inelegibilidade, dentre as quais, a hipótese por rejeição de contas, prevista em seu art. 1º, I, alínea “g”. Dentre as várias hipóteses de inelegibilidade trazidas pela lei, certamente esta é a mais debatida. E não sem razão. Para sua configuração é necessário o preenchimento de alguns pressupostos, todos eles suscetíveis de inumeráveis questionamentos. Todavia, daremos enfoque as questões mais controvertidas, concernente a qualificação da insanabilidade das contas, sua configuração como ato doloso de improbidade administrativa, ambos requisitos sob competência da justiça eleitoral, e por fim a competência para o julgamento das referidas contas.


1. INTRODUÇÃO

A capacidade eleitoral passiva é um direito fundamental, e, portanto, base do Estado Democrático de Direito. Este trabalho tem como cerne o estudo de uma de suas limitações, sendo causa de impedimento ao candidato.

A hipótese de inelegibilidade com base na rejeição de contas tem seu fundamento na Lei Complementar 64/90, que regulamenta o art. 14, § 9º da Constituição Federal.

Diversas incongruências existem nos requisitos para configuração da referida inelegibilidade, conquanto sejam as mais latentes a qualificação da insanabilidade das contas, sua configuração como ato doloso de improbidade administrativa, ambos os requisitos sob competência da justiça eleitoral, e por fim a competência para o julgamento das referidas contas, pontos esses que serão discutidos no presente trabalho.


2. DIREITOS POLÍTICOS

Os direitos políticos podem ser conceituados, de uma forma simplista, como um conjunto dos direitos atribuídos aos cidadãos, que lhes permite ter efetiva participação nas atividades do Estado.

Nas palavras de Castro (2016, p.83), “Os direitos políticos são, para o cidadão, o reconhecimento da lei quanto à sua capacidade de participação na formação do governo e na tomada de decisões estatais”.

Na concepção de Bueno, apud Castro (2016, p.83), os direitos políticos são:

Prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de vontade ou eleito, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado.

Silva (2008, p.329), disserta que:

O regime representativo desenvolveu técnicas destinadas a efetivar a designação dos representantes do povo nos órgãos governamentais. A princípio, essas técnicas aplicavam-se empiricamente nas épocas em que o povo deveria proceder à escolha dos seus representantes. Aos poucos, porém, certos modos de proceder, foram transformando-se em regras, que o direito democrático de participação do povo no governo, por seus representantes, acabara exigindo a formação de um conjunto de normais legais permanentes, que recebera a denominação de direitos políticos.

Base do Estado Democrático, nossa Constituição Federal de 1988 dedica seu Capítulo IV aos direitos políticos. Neste capítulo, a Carta Magna estabelece as condições de elegibilidade, bem como as causas de inelegibilidade, acrescentando ainda, consoante disposto no § 9º de seu art. 14, que compete à lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade.

2.1 CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE

Podemos afirmar consoante ensina Gomes (2016, p. 196) que “as condições de elegibilidade são requisitos positivos que o cidadão deve preencher para ser candidato a cargo eletivo; aqui se encontra em jogo a capacidade eleitoral passiva, o jus honorum”.

Para Castro (2016, p. 130-131), “a elegibilidade é a capacidade eleitoral passiva, consistente na possibilidade de o cidadão pleitear determinados mandatos políticos, mediante eleição popular, desde que preenchidos outros requisitos”.

As condições de elegibilidade retrata a aptidão pessoal de ser eleito, desde que atendidas às condições previstas na Constituição Federal, consoante estabelecido seu art. 14, § 3º, que reza:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária; Regulamento

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Tais condições, por óbvio, devem ser estritamente preenchidas, para que o cidadão possa ter o direito de ser eleito.

2.2 CAUSAS DE INELEGIBILIDADE

A inelegibilidade, escopo do presente trabalho, por sua vez, ao contrário das condições de elegibilidade, que como visto, são requisitos que, uma vez preenchidos asseguram o “jus honorum”, caracteriza-se por ser causa de impedimento, que afetam a capacidade eleitoral passiva.

