Aspectos legais da coleta seletiva do lixo

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RESUMO:O presente artigo tem como foco o estudo dos aspectos legais que regulam o tratamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil e, particularmente, no Município do Rio de Janeiro. Parte do disposto na Carta Magna, promulgada em 1988, buscando analisar o modo pelo qual o Estado brasileiro regula o tema. Verifica que a implantação de coleta seletiva é fator primordial para o funcionamento do Programa Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS, uma vez que os resíduos gerados devem ser selecionados, reciclados e reintroduzidos na cadeia produtiva, poupando recursos naturais, gerando renda e, consequentemente, desenvolvimento. O estudo do arcabouço legislativo disponível e em vigor no país, estado e município, permite concluir que existe farta regulação do tema e consenso sobre a necessidade de se implantar programas de coleta seletiva.

PALAVRAS CHAVE: Legislação ambiental; Resíduos sólidos; PNRS.

ABSTRACT:The current article has as its focus the study of the legal aspects that regulate the urban solid waste management in Brazil, and, particularly, in the municipality of Rio de Janeiro. The study is based on what is written about the subject in the Brazilian Constitution of 1988, aiming to analyze how the State treats it. It verifies that the implementation of selective collection is a fundamental factor for the perfect development of the National Program of Solid Waste (PNRS - Programa Nacional de Resíduos Sólidos), given that the solid waste must be selected, recycled and reintroduced in the production chain, saving natural resources, generating income, and, consequently, development. The study of the national laws regarding the matter allows the conclusion that there is a strong regulation in what regards this subject, and everybody agrees about the necessity to implement programs of selective collection.

KEYWORDS: Environmental Legislation; Solid Waste; PNRS.


INTRODUÇÃO

A conscientização do habitante/consumidor, em busca de uma qualidade de vida melhor, leva ao estabelecimento de novos valores e à necessidade de construção de novos padrões de conhecimento e, em conseqüência, de legislações visando regular a relação entre o homem e a natureza. Nos dizeres de Leff (2001), proporciona a produção de processos cognitivos em que a interdependência e o contínuo construir, desconstruir, reconstruir seja levado em conta. Essa sinergia pode e deve impulsionar o processo criativo humano para superar os novos desafios ambientais, aliando os tecidos social, ambiental e tecnológico.

O efeito-estufa, confirmado por cientistas, assim como outros problemas ecológicos de natureza global, entre eles o descarte dos resíduos sólidos, vem sendo enfocados por organismos de credibilidade internacional, como a ONU. A consciência ambiental aparece em tal organismo como uma importantíssima ferramenta para levar às pessoas, governos, empresas e entidades a assumirem as suas responsabilidades com o meio ambiente.

            Por mais que a geração de resíduos sólidos seja algo que acompanhe a humanidade desde seus primórdios, não faz muitos anos que os problemas decorrentes da sua geração e inadequado descarte começaram a ser enfrentados. Neste sentido, a regulação das ações humanas por meio de normas jurídicas deve contribuir com o não agravamento dos problemas ambientais.


LEGISLAÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal no art. 23, VI, afirma ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a tarefa de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (BRASIL, 1988).

No art. 24, a Constituição Federal estabelece competência legislativa concorrente para a União, os Estados, Distrito Federal. O inciso VI, do mesmo artigo, atribui a estes entes a competência para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (BRASIL, 1988).

Percebe-se que aos municípios não foi atribuída a competência legislativa, mas isso não significa que não possam legislar sobre meio ambiente. Por força do disposto no art. 30, II, da Constituição Federal, cabe aos municípios suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (BRASIL, 1988).

Ao regular a ordem econômica, a Constituição Federal, no art. 170, demonstra o objetivo de normatizar e regular as atividades econômicas. O legislador listou alguns princípios, que sugerem uma direção a ser seguida, sendo a defesa do meio ambiente listada como um deles, o que representa a importância dada ao tema pelo legislador. Assim, o Estado assume a responsabilidade pelo desenvolvimento de políticas públicas visando ao uso consciente dos recursos naturais e a preservação ambiental, harmonizando os interesses dos atores econômicos com a utilização do meio ambiente (BRASIL, 1988).

