2. OS PRINCIPAIS DIREITOS FUNDAMENTAIS GARANTIDOS PELA LEI 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018.
A Constituição Federal de 1988, a nossa Carta Magna, é conhecida pelas pessoas com a constituição cidadã, que possui direitos sociais e é considerada um marco para a democracia brasileira, pois foi a primeira constituição a permitir a participação da população em sua elaboração. E de todas as novidades estabelecidas pela Constituição Federal, a mais considerável foi a criação dos direitos fundamentais, em razão da sua importante contribuição para um ordenamento jurídico mais justo.
Por mais difícil seja a conceituação de direitos fundamentais, cumpre trazer a lição de Marçal Justen Filho a respeito do tema. Observa-se:
Direito fundamental consiste em um conjunto de normas jurídicas, previstas primariamente na Constituição e destinadas a assegurar a dignidade humana em suas diversas manifestações, de que derivam posições jurídicas para os sujeitos privados e estatais.16
Ao se falar em direitos fundamentais, Marcelo Schenk Duque afirma que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais está interligado à garantia de respeito e proteção da dignidade humana. 17
Dessa forma, a limitação do uso de dados pessoais determinada pela nova legislação respeita o principio da dignidade da pessoa humana, principalmente a proteção do direito a liberdade, a privacidade, a honra e a imagem pertencentes ao ser humano.
Conforme o artigo 2º da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a proteção de dados tem como fundamentos: o respeito à privacidade (I), a autodeterminação informativa (II), a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião (III), a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (IV), o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação (V), a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (VI) e os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (VII). 18
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais tem o objetivo de garantir direitos básicos aos cidadãos brasileiros, através de uma adaptação do ordenamento jurídico, mantendo a preservação de seus direitos e a segurança jurídica de forma que garanta os direitos fundamentais.
O direito a proteção de dados pessoais é um direito da personalidade, que está ao lado e não se confunde com outros atributos e direitos da personalidade, como a honra, a imagem, a voz, a privacidade. 19
Assim é possível afirmar que o direito à proteção de dados pessoais é um direito fundamental que está implicitamente estabelecido na Constituição Federal.
Portanto, para João Carlos Zanon, os direitos fundamentais basilares para a proteção de dados geram o direito a proteção de dados pessoais, sendo também este um direito da personalidade, porém que se distingue dos direitos subjetivos já conhecidos e respaldos expressamente na Constituição Federal, mas que é formado a partir dos direitos fundamentais existentes.
Zanon ainda afirma, que “o direito à proteção dos dados pessoais, como direito fundamental, possui duas dimensões: uma subjetiva (status negativo) sendo um direito de resistência, ao delimitar uma esfera de proteção que não pode sofrer intervenção indevida do poder estatal ou privado, exigindo a abstenção do Estado nesse âmbito; e, também, uma dimensão objetiva (status positivo), na medida em que reclama ações do Estado para garantir tal proteção”.20
Neste sentido, pode-se afirmar que a proteção de dados pessoais garantida pela LGPD é um direito fundamental de status positivo, ou seja, porque é uma proteção prestada pelo Estado, pois o Estado é quem tem o dever de criar políticas e estabelecer órgãos públicos para garantir a proteção dos dados pessoais no Brasil e editar uma legislação asseguradora do referido direito, que é o caso da citada lei.
Os direitos fundamentais são estabelecidos na Constituição Federal e através deles foi criado o direito a proteção de dados pessoais, portanto, a LGPD foi criada através da necessidade de uma legislação que garantisse o direito de liberdade e privacidade da pessoa natural, conforme é citado no artigo 1º da lei, que sustenta que:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.21
Não restam dúvidas de que a Lei Geral de Proteção de dados Pessoais está constituída através de direitos fundamentais constitucionais e que em soma prezam pela proteção da dignidade da pessoa humana, garantindo aos cidadãos brasileiros, principalmente aos consumidores, direitos suficientes para que possuam liberdade e privacidade de usarem seus dados pessoais da forma que acharem oportuno, evitando que sejam vítimas de fraudes e desgastes e exposições desnecessária
2.1. DIREITO FUNDAMENTAL DO RESPEITO À PRIVACIDADE
Para Liliana Minardi Paesani o direito a privacidade é “um direito de primeira geração posto que ele apresenta-se, antes de tudo, como uma projeção dos princípios da liberdade e da dignidade humana.” 22
Assim, o direito a privacidade é assegurado expressamente na Constituição, sendo uma garantia da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, vejamos o artigo 5º, X da CF/88, que condiciona ao cidadão brasileiro o direito a vida privada.