Consoante ensina Gomes (2016, p. 195):

Denomina-se a inelegibilidade ou ilegibilidade o impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político eletivo. Em outros termos, trata-se de fator negativo cuja presença obstruiu ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exerce mandato representativo. Tal impedimento é provocado pela ocorrência de fatos previstos na Constituição ou em lei complementar. Sua incidência embaraça a elegibilidade.

Conforme definição do Ministro Fernando Neves:

(...) A inelegibilidade importa no impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado, não atingindo, portanto, os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos políticos(...). (Ac. de 3.6.2004 no AgRgAg no 4.598, rel. Min. Fernando Neves.).

Costa, apud Santana e Guimarães (2012, p. 77), conceitua a inelegibilidade como “o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade”.

A inelegibilidade, tida como regime jurídico, tem como fundamentos precípuos, consoante reza a Constituição, a proteção à probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A Carta Magna estabelece hipóteses de inelegibilidade em seu art. 14, §§ 4º a 7º, verbis:

Art. 14.

(...)

§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997).

§ 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

As hipóteses de inelegibilidade constitucionais são de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Em relação à distinção das hipóteses de inelegibilidade, disserta Gomes: (2016, p. 207).

A distinção entre as inelegibilidades constitucionais ou legais não é cerebrina, apresentando inegável relevância prática. Basta dizer que não há preclusão quanto às primeiras, as quais podem ser arguidas na fase do registro de candidatura ou posteriormente, antes ou depois das eleições. (...) Já as inelegibilidades legais sujeitam-se à preclusão se não forem levantadas na fase de registro de candidatura. Ultrapassado esse momento, não mais poderão ser discutidas, salvo se supervenientes.

Quanto as inelegibilidade infraconstitucionais ou legais, a Constituição no § 9º do precitado artigo, estabeleceu que:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).

Regulamentando tal dispositivo, a Lei Complementar nº 64 de 1990, estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências.

A doutrina normalmente divide as inelegibilidades em dois grandes grupos: as inelegibilidades absolutas e as inelegibilidades relativas. Em brevíssima síntese, podemos afirmar que, as inelegibilidades absolutas são aquelas que atingem qualquer cargo em disputa, conduzindo ao impedimento àquele que se encontre na hipótese prevista.

Silva (2008, p. 390) nos traz o conceito de inelegibilidade absoluta:

As inelegibilidades absolutas implicam impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. Quem se encontre em situação de inelegibilidade absoluta não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear eleição para qualquer mandato eletivo e não tem prazo para desincompatibilização que lhe permita sair do impedimento a tempo de concorrer a determinado pleito.

Por sua vez, as inelegibilidades relativas, consoante ensina o mestre Alexandre de Moraes, apud Santana e Guimarães (2012, p. 87), “constitui-se pelas restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações pessoais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão”.

Dentre as causas de inelegibilidade infraconstitucionais previstas pela Lei Complementar 64/90, interessa-nos, no presente trabalho, a prevista no art. 1º, inc. I, alínea “g”, caracterizada pela rejeição de contas.


3. INELEGIBILIDADE POR REJEIÇÃO DE CONTAS

Importa-nos aqui, especificamente, a causa de inelegibilidade por rejeição de contas. Referida hipótese, conforme visto anteriormente encontra-se prevista, no art. 1º, I, “g” da LC 64/90 que assim dispõe:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Consoante extrai-se do dispositivo trás citado, a configuração desta hipótese demanda o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) a existência de prestação de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; 2) sua rejeição por irregularidade insanável; 3) a caracterização da referida irregularidade como ato doloso de improbidade administrativa; 4) decisão irrecorrível do órgão competente.

3.1 INSANABILIDADE DAS CONTAS

Diversas incongruências existem nos requisitos para configuração da inelegibilidade com base na rejeição de contas, conquanto sejam as mais latentes a qualificação da insanabilidade das contas, sua configuração como ato doloso de improbidade administrativa, ambos requisitos sob competência da justiça eleitoral, e por fim a competência para o julgamento das referidas contas.