Noutro momento o legislador constituinte dedica um capítulo para regular a relação da sociedade com o meio ambiente.  O capítulo VI (onde se inclui o art. 225), garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que deve ser preservado para esta e as futuras gerações. Em especial, cabe destacar a previsão do inciso VI do § 1º do referido artigo, por meio do qual o poder público é incumbido da responsabilidade de promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (BRASIL, 1988).

No plano infraconstitucional, entre a legislação federal destaca-se a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu, após duas décadas de discussão no Congresso Nacional, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010).

A resolução do CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, n° 401 de 05 de novembro de 2008 determina que os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e o poder público de forma compartilhada implementem programas de coleta seletiva para as pilhas e baterias.


POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS - PNRS

A PNRS dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores de resíduos e do poder público e os instrumentos econômicos aplicáveis, e estende sua aplicação às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos (BRASIL, 2010).

No art. 6º da Lei nº 12.305/2010 são listados os princípios da PNRS, cabendo destacar o inciso VIII, que trata especificamente da reutilização e reciclagem, declarando como princípio o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania (BRASIL, 2010).

No art. 7º da Lei nº 12.305/2010, ao enumerar os objetivos da PNRS, o legislador deixa evidente sua preocupação com a reciclagem adotando a teoria dos 3 Rs, declarando como objetivo a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, e, ainda, orienta o incentivo à indústria da reciclagem, como o fomento ao uso de matérias-primas derivadas de materiais reciclados.

Entre os instrumentos da PNRS, previstos no art 8º da citada lei, aparece a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, bem como o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; 

A teoria dos 3 Rs foi devidamente destacada no art. 9o, que determinou a observância da seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

A leitura do art. 10 deixa evidente que cabe aos municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos, e que a responsabilidade por fiscalizar é dos órgãos federais e estaduais. Outra inovação trazida pela PNRS foi a criação do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), que deve ser organizado e mantido pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Outro conceito adequadamente apresentado pela Lei nº 12.305/2010 é a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que gerou obrigações para os diversos agentes envolvidos na geração dos resíduos sólidos. No art. 36, a mencionada lei lista as obrigações do titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, que deverá adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis, estabelecer sistema de coleta seletiva, articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis, realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial, implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido, dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos (BRASIL, 2010).

Ainda no mesmo art. 36, a lei em questão define que o titular de serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, deve priorizar a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação, com a garantia de dispensa de licitação (BRASIL, 2010).

A PNRS E Cooperativas e a Associações de Catadores

A PNRS também trouxe, em seu artigo 44, inciso II, a previsão de uma linha de financiamento para atender, entre outras ações, a implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda e a estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa (BRASIL, 2010).

A relação com cooperativas e associações de catadores é nitidamente incentivada novamente no art. 44, momento em que a Lei fomenta a concessão de incentivos fiscais, financeiros ou creditícios, a projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda. 

Com efeito, o município pode conceder isenções a projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos. Como por exemplo, uma empresa que mantém um projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos poderia ser isenta de impostos municipais.

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A Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que, como dito, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, foi regulamentada pelo  Decreto nº 7.404, de 23 de Dezembro de 2010. Naturalmente a coleta seletiva é fartamente abordada pela norma regulamentadora. Já no art. 6º, a norma cria a obrigação para os consumidores de, sempre que estabelecido um sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados e a disponibilizar adequadamente os materiais reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução (BRASIL, 2010).

O legislador reafirma a importância da coleta seletiva declarando no corpo do art. 9º do referido decreto que a implantação do sistema de coleta seletiva é instrumento essencial para se atingir a meta de disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, bem como a prioridade da participação das cooperativas ou de outras formas de associação de catadores no processo de seleção dos resíduos. Esta exigência deve ser regulada nos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos que devem definir programas e ações com esta finalidade.