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 23
Percebe-se que a palavra adotada na nossa Carta Magna não é privacidade, e sim, vida privada, o que poderia ocasionar várias interpretações. Contudo, a lei de proteção de dados pessoais utiliza o direito à vida privada com o direito a privacidade, de uma forma que garante ao cidadão o direito de negar a divulgação de informações a respeito de sua vida pessoal.
Em uma breve análise da Lei 13.709/2018 (lei de proteção de dados pessoais), verifica-se que o direito fundamental à privacidade encontra-se consagrado nessa norma, precisamente em seus artigos 1º e 2º, sendo um dos seus fundamentos primordiais. 24
Portanto, com essa garantia prevista na Constituição Federal e agora também na Lei de Proteção de Dados Pessoais, uma empresa privada ou pública só poderá usar ou ter acesso a um dado pessoal, se caso o seu titular realizar de forma incontestável o seu consentimento.
Porém, devem-se observar os casos que não precisam de consentimento, mas o que verdadeiramente importa, é que com a referida lei o indivíduo terá uma maior segurança jurídica em relação ao direito de manter seus dados pessoais em privacidade.
Por fim, é necessário trazer as lições de Zanon sobre o direito à privacidade. Senão, vejamos:
O direito a privacidade é um direito fundamental reconhecido e consagrado no direito constitucional de praticamente todos os países civilizados. Foi concebido e conceituado sob a normatividade da inviolabilidade, como garantia da liberdade de negação e respectivos deveres de abstenção, de não intromissão e de não divulgação de aspectos da vida privada e íntima da pessoa. 25
Após as sábias palavras de João Carlos Zanon, resta claro que o direito a privacidade é um direito fundamental e que se encontra aplicado na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, como forma de garantir a prevenção de divulgação e utilização de informações pessoais sem que tenha tido autorização da pessoa possuidora dos dados.
2.2. DIREITO FUNDAMENTAL DE LIBERDADE DA PESSOA HUMANA
Tendo em vista que o direito a liberdade é um direito fundamental, é necessário verificar se tal garantia é assegurada pela LGPD. Assim, traçando uma breve leitura sobre a lei de proteção de dados pessoais, vê-se que o objetivo é organizar os meios como são tratados, armazenados e protegidos os dados pessoais coletados por parte das empresas publicas e privadas, trazendo uma limitação à utilização dos dados pessoais. Confirmando, portanto, os princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, ou seja, o da dignidade da pessoa humana, da proteção da liberdade, honra, imagem, nome e todos os demais elementos pertencentes ao ser humano.
Diante disso, podemos afirmar que o direito a liberdade é expressamente garantido pela LGPD, conforme podemos ver no seu Art. 1º, onde é afirmado que o objetivo da lei é proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.27
Assim, o direito à liberdade juntamente com o da privacidade na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, é no sentido de não aceitar a indiscrição e de oferecer ao cidadão o direito de escolha. Não podendo o indivíduo ser compelido a fornecer seus dados pessoais para que possa ter acesso a determinado serviço. Portanto, o direito à proteção de dados pessoais está fortemente relacionado à proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais da liberdade e da privacidade.
2.3. DIREITO FUNDAMENTAL DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, DA HONRA E DA IMAGEM
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais incluiu entre seus fundamentos do art. 2º, a proteção da intimidade, da honra e da imagem, assim, estando em consonância com o art. 5º X, da Constituição Federal, que prescreveu de forma explicita que:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.28
Neste sentido, cumpre trazer as lições de Danilo Doneda a respeito da proteção de dados pessoais no âmbito da proteção da intimidade e sua importância para evitar riscos ao violar a vida privada. Vejamos:
O reconhecimento da proteção de dados como um direito autônomo e fundamental não deriva de uma dicção explícita e literal, porém da consideração dos riscos que o tratamento automatizado traz à proteção da personalidade à luz das garantias constitucionais de igualdade substancial, liberdade e dignidade da pessoa humana, juntamente com a proteção da intimidade e da vida privada.