O primeiro deles diz respeito quanto à constatação da irregularidade das contas. Nesse ponto, recorremos à Lei 8.443/1992, que dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que assim dispõe sobre o julgamento das contas em seu âmbito:

Art. 16. As contas serão julgadas:

I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;

d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

§ 1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas.

Por sua vez, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em seu Regimento Interno, Resolução 12/2008, assim dispõe:

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Art. 250. As contas serão julgadas:

I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis e a legalidade, a legitimidade, a economicidade e a razoabilidade dos atos de gestão do responsável;

II - regulares, com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão do dever de prestar contas;

b) prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico;

c) infração grave a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

d) dano injustificado ao erário, decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; e) desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

Vejamos que, não há menção nos dispositivos legais, quanto à insanabilidade das irregularidades das contas. Ou seja, quando da manifestação pelo órgão de controle, ainda que pela irregularidade das contas, não há determinação legal da ressalva da insanabilidade da irregularidade.

Imperioso ressaltar que, o próprio conceito de insanabilidade ainda é antinômico na doutrina. Nas palavras de Cândido (1999, p. 185), caracteriza uma “irregularidade insuprível e acarreta uma situação de irreversibilidade na administração pública e seus interesses, além de se caracterizar como improbidade administrativa”.

Já Gomes (2016, p. 250), afirma que “insanáveis, frisa-se, são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública”.

Voltemos à redação do dispositivo objeto do presente trabalho: “(...) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”.

Pela interpretação do dispositivo, e como já afirmamos anteriormente, a insanabilidade e a caracterização de improbidade administrativa são requisitos distintos. É latente que, nem toda irregularidade é insanável, e, portanto, o fato de caracterizar vício insanável, por óbvio não conduz à caracterização de improbidade administrativa.

Nesta seara, não havendo manifestação do órgão de controle, quanto à natureza da irregularidade, posto não ser este requisito legal, como aferí-la?

Freitas (2010, p. 11), enfrenta o mesmo questionamento:

Então, o que poderia ser considerada irregularidade insanável? O Tribunal Superior Eleitoral entende que irregularidade insanável “é aquela que indica ato de improbidade administrativa, assim como definida na Lei nº 8.429/92 ou qualquer forma de desvio de valores” (Recurso Ordinário nº 588/PR, Relator Min. Fernando Neves. Publicado em sessão em 23.09.2002). Observa-se que o traço distintivo de uma irregularidade sanável de outra dita insanável está, portanto, não apenas vinculada à questão da correção do ato, mas também na nota de má-fé por parte do agente.

Por sua vez, Gomes (2016, p. 250) defende que, “A insanabilidade é requisito posto pela lei eleitoral para configuração da inelegibilidade. É, pois, da Justiça Eleitoral a competência privativa, absoluta para apreciá-la.”

Este não é o entendimento do qual comungamos. Não havendo manifestação do órgão de controle sobre a essência do ato, é impossível que a Justiça Eleitoral possa extrair, tão somente do acordão da Corte de Contas se aquela irregularidade é sanável ou não. Então ela o faz genericamente. Coube à justiça eleitoral a competência para realizar o enquadramento jurídico do vício constatado, interpretando-o como sanável ou insanável.

Ora, não nos parece razoável deslocar para a Justiça Eleitoral, a competência de análise de matéria técnica atribuída aos tribunais de contas, concernente à natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

Tal assertiva nos parece tão somente uma tentativa de legitimar os equívocos do dispositivo legal em comento, superestimando a competência da Justiça Eleitoral como órgão multijogador, justificada pela ineficiência dos demais órgãos.

Ora, não se está aqui a defender a ausência de requisitos de participação passiva no sufrágio. Aquele que, a exemplo, dolosamente, deu prejuízo ao erário, enriqueceu ilicitamente, ou praticou com dolo atos de má-gestão, há de se ter seu direito restrito. Contudo, o cerne da crítica, é que, o órgão do qual perfaz tal julgamento, deveria tão somente aferir positiva ou negativamente os direitos políticos, função essa da justiça eleitoral, conquanto as sanções de natureza cíveis e penais, das quais culminariam em tais restrições haveriam de ter sido realizadas a tempo e modo pelos órgãos competentes, pela justiça comum, a exemplo, e dada sua ineficiência, o único modo seria cumular as funções no órgão do qual poderia funcionar como uma última barreira.