O Decreto nº 7.404/2010 destinou especial atenção para os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, agentes importantíssimos para o sistema de coleta seletiva. No art. 44.  são listadas as exigências para as políticas públicas voltadas aos catadores, como a possibilidade de dispensa de licitação para a contratação de cooperativas ou associações, o estímulo à capacitação, à incubação e ao fortalecimento institucional de cooperativas, bem como à pesquisa voltada para sua integração nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a melhoria das condições de trabalho dos catadores, bem como existe a possibilidade de um convênio direcionar a responsabilidade pela criação e desenvolvimento das cooperativas para pessoas jurídicas de direito público ou privado. (BRASIL, 2010).

O referido Diploma Legal ainda dedica alguns artigos para definir regras sobre a educação ambiental. À guisa de exemplo, define como objetivo da educação ambiental o aprimoramento do conhecimento, dos valores, dos comportamentos e do estilo de vida relacionados com a gestão e o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

Outra medida de incentivo à elaboração dos planos de resíduos sólidos está prevista no art. 78  do Decreto nº 7.404/2010, que condiciona o acesso a recursos da União à elaboração dos planos de resíduos sólidos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A lei ainda prevê, no art. 81, a possibilidade de criação de linhas especiais de financiamento para as cooperativas e associações de catadores, atividades destinadas à reciclagem e ao reaproveitamento de resíduos sólidos, bem como atividades de inovação e desenvolvimento relativas ao gerenciamento de resíduos sólidos e atendimento a projetos de investimentos em gerenciamento de resíduos sólidos.


LEGISLAÇÃO ESTADUAL (RIO DE JANEIRO)

O estudo do tema no Estado do Rio de Janeiro inicia-se com a Constituição Estadual, que dedica o seu capítulo VIII para definir regras relacionadas com o meio ambiente, definindo como direito de todos o meio ambiente saudável e equilibrado, e atribuindo o dever de proteção a todos, e em especial ao Poder Público. No inciso XXI do §1º do art. 261 é destacada a necessidade de implementação da coleta seletiva e reciclagem. Tal importância é reafirmada no art. 263 da Carta Estadual, que autorizou a criação do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano, quando se definiu que os recursos do Fundo podem ser aplicados em programas de coleta seletiva e reciclagem.

Ainda em 2003 é sancionada a Lei nº 4.191, que dispõe sobre a Política Estadual de Resíduos Sólidos. Esta estabeleceu normas referentes à geração, acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos, visando controle da poluição, da contaminação e a minimização de seus impactos ambientais. O art. 12, I, ao estabelecer os princípios, definiu que a geração de resíduos sólidos deve ser minimizada com a adoção da reciclagem, e mais a frente, no inciso VIII, do mesmo artigo, definiu a responsabilidade pós-consumo do produtor como o apoio a programas de coleta seletiva e educação ambiental.

O art. 13 do Estatuto destacado acima define como objetivo da Política Estadual de Resíduos Sólidos o estímulo e valorização da coleta seletiva de tais resíduos. No artigo seguinte é listado como diretriz o incentivo às cooperativas de catadores e classificadores de resíduos sólidos, bem como aos programas que priorizem o catador como agente de limpeza e coleta seletiva.

A reciclagem e a coleta seletiva também encontram espaço na legislação municipal do Rio de Janeiro. Começando pela Lei Orgânica, carta constitucional municipal, que, ao regular as políticas municipais, garantiu um capítulo destinado ao meio ambiente. Neste capítulo, mais precisamente no art. 463, inciso V, determinou que é obrigação do poder público a execução de políticas setoriais, visando à coleta seletiva, transporte, tratamento e disposição final de resíduos urbanos, patológicos e industriais, com ênfase nos processos que envolvam sua reciclagem.

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Sobre os autores
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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