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A inteligência emocional aplicada no processo

06/12/2005 às 00:00
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A resistência à pretensão faz nascer o conflito. Mais que isso, não raro fomenta tristeza, mágoas, ira, desejo de vingança, de revide. A pessoa - futura parte autora ou ré do processo - leva a seu advogado ou ao membro do Ministério Público um turbilhão de intensos sentimentos e os despeja no profissional que o atende. Infelizmente, a maioria dos profissionais sequer tem preparo para lidar com os seus próprios sentimentos e conflitos existenciais, quanto mais com os das inúmeras pessoas em crise que procuram seus serviços.

Esse despreparo pode frustrar o cliente, por inexistência de empatia e feedback; pode incentivar a hostilidade, maximizando a agressividade já presente através da supervalorização de determinado ponto de vista; ou, o que é pior, pode expor o advogado ou membro do parquet a um processo doentio de absorção e mistura de emoções, hospedeiras e oportunistas. Neste último caso, a advogado ou o membro do Ministério Público transfere para os atos judiciais tais emoções em desalinho, que se revelam em expressões e atitudes exageradas, injuriosas, contundentes, desrespeitosas.

É bem verdade que muitos profissionais tentam – mesmo que inconscientemente - compensar a falta de argumento e técnica com agressões desmedidas e inverdades. Outros, ótimos técnicos, se excedem nas adjetivações, traídos pelo exibicionismo rococó. Tantos mais, sem perspectivas de vitória, manipulam habilidosamente situações, gerando desconforto e provocando reações emocionais exaltadas, justamente para tumultuar e procrastinar o processo, quando não para tirar o foco de atenção do juiz. Nos dois primeiros casos, de regra não há má-fé, em sua conceituação jurídica, mas apenas deficiência de técnica e/ou de ética. No terceiro há, pois a intenção revela uma postura que atenta contra a dignidade da Justiça e ao exercício da jurisdição, podendo inclusive ensejar sanções civis e penais.

O fato é que este estado de emoções é a ante-sala da deslealdade, da má-fé e de novos conflitos, gerando uma psicosfera de insatisfação, tensão, desconfiança e negativismo que, inevitavelmente, será somatizada no processo através de manobras protelatórias e incidentes processuais diversos, como argüições de nulidades, acusações de cerceamento de defesa, pedidos de condenação por litigância de má-fé, argüição de suspeição, pedido de correição, apuração de responsabilidade, etc... Temos, então, uma prestação jurisdicional enferma, que, de tabela, fará doentes seus partícipes.

O art. 446, inciso III, do Código de Processo Civil dispõe que compete ao juiz "exortar os advogados e o órgão do Ministério Público a que discutam a causa com elevação e urbanidade.". Dever de urbanidade que o §1º, do art. 416, do CPC, estende em proteção às testemunhas. Mas a simples exortação pode não ter efeito diante de um clima de extrema animosidade. Por isso, o edito processual dá ao juiz poderes para mandar riscar expressões injuriosas (art. 15); para cassar a palavra (art.15, PU); para ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportarem inconvenientemente, podendo faze-lo, inclusive, mediante força policial (art. 445, II e III); e para condenar por litigância de má-fé (art. 18) e por ato atentatório ao exercício da jurisdição (art. 14).

Em tese, o juiz deve ficar eqüidistante das partes, manter-se imparcial, sóbrio e centrado. Mas o juiz, em sua condição de humanidade, também é um ser emocional. Como qualquer pessoa, tem problemas, condicionamentos e paixões, que interagem e modelam seu caráter, temperamento e personalidade. Não é um ser encapsulado pela toga. Portanto, vai afetar e ser afetado pelas emoções e valores em ebulição no litígio.

Ora, tal como existem advogados e membros do Ministério Público despreparados para lidarem com as emoções de um processo, juízes há que, a um só tempo, esnobam sublime inteligência racional e uma indisfarçável ignorância emocional, potencializada e corrompida pelos poderes que exerce. O olhar intimidador, a voz estentória e o dedo em riste, por vezes apenas exteriorizam sentimentos ambivalentes de prepotência e insegurança que, não raro, revelam-se em seus despachos e decisões através de expressões arrogantes, descorteses e humilhantes.

Os excessos dos magistrados também podem e devem ser reprimidos. A LOMAM prescreve deveres, os regimentos dos Tribunais prevêem correições e o art. 133, do CPC, estende aos juízes a possibilidade de responderem por perdas e danos. Em verdade, o desequilíbrio pendular e passional de um magistrado no curso do processo pode ensejar contra si a argüição de suspeição, tal como prevê o art. 135, do CPC. Demais disso, podem responder a processo por abuso de autoridade.

O processo visa por fim a um conflito. Ora, se este processo produz novos conflitos, por vezes mais intensos e danosos, não se pode concluir que o processo serviu à pacificação de conflitos e à paz social. Antes pelo contrário, mostrou-se pernicioso, caro e inútil à sociedade. Infelizmente, esta tem sido uma realidade crescente.

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Os profissionais do Direito prescindem deste sofrimento recíproco. Justiça não se faz através de agressões e de velhacarias, mas pela força de argumentos lógicos, bem concatenados e convincentes e, principalmente, pelo bom senso e acuidade na aplicação da lei.

O cidadão deve sentir confiança nos profissionais que atuam no processo. Deve perceber, no curso do processo, a paulatina construção da Justiça na elevação dos debates e na sobriedade das posições. Se assim não for e a prevalecer uma relação de indisfarçável desrespeito e descrédito entre os profissionais, dê um motivo para o cidadão crer que existe Justiça?

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Sobre o autor
Denis Gleyce Pinto Moreira

advogado da União em exercício na Procuradoria da União no Pará, pós-graduado em Processo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Denis Gleyce Pinto. A inteligência emocional aplicada no processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 886, 6 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7675. Acesso em: 4 mai. 2024.

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