Uma análise jurídica do julgamento de Jesus Cristo

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6 Considerações Finais

Jesus Cristo de Nazaré é uma figura muito instigante para que seja simplesmente ignorado. Por tal razão, ele também chama a atenção para os olhares dos juristas, seu julgamento foi o maior escândalo que o direito penal pôde produzir. Não por acaso, porque o processo penal é o palco perfeito para eliminar os inimigos, os indesejados e “perigosos” marginalizados. O processo de Jesus no Sinédrio mostrou-se eivado de ilegalidade, assim compreendidas comparativamente ao constante na Torah e no Talmude. Analisou-se e demonstrou-se que Jesus não cometeu o crime de blasfêmia, porque em nenhum registro consta que ele proferiu o nome de Deus (YHWH). Em momento algum comprovou-se que Jesus Cristo de Nazaré disse que destruiria o templo de Jerusalém. O seu processo no Sinédrio foi o instrumento utilizado para silenciá-lo, porque já granjeando a simpatia das multidões, ele tornou-se inconveniente para os cabecilhas do povo judeu e os chefes dos sacerdotes. Não houve em seu julgamento observância à regra da existência de duas testemunhas idôneas para admissão da acusação (Dt 19:15-21), tampouco a regra de apuração meticulosa dos fatos incriminadores (Dt 13,13-15).  Além disso, em violação às disposições de natureza processual seus julgamento e prisão foram efetivados durante à noite e durante data festiva e feitos de modo secreto.

As explicações possíveis para a construção dessa perseguição judicial encontram resposta nas divergências teológicas entre Jesus e os fariseus e saduceus que elevaram as convicções de Jesus à categoria do delito, transformando o direito em uma arma política. Ademais, tem razão a hipótese de que os judeus temiam que o messianismo reivindicado por Jesus fosse interpretado pelos romanos como subversão da ordem de dominação e preferiram, por tal razão, entregar Jesus a Pilatos para evitar um conflito com Roma. De fato, os episódios da entrada triunfal em Jerusalém, em que Jesus é aclamado pelas multidões como rei e a ocorrência em que ele expulsa os vendilhões do templo criam condições para enquadrá-lo nos crimes de sedição e lesa majestade, previsto na legislação romana.

Vimos que a prisão de Jesus contou com uma coorte romana, o que indica o concertamento entre os judeus e os romanos para este fim. Considerando que a lei romana não julgava delitos da competência do Sinédrio judaico, Jesus tem que ter sido acusado de um crime segundo a lei romana.

Demonstrou-se que todos os evangelhos, canônicos e apócrifos, bem como a literatura judaica e romana apontam que Jesus foi acusado e considerava culpado de ser declarar rei. A lei romana considerava como crime de lesa-majestade a reivindicação de título real não dado por César. Assiste razão ao raciocínio de que o messianismo de Jesus foi compreendido em sua dimensão política pelos romanos, especialmente ao causar estardalhaços, adentrando Jerusalém aclamado pelas multidões como rei. Demonstrou-se que o messias dos Judeus era o libertador esperado pelo povo que implantaria um reino político-militar e que a própria noção do messias antagonizava com o poder político romano sobre a Palestina ocupado. Expôs-se que um grupo de judeus acusou Jesus de se declarar rei, e ele de fato chegou a admitir que era rei, embora tenha feito uma confissão qualificada, no sentido de que embora fosse rei, seu reino era divino, mas tal justificação não tem amparo do direito romano, especialmente considerando que o poder dos césares era dado por Deus e os próprio imperadores eram divindades que não admitiam disputar tal atributo com ninguém.

O próprio modo de execução por crucificação, pena reservada a escravos e estrangeiro e o título colocado sobre a cruz em que Jesus de Nazaré foi crucificado em que se inscreveu “Jesus, rei dos Judeus”, tem-se a prova definitiva da imputação criminal reputava procedente por Pilatos. A condenação deu-se, a teor das evidências pelo crime de sedição e lesa-majestade, porque Jesus de Nazaré reivindicou o título de rei e determinadas ocasiões participou de eventos interpretados como motins, como a expulsão dos comerciantes do templo que lhe enquadravam, formalmente, no crime de sedição.