3.2 CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Prosseguindo nessa análise, há de se mencionar que, não basta tão somente a análise da insanabilidade da irregularidade. Para a configuração da inelegibilidade do dispositivo em apreço, há necessidade que tal irregularidade configure ato doloso de improbidade administrativa.

Tal requisito foi inserido no dispositivo legal pela Lei Complementar nº 135/2010, a popularmente chamada “Lei da Ficha Limpa”.

Relevante, nesse ponto, mencionar que, não obstante a alteração do Art. 1º, I, “g” da LC 64/90, a Lei 9.504/97, permaneceu inalterada nesse ponto, mesmo com a reforma eleitoral, na talvez por um lapso dos legisladores, contabilizando mais um de seus inúmeros equívocos, ficando, pois, em dissonância com a nova redação do dispositivo.

É o que se infere do art. 11 da Lei 9.504/97, que dispõe sobre o pedido de registro, nada dispondo sobre o requisito da configuração de improbidade administrativa, vejamos:

Art. 11

§ 1º O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:

(...)

§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.

Podemos afirmar, seguramente, que, esse ponto é um dos mais suscetíveis de questionamentos, por encontrar inúmeros óbices em nosso ordenamento jurídico, muito embora encontre renomados doutrinadores que demonstram apoio incondicional à literalidade do dispositivo.

Vejamos que, a improbidade administrativa, como cediço, caracteriza sanção. Consoante afirma Lessa (2011, p. 26), a improbidade tem “natureza iniludivelmente punitiva”.

Nesta seara, não por outro motivo, sua condenação prescinde de processo, de rito especial, previsto na Lei 8.429/ 92, no qual são assegurados os direitos constitucionais ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Todavia, parece-nos que, fora insculpida uma nova modalidade de improbidade administrativa. A improbidade administrativa apenas eleitoral, sem reflexo nas demais searas.

Gomes (2016, p. 250), a exemplo, leciona:

Na presente alínea g, o requisito de que a irregularidade também configure “ato doloso de improbidade administrativa” tem a única finalidade de estruturar a inegibilidade. Logo, é da Justiça Eleitoral a competência para apreciar essa matéria e qualificar os fatos que lhe são apresentados; e a competência aí á absoluta, porque ratione materiae. É, pois, a Justiça especializada que dirá se a irregularidade apontada é insanável, se configura ato doloso de improbidade administrativa e se constitui ou não inegibilidade. Isso deve ser feito exclusivamente com vistas ao reconhecimento de inegibilidade, não afetando outras esferas em que o os mesmos fatos possam ser apreciados. Destarte, não há falar em condenação em improbidade administrativa pela Justiça eleitoral, mas apenas em apreciação e qualificação jurídica de fatos e circunstâncias relevantes para a estruturação da inegibilidade em apreço. Nota-se, porém, que havendo condenação emanada da Justiça Comum, o juízo de improbidade aí firmado vincula a Justiça Eleitoral; esta não poderá negar a existência de improbidade, sob pena de haver injustificável contradição na jurisdição estatal.

Esse também é o posicionamento de Cândido (1999, p. 187), que defende que:

(...) compete à Justiça Eleitoral apontar, frente ao caso concreto, se a irregularidade é sanável ou insanável, bem como se ela se elege, ou não, como improbidade administrativa, para os fins a que se refere o art. 1º, I, e, da LC nº 64/90, ora resumidamente aqui analisado.

Corrobora do mesmo raciocínio Almeida (2016, p. 104), que assevera que “caberá à Justiça Eleitoral Examinar a matéria, qualificar se os fatos a ela apresentados configuram “irregularidade insanável” e “ato doloso de improbidade administrativa” para, ao final, decidir pela elegibilidade ou inelegibilidade do candidato.”

Com esse posicionamento não comungamos.