Vê-se que o fato da lei de proteção de dados pessoais ter nascido para certificar o direito a proteção de dados pessoais, vai muito além do reconhecimento de um direito, mas da necessidade de uma legislação que possa evitar os dados que a ausência desta garantia estava trazendo para sociedade, pois diariamente, a intimidade de diversas pessoas são divulgadas através da prática de coleta de dados.
Deve-se considerar inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, a divulgação, publicação, transmissão, gravação ou o uso para outros fins de imagens e/ou de informações pessoais, sem autorização do titular.
Portanto, com a aplicação da LGPD, o possuidor de dados de terceiro terá que informar ao individuo cuja imagem ou dados estão sendo divulgados, a sua finalidade, os seus destinatários e a possibilidade de correção e a da exclusão. Podendo o titular dos dados consentir o seu uso, como poderá se opor, invocando as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Assim, o direito à proteção de dados pessoais atua e garante proteção das informações intimas dos titulares dos dados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais surgiu em razão da necessidade de uma norma que regulamente os constantes abusos cometidos perante os cidadãos, violando, por vezes, a sua intimidade e privacidade. Tal necessidade ganhou maior relevância quando nos deparamos com uma relação já marcada pela desigualdade, estando de um lado uma empresa oferecendo um produto ou serviço e do outro a parte frágil, sendo condicionada a informar seus dados pessoais para alimentar os bancos de dados da referida pessoa jurídica.
Os bancos de dados são por sua vez, um arranjo de informações coletadas dos cidadãos, que são capazes de individualizá-lo, construindo o seu perfil e possuindo a capacidade de informar seus gostos e hábitos e que não possuem um procedimento correto, deixando a intimidade dos cidadãos exposta e passíveis de abuso ou até mesmo de fraudes.
Com a proteção dos dados pessoais garantida pela nova lei, tal prática de coleta e armazenamento de dados será condicionada a uniformização criada pelas condições estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
A lei assegura a faculdade de cada cidadão decidir sobre a forma e os limites de utilização de seus dados pessoais, permitindo assim, que estes tenham confirmados os direitos fundamentais que são previstos na Constituição Federal de 1988. Portanto, a proteção do direito à privacidade e a intimidade foi o que conduziu a criação e a aplicação da referida lei em estudo, pois o ordenamento jurídico precisava de uma norma específica que fosse voltada para a proteção dos dados pessoais.
O direito a proteção de dados pessoais é revestido de fundamentos constitucionais, trazendo a garantia que os dados coletados serão apenas para os fins propostos e previamente informados ao seu titular, assegurando ao individuo o controle das informações que lhe dizem respeito e lhe fornecendo a liberdade de escolher em quais situações permitirá o fornecimento de seus dados, assim, garantindo o seu direito a privacidade.
Assim, podemos concluir que a lei busca a concretização dos direitos fundamentais, entre eles o da privacidade, liberdade e inviolabilidade da intimidade, garantindo a proteção de dados pessoais em respeito a esses direitos fundamentais que foram basilares para a criação da lei de proteção de dados pessoais.
REFERÊNCIAS
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DONEDA, Danilo. A Proteção Dos Dados Pessoais Como Um Direito Fundamental. Disponível em: <https://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1315/658> acesso em: 22/10/2018
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PAESANI, Liliana Minardi, Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo, Atlas, 2006
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THOMAZ, Alan Campos Elias. Lei Geral de Proteção de Dados: qual a abrangência e quem está sujeito à lei? Disponível em: < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/lei-geral-de-protecao-de-dados-qual-a-abrangencia-e-quem-esta-sujeito-a-lei-12072018 > acesso em 30/10/2018
ZANON, João Carlos. Direito à Proteção dos Dados Pessoais. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013.