Por fim, pode-se afirmar à guisa de conclusão que o Direito atendeu as demandas de afirmação de poder político por Roma e religioso pelos Judeus e que Jesus representou uma voz libertadora na sua maneira de interpretar a lei judaica, inconformada com o status quo, indignada com o opressão dos dominadores, essa voz bem como toda sua grei, precisava ser silenciada, exatamente como foi feito. Curiosamente, no longo moer da história, seu julgamento e morte se transformaram no martírio mais importante e idolatrado da história. Dessa forma, por um processo judicial, morreu o Jesus da história para nascer para gerações a perder de vista, o Cristo da fé.


REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

Quadro 1 – Acusações apresentadas contra Jesus

Evangelhos

Acusações

Evangelho de Mateus

“Jesus estava em pé perante o governador; e este assim o interrogou: És tu o Rei dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes. Mas, enquanto os principais sacerdotes e os anciãos o acusavam, ele nada disse” Mt 27,11-12

Evangelho de Marcos

“Logo pela manhã, entraram em conselho os principais sacerdotes com os anciãos, escribas e todo o Sinédrio e, maniatando a Jesus, levaram-no, e entregaram-no a Pilatos. Pilatos perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes. Os principais sacerdotes fizeram-lhe muitas acusações.” Mc 15,1-3

Evangelho de Lucas

“Começaram a acusá-lo, dizendo: Achamos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e dizendo ser ele Cristo, Rei.” Lc 23, 2

Evangelho de João

“Responderam-lhe os judeus: Nós temos uma Lei, e, segundo a nossa Lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus.”

Jo 19, 7

“Desde então, Pilatos procurava soltá-lo, mas os judeus clamavam: Se soltares este homem, não és amigo de César; todo aquele que se faz rei opõe-se a César.” Jo 19, 12

Apócrifos

“Pilatos ordenou então que fosse puxado o véu diante da cadeira curul e disse a Jesus: ‘O teu povo te acusa de pretender o título de rei. Por isso, decretei que, em respeito às leis dos pios imperadores, sejas primeiro flagelado e depois suspenso na cruz, no jardim onde fostes preso. Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados contigo’”

“Pilatos perguntou aos judeus: ‘Por qual motivo deveria ele morrer? Os judeus responderam: ‘Porque se diz filho de Deus e rei’”

 “Se alguém blasfema contra César é ou não réu de morte? ‘É réu de morte’, respondeu Pilatos. Os judeus disseram: ‘Se é réu de morte quem blasfema contra César, este homem blasfemou contra Deus”

Nós não dizemos que ele seja rei, é ele quem o afirma de si mesmo

Evangelho de Nicodemos/Atos de Pilatos, cap. 5

 Fonte: Elaborado a partir dos evangelhos canônicos e apócrifos de Nicodemos/Atos de Pilatos (MORALDI, 1999). Grifo nosso.


Notas

[1] RIBEIRO, Roberto Victor Pereira, O Julgamento de Jesus Cristo Sob A Luz do Direito - 2a Ed. 2017, Ed. Pillares

[2] RIBEIRO, Roberto Victor Pereira, O Julgamento de Jesus Cristo Sob A Luz do Direito - 2a Ed. 2017, Ed. Pillares

[3] Lei Júlia de violência pública em Digesto, XLVIII, 6º, 10: fica sujeito a este lei o que atue com dolo mau para impedir que os juízos possam realizar-se com segurança, ou que os juízes não possa julgar como é devido [...] Lei XLVIII, 11, 3 do Digesto: pois que dizer quando alguém haja cobrado uma certa quantidade de dinheiro para matar alguém, ou ainda que nada cobre, mesmo assim, levado pela paixão, houver dado morte a um inocente ou a quem não deveria castigar? Estes devem receber a pena capital, ou pelo menos, ser deportados para uma ilha (BEXIGA, 2016, p. 349,354)

[4] Não terá piedade dele o teu olho; dar-se-á vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão e pé por pé. (Dt 19:21)

Sobre o autor
Lucas Araújo de Oliveira Júnio

Advogado, atua em vários ramos do direito, com ênfase em prática cível e criminal. Aficionado e curioso estudante de ciências humanas. Trabalha também como tradutor e intérprete

Informações sobre o texto

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