O conceito de improbidade administrativa, consoante lição de Osório (1998, p. 61):

Mais especificamente, a improbidade decorre da quebra do dever de probidade administrativa, que descende, diretamente, do princípio da moralidade, administrativa, traduzindo dois deveres fundamentais aos agentes públicos: honestidade e eficiência funcional mínima. Daí decorre a idéia de que improbidade revela violação aos deveres de honestidade ‘latu sensu’ e eficiência profissional em sentido amplo. Ímprobo é o agente desonesto, tanto que se fala, de modo pouco técnico, em lei anticorrupção (terminologia impregnada de conteúdo do direito penal), indicando-se que a falta de honestidade é causa de improbidade; mas também é ímprobo o agente incompetente, aquele que, por culpa, viola comandos legais, causando lesão ao erário, demonstrando, ineficiência intolerável no desempenho de suas funções.

E, ainda, consoante, afirma Copola (2006, p. 31):

Ninguém, portanto, é ímprobo por acaso, nem desonesto por imperícia, nem velhaco por imprudência, nem inidôneo se não quiser sê-lo ostensiva e propositadamente. Com todo efeito, sem o elemento volitivo presente; sem a vontade de delinqüir, de lesar, de tirar ilegítimo proveito, de locupletar-se indevidamente, de enriquecer ilicitamente, ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma vez que essa pecha somente tem sentido técnico-jurídico, e mesmo lógico, se e quando imputada ao mal-intencionado, ao desonesto de propósitos, ao golpista, ao escroque. Quem não se enquadra n’alguma dessas infames categorias será tudo no planeta – menos praticante de ato de improbidade. Improbidade é figura que, em direito penal, civil ou administrativo, exige a essencial intencionalidade delitiva, a vontade ativa e efetiva de praticar ato sabidamente inadmitido pelo direito. Trata-se de má-fé plenamente caracterizada, é a má intenção do agente.

Ora, para que, haja a aplicação da sanção, a própria Lei 8.429/1992, em seu art. 20, expressamente dispõe: “A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.”.

Não há como admitir condenação, pela justiça eleitoral, sem que tenha havido o devido processo legal. Não há espaço para tal em nosso ordenamento jurídico.

Vejamos que, a improbidade, significa o ímpeto, o desejo, a desonestidade, a imoralidade enquanto gestor. Há de se ter o elemento anímico minimamente provado. É imprescindível a análise do elemento subjetivo para fins de configuração de ato de improbidade administrativa.

Então, como admitir que haja tal condenação, ainda que a doutrina tente disfarça-la como “enquadramento para fins de reconhecimento da inelegibilidade”? Ora, uma das sanções mais graves previstas na Lei de Improbidade é a perda dos direitos políticos.

E mais, tal condenação seria advinda de um procedimento administrativo, ou uma ação de jurisdição voluntária. Isso porque, o processo de registro de candidatura, onde são analisados os requisitos de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, consoante afirma Soares da Costa apud Gomes (2016, p. 335), é “uma ação de jurisdição voluntária, sem espaço para o estabelecimento de contraditório”.

Insta ressaltar que, muito embora, haja a percepção pelo o TSE da necessidade de qualificar e julgar a condita dos gestores, consoante se extrai dos julgamentos abaixo transcritos, tal fato não tem o condão de legitimar o procedimento, tendo em vista não tratar-se de órgão e procedimento próprio para tal.

“Eleições 2012. [...]. Recurso especial. Registro de candidatura. Prefeito. Dolo. Ausência. Mera imperícia. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da LC n. 64/90. Não configuração. [...]. 1. O dolo é elemento indispensável para a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC n. 64/90 [...], e não se confunde com a mera imperícia do administrador. 2. In casu, não há elementos que indiquem dolo, má-fé, enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, não podendo se falar em inelegibilidade decorrente da rejeição de contas públicas. [...]”

(Ac. de 29.10.2013 no AgR-REspe nº 20265, rel. Min. Luciana Lóssio)

No mesmo sentido o Ac de 25.10.2012 no REspe n. 60513, Rel. Min. Dias Toffoli.

“[...]. Eleições 2014. Deputado estadual. Registro de candidatura. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da LC 64/90. Rejeição de contas públicas. Irregularidade insanável. Ato doloso de improbidade administrativa. Não configuração. [...] 1. O Tribunal Superior Eleitoral entende que nem toda rejeição de contas enseja a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90. Cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos públicos, dano ao erário, reconhecimento de nota de improbidade, grave violação a princípios, dentre outros, isto é, circunstâncias que revelem a lesão dolosa ao patrimônio público ou o prejuízo à gestão da coisa pública. 2. No caso dos autos, a despeito de a irregularidade consistir na ausência de concurso público para o preenchimento do quadro de servidores do Consórcio Intermunicipal para Conservação e Manutenção de Vias Públicas Municipais, verifica-se que os serviços foram efetivamente prestados pelos funcionários contratados e que, ademais, havia controvérsia acerca da natureza jurídica do consórcio público. [...]”

(Ac. de 11.11.2014 no AgR-RO nº 121676, rel. Min. João Otávio de Noronha.)

Há mais, o TSE vem se manifestando no sentido da presunção do dolo, admitindo ato doloso de forma genérica, conquanto cediço que, para caracterização do dolo, haveria de se provar o dolo específico. Nesse sentido:

Eleições 2012. Registro de candidatura. Indeferimento. Rejeição de contas. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Incidência. 1. O descumprimento da Lei nº 8.666/93 e o não recolhimento de contribuições previdenciárias constituem irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa, para efeito da verificação da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. 2. Para a caracterização da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da Lei das Inelegibilidades, não se exige o dolo específico, bastando para tal o dolo genérico ou eventual, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais, que vinculam e pautam os gastos públicos. (...)

( Ac. de 23.5.2013 no AgR-REspe nº 12726, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)

Como se não bastasse, o TSE, já entendeu por irregularidades insanáveis que configuram atos de improbidade administrativas certas condutas, das quais, a partir desta “listagem” já considera a elegibilidade ou inelegibilidade do candidato.

Nesse sentido:

(...). Registro de candidatura. Indeferimento. Eleições 2012. Vereador. Rejeição de contas pelo TCE/ES. Ex-presidente da Câmara Municipal. Ausência de recolhimento de contribuição previdenciária e extrapolação dos limites de gastos pelo poder legislativo. Art. 29-A. Irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade. Incidência da inelegibilidade do art. 1°, I, g, da LC n° 64/90. [...] 1. Nos termos da orientação fixada neste Tribunal, o não recolhimento de verbas previdenciárias e a extrapolação dos limites de gastos pelo Poder Legislativo Municipal previstos na Constituição Federal são irregularidades insanáveis que configuram atos dolosos de improbidade administrativa. 2. O saneamento do processo promovido pelo TCE com base na sua legislação específica, diante da quitação do débito, não tem o condão de assentar a boa-fé e a ausência de dolo por parte do recorrente, porquanto o dolo a se perquirir para a incidência da inelegibilidade por rejeição de contas se refere às condutas irregulares praticadas. [...]”

(Ac. de 19.8.2014 no REspe nº 4366, rel. Min. Luciana Lóssio.)

(...) Registro de candidatura. Indeferimento. Eleições 2012. Pagamento de verba indenizatória. Improbidade administrativa. [...] 1. O Tribunal Superior Eleitoral possui jurisprudência no sentido de que o pagamento de verba indenizatória a vereadores, pela participação em sessão extraordinária, constitui irregularidade insanável e ato doloso de improbidade administrativa, aptos a atrair a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. Precedente. (...)”

(Ac. de 2.4.2013 no AgR-REspe nº 33810, rel. Min. Luciana Lóssio.)

É notória a contradição da possibilidade do pretenso aferimento da improbidade administrativa pela Justiça Eleitoral. Ora há uma latente supressão de estância, com a suspensão automática dos direitos políticos sem o devido processo legal, com clara ofensa aos Princípios do Juiz Natural e da Presunção de Não-Culpabilidade.

Coneglian (2016, p. 111), resume de forma brilhante o equívoco perpetrado pelo dispositivo legal em comento:

Conforme disposto neste §5º, do art. 11, os tribunais e conselhos de contas devem deixar à disposição da Justiça eleitoral a relação nominal dos que tiverem as contas rejeitadas. Os tribunais e conselhos de contas não devem fazer qualquer menção à inelegibilidade, já que não compete a eles essa declaração. Devem restringir-se a informar a desaprovação das contas. O que não está claro é se as contas rejeitadas já devem sair dos tribunais e conselhos de contas com o síntese de “irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”. A atual redação traz alguns problemas. Se os tribunais e conselhos municipais de contas devem declarar que a irregularidade insanável configura ato doloso de improbidade administrativa, passa-se a dar a esses conselhos função precípua do Poder Judiciário. Se não se pode exigir deles a decisão nesse sentido, então tal decisão só poderá vir do Poder Judiciário. E aí se pergunta: pode a Justiça eleitoral examinar, num processo de registro de candidatura, com ou sem impugnação ao registro, se um ato do mandatário configurou ou não ato doloso de improbidade administrativa? Qualquer resposta, positiva ou negativa, trará implicações profundas. Para que a resposta seja positiva, então deve ficar claro que haverá uma ação, no âmbito da Justiça Eleitoral, para que esta declare o dolo ou a ausência de dolo no ato administrativo. E isso implica uma ação que foge do processo eleitoral. Se a resposta for negativa, ou seja a competência é da Justiça Comum, estadual ou federal, então a declaração de inelegibilidade terá necessariamente que esperar a decisão judicial, não podendo se declarada em processo de registro. A Lei da Ficha limpa quis criar uma solução e criou um problema.

Desta feita, ainda que a intenção do dispositivo legal seja a proteção do acesso aos cargos públicos por aqueles que tenham de qualquer forma violado os deveres do Estado, e que tal fato, como aponta Pinto (2008, p. 3) “atenta contra a própria sobrevivência do Estado enquanto veículo de realização dos mesmos interesses coletivos”, a utilização da presente via demonstra sua completa inadequação ao ordenamento jurídico, encontrando óbices à sua aplicação e por via de consequência, suscetível de infindáveis questionamentos.

3.3 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS CONTAS

Não bastasse as recorrentes incongruências do dispositivo legal, há ainda uma discussão em voga e extrema relevância e repercussão no tocante à competência no julgamento das contas, quando constatada a rejeição, que ensejaria a inelegibilidade do candidato à teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90.

Vejamos que o dispositivo objeto do presente trabalho, traz uma ressalva final que dispõe que aplica-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição. O citado dispositivo é claro ao determinar que compete ao Tribunal de Contas da União o julgamento de contas de ordenadores de despesas federais.

E tal regra, conforme art. 75 da Constituição é extensível, no que couber, ao âmbito estadual e municipal.

O debate já e bastante conhecido da jurisprudência e da doutrina.

A constitucionalidade do dispositivo já fora objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal nas ADCs 29 e 30, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux. O plenário, por maioria, confirmou a constitucionalidade da nova redação do artigo, dada pela LC 135/2010, conquanto o cerne do julgamento não tenha sido a definição do órgão competente para julgar as contas dos mandatários do Poder Executivo, sem ter havido, portanto, debate sobre tal tema.

Cediço que, a definição do órgão competente para o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo ganha especial relevo, eis que reflete diretamente em eventuais declarações de inelegibilidade.

Os Tribunais Eleitorais possuem entendimento diversos, assim como o próprio TSE, conquanto para as eleições de 2014, ao julgar o Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 41351, tenha modificado seu entendimento, passando aceitar a tese de ser competente os tribunais de contas para julgamento do chefe do poder executivo, quando este atuar na qualidade de ordenador de despesas.

Embora tenha relevo e pertinência, a questão é complexa, e não nos parece que esta fora a intenção do Constituinte.

Mais uma vez, não está aqui a defender a impunidade dos gestores públicos, muito menos discutir a importância nos nossos tribunais de contas. A questão traga à baila, é a desconsideração dos instrumentos postos à disposição em nosso ordenamento jurídico, para punir corretamente àqueles gestores ineficientes, ímprobos, mas que, por morosidade, ineficiência, tais instrumentos tornam-se inúteis, principalmente inócuos, restando, como uma tentativa de barreira, a desvirtuação de outros instrumentos ou de dispositivos constitucionais.

Gomes, (2016, p. 256), defensor da tese, disserta:

De todo criticável a exegese pretoriana, porquanto labora claramente em equívoco. Em primeiro lugar, dado seu perfil constitucional, o Tribunal de Contas não é mero órgão auxiliar, mas, sim, uma das mais relevantes instituições vocacionadas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública. Seus membros gozam de iguais garantias, prerrogativas, impedimentos e vantagens da Magistratura (CF, art. 73, § 3o). Demais, ao ordenar pagamentos e praticar atos concretos de gestão administrativa, o Prefeito não atua como agente político, mas como técnico, administrador de despesas públicas. Não haveria, portanto, razão para que, por tais atos, fosse julgado politicamente pelo Poder Legislativo. Na verdade, a conduta técnica reclama métodos e critérios técnicos de julgamento, o que – em tese, ressalve-se – só pode ser feito pelo Tribunal de Contas.

Concordamos com Gomes, no tocante à extrema importância dos Tribunais de Contas. Todavia, não é nos é dado poder para decidir ou não competências dais quais o constituinte definiu. Esse é o ponto crucial do debate, notadamente em relação aos chefes do poder executivo municipal. Não pode o legislador infraconstitucional definir aquilo que a Constituição não atribuiu.

Trazemos à baila os dispositivos constitucionais pertinentes:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Vejamos, que, o disposto no art. 71, aplica-se, por força constitucional, no que couber, no tocante à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Daí, influi-se que, havendo regra específica, tal regra deixa de prevalecer. Pois bem, a Constituição, tratou te trazer regra expressa quanto à composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, consoante previsto em seu art. 31, in verbis:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

§ 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.

§ 4º É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.

A discussão que impera é no tocante à aplicabilidade do inciso II, do art. 71 aos chefes do poder executivo, quando estes atuam na qualidade de ordenadores de despesas.

Conquanto seja extremamente válida a discussão, dada a relevância dos Tribunais de Contas, há de considerar a função da qual a Constituição expressamente designou em relação às contas do chefe do poder executivo, sem que houvesse ressalva nesse sentido.

Ponderando sobre tal questão, o Ministro Gilmar Mendes, ainda em 2012, assim ponderou:

As contas públicas dos Chefes do Executivo devem sofrer o julgamento - final e definitivo - da instituição parlamentar, cuja atuação, no plano do controle externo da legalidade e regularidade da atividade financeira do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos Municipais, é desempenhada com a intervenção “ad coadjuvandum” do Tribunal de Contas. A apreciação das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo - que é a expressão visível da unidade institucional desse órgão da soberania do Estado - constitui prerrogativa intransferível do Legislativo, que não pode ser substituído pelo Tribunal de Contas, no desempenho dessa magna competência, que possui extração nitidamente constitucional. A regra de competência inscrita no art. 71, inciso II, da Carta Política - que submete ao julgamento desse importante órgão auxiliar do Poder Legislativo as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta - não legitima a atuação exclusiva do Tribunal de Contas, quando se tratar de apreciação das contas do Chefe do Executivo, pois, em tal hipótese, terá plena incidência a norma especial consubstanciada no inciso I desse mesmo preceito.

(Rcl 14561 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 28/09/2012, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02/10/2012 PUBLIC 03/10/2012)

A matéria, ainda não tem posicionamento final. O Supremo Tribunal Federal Federal, em 2015 reconheceu a repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 848.826, pendente de julgamento, quanto à definição do órgão competente – Poder Legislativo ou Tribunal de Contas – para julgar as contas de chefe do poder executivo que age na qualidade de ordenador de despesas.

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Sobre a autora
Mariane de Oliveira Braga Santos

Advogada. Especialista em Direito Público. Especialista em Administração Pública, Planejamento e Gestão Governamental. Pesquisadora do Núcleo de Direito do Terceiro Setor da UFPR. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/MG. Membro da Comissão de Direito Administrativo e da Comissão de Direito Eleitoral da Associação Brasileira dos Advogados - ABA. Atualmente é sócia do Escritório Oliveira Braga Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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